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Processo n.º 860/10
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, A. reclama (fls. 2 a 3-verso), para o Presidente do Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 405º do Código do Processo Penal, do despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 12 de Novembro de 2010 (fls. 192 a 194), nos termos do qual se rejeitou a admissão de recurso de constitucionalidade, quer por não ter sido suscitada, de modo processualmente adequado qualquer questão relativamente à alegada violação dos artigos 29º, n.ºs 1 e 4 e 32º, n.ºs 1 e 9 da Constituição da República Portuguesa (CRP), quer por a alegada violação dos n.ºs 1, 2, 5, 7 e 8 do artigo 32º da CRP não se referir “a decisão proferida nos termos do art. 405.º do CPP” (fls. 194).
O recurso de constitucionalidade alvo de despacho de não admissão foi interposto de decisão proferida pelo mesmo Presidente do Supremo Tribunal, em 15 de Julho de 2010 (fls. 175 a 179), que, por sua vez, indeferiu reclamação de despacho de não admissão de recurso, proferido pelo Juiz-Relator junto da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto.
Para melhor compreensão dos autos, procede-se à transcrição do despacho ora alvo de reclamação:
“O arguido A. veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do art. 70. ° da LTC.
No requerimento de interposição de recurso para o TC o recorrente invoca a violação dos arts. 29. °, n.º 1 e 4 e 32.°, n.º 1 e 9 da CRP, que teria sido suscitada na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Face ao disposto no n.º 2 do art. 72. ° da LTC, o recurso previsto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do art. 70. ° da LTC só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Porém, o recorrente, na reclamação apresentada, não identificou nenhuma norma como sendo inconstitucional ou ilegal, referindo-a directamente e como fundamento a algumas das normas constitucionais invocadas.
Com efeito, apenas referiu, na parte que releva, que posições assumidas pela doutrina se encontram «alicerçadas nos princípios constitucionais previstos no artigo 29. ° n.º 1 e 4 e 32.° n.º 1 e 9 da Constituição da República Portuguesa, bem como no princípio da legalidade e da não retroactividade da lei penal e princípio da aplicação da lei penal mais favorável», argumentando que «a interpretação adoptada redunda, assim, num agravamento muito sensível da situação processual do Arguido e numa limitação drástica do seu direito de defesa (..)».
Decidindo:
«Uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo» (cf., Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421 /2001 — DR, II Série de 14.11.2001).
Neste entendimento da jurisprudência do Tribunal Constitucional, não se considera suscitada por modo processualmente adequado, e que obrigasse a tomar conhecimento, qualquer questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade.
E não é caso de formular o convite a que se reporta o n.º 5 do citado art. 75.°-A da LTC, para indicar a norma ou normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie, nos termos do n.º 1 do art. 75. °-A da LTC, por, como se referiu, na reclamação não ter sido suscitada adequadamente qualquer questão de constitucionalidade ou de legalidade.
Pelo exposto, não se admite nesta parte o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
Não se toma conhecimento da parte do requerimento de interposição de recurso em que o recorrente invoca a violação dos nºs 1 e 5 do art. 32. ° e dos nºs 1, 2, 7 e 8 do mesmo artigo da Constituição, eventualmente suscitada nos recursos para a Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça, respectivamente, por a violação dos referidos preceitos constitucionais não se referirem a decisão proferida nos termos do art. 405.° do CPP.” (fls. 192 a 194)
2. O recorrente apresentou reclamação, nos seguintes termos:
“A., reclamante nos autos, notificado do douto despacho proferido a fls... que não admitiu o recurso interposto para este tribunal na parte em que se invoca “a violação do disposto nos artigos 29º nº 1 e 4 e artigo 32º nº 1 e 9 da C.R.P. suscitada na reclamação para o Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça”, e não concordando com tal decisão vem Reclamar, nos termos do artigo 405º do C.P.P.
1º
O Recorrente reclamou para o Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida pela Relação do Porto, que não admitiu o recurso interposto por aquele tribunal.
2°
Em tal peça, que deverá integrar a presente reclamação o Recorrente alegou, em síntese:
a) A interpretação adoptada pela Relação do Porto viola abertamente a letra e o espírito da Lei (cfr. Artigo 5° da reclamação)
b) Designadamente o artigo 5° n°2 do C.P.P. (cfr. Artigo 6°, 7º, 8°, 9° e 10° da Reclamação).
c) E o disposto no artigo 29° nº 1 e 4 e 32° nº 1 e 9 da C.R.P. (cfr. Artigo 12° da Reclamação).
3°
Tal Reclamação foi instruída com as seguintes peças processuais:
a) Acórdão da Relação do Porto de fls... proferido em 02/12/2 009.
b) Recurso interposto pelo Arguido A. a fls...
c) Despacho de não admissão do Recurso proferido, a fls...
c) Parecer elaborado do Prof. Paulo Pinto Albuquerque junto ao Recurso do Arguido Luís Miguel, a fls...
4°
Salvo o devido respeito, que é muito, quer do teor da Reclamação, quer das peças processuais juntas, resulta claramente, que a questão da inconstitucionalidade e ilegalidade, objecto do recurso ora não admitido, foi suscitada de modo processualmente adequado, perante o Supremo Tribunal de Justiça, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.
5º
E tanto assim é, que o Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, tomou posição quanto a tal reclamação, como resulta da decisão de fls.. que deverá instruir a presente Reclamação.
6°
Pelas razões resumidamente expostas, entende o Reclamante que deve o Recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional, ser admitido com as legais consequências.” (fls. 2 a 3-verso).
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos seguintes termos:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação do despacho que, na Relação do Porto, não admitira o recurso interposto para aquele Supremo Tribunal, do acórdão proferido na mesma Relação que, por sua vez, negara provimento ao recurso da decisão que, em 1ª instância, o condenara na pena de seis anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido no artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
2. O Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional porque entendeu que o recorrente não suscitara adequadamente numa questão de inconstitucionalidade normativa.
3. Sendo a decisão recorrida e douta decisão anteriormente referida, o momento processualmente adequado para suscitar a questão era, precisamente, a reclamação dirigida ao Senhor Presidente do Supremo.
4. Nessa peça processual, o recorrente faz referência a diversas posições existentes sobre qual o momento que devia ser considerado relevante para a aplicação do novo regime dos recursos - saído das alterações introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto - considerando que tais posições se encontravam alicerçadas nos princípios constitucionais previstos nos artigo 29º, nº 1 e 4 e 32º, nº 1 e 9, da Constituição.
5. Ora, ali, nunca enuncia de forma clara qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, única que podia constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
6. Tal senão significa que não fosse possível enunciá-la, por forma a que o Tribunal dela pudesse conhecer, como ocorreu, por exemplo, no processo onde foi proferido o Acórdão nº 263/2009; só que o recorrente não o fez.
7. A douta decisão reclamada também não tomou conhecimento da parte do requerimento de interposição do recurso em que o recorrente invocava a violação dos nºs 1 e 5 do artigo 32º e dos nºs 1, 2, 7 e 8 do mesmo artigo da Constituição, ou seja, as questões identificadas nas alíneas a) e b) daquele requerimento.
8. O reclamante apenas reclamou do despacho “que não admitiu o recurso interposto para este Tribunal Constitucional”, pelo que a decisão, na parte em que não conheceu do requerimento, teria transitado.
9. Diremos, no entanto, que é o próprio recorrente que, no requerimento, afirma que suscitou a inconstitucionalidade daquelas duas questões no recurso para a Relação (a referida na alínea a)) e no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (a referida na alínea b)).
10. Ora, como já anteriormente dissemos (nº 3), sendo a decisão recorrida a proferida pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, era na reclamação a ele dirigida que as questões de inconstitucionalidade deviam ter sido levantadas.
11. Pelo exposto, deve, indeferir-se a reclamação.” (fls. 201e 203)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A reclamação não merece provimento.
Em primeiro lugar, deve frisar-se que o ora reclamante nunca identificou qualquer norma ou interpretação normativa ferida de inconstitucionalidade, conforme lhe competia, por força do n.º 1 do artigo 75º-A da LTC, limitando-se a alegar a violação de diversas normas constitucionais, sem demonstrar qual a norma jurídica infra-constitucional que se encontrava em contradição com aqueloutras. Certo é que, conforme determina o n.º 5 do artigo 75º-A da LTC, em abstracto, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça poderia ter convidado o ora reclamante a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, mediante indicação de qual a concreta norma ou interpretação normativa entendia ser inconstitucional. Porém, conforme bem demonstrado pelo despacho reclamado, na concreta tramitação processual dos presentes autos, tal convite ao aperfeiçoamento afigurar-se-ia completamente inútil, na medida em que a eventual supressão daquela omissão não seria apta a ultrapassar o fundamento de recusa de conhecimento do objecto do recurso, in casu, a falta de suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade normativa.
Assim, sendo esta a razão que justificou a recusa de admissão do recurso de constitucionalidade interposto, também não se vislumbram fundamentos para alterar a decisão do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça quanto a este aspecto.
Com efeito, devidamente analisada a reclamação do despacho de não admissão do recurso ordinário, proferido pelo Juiz-Relator junto do Tribunal da Relação do Porto, verifica-se que o ora reclamante nunca suscitou a inconstitucionalidade de uma precisa e determinada norma ou interpretação normativa, limitando-se a expor o seu entendimento acerca da sucessão de normas processuais penais no tempo, designadamente, mediante a invocação de opiniões doutrinárias e de diversas normas constitucionais que sustentariam tal tese. Porém, o ora reclamante não invocou, em momento algum, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica, limitando-se a invocar os referidos preceitos constitucionais em favor da sua argumentação.
Quanto à decisão de não conhecimento parcial do requerimento de interposição de recurso, “por a violação dos referidos preceitos constitucionais não se referirem a decisão proferida nos termos do art. 405.º do CPP”, deve considerar-se que, não tendo sido reclamada, transitou em julgado.
Em suma, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, o recurso de constitucionalidade interposto não pode ser admitido, mantendo-se o teor da decisão reclamada.
III – Decisão
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 03 de Fevereiro de 2011.- Ana Maria Guerra Martins – Vítor Gomes – Gil Galvão.