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Processo n.º 541/10
3.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificado do acórdão n.º 463/2010, que indeferiu a reclamação para a conferência e confirmou a decisão sumária anteriormente proferida de não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, o recorrente A. vem agora arguir a nulidade processual por falta de audição quanto à resposta do Ministério Público em relação à referida reclamação para a conferência, bem como a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, e deduzir pedido de aclaração do mesmo acórdão, alegando, em conclusão, o seguinte:
A. Ao ter sido submetido a visto do Ministério Público a reclamação apresentada pelo signatário do despacho que Indeferiu o requerimento de constitucionalidade por si apresentado, e tendo-se aquele pronunciado pelo indeferimento da reclamação apresentando questões novas que não foram suscitadas nem na decisão reclamada nem na reclamação, deveria ter sido dada a possibilidade ao signatário de responder a esta pronúncia antes de sobre ela ter sido proferida decisão.
B. Não tendo sido dada essa possibilidade ao signatário, o processo padece de nulidade pela omissão de um acto cuja lei obriga e que pode influir na decisão que sobre ele venha a recair, cfr. o artigo 201°, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex-vi do artigo 69° da LTC, o que implica a anulação de todo o processado posterior do procedimento.
C. O n° 2 do artigo 77º da LTC deva ser interpretado no sentido de que quando o Ministério Público, em sede de reclamação do despacho que indeferiu o requerimento de recurso de constitucionalidade apresentado no âmbito de um processo penal, se pronunciar sobre a reclamação e não se limitar a por o seu visto, deve o arguido, em homenagem aos princípios da igualdade de armas e do contraditório, ser notificado para responder a esta pronúncia, antes de ser emitida a decisão final.
D. É inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade de armas e do contraditório, consagrados respectivamente, nos artigos 13°, 32°, n° 1 e 32° n° 5 da Constituição, o artigo 77°, no 2, da LTC, quando interpretada no sentido de que a pronúncia que o Ministério Público efectuar sobre a reclamação, apresentada pelo arguido em processo penal, de um despacho que indeferiu o requerimento de recurso, não deve ser comunicada ao arguido reclamante para que emitir a sua resposta, antes de ser proferida a decisão da Conferência sobre a reclamação.
Subsidiariamente,
E. Tendo-se verificado, no caso concreto, quanto aos pontos III e V constantes do requerimento de recurso de constitucionalidade, que a decisão que indeferiu a reclamação apresentada pelo signatário, se limitou a manter a decisão reclamada, utilizando, para tal, o argumento de que basta a imperfeição, ou a omissão, ou o erro do requerimento de interposição do recurso, na definição do objecto do recurso, implica a sua rejeição, por falta de objecto, sem ter cuidado de se pronunciar sobre o que lhe foi submetido pelo signatário, ou seja, que a devida suscitação da inconstitucionalidade durante o processo judicial implica que esteja devidamente fixado o objecto do recurso, pois assim não pode ser desconhecido, ou escapar, a quem tem o móbil de os apreciar, determina a nulidade da decisão por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, ex-vi do artigo 69° da LTC, nulidade essa que, desde já, se invoca.
F. Tendo em conta que, relativamente ao ponto IV, constante do recurso de constitucionalidade, o Acórdão no qual se indeferiu a reclamação apresentada pelo signatário, do despacho que indeferiu o requerimento de recurso, considerou que devia ser indeferida a reclamação apresentada pelo arguido com o fundamento de que este não identificou as normas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciadas no recurso que apresentou para o Supremo Tribunal de Justiça, padece de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, ex-vi do artigo 69° da LTC, porque não se pronunciou sobre as alegações efectuadas no ponto 19.12 da reclamação na qual, contrariando a posição reclamada, se afirma que tal identificação foi efectuada no ponto A4.2.4 das alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
G. Por último, pede-se a aclaração do Acórdão, em especial do ponto 6, para saber se o fundamento de rejeição do recurso de constitucionalidade, quanto aos pontos III e V do recurso de constitucionalidade, foi o decorrente das omissões do requerimento de recurso ou se foi o que decorreu, no entender, dos ilustríssimos Conselheiros, pelo facto de o recorrente não ter suscitado a questão de constitucionalidade no processo e no requerimento de recurso de constitucionalidade.
O Exmo Magistrado do Ministério Público respondeu, pronunciando-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Através da decisão sumária n.º 376/2010, proferida a fls. 7047 e segs. dos autos, decidiu-se não tomar conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade, por se considerar, salvo quanto à matéria do ponto IV do requerimento de interposição de recurso, que o recorrente se limitou a impugnar as próprias decisões judiciais, sem identificar as questões de constitucionalidade por referência a uma norma ou interpretação normativa que tivesse sido aplicada pelo tribunal. Em relação ao ponto IV, em que apenas se requer que «seja declarado inconstitucional o artigo 188º do CPP na actual ou na anterior redacção, por violação das garantias de defesa asseguradas pelo artigo 32º nº 1 da CRP», entendeu-se que, sendo o sindicado artigo 188.º do Código Processo Penal (CPP) uma norma complexa com diversos comandos normativos, o recorrente não cumpriu ónus de clara e perceptível individualização do objecto do recurso de constitucionalidade, e não havia já cumprido esse ónus aquando da suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido.
Na reclamação para a conferência, o recorrente alegou, em resumo, que o recurso de constitucionalidade preenchia os respectivos pressupostos processuais e se o requerimento de interposição de recurso enfermava de alguma deficiência ou incompletude devia ter sido formulado convite para o seu suprimento, pelo que, ao proferir-se decisão sumária de não conhecimento do recurso se violou o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 75.º-A, n.ºs 5 e 6, e 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC). Circunscreveu, no entanto, a sua discordância em relação apenas a três das questões de constitucionalidade que haviam sido mencionadas no requerimento de interposição de recurso (pontos III, IV e V), porquanto apenas quanto a elas requereu o prosseguimento do processo.
Na sua resposta, o Ministério Público manifestou dúvidas quanto à possibilidade de utilização do despacho de aperfeiçoamento relativamente às questões que não constituíam objecto idóneo do recurso de constitucionalidade, porquanto nesse caso – segundo entende - o convite do tribunal não se destinaria a permitir suprir meras deficiências formais do requerimento, mas a apresentar um outro requerimento, com a identificação de questões de constitucionalidade diversas das que tinham sido antes formuladas. Subsidiariamente, sustentou que o recorrente não suscitou as questões de constitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido, porquanto não identificou, em qualquer dos casos, uma questão de constitucionalidade normativa.
No entanto, através do acórdão n.º 463/2010, que apreciou a reclamação para a conferência, o tribunal limitou-se a confirmar a anterior decisão sumária, reiterando o entendimento, relativamente às questões de inconstitucionalidade enunciadas nos pontos III. e V. do requerimento de interposição de recurso, de que elas «carecem de qualquer conteúdo normativo», não havendo, por isso, lugar a despacho de aperfeiçoamento, visto que não estava em causa a simples omissão de indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, mas a indicação de um objecto inidóneo. No tocante à questão enunciada no ponto IV, o tribunal considerou que nas alegações de recurso apresentadas perante o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente «não identifica, com a clareza exigível, qual a concreta interpretação normativa que, tendo por base o artigo 188º da CRP, viola a Lei Fundamental», e, nesses termos, incumpriu o ónus de prévia e adequada suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, pelo que se não justificava, por inútil, a prolação do despacho a que alude o invocado n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC.
Por conseguinte, o acórdão n.º 463/2010, ora reclamado, manteve na íntegra o julgado na anterior decisão sumária, adoptando os mesmos fundamentos para o não conhecimento do objecto do recurso.
3. Parece claro, nestas circunstâncias, que não há qualquer nulidade processual por falta de audição do recorrente em relação à resposta apresentada pelo Ministério Público relativamente à reclamação para a conferência.
No âmbito do processo penal, o Ministério Público é sujeito processual em qualquer das instâncias jurisdicionais, e, em ordem ao princípio da parificação do posicionamento jurídico da acusação e da defesa (e sem prejuízo dos seus deveres de objectividade), tem o direito processual de responder aos requerimentos do arguido-recorrente, designadamente quando esteja em causa a reclamação da decisão sumária do relator.
E não é o simples exercício desse direito processual, mesmo quando o Ministério Público pugne pela manutenção do julgado, contraditando a argumentação do reclamante, que pode conferir à contraparte o direito de resposta, quando é certo que aquela intervenção processual é precisamente justificada pela necessidade de incrementar o princípio material da igualdade das armas.
O direito de audição, nesse conspecto, apenas se justificaria, para evitar que o recorrente viesse a ser confrontado com uma decisão surpresa, se fosse previsível que o tribunal viesse a adoptar, na apreciação da reclamação, um fundamento diverso daquele que serviu de base à decisão de não conhecimento do recurso, e relativamente ao qual o recorrente não tivesse tido oportunidade de pronunciar.
No caso em análise, embora seja certo que o Ministério Público, no exercício do seu direito de resposta, invocou, a título subsidiário, um novo argumento para a manutenção da decisão reclamada – o não cumprimento do ónus de suscitação, de modo processualmente adequado, em relação a duas das questões de constitucionalidade que constituíam objecto do recurso (pontos III e V) -, o certo é que o acórdão n.º 463/2010 limitou-se a confirmar a decisão anterior pelos mesmos fundamentos, e não decidiu, portanto, com base em qualquer aspecto inovatório sobre o qual o recorrente não tivesse tido oportunidade de aduzir as suas razões.
Seria, por isso, inteiramente inútil, face à decisão que veio a ser adoptada, abrir uma nova fase de discussão a partir da resposta apresentada pelo Ministério Público, quando o tribunal, para fundamentar a sua decisão, não utilizou quaisquer novos argumentos que o respondente tivesse invocado.
4. É patente, por outro lado, que a interpretação efectuada pelo tribunal não ofende o princípio do contraditório ou o princípio da igualdade das armas.
Em primeiro lugar, a norma aplicável ao caso não é a do artigo 77.º, n.º 2, da LTC, que apenas se reporta à reclamação do despacho que indefira o requerimento do recurso, mas a do artigo 78.º-A, n.º 3, dessa Lei, que se refere à reclamação para a conferência da decisão sumária do relator que não conheça do objecto do recurso. Por outro lado, embora aí não se encontre especialmente prevista a vista ao Ministério Público, a observância dessa formalidade mostra-se justificada, à luz dos princípios gerais, para assegurar o direito processual de resposta ao requerimento do recorrente.
Como corolário do princípio do processo equitativo e do princípio da igualdade, o direito à igualdade de armas ou igualdade de posição no processo visa essencialmente assegurar a proibição de todas as diferenças de tratamento arbitrárias; ao passo que a proibição da indefesa e o direito ao contraditório se traduz fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e direito, oferecer provas, controlar a admissibilidade e a produção das provas da outra parte e pronunciar-se sobre o valor e resultado de umas e outras.
Ora, o reclamante teve oportunidade de contraditar a decisão sumária através da reclamação para a conferência, e não foi objecto de qualquer discriminação pelo facto de se ter concedido direito de resposta a um outro sujeito processual que tem plena legitimidade para intervir no processo.
O recorrente apenas poderia invocar a violação do princípio da decisão surpresa, como decorrência do princípio do contraditório, caso o tribunal viesse a adoptar novos fundamentos decisórios relativamente aos quais o reclamante não tivesse podido pronunciar-se. Mas, como vimos, o tribunal não se afastou dos termos em que a discussão vinha colocada na decisão reclamada, pelo que o recorrente não pode agora dizer que o desfecho do processo poderia ter sido diferente se tivesse tido oportunidade de contraditar os argumentos do Ministério Público, quando é certo que esses argumentos não foram valorados ex novo na decisão reclamada.
5. O reclamante alega também a nulidade de acórdão, com base no disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, quanto aos concretos pontos III e IV do requerimento de interposição, por considerar que incorreu em omissão de pronúncia, ao ter mantido a decisão reclamada sem se pronunciar sobre a questão, colocada na reclamação, relativa ao cumprimento do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido.
Deve começar por dizer-se que, relativamente às mencionadas questões de constitucionalidade, o fundamento adoptado, pelo acórdão n.º 463/2010, para o não conhecimento do recurso - reiterando o entendimento já formulado na decisão sumária - foi o de que as questões aí enunciadas não constituíam objecto idóneo para o recurso, visto que se não reportavam à conformidade constitucional de uma norma ou uma interpretação normativa que tenha sido aplicada pelo tribunal recorrido, mas à própria validade constitucional da decisão recorrida. Acrescentando-se que não havia lugar, no caso, a despacho de aperfeiçoamento porque não estava em causa qualquer omissão ou deficiência formal a que se referem os n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da LTC.
Contrariamente ao que afirma ao recorrente, a decisão de não conhecimento do recurso não se baseou em omissão ou deficiência formal que fosse susceptível de ser corrigida através de convite do tribunal, mas na inexistência de um pressuposto processual do recurso: aquele que resulta do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 71.º, n.º 1, da LTC, pelo qual o objecto do recurso é a norma ou a interpretação normativa que tenha sido aplicada pelo tribunal recorrido e, por isso, em qualquer caso, uma questão de conteúdo ou natureza normativa.
É claro que o recorrente carecia também de demonstrar que havia cumprido o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, como decorre das disposições dos artigo 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC. Mas sendo esse um requisito cumulativo, é óbvio que o tribunal sobre ele não tinha de se pronunciar, por se tratar de questão que estava já prejudicada pela solução dada quanto àquele outro pressuposto processual. Isto é, não era pelo facto de o recorrente lograr demonstrar que tinha cumprido o ónus de suscitação, relativamente à matéria daqueles pontos III e V do requerimento de recurso, que o processo haveria de prosseguir, pelo que não havia qualquer utilidade numa pronúncia sobre essa outra questão.
6. Ainda no tocante à questão enunciada no ponto IV do requerimento de interposição de recurso, o reclamante alega também ter havido nulidade de acórdão por omissão de pronúncia, porquanto o tribunal, tendo invocado como fundamento para o não conhecimento do objecto do recurso a não identificação da norma cuja constitucionalidade pretendia ver apreciada, não atentou no que a esse propósito foi alegado no ponto 19.12 da reclamação, onde se afirma que essa identificação foi efectuada no ponto A4.2.4 das alegações do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Conforme se pode constatar de todo o anterior excurso, no acórdão que decidiu a reclamação, o tribunal entendeu, quanto a essa matéria, que não foi cumprido o ónus de suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, tendo, para além do mais, formulado as seguintes considerações:
Ora, percorrendo as alegações de recurso apresentadas pelo ora reclamante perante o Supremo Tribunal de Justiça, na parte relevante, verifica-se que o recorrente não identifica, com a clareza exigível, qual a concreta interpretação normativa que, tendo por base o artigo 188º da CRP, viola a Lei Fundamental; o que, ao invés, delas se extrai é, no essencial, um juízo de inconstitucionalidade difusamente dirigido à decisão de ordenar a destruição dos suportes magnéticos das escutas realizadas nos autos – seja porque não se verificavam os pressupostos de que dependia a sua admissibilidade, nos termos do artigo 188º, n.º 6, do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Dezembro, cuja aplicação reclama, seja porque alegadamente carece da exigida fundamentação legal – com a consequente invalidade, como meio de prova, das transcrições de escutas telefónicas cujo suporte magnético foi destruído sem fundamentação e fora daquele circunstancialismo legal (cf., em particular, conclusões B. 31, B. 32, B. 33 e B. 35).
E a referência isolada e «em globo», em tal contexto argumentativo, à «inconstitucionalização do artigo 188º, na actual ou anterior redacção, por violação do artigo 32º-1 do diploma fundamental» (cf. conclusão B. 34), não pode objectivamente sustentar conclusão contrária, sendo certo que, por detrás de um tal «excesso» e «indefinição», está, na verdade, como acima demonstrado, a invocação de uma questão de inconstitucionalidade reportada à referida decisão judicial e não a qualquer norma aplicada ou interpretação normativa acolhida pelo Tribunal recorrido.
Assim, não tendo o ora reclamante, quanto a tal questão, observado o ónus de prévia e adequada suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, como também sublinhado no despacho reclamado, não se justificava, por inútil, a prolação do despacho a que alude o invocado n.º 5 do artigo 75º-A da LTC.
A omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal deixe de apreciar questão que devesse conhecer, e, no caso, o que estava em apreciação, e que constituía, aliás, fundamento do não conhecimento do recurso, era a existência de um pressuposto processual que se traduzia no cumprimento do ónus de suscitação. Ora, o tribunal não deixou de analisar essa questão, vindo a concluir que o recorrente não tinha cumprido de modo processualmente adequado esse ónus processual. É indiferente que o acórdão reclamado não tenha feito expressa menção às passagens da alegação em que essa matéria é aflorada pelo recorrente; o que releva é que o tribunal tomou explícita posição sobre o assunto e adoptou um entendimento claro no sentido de que se não encontrava satisfeito o invocado requisito processual, que, de resto, se não confunde com a mera identificação formal da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada.
7. Pede, por fim, o reclamante a aclaração do acórdão para que se explicite se o fundamento do não conhecimento do recurso, quanto aos pontos III e V do requerimento de recurso, foi o decorrente das omissões desse mesmo requerimento ou o facto de se ter entendido que o recorrente não suscitou durante o processo a questão de constitucionalidade.
Como é sabido, o pedido de aclaração de sentença destina-se a obter o esclarecimento de qualquer obscuridade ou ambiguidade que ela contenha.
Em relação aos falados pontos III e V do requerimento de interposição de recurso, o acórdão reclamado considerou, para além do mais, o seguinte:
Na verdade, o que fundamentou o despacho reclamado não foram os vícios formais do requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade mas, precisamente, a não verificação dos pressupostos processuais de que este depende.
Com efeito, o primeiro e básico pressuposto do recurso de constitucionalidade, em quaisquer das suas modalidades, respeita ao carácter necessariamente normativo do seu objecto, pelo que se o recorrente sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional uma concreta decisão judicial, que reputa de inconstitucional, e não as normas jurídicas que a fundamentaram, o recurso não pode prosseguir.
E foi precisamente isso que o ora reclamante fez ao indicar como objecto do recurso as questões de inconstitucionalidade enunciadas nos pontos III. e V. do seu requerimento, as quais, como decorre da sua simples leitura, manifestamente carecem de qualquer conteúdo normativo.
Ora, não está em causa, em tais casos, a simples omissão de indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, o que poderia implicar o ora reclamado direito ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, mas a indicação de um objecto inidóneo, por carecido de conteúdo normativo, para merecer um juízo de censura constitucional.
Impunha-se, pois, no caso, por inidoneidade do objecto do recurso, o seu não conhecimento, pelo que, por tais razões, é de confirmar o que, a propósito, decidiu o despacho de que ora se reclama.
É, a todos os títulos evidente, e não deixa qualquer margem para dúvidas, que o fundamento do não conhecimento de recurso foi, neste caso, a inidoneidade do seu objecto, por lhe não ter sido atribuído um conteúdo ou natureza normativa, e não quaisquer considerações atinentes aos aspectos formais do requerimento de interposição de recurso ou sequer ao cumprimento do ónus de suscitação da questão de constitucionalidade, pelo que é inteiramente descabida a dúvida que a este propósito vem colocada.
3. Termos em que se decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 2011.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.