Imprimir acórdão
Proc. nº 14/98
Plenário
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. Em 16 de Janeiro de 1998, pelas 19 horas e 19 minutos, foi recebida no Tribunal Constitucional telecópia de requerimento endereçado ao presidente deste Tribunal pelos cidadãos J e F..., residentes na freguesia do Botão, do concelho de Coimbra, na qualidade de candidatos, em primeiro e quarto lugar respectivamente, da lista do Partido Socialista concorrente à eleição da Assembleia de Freguesia do Botão nas eleições autárquicas de 14 de Dezembro de
1997, através do qual pedem a anulação contenciosa do acto de instalação da assembleia recém-eleita e de duas eleições subsequentes.
Alegam, em síntese, o seguinte:
- Em 14 de Janeiro do corrente ano, pelas 20 horas, teve lugar a reunião convocada pelo presidente da Assembleia de Freguesia cessante para instalação da nova assembleia;
- O número de elementos da assembleia de freguesia é o de 9, visto a freguesia ter um número de eleitores 'igual ou inferior a 5000' (como decorre do art. 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março), tendo, nas eleições de 14 de Dezembro do ano findo, o Partido Socialista recebido 404 votos, o Partido Social Democrata 258 e a Coligação Democrática Unitária 235 votos, pelo que foram atribuídas àquelas três forças políticas quatro, três e dois mandatos, respectivamente;
- O Presidente cessante da Assembleia de Freguesia instalou 10 membros, em vez de 9, considerando o quinto candidato da Lista do Partido Socialista, em substituição do primeiro candidato, 'partindo do pressuposto que este era Presidente da Junta e já não fazia parte da Assembleia de Freguesia que instalava';
- Tal conduta violou claramente o disposto no art. 7º, nºs. 3 e 5, do citado Decreto-Lei nº 100/84, 'dado que o número 1 da Lista do Partido Socialista foi substituído logo no acto de instalação da Assembleia de Freguesia e não a seguir aos actos de eleição dos vogais e mesa de Assembleia, como ali se determina';
- A presidência da primeira reunião de uma assembleia para eleição dos vogais da Junta de Freguesia e da mesa desta assembleia (art. 7º, nº 3, do citado Decreto-Lei nº 100/84) coube ao primeiro candidato da lista do Partido Socialista, o qual, porém, já não dispunha de voto, dada a substituição operada, pelo que a eleição se veio a fazer com intervenção do quinto candidato da mesma lista partidária, acontecendo que este último candidato acabou por ser eleito para integrar o executivo da freguesia, como tesoureiro;
- Por força dessa substituição, veio, assim, a ser eleito para a Junta de Freguesia elemento que 'nunca teria a possibilidade de ser eleito vogal da Junta... porque não foi eleito directamente e só deveria ter sido instalado após a saída dos dois vogais eleitos para a Junta..., conforme o disposto nos pontos
2 e 5 do artigo 7º do Decreto-Lei 100/84, de 29/3 e não juntamente com os nove eleitos directamente, como sucedeu';
- Ainda por força do ocorrido e dada a privação de voto na assembleia do primeiro eleitor da lista mais votada, este não pôde exercer o direito, consagrado pelos nºs. 2 e 4 do art. 23º do Decreto-Lei nº 100/84, 'de ser ele a distribuir estas funções pelos vogais eleitos pela Assembleia';
- As irregularidades e ilegalidades foram denunciadas durante os actos em referência pelos requerentes, mas não foram aceites pelos membros da 'oposição maioritária na Assembleia de Freguesia do Botão';
- A instalação da assembleia em causa e a eleição dos vogais da Junta foram levados a cabo com violação de várias disposições legais, nomeadamente os arts.
5º, nº 1, 7º, ºs. 2 e 5, e 23º, nº 4, do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março.
2. Pelo correio foram enviados o original da carta e diferentes documentos (fotocópias dos bilhetes de identidade dos requerentes; edital de proclamação dos resultados eleitorais do município de Coimbra e acta do apuramento geral; actas da instalação da assembleia de freguesia e da nova freguesia), os quais foram recebidos no Tribunal Constitucional em 20 de Janeiro de 1998.
II
3. Cumpre apreciar o presente recurso e desde logo a questão de saber se o Tribunal Constitucional é competente para conhecer do seu objecto.
Como resulta do art. 7º, nº 1, do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março
(abreviadamente, Lei das Autarquias Locais), 'o presidente da assembleia de freguesia cessante deverá proceder à instalação da nova assembleia no prazo máximo de 15 dias a contar do apuramento definitivo dos resultados eleitorais'.
É, assim, manifesto que a instalação da nova assembleia é um acto subsequente ao apuramento definitivo dos resultados eleitorais, não sendo já regido pela Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (Decreto-Lei nº
701-B/76, de 29 de Setembro).
Relativamente ao contencioso atinente à instalação da nova assembleia, nomeadamente quanto à verificação dos mandatos (verificação da legitimidade e da identidade dos eleitos, como se refere no nº 2 do art. 7º do Decreto-Lei nº
100/84), e à primeira reunião da assembleia de freguesia destinada à eleição dos vogais da junta de freguesia e à eleição da própria mesa da assembleia, carece o Tribunal Constitucional de competência para dele conhecer.
De facto, ao Tribunal Constitucional compete 'julgar em última instância a regularidade e a validade dos actos do processo eleitoral, nos termos da lei' (art. 223º, nº 2, alínea b), da Constituição). A Lei nº 28/82, de
15 de Novembro (alterada pelas Leis nºs. 143/85, de 26 de Setembro, 85/89, de 7 de Setembro, e 88/95, de 1 de Setembro, prevê as competências deste Tribunal em matéria eleitoral (cfr. arts. 8º, alíneas d) e f), 101º, 102º, 102º-B, 102º-C e
103º).
Ora, como se escreveu no acórdão nº 88/94 (publicado no Diário da República, II Série, nº 111, de 13 de Maio de 1994):
' Esta competência não se circunscreve, pois, (como talvez, à primeira vista se depreenda) ao acto eleitoral em si - sendo este Tribunal apenas competente para conhecer dos recursos de decisões sobre reclamações e protestos apresentados no acto eleitoral propriamente dito - mas estende-se a todas as operações jurídicas que decorrem ao longo do processo eleitoral em sentido amplo considerado, iniciado com os actos preparatórios, desde a marcação de eleições até à fase, situada a jusante, dos apuramentos parcial e geral dos resultados'.
Tal competência não abrange, porém, os actos subsequentes ao apuramento final e geral dos resultados, pois tal não está previsto nem na Constituição, nem na lei.
É, por isso, que não cabe na competência do Tribunal Constitucional o conhecimento das invocadas ilegalidades que terão inquinado, como alegam os recorrentes, a fase de instalação de nova assembleia de freguesia e a própria eleição da Junta de Freguesia e da mesa da Assembleia de Freguesia.
Como se afirmou no referido acórdão nº 88/94 e se tornou a notar no recente acórdão nº 14/98, ainda inédito, a falta de competência do Tribunal Constitucional não implica que a fase posterior ao apuramento dos resultados finais das eleições fique desprotegida, em termos de contencioso de anulação, visto que cabe aos tribunais administrativos a apreciação dos referidos pedidos de impugnação no domínio do contencioso eleitoral administrativo (arts. 51º, alínea i), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Decreto-Lei nº
129/84, de 27 de Abril, e 59º e seguintes e 114º da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos, Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho)
4. Alcançada a conclusão sobre a incompetência, em razão de matéria, do Tribunal Constitucional para conhecer do presente pedido de anulação contenciosa, não se torna necessário apreciar se estão verificados outros pressupostos processuais, nomeadamente a tempestividade do recurso e a legitimidade dos recorrentes.
III
5. Nestes termos e pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do presente recurso.
Lisboa, 20 de Janeiro de 1998 Armindo Ribeiro Mendes Bravo Serra Fernando Alves Correia Alberto Tavares da Costa Guilherme da Fonseca Messias Bento Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida Luis Nunes de Almeida