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Proc. nº 1007/98
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. J... interpôs recurso do despacho proferido pelo Juiz do 4º Juízo Criminal de Cascais, que indeferiu a arguição de nulidade da intercepção de determinadas chamadas telefónicas, sua transcrição e junção aos autos. Por acórdão de 6 de Agosto de 1998, o Tribunal da Relação de Lisboa não conheceu do recurso, fundamentando a sua decisão nos artigos 310º, nº 1, e 308º, nº 3, do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:
'Como se alcança de fls. 16 e segs., o ora Recorrente foi pronunciado em
22-05-98, pela autoria material de um crime agravado de tráfico de estupefacientes, do tipo legal p. e p. pelos artºs. 21º, nº 1, e 24º, al. b) e j), do DL nº 15/93, de 22-01, e um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 275º, nºs 1 e 2, do CP. Nesse despacho foi expressamente apreciada a questão ora em análise, designadamente a inconstitucionalidade alicerçada em certo entendimento do Ac. nº 407/97, do Tribunal Constitucional, publicado no DR, II Série, de 18-07-97. Ora, o nº 1 do art. 310º do CPP dispõe que é irrecorrível a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do M.P., sendo certo que, na esteira do entendimento do Prof. Germano Marques da Silva, in Curso, vol. III, pág. 167, resulta claro do nº 3 do art. 308º do dipl. citado, que a decisão sobre as questões prévias ou incidentais faz parte da própria decisão instrutória.'
O recorrente arguiu a nulidade do acórdão, caracterizando a interpretação feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa como ilegal e como inconstitucional, por violação dos artigos 32º, nºs 1 e 9, e 20º da Constituição da República Portuguesa. O Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 29 de Setembro de 1998, indeferiu o requerimento, confirmando a posição adoptada na decisão anterior:
'No acórdão posto em causa, entendeu-se que a decisão que indeferiu o pedido de declaração de nulidade das intercepções e gravações telefónicas faz parte da decisão instrutória, nos termos do artº 308º, nº 3, do CPP, e que, sendo esta irrecorrível, por ter pronunciado o arguido pelos factos constantes da acusação do M.P., de harmonia com o disposto no artº 310º, nº 1, do mesmo Código, o recurso não era admissível. Por outras palavras, considerando-se que a decisão recorrida não admitiu recurso, por estar abrangida na previsão do citado artº
310º, nº 1. Com estas premissas, uma só conclusão era possível: a de que, sendo o recurso inadmissível, dele não podia tomar-se conhecimento.'
2. Inconformado, J... recorreu das decisões do Tribunal da Relação de Lisboa para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional. Invocou a inconstitucionalidade da interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa aos artigos 310º, nº 1, e
308º, nº 3, do Código de Processo Penal, que, na sua perspectiva, violaria os artigos 20º, 32º, nºs 1 e 9, e 34º da Constituição da República Portuguesa.
3. Nas suas alegações de recurso, o recorrente concluiu da seguinte forma:
'5. Quando, na verdade, as deveria ter interpretado [as disposições dos artigos
308º, nº 3, e 310º, nº 1, do Código de Processo Penal] no sentido de que a Decisão sobre as questões prévias ou incidentais, nomeadamente as nulidades suscitadas durante a fase da Instrução, são passíveis de serem impugnadas por via do Recurso, in casu, a decidir pelo Tribunal da Relação de Lisboa, embora o Juiz de Instrução delas conheça e decida no Despacho de Pronúncia; Assim sendo:
6. A interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa aos Artigos 310º, nº
1 e 308º, nº 3 do Código de Processo Penal, e que por sua via resulta que a Decisão sobre questões incidentais ou questões prévias, fazem parte da própria decisão Instrutória, sendo que esta é irrecorrível, e assim não tomando conhecimento do Recurso, é inconstitucional, por violação dos Artigos 32º nº 1 e
9; 20º e 34º, todos da Constituição da República Portuguesa;
7. Sendo pois inconstitucionais aqueles dois preceitos normativos do Código de Processo Penal, se interpretados no sentido em que o foram por contenderem com os comandos da Lei Fundamental referidos em [...] 6. destas Conclusões.'
4. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional concluiu as suas contra-alegações como segue:
'1º. A norma constante do nº 1 do artigo 310º do Código de Processo Penal, interpretada em termos de a irrecorribilidade aí estabelecida para a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação pública abranger também a parcela ou segmento de tal decisão que dirimir questões prévias ou incidentais, não viola o direito ao recurso, ínsito no princípio constitucional das garantias de defesa do arguido em processo penal.
2º. Na verdade, tal princípio não implica que deva necessariamente estar assegurado o direito ao recurso contra todas as decisões do juiz, proferidas em qualquer fase do processo, podendo perfeitamente a lei de processo estabelecer limites ou restrições a tal recorribilidade, nomeadamente em sede de decisões interlocutórias que dirimam questões de natureza estritamente procedimental, desde que não resulte afectado o núcleo fundamental do direito de defesa.'
II
5. O objecto do recurso é constituído pela norma do artigo 310º, nº 1 do Código de Processo Penal, com respeito à matéria versada no artigo 308º, nº 3, do mesmo Código, na interpretação que lhe foi dada nos acórdãos recorridos, por alegada violação dos artigos 20º, 32º, nºs 1 e 9, e 34º da Constituição da República Portuguesa. As normas cuja inconstitucionalidade o recorrente invoca, ambas do Código de Processo Penal, têm o seguinte conteúdo: Artigo 308º, nº 3:
'No despacho referido no nº 1 [despacho de pronúncia] o juiz começa por decidir todas as questões prévias ou incidentais de que possa conhecer.'
Artigo 310, nº 1:
'A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.'
6. O recorrente questiona a constitucionalidade da interpretação dos artigos 310º, nº 1, e 308º, nº 3, do Código de Processo Penal, adoptada na decisão recorrida, de que resulta a irrecorribilidade das decisões sobre questões prévias ou incidentais constantes do despacho de pronúncia.
Na perspectiva do recorrente, a irrecorribilidade consagrada no artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal refere-se tão somente à parte da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação deduzida pelo Ministério Público e não aos despachos que decidam questões prévias ou incidentais de que se possa conhecer. A estes despachos deveria reconhecer-se autonomia, de modo a permitir a sua recorribilidade. O recorrente considera que são violados os princípios do acesso à justiça
(consagrado no artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) e das garantias de defesa (ínsito no artigo 32º, nº 1, da mesma Lei Fundamental), pelo artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal, quando impõe a irrecorribilidade do despacho de pronúncia, e pelo artigo 308º, nº 3, do Código de Processo Penal, na medida em que esta disposição determina que o juiz de instrução decida, no despacho de instrução, todas as questões incidentais que serviram de base à sua decisão. Entende ainda o recorrente que existe, no caso, violação dos artigos
32º, nº 9, e 34º da Constituição da República Portuguesa.
Sendo certo que o Tribunal Constitucional está limitado, nos seus poderes de cognição, pelo pedido formulado, mas não pelos fundamentos indicados pelo recorrente (artigo 79º-C da Lei do Tribunal Constitucional), importa sublinhar que se afigura inadmissível a invocação dos artigos 32º, nº 9, e 34º da Constituição. O artigo 32º, nº 9, do texto constitucional está completamente fora do contexto, pois visa assegurar o respeito do princípio do juiz natural, negando ao legislador a possibilidade de desafectar uma causa da competência de um determinado tribunal, situação que em nada se aproxima da questão sub judice. Admitindo que ocorreu, no processo, um erro de escrita, poder-se-ia pensar que o recorrente pretendeu mencionar o nº 8 do mesmo artigo, em conjugação com o disposto no artigo 34º, nºs 1 e 4, da Lei Fundamental, para fundamentar a protecção da privacidade dos meios de comunicação. Porém, essa não é a questão equacionada no presente recurso, em que se pretende ver apreciada a constitucionalidade da irrecorribilidade do despacho instrutório (artigos 310º, nº 1, e 308º, nº 3, do Código de Processo Penal). Restam, assim, duas disposições para aferir da conformidade constitucional das normas em causa: os artigos 20º, nº 1, e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
7. A fase da instrução – facultativa, no nosso actual sistema de processo penal (cfr. artigo 286º, nº 2, do Código de Processo Penal) –, visa permitir a reapreciação dos factos recolhidos na fase do inquérito, juntando-lhes eventualmente outros que surjam posteriormente, de modo a possibilitar um juízo de pronúncia (que fixará o objecto do processo na fase ulterior e final que se seguirá, o julgamento), ou de não pronúncia (que porá fim ao processo).
Nesta fase, o juiz, partindo dos dados recolhidos na fase do inquérito, tem a possibilidade de, a pedido das partes ou através dos seus poderes inquisitórios, ordenar as diligências necessárias ao esclarecimento da verdade material (artigos 287º, nº 3, e 288º, nº 4, e 290º e seguintes do Código de Processo Penal), acumulando assim mais elementos que lhe permitam formar uma convicção séria sobre a existência de indícios suficientes da prática da infracção; é assim razoável que o juiz condense na decisão instrutória os elementos até aí carreados para o processo, emitindo a partir da sua análise um juízo sobre o preenchimento dos elementos subjectivo e objectivo do tipo de crime de que o arguido vem acusado.
Por isso se compreende a articulação entre os nºs 1 e 3 do artigo
308º do Código de Processo Penal: 'se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos [...]' (nº 1), sendo certo que, neste despacho, 'o juiz começa por decidir todas as questões prévias ou incidentais de que possa conhecer' (nº 3). O juiz tem que estabelecer os pressupostos da sua decisão, lógica e cronologicamente: no caso sub judice, existindo provas recolhidas a partir de escutas telefónicas, o juiz deverá avaliar da legalidade da obtenção dessas provas – decidindo no sentido da sua admissibilidade ou não admissibilidade –, antes de proferir uma decisão de pronúncia que nelas se fundamente. Esta condensação em tudo concorre para a salvaguarda das garantias de defesa
(artigo 32º, nº 1, da Constituição) e de celeridade, aconselhável nos processos em geral e especialmente exigível em processo penal (artigo 32º, nº 2, in fine, da Constituição da República Portuguesa). Não há lugar a qualquer fraccionamento da apreciação dos dados já recolhidos – que poderia conduzir a uma dispersão nociva ao apuramento da verdade material –, nem a um arrastar do processo, que seria forçoso caso o juiz tivesse que decidir primeiro as questões incidentais, abrindo-se prazo de recurso.
8. Na opinião do recorrente, esta condensação, no despacho instrutório, da decisão de questões prévias (por exemplo, sobre a admissibilidade de certas provas) e da decisão final (de pronúncia ou não pronúncia), na medida em que, por força do artigo 310º, nº 1, é irrecorrível, seria inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Mas então coloca-se a seguinte alternativa:
· ou se sustenta a existência de um despacho autónomo para decisão destas questões, que a lei não contempla e que o Tribunal Constitucional não poderá criar – estaríamos, nesta primeira hipótese, perante uma lacuna do sistema, a que o recurso de constitucionalidade não pode dar cobertura;
· ou se pretende que o despacho de instrução, na parte em que decida questões incidentais, não gozando de autonomia formal relativamente à decisão instrutória, alcance autonomia material que justifique a sua eventual revisibilidade, em sede de recurso. Não existe, ao nível dos tribunais comuns, uma jurisprudência firme quanto à interpretação das normas em causa e quanto à admissibilidade ou não de recurso da parte do despacho instrutório que decida questões incidentais (cfr., aliás, a este respeito, os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 147/97, Diário da República, II, nº 88, de 15 de Abril de 1997, p. 4482 ss, e 585/98, ainda inédito). Importa averiguar se constitucionalmente se impõe uma interpretação dessas normas de que resulte a admissibilidade de recurso da parte do despacho instrutório (que não alargue o objecto do processo para além dos factos constantes da acusação do Ministério Público) que decida questões incidentais, em atenção a valores tais como o acesso à justiça, na vertente do direito a um duplo grau de jurisdição, e a plenitude das garantias de defesa em processo penal. A procedência da pretensão do recorrente – e do presente recurso –depende da resposta a dar a esta interrogação.
9. O problema da conformidade constitucional do artigo 310º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, em face dos princípios do duplo grau de jurisdição e da plenitude das garantias de defesa, foi já por diversas vezes abordado pelo Tribunal Constitucional, no que respeita à recorribilidade do despacho instrutório na parte em que pronuncia o arguido, tendo o Tribunal concluído no sentido da não inconstitucionalidade.
Entende-se que as razões então aduzidas são transponíveis para a questão agora em discussão.
9.1. Começando por confrontar o artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal com o artigo 20º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, e com o direito, que o recorrente invoca, a um duplo grau de jurisdição, remete-se para a doutrina do acórdão nº 265/94 (in Diário da República, II, de 19 de Julho de
1994, p. 7239 ss):
'A Constituição da República não estabelece em nenhuma das suas normas a garantia de existência de um duplo grau de jurisdição para todos os processos das diferentes espécies.
É cerro que a Constituição garante a todos o «acesso ao direito e aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interessas legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos» (artigo 20º, nº 1) e, em matéria penal, afirma que «o processo criminal assegurará todas as garantias de defesa»
(artigo 32º, nº 1). Destas normas, porém, não retira a jurisprudência do Tribunal Constitucional a regra de que há-de ser assegurado o duplo grau de jurisdição quanto a todas as decisões proferidas em processo penal. A garantia do duplo grau de jurisdição existe quanto às decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais. Sendo embora a faculdade de recorrer em processo penal uma tradução da expressão do direito de defesa (veja-se, nesse sentido, o Acórdão nº 8/87 do Tribunal Constitucional, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 9º vol., p. 235), a verdade é que como se escreveu no Acórdão nº 31/87 do mesmo tribunal, «se há-de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos actos do juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido».'
9.2. A lei assegura, como lhe compete para dar cumprimento aos objectivos constitucionais, que o arguido tenha possibilidade de recorrer de uma decisão condenatória. Multiplicar as possibilidades de recurso ao longo do processo seria comprometer outro imperativo constitucional: o da celeridade na resolução dos processos-crime (artigo 32º, nº 2, in fine, da Constituição da República Portuguesa). Ou seja, entre assegurar sempre o duplo grau de jurisdição, arrastando interminavelmente o processo, e permitir apenas o recurso das decisões condenatórias, permitindo uma melhor fluência do processo, o legislador optou decididamente pela segunda via. Esta opção foi aliás confirmada pela revisão constitucional de 1997, que aditou ao nº 1 do artigo 32º o segmento 'incluindo o recurso'. Como se escreveu no acórdão nº 101/98 (inédito) deste Tribunal, a intenção do legislador constituinte não foi 'significar que haveria de ser consagrada, sob pena de inconstitucionalidade, a recorribilidade de todas as decisões jurisdicionais proferidas em processo criminal, mas sim que do elenco das garantias de defesa que tal processo há-de assegurar se contará a possibilidade de impugnação das decisões judiciais de conteúdo condenatório, na esteira do que já era entendido pela jurisprudência deste órgão de fiscalização' (veja-se também, no mesmo sentido, o acórdão nº 299/98, inédito). O arguido pode sempre, pois, recorrer da decisão condenatória que lhe seja dirigida, e aí contestar todos os vícios que derivem de uma má apreciação de qualquer questão interlocutória.
9.3. Quanto à compatibilidade entre a solução do artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal, com o princípio da plenitude das garantias de defesa, mais uma vez em equação se colocam os princípios da celeridade e da protecção dos direitos do arguido. Afirmou-se, a este propósito, no acórdão nº 610/96 do Tribunal Constitucional (in Diário da República, II, de 6 de Julho de 1996, p.
9117 s):
'[...] o que se questiona no presente recurso é se o desígnio de celeridade, que
é consagrado constitucionalmente, legitima a irrecorribilidade de certas decisões instrutórias: justamente os despachos de pronúncia que não alteram os factos constantes da acusação do Ministério Público. E a resposta a esta questão indica que a celeridade não só é compatível com as garantias de defesa, podendo coincidir com os fins de presunção de inocência, como é instrumental dos valores
últimos do processo penal – a descoberta da verdade e a justa decisão da causa
–, próprios de um Estado democrático de direito.
[...] Apenas é irrecorrível, portanto, a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público. Ora, este regime especial não é arbitrário, encontrando fundamento na existência de indícios comprovados, de modo coincidente, em duas fases do processo: pelo Ministério Público, dominus do inquérito, e pelo juiz de instrução. E o Ministério Público é configurado constitucionalmente como uma magistratura autónoma (artigo 221º, nº 2, da Constituição), sendo concebido, no processo penal, como um sujeito isento e objectivo que pode, nomeadamente, determinar o arquivamento do inquérito em caso de dispensa da pena, propugnar, findo o julgamento, a absolvição do arguido e interpor recurso da decisão condenatória em exclusivo benefício do arguido [...].'
10. Conclui-se, assim, que não existe na interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa aos artigos 310º, nº 1, e 308º, nº 3, do Código de Processo Penal qualquer violação do princípio da plenitude das garantias de defesa constitucionalmente consagrado.
A irrecorribilidade da parte do despacho de pronúncia que decide questões prévias ou incidentais não é portanto contrária à Constituição da República Portuguesa.
III
11. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide: a. Não julgar inconstitucional a interpretação dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao artigo 310º, nº 1, do Código de Processo Penal, com respeito à matéria versada no artigo 308º, nº 3, do mesmo Código, por considerar que não existe violação dos artigos 20º e 32º, nº 1, da Constituição; b. Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, no que toca à matéria de inconstitucionalidade. Lisboa, 21 de Abril de 1999- Maria Helena Brito Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa