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Procº nº 454/94
2ª Secção Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I.- Relatório
1.-IN, SA, interpôs no Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa recurso de anulação do que presumia serem actos de liquidação de direitos niveladores devidos pela importação de carne - direitos esses que considerava não devidos, por a recorrente ter exportado para a República Popular de Angola quantidades de carne transformada compensadoras das importações em causa.
Proferido despacho de aperfeiçoamento, apresentou a recorrente nova petição de recurso, na qual, para além de imputar vários vícios aos actos recorridos, suscita a inconstitucionalidade orgânica dos direitos niveladores cobrados, já que, na sua óptica, sendo estes impostos, e cabendo, por isso, na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, estabelecida na alínea i) do nº 1 do artigo 168º da
Constituição, foram criados pelo Decreto-Lei nº 115-G/85, de 18 de Abril, diploma este que invoca uma autorização legislativa insuficiente para a sua introdução no ordenamento jurídico.
Por sentença de 29 de Novembro de 1991 do 1º Juízo do Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa, foi negado provimento ao recurso, com o fundamento de que a alínea f) do artigo 30º da Lei nº 2-B/85, de 28 de Fevereiro (Lei do Orçamento de Estado) constituía autorização bastante para a criação pelo Governo dos direitos niveladores, precisamente quando aí se autorizava o Governo a
'adaptar a legislação aduaneira às técnicas implementadas na União Aduaneira do Mercado Comum', e ainda por não se verificarem os vícios de ilegalidade imputados aos referidos actos.
2.- Inconformada, interpôs a recorrente recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, tendo esta, por Acórdão de 17 de Fevereiro de 1993, negado provimento ao recurso.
3.- Interposto recurso deste aresto para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário no que concerne à constitucionalidade da norma que criou os direitos niveladores em causa, ao abrigo da versão da alínea a) do artigo 30º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril) anterior à alteração introduzida pela Lei nº 11/93, de 6 de Abril, veio aquele, por Acórdão de 13 de Julho de 1994, a negar-lhe provimento. Para o efeito, no que toca à questão da inconstitucionalidade suscitada pela recorrente, considerou-se, entre o mais, no Acórdão de 13 de Julho de 1994, que os direitos niveladores não são tecnicamente impostos, sendo antes direitos aduaneiros que se aproximam legalmente dos diferenciais de preços cobrados e que constituem receita do Fundo de Abastecimento, movendo-se mais na órbita da direcção económica do Estado de que na órbita tributária.
4.- De novo inconformada, interpôs a recorrente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), nos seguintes termos:
'A recorrente invocou a violação dos artigos 168º, alínea i) e 106º da CRP pelo legislador do Decreto-Lei 115-G/85, de 18/4, da Portaria 512/85, de
27/7 e das portarias que alteraram ou revogaram esta última'.
Notificada, nos termos do nº 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, para suprir a omissão da indicação das normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada, individualizou a recorrente as seguintes normas:
'a) Quanto à inconstitucionalidade orgânica
- Lei nº 2-B/85, de 21/02, alínea f) do art. 30º (não delimitação da extensão da auto- rização legislativa).
b) Quanto ao exercício da autorização legislativa pela via regulamentar
- D.L. 115-G/85, de 18/04,-art. 3º,4º e 5º;
- D.L.515/85, de 31/12 (Redacção do D.L. 72- A/86, de 18/04 - art. 10º).
c) Quanto à ausência de publicidade da taxa dos direitos niveladores e dos direitos compensadores
- Portaria nº 151-A/86, de 18/04;
- Portaria nº 241/85, de 30/04;
- Portaria nº 283/87, de 07/04.'
Nas alegações produzidas neste Tribunal, apresenta a recorrente o seguinte quadro conclusivo:
'- A autorização legislativa constante da alínea f) do art. 30º da Lei nº
2-B/85, de 21/2, carece de objecto e de extensão, pelo que não credencia o Governo com poderes legislativos;
- os direitos niveladores são impostos aduaneiros, conforme prevêem o TR - art.
9º e 10º e o art. 4º, 10, do Código Aduaneiro Comunitário, pertencentes à reserva legis- lativa da A.R. (CRP - art. 168º).
- Consequentemente, somente podiam ser criados pela A.R. ou mediante autorização legislativa que expressamente credenciasse o Governo com os adequados poderes legislativos, o que não se verifica;
- Ainda que tal autorização legislativa existisse validamente expressa ainda assim se verificaria a violação da CRP (art. 168º);
- porquanto não é o D.L. 115-G/85 que traduz a aplicação daquela autorização;
- uma vez que este diploma não fornece os elementos do imposto, exigidos pelo art. 106º da CRP (taxa, incidência, isenção);
- deixando para a actividade regulamentar a instituição efectiva do imposto;
- Porém, também as portarias regulamentadoras omitem a publicidade das taxas dos direitos em causa, remetendo para um 'aviso' que nunca foi tempestivamente publicitado no DR, se é que alguma vez o foi;
- E, no entanto, trata-se de actos legislativos e, como tal, sujeitos a publicação obrigatória (CRP - art. 122º - 3º);
- Sobre matéria similar foi proferido o acórdão 530/94.
Termos em que requer seja declarada a inconstitucionalidade a)- do Decreto-Lei 115/85 - artigo 9º; b)- das portarias regulamentares daquele diploma - nºs 241/85, de 30 de Abril e
512/85, de 27 de Julho; c)- da alínea f) do artigo 30º, da Lei nº 2-B/85, com a consequente revogação do acórdão recorrido'.
Por sua vez, o representante da Fazenda Pública sustenta, nas suas alegações, o sentido da decisão do acórdão aqui sob recurso.
5.- Corridos os vistos legais, cumpre, então apreciar e decidir, começando-se pela delimitação do objecto do presente recurso de constitucionalidade .
II- Fundamentos
6. Escreveu-se recentemente no Acórdão deste Tribunal nº 379/96, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Julho de 1996, que 'o requerimento de interposição do recurso limita o seu objecto às normas nele indicadas (cfr. o artigo 684º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, conjugado com o artigo
75º-A, nº 1, desta lei), sem prejuízo, obviamente, de esse objecto, assim delimitado, vir a ser restringido nas conclusões da alegação (cfr. citado artigo
684º, nº 3). O que, na alegação (recte, nas suas conclusões), o recorrente não pode fazer é ampliar o objecto do recurso antes definido'. (No mesmo sentido, cfr. os Acórdãos nºs. 71/92, 323/93, 10/95 e 35/96, publicados na II Série do Diário da República, de 18 de Agosto de 1992, de 22 de Outubro de 1993, de 22 de Março de 1995 e de 2 de Maio de 1996, respectivamente).
Assim, o objecto do presente recurso de constitucionalidade, tal como foi delimitado pelo requerimento em que foi interposto (cfr. os Acórdãos deste Tribunal nºs. 402/93, 635/95, 151/96 e 379/96, o primeiro e o último publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Janeiro de 1994 e de 15 de Julho de 1996, respectivamente, e os restantes ainda inéditos), abrange:
- o Decreto-Lei nº 115-G/85, de 18 de Abril;
- A Portaria nº 512/85, de 27 de Julho; e
- as Portarias 'que alteraram ou revogaram esta
última'.
Como se viu, foi a recorrente notificada, nos termos do nº 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), para indicar as normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada, o que fez, apresentando um mais alargado inventário de diplomas e normas impugnadas e de fundamentos de inconstitucionalidade.
Ora, a primeira questão a dilucidar é justamente a da relação entre o requerimento de interposição do recurso e a peça processual que resultou do cumprimento do despacho de aperfeiçoamento proferido pelo relator do processo ao abrigo daquela norma legal.
É seguro que não pode admitir-se uma novação do requerimento, com a consequência de a delimitação do objecto do recurso transitar do primeiro requerimento para o segundo. Uma tal solução seria inadmissível, desde logo porque o que resulta claramente da lei é que esta segunda intervenção do recorrente visa suprir deficiências do requerimento de interposição do recurso, que subsiste como elemento fundamental do recurso, e não substituí-lo.
Há, assim, que concluir que existe uma relação de complementaridade
- que não de substituição - entre o requeri- mento de interposição do recurso e a intervenção processual em cumprimento de despacho proferido ao abrigo do nº 5 do artigo 75ºA da Lei do Tribunal Constitucional. Com esta conclusão não ficam, porém, esclarecidas todas as dúvidas. Com efeito, cabe perguntar se no requerimento de aperfeiçoamento pode restringir-se o conjunto de normas que se quer ver apreciadas pelo Tribunal. A resposta deve ser afirmativa, não só porque esse é o sentido normal do despacho de aperfeiçoamento previsto no referido artigo 75º-A, nº 5, da Lei do Tribunal Constitucional para o caso de requerimentos vagos ou genéricos, mas também por analogia com o já aludido poder reconhecido às partes de restringir o objecto do recurso nas conclusões das alegações (nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional). O que não pode é o recorrente aditar ao conjunto de normas indicadas no requerimento de interposição do recurso um outro conjunto de normas. Tal como nas alegações de recurso se não pode ampliar o seu objecto, não é legítimo fazer-se tal ampliação a pretexto do suprimento de deficiências do requerimento. Aliás, outro entendimento equivaleria a transformar o requerimento de interposição do recurso numa mera formalidade, que acarretaria tantas mais vantagens quanto mais vaga fosse, na medida em que se adiava a delimitação do objecto do recurso bem para lá do prazo de apresentação deste.
É possível, por isso, concluir-se o seguinte: delimitado o objecto do recurso pelo requerimento da sua interposição, pode este ser posteriormente circunscrito - mas não ampliado - pelos recorrentes, dando cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento proferido ao abrigo do disposto no nº 5 do artigo
75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, tal como pode ser restringido nas conclusões das alegações apresentadas no Tribunal Constitucional.
7. Assim sendo, não poderão fazer parte do objecto do presente recurso as normas indicadas no requerimento apresentado na sequência do convite de aperfeiçoamento, mas não referidas no requerimento de interposição do recurso (aliás, do grupo destas, apenas duas foram correctamente individualizadas, tal como se determinava no convite: a da alínea f) do artigo 30º da Lei nº 2-B/85, de 28 de Fevereiro - e não de 21, como aí se refere - e a do artigo 10º do Decreto-Lei nº 515/85, de 31 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 72-A/86, de 18 de Abril), nem os diplomas não referenciados no requerimento de interposição do recurso (é o que sucede com a Portaria nº 241/85, de 30 de Abril, com os já referidos Decretos-Leis nºs.
515/85 e 72-A/86 e com a Lei nº 2-B/85). Em relação às Portarias nºs.151-A/86, de 18 de Abril, e 283/87, de 7 de Abril, a sua inclusão no objecto do recurso fica dependente de elas terem alterado ou revogado a Portaria nº 512/85, de 27 de Julho, uma vez que, sob esta 'identificação' genérica, se referenciaram outras portarias, além desta, no momento próprio para o fazer: o da interposição do recurso.
Assim, em consequência da resposta apresentada pela recorrente ao despacho de aperfeiçoamento proferido ao abrigo do nº 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, a aferição da inconstitucionalidade ficou circunscrita:
- aos artigos 3º, 4º e 5º do Decreto-Lei nº 115-G/85;
- às Portarias nºs.151-A/86, de 18 de Abril,e 283/87, de 7 de Abril, na medida em que revoguem ou alterem a Portaria nº 512/85, de 27 de Julho.
8. O apuramento da relação existente entre estas portarias revela-se, porém, desnecessário, porquanto a recorrente, exercendo uma faculdade que não cabe a este Tribunal sindicar, circunscreveu, nas conclusões das suas alegações, o objecto do recurso (cfr. os acórdãos referidos supra, no ponto 6), de forma a deixar de lado outras Portarias que não as nºs. 241/85 e 512/85. Ora, da mera anterioridade da primeira já decorre a impossibilidade de preencher a condição estabelecida no requerimento de interposição do recurso - alterar ou revogar a segunda. Por sua vez, a intenção de impugnar esta não foi reiterada quando o teria de ser - no momento em que, cumprindo o despacho do relator, teria de 'indicar a norma (ou normas) cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie'.
Por outro lado, a única norma indicada nas conclusões das alegações, de entre as do Decreto-Lei nº 115-G/85, acabou por ser a do artigo 9º - mas esta ficou fora do objecto do recurso, quando se tinham indicado no requerimento de aperfeiçoamento como normas que se pretendia ver apreciadas pelo Tribunal somente as dos artigos 3º, 4º e 5º (cfr. o que se escreveu no ponto 7).
Por fim, a norma da alínea f) do artigo 30º da Lei nº 2-B/85, também individualizada nas conclusões das alegações (a mais de já ter sido julgada não inconstitucional - Acórdãos nºs. 70/92 e 140/92, publicados na II Série do Diário da República, de 18 de Agosto e de 25 de Agosto de 1992, respectivamente), não pode fazer parte do objecto do recurso (cfr. o que se escreveu no ponto 7), já que não foi indicada no requerimento de interposição do recurso.
Ou seja: o pedido 'de declaração de inconstitucio- nalidade' que encerra as alegações não pode ser apreciado por este Tribunal:
a) - em relação à norma do artigo 9º do Decreto-Lei nº 115-G/85, porque tal norma, sendo embora abrangida genericamente pelo requerimento de interposição do recurso, mas não aí especificadamente indicada, foi excluída do objecto do recurso quando a recorrente deu cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento proferido pelo relator ao abrigo do nº 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional; b) - em relação às normas regulamentares daquele diploma:
- a Portaria nº 241/85 não pode ser apreciada, porque não foi indicada no requerimento de interposição do recurso;
- a Portaria nº 512/85 não pode ser analisada, dado que foi excluída do objecto do recurso, quando a recorrente deu cumprimento ao despacho de aperfeiçoamento já referido; c) - em relação à alínea f) do artigo 30º da Lei nº 2-B/85, porque tal norma não constava das normas ou diplomas indicados no requerimento de interposição do recurso.
9. Há, assim, que concluir que o objecto do presente recurso é constituído por um conjunto vazio. Assim sendo, por falta de objecto, não deve conhecer-se do presente recurso. Ainda assim, não haverá lugar à condenação em custas, porquanto, nos termos do nº 2 do artigo 84º da Lei do Tribunal Constitucional, esta só ocorre, em caso de não conhecimento do recurso 'por não verificação de qualquer pressuposto da sua admissibilidade'. Ora, uma vez que no momento de admissão do recurso estavam preenchidos tais pressupostos - só nas conclusões das alegações se delimitou o objecto do recurso, de forma a deixar fora do perímetro de apreciação por parte deste Tribunal qualquer norma -, a presente situação não preenche a hipótese normativa que determina a condenação em custas, apresentando, antes, uma certa analogia com a desistência do recurso, pelo que a esta deve ser assimilada, para o referido efeito.
III - Decisão.
10. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Lisboa, 15 de Janeiro de 1997 Fernando Alves Correia Messias Bento Bravo Serra Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito (vencido,nos termos da declaração junta). DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido, por entender que o Tribunal deveria conceder provimento ao recurso, por razões análogas às da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 2 da Portaria nº 287/87, constantes do Acórdão nº 530/94, publicado no Diário da República, I Série - A de 8/11/94, uma vez que elas valem para a norma do nº 1 do artigo 3º da Portaria nº 241/85 de 30 de Abril, aplicada na hipótese sub judice e que faz parte do objecto do processo.
Com efeito, a questão da inconstitucionalidade de todas as normas da Portaria foi suscitada pelo recorrente durante o processo e foi-o também na resposta ao convite que o juiz lhe fez para tal, ao abrigo do nº 5 do artigo 75º-A da LTC. Não posso concordar com a tese do Acórdão de que é proibido aditar na referida resposta outras normas às antes indicadas no requerimento de interposição do recurso. O convite do relator foi de indicar as normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie. Ora a mesma razão que permite na resposta indicar normas que não constavam do requerimento de interposição, por nenhumas dele constarem, deve permitir indicar normas que igualmente não constavam desse requerimento, quando a indicação das normas nele feitas foi considerada, por qualquer razão, insuficiente. Em qualquer dos casos, o objecto do processo pode ser fixado na resposta ao convite, a qual, se pode ser novatória, também pode ser substitutiva. Seria injusto sancionar mais gravemente uma indicação incompleta do que uma falta de indicação. O argumento de que de outro modo se adiava a delimitação do objecto do recurso bem para lá do prazo de apresentação desta vale igualmente para hipóteses de falta de indicação do objecto e é, portanto, contraditório com a própria doutrina do projecto, imposta claramente pela lei nessas hipóteses. José Manuel Cardoso da Costa