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Proc. n.º80/98
2ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Relatório:
1. Em 30 de Janeiro de 1995, L... interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, recurso contencioso de anulação do despacho de 28 de Setembro de 1994 da Direcção da Caixa Geral de Aposentações que lhe fixou a respectiva pensão mensal, no montante de 741 838$00, desde a data (7 de Fevereiro de 1994) em que foi submetido à junta médica que declarou a sua incapacidade permanente e absoluta para o exercício das funções de notário. Por sentença de 30 de Outubro de 1995 do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, foi negado provimento ao recurso, considerando inverificada a invocada inconstitucionalidade do n.º 5 do artigo 47º do Estatuto da Aposentação
(aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro), introduzido pelo artigo 7º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro.
2. Inconformado, o recorrente interpôs recurso para a Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, mantendo a impugnação da constitucionalidade da norma, mas a 2ª Subsecção da referida Secção, por Acórdão de 1 de Julho de 1997, negou provimento ao recurso, considerando improcedente a invocada violação dos princípios da confiança e da não retroactividade da lei, bem como do disposto nos n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa.
3. Ainda inconformado, o recorrente trouxe recurso para este Tribunal, logo apresentando as respectivas alegações. Notificado para alegar neste Tribunal, concluiu assim:
'1ª O recorrente, durante a sua vida de funcionário público, obteve, através de remunerações variáveis de acordo com o trabalho despendido, proventos que excederam a remuneração-base legalmente fixada para o cargo de Primeiro-Ministro, incidindo a quota que pagava obrigatoriamente à Caixa Geral de Aposentações sobre a sua remuneração mensal global. Em contrapartida, a pensão de aposentação a ele atribuída foi reduzida – aliás, incorrectamente – até ao limite da remuneração base legalmente fixada para o cargo de Primeiro-Ministro. As quotas pagas, respeitantes às remunerações que excederam aquele plafond, foram totalmente inúteis, acabando o recorrente, assim, por ser despojado das importâncias delas, por não lhe haver sido atribuído o correspondente benefício
– a parte da pensão de aposentação que sempre teve a legítima expectativa de obter e que o n.º 5 do art.º 47º do Estatuto da Aposentação veio retirar-lhe.
2ª
À obrigação de pagamento de quotas para a Caixa Geral de Aposentações subjaz como que um ‘acordo’ entre o subscritor e essa entidade, segundo o qual ele presta mensalmente, a ela, uma determinada quantia, de modo a obter, na aposentação, uma importância correspectiva. Esse direito do recorrente, à data em que efectuou o pagamento das quotizações para a Caixa Geral de Aposentações, não pode deixar de haver-se por adquirido e legalmente protegido. O recorrente tinha um efectivo direito a que as quotas por si pagas fossem contadas para o ‘quantum’ da pensão de aposentação.
3ª O art.º 7º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, veio disciplinar o regime da passagem à situação de aposentação designadamente por quem reunia já todos os pressupostos para o efeito, enquadrado por um regime e por forma a precipitar uma diminuição de direitos anteriormente conferidos e a frustar expectativas legítimas.
4ª O referido art.º 7º da Lei n.º 75/93, vigorando aparentemente só para o futuro – rectius: no futuro -, acaba por ter eficácia retroactiva, ao aplicar-se a situações existentes à data da sua entrada em vigor e estabilizadas, de modo a alterar substancialmente a conformação das situações passadas, quanto à projecção destas e às consequências que a elas haviam sido assinadas.
5ª O novo critério de cálculo da remuneração, para efeitos de fixação da pensão de aposentação, ofende, assim, a garantia constitucional do respeito por situações jurídicas subjectivas firmadas à luz de uma lei anterior válida.
6ª A violação de tal garantia constitucional da confiança dos cidadãos, expressa na segurança e certeza da ordem jurídica, representa um desrespeito directo pelo princípio do Estado de direito democrático (Constituição, art.º 2º).
7ª Afectou, pois, retroactivamente, de modo manifestamente desrazoável, a posição juridicamente tutelada do recorrente.
8ª Parte da remuneração global de determinados cargos, como o desempenhado pelo recorrente, era – e é – obtida através de receitas variáveis, sem limite, dependentes apenas do esforço e capacidade de cada um, representando um incentivo e uma recompensa para o empenho, dedicação, rendibilidade e produtividade dos funcionários e agentes que os ocupam, sobre cuja participação as quotas para a Caixa Geral de Aposentações eram calculadas e na base das quais estavam garantidas as correspectivas pensões de aposentação.
9ª O recorrente, auferindo um vencimento ‘constituído por uma parte fixa ou ordenado e pela participação no rendimento emolumentar’ do respectivo Cartório Notarial, podia estar, e estava, legitimamente convicto de que o critério de cálculo desse vencimento, para efeitos de fixação da pensão de aposentação – sobre a soma dessas duas componentes da remuneração mensal e sem qualquer restrição -, não iria sofrer alteração. Semelhante expectativa validamente criada e sustentada ao longo do tempo, frustou-se com a entrada em vigor da alteração ao art.º 47º do Estatuto da Aposentação, decorrente do art.º 7º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, lesando a confiança e a segurança jurídica dos cidadãos, próprias de um Estado de Direito democrático.
10ª O n.º 5 do art.º 47º do Estatuto da Aposentação, introduzido pelo art.º 7º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, viola, assim, o princípio da protecção da confiança, como sub-princípio do Estado de Direito, e da não retroactividade da lei (Constituição, art.ºs 2º e 18º, 2 e 3).
11ª O art.º 63º da Constituição consigna a obrigação de ter em conta ‘todo o tempo de trabalho’, no ‘cálculo das pensões de velhice e de invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado’: para a determinação da pensão de aposentação, todas as contribuições pagas ao longo dos anos de exercício de funções deverão ser contabilizadas para efeitos de aposentação, sob pena de esse tempo não ter relevância ou, sequer, a relevância correspondente.
12ª Com o sentido e alcance que lhe foi atribuído pela interpretação do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no recurso n.º 40 207 (1ª Secção – 2ª Subsecção), o n.º 5 do art.º 47º do Estatuto da Aposentação, introduzido pelo art.º 7º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, ofende o disposto no art.º 63º, 1,
4 e 5 da Constituição.
13ª Em síntese: o n.º 5 do art.º 47º do Estatuto da Aposentação, introduzido pelo art.º 7º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, na interpretação que lhe foi conferida pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no recurso n.º 40 207(1ª Secção – 2ª Subsecção) ofende o disposto nos art.ºs 2º, 18º, 2, e
63º, 1, 4 e 5, todos da Constituição.' Por sua vez, a Caixa Geral de Aposentações considerou, em resposta, que a norma impugnada 'não viola os princípios constitucionais da protecção da confiança e da não retroactividade da lei ínsitos nos arts. 2º e 18º, ns. 2 e 3 da Constituição' por o regime de aposentação se fixar 'com base na lei em vigor e na situação existente à data do acto ou facto determinante da mesma' e que
'também não viola o art 63º da Constituição' porque ' o limite estabelecido pelo n. 5 do art. 47º do Estatuto da Aposentação não se refere a tempo de serviço, mas a remunerações relevantes no cálculo da pensão de aposentação.'
4. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos:
5. É a seguinte a redacção do n.º 5 do artigo 47º do Estatuto da Aposentação, introduzido pelo artigo 7º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro:
'Artigo 47º Remuneração mensal
(...)
5 – Nos casos em que a média das remunerações previstas na alínea b) do n.º 1, adicionada da remuneração estabelecida na alínea a) do mesmo número, exceda a remuneração base legalmente fixada para o cargo de Primeiro-Ministro, será a remuneração mensal relevante reduzida até ao limite daquela.' Invoca o recorrente que esta disposição, sendo-lhe aplicável, lesa o princípio da confiança e da não retroactividade da lei, além de ser desconforme com os n.ºs 1, 4 e 5 do artigo 63º da Constituição, assim redigidos:
'Artigo 63º
(Segurança Social)
1. Todos têm direito à segurança social.
(...)
4. O sistema de segurança social protegerá os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
5. Todo o tempo de trabalho contribuirá, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado.' Ora, do que acaba de se transcrever resulta que os direitos constitucionalmente salvaguardados no artigo 63º não são postos em causa pela intervenção do legislador ordinário que fixou um limite máximo para a remuneração mensal relevante para o cálculo da pensão de aposentação. Na verdade, é indiscutível que se mantém o direito à segurança social e que é paga uma pensão de aposentação, apenas estando em causa o limite máximo da remuneração relevante para o seu cálculo. Tem, pois, de recusar-se qualquer violação dos n.ºs 1 e 4 do artigo 63º. A intervenção do legislador não pôs, por outro lado, em causa a contribuição de todo o tempo de trabalho para o cálculo da pensão de aposentação. Esse limite incidiu sobre a média mensal das remunerações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 47º do Estatuto da Aposentação, adicionada ao ordenado ou outra retribuição base (previsto na alínea a) desse n.º 1), e não directamente sobre esta remuneração base fixada em função do tempo (normalmente, mensal) ou de forma a reduzir o tempo de trabalho remunerado a considerar. Acresce, decisivamente, que o número de anos de serviço relevante para o cálculo da pensão (nos termos do artigo 53º do Estatuto) não foi afectado pela alteração introduzida pela Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro. Aliás, a concessão de relevância ao tempo de trabalho operou-se nos termos da lei, sem que os tribunais aos quais cabe aferir da sua aplicação aos factos tenham encontrado razão para censura da forma como foi feita. Naturalmente, não cabe a este Tribunal sindicar o modo de aplicação do direito comum, mas tão só verificar se essa aplicação coenvolveu normas inconstitucionais, formal ou organicamente, ou se implicou um sentido materialmente inconstitucional das normas aplicadas. Não estando em causa nem uma inconstitucionalidade formal nem orgânica – a norma impugnada foi introduzida por lei e respeita a matéria da competência da Assembleia da República – a inconstitucionalidade só poderia resultar da contradição com o parâmetro constitucional invocado. Ora, quanto ao artigo 63º, tal contradição não é, como se vê, verificável.
6. Invocou ainda o recorrente, todavia, a violação dos princípios da confiança e da não retroactividade da lei, que, como decorrentes do princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição, gozam de protecção constitucional, ainda que não exista uma proibição genérica de retroactividade das leis. Como se escreveu no Acórdão n.º 287/90 (publicado no Diário da República, I Série, de 20 de Fevereiro de 1991):
'Nesta matéria, a jurisprudência constante deste Tribunal tem-se pronunciado no sentido de que ‘apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio da protecção da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n. 11/83, de
12 de Outubro de 1982, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º vol., pp. 11 e segs.; no mesmo sentido se havia já pronunciado a Comissão Constitucional, no Acórdão n. 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça, n. 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Constitucional designadamente através dos Acórdãos ns. 17/84 e 86/84, publicados nos 2º e 4º Vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. E 81 e segs., respectivamente).' E no mesmo Acórdão n.º 287/90, transcrito depois no Acórdão n.º 285/92, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Agosto de 1992, salientou-se que, depois de se apurar se foram afectadas expectativas legitimamente fundadas, resta averiguar se essa afectação é inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa. A 'ideia geral de inadmissibilidade' deverá ser aferida pelo recurso a dois critérios:
'a) Afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n. 2 do artigo 18º da Constituição desde a 1ª revisão). Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.'
7. Ora, no caso sub iudice, compreende-se que a introdução pelo legislador de um limite máximo da remuneração relevante para o cálculo da pensão de aposentação afecte expectativas dos destinatários da prescrição legal. É facto que não havia razão específica para os destinatários anteciparem aquela mutação da ordem jurídica (a imposição daquele limite naquele momento). Resta, porém, saber se tais expectativas eram legítimas, no sentido de merecerem a tutela do Direito, ou se o legislador acautelou a possibilidade de formação de tais expectativas, advertindo os destinatários da impossibilidade de se fixar um dado regime da aposentação antes de certo momento. Na verdade, a impossibilidade de previsão de uma mudança só frustraria expectativas legítimas dos destinatários da norma em causa se estes não devessem razoavelmente contar com a possibilidade da mudança, designadamente, por o legislador os ter advertido do momento em que se fixa o regime da aposentação. Ora, o artigo 43º do Estatuto da Aposentação incorpora, neste sentido, uma previsão genérica de possibilidade de mudança de regimes, ao determinar que o regime da aposentação se fixa com base na lei em vigor e na situação existente à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem à aposentação (o que, no caso vertente, não ocorreu antes de Fevereiro de 1994). E, por outro lado, este regime foi sendo, ao longo dos anos, sucessivamente alterado (umas vezes em sentido favorável, outras em sentido desfavorável ao interesse do recorrente), ao ponto de os destinatários de tais normas deverem ter por assente que, até à constituição da sua posição de pensionistas, mudanças poderiam sobrevir, ainda que imprevisíveis no seu sentido ou momento da aplicação. Não parece, assim, desde logo, que se possa dizer que a alteração em causa afectou expectativas legítimas dos destinatários da norma, sendo seguro que, ainda que assim não fosse, não se poderia dizer que a alteração legislativa em causa constituísse uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas não pudessem contar – justamente, por, como o legislador esclareceu já no artigo 43º do Estatuto da Aposentação, deverem contar com mutações do regime da aposentação (em sentido favorável ou desfavorável, embora, evidentemente, sem poderem adivinhar o sentido preciso dessas mutações) até à data em que se verifiquem os pressupostos que dão origem
à aposentação. Aliás, deve reconhecer-se que não existe uma relação directa entre os descontos a efectuar para a Caixa Geral de Aposentações e a pensão de aposentação a receber. E compreende-se que assim seja, tanto podendo, desde logo, o interessado ser prejudicado como beneficiado com a falta desta relação directa
(assim se a pensão for globalmente de montante inferior àqueles pagamento ou de montante superior). Como já decorre do que se disse, a argumentação baseada no facto de o recorrente ter efectuado pagamentos obrigatórios à Caixa Geral de Aposentações incidentes sobre a sua remuneração mensal global, quando ainda não vigorava o limite das remunerações mensais relevantes para cálculo da pensão de aposentação, introduzido em 1993 com o n.º 5 do artigo 47º do Estatuto da Aposentação, não pode proceder (limite, esse, que, aliás, se refere à remuneração relevante para efeito do cálculo da pensão e que apenas por virtude do artigo 48º do Estatuto da Aposentação contende com a que é considerada para efeitos de contribuições para a Caixa Geral de Aposentações). É que, como se disse, o regime da aposentação não se fixa no momento em que as contribuições são efectuadas, mas, nos termos do referido artigo 43º, quando se verificam os pressupostos que dão origem à aposentação (sendo, aliás, também por esta aposentação que o interessado adquire direito à pensão mensal vitalícia). Não se pode, portanto, sequer afirmar que a alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 75/93 tenha eficácia retroactiva, uma vez que, nos termos do artigo
43º do Estatuto da Aposentação, o regime da aposentação não se encontrava à data da entrada em vigor dessa alteração ainda fixado (e também não sendo viável sustentar que a norma do artigo 43º do citado Estatuto, sobre o momento da fixação do regime da aposentação – cuja constitucionalidade, aliás, não foi impugnada –, permita uma retroactividade inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa das alterações legislativas do regime da aposentação).
8. Saliente-se ainda que, como já se referiu - na sequência da jurisprudência anterior deste Tribunal -, mesmo a eficácia retroactiva da lei só será inadmissível quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes, devendo recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo
18º da Constituição desde a 1ª revisão. E deve dizer-se, quanto à motivação da mutação legislativa de 1993, que, objectivamente, ela não deve desligar-se da situação da evolução de receitas e despesas da segurança social. Como é notório, o prolongamento da esperança de vida, a alteração da relação entre pensionistas e contribuintes para o regime e a fixação de pensões de aposentação bastante elevadas ameaçam de ruptura o regime de segurança social, sendo compreensíveis a introdução de reformas que limitem os gastos e aumentem as receitas. Por outro lado, sabe-se que a medida em causa foi igualmente ditada por razões de proporcionalidade e de harmonização das retribuições pagas pelo Estado, afectando também todos os seus trabalhadores no activo, incluindo titulares de órgãos de soberania.
9. Conclui-se, assim, que nem as expectativas legítimas do recorrente podem ter sido afectadas de forma inadmissível ou arbitrária pela norma em apreço, nem essa afectação nem a evolução legislativa deixou de se fundar na necessidade de salvaguardar direitos e interesses constitucionalmente protegidos e prevalentes. Como concluía o Acórdão n.º 287/90 (e o Acórdão n.º 285/92 repetiu):
'Não há, com efeito, um direito à não-frustração de expectativas jurídicas ou à manutenção do regime legal em relações jurídicas duradoiras ou relativamente a factos complexos já parcialmente realizados. Ao legislador não está vedado alterar o regime de casamento, de arrendamento, do funcionalismo público ou das pensões, por exemplo, ou a lei por que se regem processos pendentes.'(itálico aditado). III. Decisão: Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional o n.º 5 do artigo 47º do Estatuto da Aposentação, introduzido pelo artigo 7º da Lei n.º 75/93, de 20 de Dezembro, e, em consequência, negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida quanto
à questão de constitucionalidade. Lisboa, 10 de Fevereiro de 1999 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa