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Procº nº 345/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. R..., D... e E... intentaram pelo Tribunal Cível da Comarca do Porto e contra A... e RM..., acção, seguindo forma de processo sumário, solicitando que fosse decretada a resolução do contrato de arrendamento entre ambas as partes vigente e, em consequência, fossem os réus condenados a despejarem imediatamente o arrendado, entregando-o livre de pessoas e bens aos autores e, ainda, que os mesmos réus fossem condenados a pagarem aos ditos autores, no caso de mora na restituição do arrendado, uma indemnização igual ao dobro da renda mensal devida por todo o tempo que decorresse desde o início da mora até à sua entrega definitiva.
Por sentença de 3 de Junho de 1997, proferida pelo Juiz do 5º Juízo daquele Tribunal, foi, nos termos dos artigos 55º, n.º 1, 63º, n.º2, e 64º, n.º
1, al. a), do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, decretada a resolução do contrato de arrendamento, vindo os réus a ser condenados a entregarem o arrendado aos autores, livre de pessoas e bens, e a pagarem a estes últimos, em caso de mora na entrega do arrendado após o trânsito em julgado da sentença, uma indemnização mensal igual a 40.094$00, até à sua efectiva restituição aos autores.
Do assim decidido recorreram os réus para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 9 de Fevereiro de 1998, julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.
2. Notificados desse aresto, apresentaram os réus requerimento por intermédio do qual manifestaram a sua vontade de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, com vista a obterem decisão de uniformização de jurisprudência, tendo, a dado passo, dito nele que, no seu entender, 'o segmento
- «do qual não caiba recurso ordinário POR MOTIVO ESTRANHO À ALÇADA DO TRIBUNAL...» do nº 4 do artº. 678º do C.P.C. (revisto)' era inconstitucional por violação dos artigos 20º, 61º, nº 1, e 62º, nº 2, estes da Constituição, e 3º, alínea c), do Tratado de Roma.
Por despacho proferido em 9 de Março de 1998 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, não foi admitido tal recurso, estribando-se, para tanto, na seguinte fundamentação:-
'...............................................................................................................................................................
Considerando o valor da causa, não é o recurso admissível - art.º
678º n.º 1 do C.P.Civil.
E embora o n.º 4 do citado preceito estabeleça que é sempre admissível recurso, a processar nos termos dos art.ºs 732-A e 732-B do acordão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito, todavia tal recurso só é admissível quando o acordão não seja passível de recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal.
Ora, na presente situação o acordão não é passível de recurso por força da própria alçada.
Invocam os recorrentes a inconstitucionalidade do segmento, daquele n.º 4, ‘do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal...’
E dizem que violam os princípios consignados nos art.ºs 61 n.º 1, 62º n.º 1 e 20º da Constituição da República Portuguesa.
Importa desde já ter presente que é ao legislador ordinário que cabe fixar o regime de admissibilidade dos recursos.
Por outro lado, não vemos em que é que os citados art.ºs 61º e 62º se prendem com a matéria de recursos de decisões judiciais.
E quanto ao acesso ao direito e aos tribunais também não vemos em que parte é que o aludido preceito limita aqueles direitos dos cidadãos.
Pelo contrário, o questionado preceito até alargou o leque de casos em que é legítima a admissibilidade de recurso.
...............................................................................................................................................................................................'
3. Na sequência do assim decidido fizeram os réus juntar aos autos requerimento no qual consubstanciaram a sua vontade de recorrer para o Tribunal Constitucional, dizendo no mesmo:-
'...............................................................................................................................................................................................
considerando que, assim, na óptica desta Veneranda Relação estão esgotados os recursos ordinários, visto, naquele sentido, se integra na alçada deste Tribunal,
considerando que a eventual reclamação para o Sr. Presidente do S.T.J. se configuraria numa situação de plena constitucionalidade de todo o corpo do predito n.º 4 do art.º 678º o que não ocorre nestes autos – art.º 688º e 689º C.P.C. - , e
mais considerando, assim, o disposto no art.º 78º da Lei n.º 28/82, de 15/11 e o estatuído no art.º 75º A da mesma lei, na redacção Lei 85/89, de
7/9 e sob a capa da exigência do art.º 70º n.º 1 al. b) da aludida Lei 28/82,
finalmente, tendo em conta o disposto no n.º 2 do art.º 70º das citadas leis de 1982 e 1989, e a manifesta legitimidade do recorrente – art.º 72 n.º 2 preditas leis –
interpõem recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, ao abrigo de tais preceitos, sob a forma e no regime que ao presente caso caberia o recurso admissível, vale por dizer, o de uniformização jurisprudencial previsto nos art.ºs 732º A e B do C.P.C. – ‘ex vi’ o citado n.º 4 do art.º 678 do mesmo diploma – a subir de imediato e nos autos para o aludido T. Constitucional e expressamente requerido com efeitos suspensivos – art.º 724º do C.P.C. – atenta a manifesta delicadeza da matéria e dos direitos envolvidos.
...............................................................................................................................................................................................'
Na mesma data, em requerimento autónomo, vieram os réus aduzir:
'...............................................................................................................................................................................................
considerando que a Jurisprudência conhecida do Sr. Presidente do S.T.J. coincide, no essencial, com a do douto despacho de não admissão, tomando, pois, inútil a reclamação para o Sr. Conselheiro- -Presidente do S.T.J. e, mais tendo em conta a disponibilidade que, nesta matéria, o n.º 4 do art.º 70º da Lei Orgânica do T.C. – redacção da Lei n.º 13/a/98, de 26/02 (D.R. I-A, suplemento n.º 48/98) veio atribuir aos recorrentes,
mais considerando que o problema posto em análise diz respeito ao recurso para o S.T.J. fixação da jurisprudência e o entendimento desta Veneranda Instância se baseou, entre outros, na plena constitucionalidade do preceito redutor do recurso por razões de valor e alçada pelo exposto, DECLARAM
Pretender o recurso directo para o T.C. (conforme o referido e fundamentado requerimento subsequente) prescindindo da reclamação, face à jurisprudência conhecida do Sr. Presidente, o que fazem nos termos e para os efeitos do citado n.º 4 do art.º 70º (redacção da Lei 13/A/98).
...............................................................................................................................................................................................'
4. Determinada a feitura de alegações, concluíram os recorrentes a por si produzida do seguinte modo:-
'1ª. Em matéria tão controvertida, como acontece no caso dos presentes autos, onde se discute a natureza, efeitos e, ainda, os pressupostos da negociação «pro tempore» do estabelecimento comercial e ainda atento o facto de a Jurisprudência se orientar em três perspectivas diversas (cfr., em e para resumo, o Ac. da Rel. de Coimbra, de 9/12/97 – C.J. XXII, V, 32) a norma do nº 4 do artº. 678º do C.P.C., revisto, que impede, por puras razões de alçada, o direito à Justiça do caso (à equidade) e à fixação de jurisprudência, viola os princípios gerais da C.R.P., mormente os seus artºs 13º. Nº 1, 20º. e 62º.
2ª. Viola, outrossim, o princípio geral da livre negociabilidade da empresa, porquanto a falta de fixação jurisprudencial, em tal domínio, contende com a alínea c) do artº 3º do Tratado de Roma, fundador da actual União Europeia, ou seja, É UM ENTRAVE – QUIÇÁ MORTAL...- Á USUAL FORMA DESTA NEGOCIAÇÃO DO ESTABELECIMENTO, diverso do tradicional trespasse. Acresce que,
3ª. A ideia de equidade bem constante do nº 1 do artº. 6º da C.E.D.H. significará o direito à obtenção de uma (última) decisão, uniformizadora, realizadora da «Justiça reflectida» manifestada através dum «sistema aberto» como é o nosso verdadeiro Estado-de--Justiça, e, portanto, correctora de alguns desvios da reforma de 1996, do C.P.C.'.
De seu lado, os recorridos suscitaram a questão prévia do não conhecimento do conhecimento do recurso. E, a este propósito, disseram, em síntese, que a inconstitucionalidade da norma do nº 4 do artº 678º do Código de Processo Civil unicamente foi arguida pela recorrente no requerimento de interposição de recurso para uniformização de jurisprudência, recurso esse que não veio a ser admitido, decisão da qual a mesma recorrente não reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ou requereu que sobre ela recaísse acórdão do colectivo da Relação.
Subsidiariamente, defenderam que o recurso deveria improceder.
Ouvidos sobre a questão prévia, os recorrentes sustentaram, quer que a questão de constitucionalidade foi atempadamente deduzida, quer que, como prescindiram da reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho de não admissão de recurso, cobrava aplicação o disposto no nº 4 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
II
1. Impõe-se, em primeiro lugar, curar da questão prévia suscitada pelos recorridos.
Se é certo que o despacho de não admissão de recurso lavrado pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto não constitui uma decisão definitiva, por isso que da mesma ainda podiam os recorrentes reclamar para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, menos certo não é que os mesmos impugnantes vieram expressamente dizer que prescindiam da reclamação do despacho em causa.
2. Tem este Tribunal entendido que as reclamações para os presidentes dos tribunais superiores, nos casos de não admissão de recurso pelos tribunais inferiores, funciona como «recurso ordinário» para os efeitos do nº 2 do artº 70º da Lei nº 28/82, e isto contrariamente ao defendido pelos recorrentes na resposta à questão prévia suscitada pelos recorridos.
Sendo assim, prima facie, poder-se-ia considerar que, in casu, não houve exaustão dos recursos ordinários e, consequentemente, não se deveria tomar conhecimento da vertente impugnação.
Simplesmente, esta ocorreu pela apresentação de requerimento entrado no Tribunal da Relação do Porto em 23 de Março de 1998, ou seja, numa altura em que já se encontravam em vigor as alterações introduzidas à Lei nº 28/82 pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
Ora, uma dessas alterações incidiu, justamente, no nº 4 do aludido artº 70º, consignando-se agora nesta disposição que se entende que se acham esgotados todos os recursos ordinários, nos termos do nº 2, quando tenha havido renúncia.
No caso sub specie, os recorrentes vieram, expressamente, renunciar
à reclamação do despacho prolatado pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, pelo que tem plena aplicabilidade o preceituado naquele nº 4 do artº 70º, não sendo, pois, pela circunstância de, na vertente situação, não ter havido esgotamento efectivo dos recursos ordinários que se não poderá tomar conhecimento do objecto do recurso, devendo sublinhar-se que, antes da prolação do despacho de não admissão do recurso para fixação de jurisprudência, os impugnantes suscitaram a questão da desconformidade constitucional do segmento da norma constante nº 4 do artº 678º da actual redacção do Código de Processo Civil que prescreve a inadmissibilidade daquela espécie de recurso nos casos em que não possa caber recurso ordinário por motivo de alçada.
Improcede, desta arte a questão prévia suscitada pelos recorridos.
III
1. Comanda a norma sub iudicio:-
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4 – É sempre admissível recurso, a processar nos termos dos artigos
732.º-A e 732.º-B, do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se a orientação nele perfilhada estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
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Note-se que o recurso a que se reporta o transcrito normativo é uma forma de recurso ordinário (cfr. nº 2 do artº 676º do Código de Processo Civil) denominado Julgamento ampliado da revista e visa assegurar a uniformidade da jurisprudência, nele intervindo o plenário das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça.
Ao tempo da versão do Código de Processo Civil anterior à redacção emergente dos Decretos-Leis números 329-A/95 e 180/96, o seu artº 764º estatuía que era também admissível recurso para o Supremo, funcionando em tribunal pleno, se o tribunal da relação proferisse um acórdão que estivesse em oposição com outro, dessa ou de diferente relação, sobre a mesma questão fundamental de direito e dele não fosse admitido recurso de revista ou de agravo por motivo estranho à alçada do tribunal.
Esse artigo, que surgiu de uma proposta aprovada por maioria pela Comissão encarregue de rever o Código de Processo Civil de 1939 (cfr., sobre o ponto, Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil,, Vol. III,
1972, 413 e 414, Eurico Lopes Cardoso, Código de Processo Civil Anotado, 4ª edição 1972, 413 e 414, Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 116, 93 e seguintes, e Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2ª edição, 288 e 289), pretendeu permitir criar uma forma de se alcançar a emissão, pelo Supremo Tribunal de Justiça, de um «assento», constitutivo de jurisprudência obrigatória, para os casos em que, quer a matéria, quer a natureza do processo, nunca admitiam o recurso para o mais elevado tribunal da ordem dos tribunais judiciais - e, por isso, não seria possível o acesso ao disposto no artº 763º - mas em que se assistia à prolação, pela mesma ou por diferente relação, de decisões opostas sobre a mesma questão fundamental de direito.
Em consequência, pode dizer-se que a razão de ser do inciso não for admitido recurso de revista ou de agravo por motivo estranho à alçada do tribunal constante do artº 764º do Código de Processo Civil (redacção anterior à conferida pelos Decretos-Leis números 329-A/95 e 180/96) e do inciso do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal constante do nº
4 do artº 678º da actual redacção daquele corpo de leis, comporta as seguintes situações:-
- se determinada acção, pela sua natureza ou matéria, pode, em abstracto, admitir recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça independentemente do valor, sempre será possível, num determinado caso concreto, a obtenção de uma decisão desse Alto Tribunal;
- todavia, os recursos ordinários, em princípio, interligam-se com o valor da causa e, assim, nestes casos, se uma dada acção apresentar um valor inferior ao da alçada da relação (o de Esc. 2.000.000$00 ao tempo da decisão ora sob censura – cfr. artº 20º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, denominada Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais -), porque não é possível o recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, também não se abrirá a via do recurso para uniformização de jurisprudência (como identicamente se não mostrava possível, no domínio do Código de Processo Civil antes das alterações de 1995/1996, obter uma decisão do Supremo que estivesse em oposição com outra por ele tomada e que, assim, poderia desencadear o recurso para o tribunal pleno). No entanto, se, nesses casos, o valor da acção exceder a alçada da relação, claro é que se torna possível a obtenção de aresto por banda do Supremo Tribunal de Justiça, o qual, se estiver em contradição com outro anteriormente lavrado sobre a mesma questão fundamental de direito, pode abrir a via do julgamento alargado da revista (ou podia abrir a via do recurso para o tribunal pleno na já assinalada versão do Código de Processo Civil);
- para os casos em que a matéria ou a natureza das causas (e já não a forma de processo decorrente directamente do respectivo valor) nunca admita recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, porque não é possível a obtenção por banda deste de uma decisão e, consequentemente, não se figura que haja oposição entre arestos deste elevado órgão judiciário sobre a mesma questão fundamental de direito, o legislador, ponderando que importava, para esses casos, obviar à subsistência de decisões contraditórias quanto a tal questão tomadas pela mesma ou por diferente relação, que funcionavam, nos aludidos casos, como o órgão judiciário de maior hierarquia, entendeu que se justificava que o mencionado Supremo Tribunal se debruçasse sobre a questão, vindo a tomar uma decisão constitutiva de uniformização de jusrisprudência (ou, no domínio do Código de Processo Civil anterior à redacção de 1995/1996, de jurisprudência obrigatória).
2. Segundo os recorrentes, a norma do nº 4 do artº 678º da vigente versão do Código de Processo Civil, no segmento ora em apreciação, seria feridente da Constituição, pois que ofenderia os princípios que defluem dos seus artigos 13º, nº 1, 20º e 62º.
Começando pela análise da pretensa ofensa do artigo 20º da Lei Fundamental, torna-se claro que em causa unicamente poderá estar o seu nº 1, na parte em que nele se estatui que [a] todos é assegurado o acesso ... aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
2.1. Na óptica deste Tribunal, não se divisa que o segmento normativo em apreço viole o direito fundamental da tutela jurisdicional efectiva consagrado no nº 1 do artigo 20º da Constituição.
Na verdade, tal segmento, de todo em todo, não impede, minimamente que seja, que os cidadãos exerçam, quer o seu direito de acção, quer o direito ao processo, quer o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas, quer o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 163, sobre aquilo que se inclui no direito de acesso aos tribunais).
Questão conexionada ainda com o direito de acesso aos tribunais é a de saber se e em que medida nele se integra o denominado direito a um duplo grau de jurisdição.
Não estando aqui em causa matéria de índole penal (sobre a qual este Tribunal, desde há muito, tem defendido que, nos casos das sentenças penais condenatórias, deverá haver direito ao recurso - não por via do direito de acesso aos tribunais, mas sim como o asseguramento das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar - cfr., hoje, a redacção consagrada no artigo
32º, nº 1, da Constituição, após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, e, a este propósito, os Acórdãos deste Tribunal números 299/98 e 300/98, ainda inéditos), há que convir que o segmento normativo sub iudicio, de todo o modo, nem sequer ele próprio obstacula ao exercício de um direito à obtenção de uma decisão judicial em segundo grau.
E, mesmo para quem defenda que, estando em jogo direitos fundamentais ou análogos (como, verbi gratia, o direito de propriedade privada ou o direito de livre iniciativa económica privada), do nº 1 do artigo 20º da Constituição deflui um direito de duplo grau de jurisdição, ainda assim a norma em análise não é impeditiva do respectivo exercício, como, aliás, sucedeu no caso dos autos, em que os ora recorrentes puderam censurar a decisão tomada pelo tribunal de 1ª instância.
2.1.2. O Tribunal Constitucional tem, desde sempre, tido uma jurisprudência firme de harmonia com a qual (e ressalvada a matéria tocante às sentenças penais condenatórias, nos termos acima aflorados) o legislador ordinário tem liberdade para alterar as regras sobre a recorribilidade das decisões judiciais, aí se incluindo a consagração, ou não, da existência dos recursos, conquanto, como tem sustentado parte da doutrina (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, ob. cit., 101 e 102) não suprima em bloco ou limite de tal sorte o direito de recorrer de modo a, na prática, inviabilizar a totalidade ou grande maioria das impugnações das decisões judiciais, ou, ainda, que proceda a uma intolerável e arbitrária redução do direito ao recurso, e isso tendo em conta a previsão da existência, no Diploma Básico, de tribunais de 1ª instância e de recurso (cfr., por exemplo, os Acórdãos deste Tribunal nº 287/90, in Diário da República, 2ª Série, de 20 de Fevereiro de 1991, 502/96, idem, idem, de 27 de Fevereiro de 1997, 237/97, idem, idem, de 14 de Maio de 1997, e 239/97, idem, idem, de 15 de Maio de 1997; cfr., também, Carlos Lopes do Rego, em Estudos sobre a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, 43 e seguintes, maxime, 80 e segs.).
Na sequência deste posicionamento, há que concluir no vertente caso que o segmento da norma in specie, ao determinar a inadmissibilidade do julgamento alargado da revista quando haja oposição entre dois acórdãos da mesma ou de diferente relação sobre a mesma questão fundamental de direito nos casos em que não possa caber recurso ordinário por motivo de alçada, não é ofensivo do direito (ou da corte de direitos) consagrado(a) no nº 1 do artº 20º da Constituição.
3. Como se viu, os recorrentes sustentam também que aquele segmento
é violador do artº 13º da Lei Fundamental.
Em casos em tudo idênticos ao tratado nos presentes autos, mas reportado à norma do artº 764º do Código de Processo Civil na versão anterior à redacção emergente dos Decretos-Leis números 329-A/95 e 180/96, teve já este
órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa ocasião de se debruçar, na perspectiva de uma eventual contraditoriedade com o princípio da igualdade.
Fê-lo nos seus Acórdãos números 275/94 (ainda inédito) e 239/97 (já acima citado).
Respiga-se, deste último, o seguinte passo, totalmente aplicável à situação de que nos ocupamos:-
'...............................................................................................................................................................................................
A existência de limitações de recorribilidade, designadamente através do estabelecimento de alçadas (de limites de valor até ao qual um determinado tribunal decide sem recurso), funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos ‘patamares’ de recurso.
Na situação aqui em causa, do que se trata, essencialmente, é do funcionamento da regra das alçadas: as acções que nunca chegariam ao Supremo Tribunal, e consequentemente ao pleno, por não disporem de alçada, são subtraídas – ou dito de outra forma, não são abrangidas – pela legitimação especial de recurso contida no artigo 764º.
Ora, sendo certo que as alçadas, bem como todos os mecanismos de
‘filtragem’ de recursos, originam desigualdades (partes há que podem recorrer e outras não), estas não se configuram como discriminatórias, já que todas as acções contidas no espaço de determinada alçada são, em matéria de recurso, tratadas da mesma forma.
Significa isto que a regra básica de igualdade, traduzida numa exigência de tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, proibindo, designadamente a chamada ‘discriminação intolerável’ ...., não é afectada pelo específico aspecto do recurso para o pleno dos acórdãos da Relação, questionado pelo recorrente......................................................................................................................................................................................................................'
E, do segundo, convém transcrever o seguinte:-
'...............................................................................................................................................................
Segundo os recorrentes, a norma aqui em causa possibilita a existência de uma diversidade de soluções jurisprudenciais. Mas, quanto a isto, cabe observar que tal diversidade não é um aspecto peculiar decorrente do artigo
764º do C.P.C., mas sim uma característica geral de todo o nosso regime de recursos. Em geral, consoante o valor da causa, nuns casos a decisão pode ser reapreciada, e noutros não pode. Não haverá, porém, violação do princípio da igualdade, se estas diferenças de tratamento tiverem justificação, à luz do critério exposto.
E tal justificação existe, quer no regime geral dos recursos, como vimos,, quer no caso particular do recurso deste artigo 764º. Pois, também aqui, a norma que condiciona o recurso com fundamento em oposição de julgados trata por igual todas as partes nos processos cujo valor é igual, sendo certo que a distinção por ela estabelecida assenta no valor económico do pedido e não na situação económica do recorrente.
...............................................................................................................................................................'
Adite-se que, para além das considerações efectuadas nos dois arestos de que parte se transcreveu, tem justificação bastante e, por isso, se não configura como arbitrária ou irrazoável, uma prescrição tal como a que é levada a efeito no segmento normativo em apreciação, se ponderarmos que, em acções em que se possa levantar questão idêntica à suscitada nos presentes autos e cujo valor permita o recurso até ao Supremo Tribunal de Justiça, é perfeitamente possível a obtenção de acórdão por parte desse órgão de administração de justiça e que, se porventura vier a estar em oposição com outro, permite, nessa eventualidade, que se lance mão do julgamento ampliado da revista que, assim, irá criar uma uniformidade jurisprudencial. Deste modo se alcançará uma racionalização do sistema judiciário e se evitará que toda e qualquer questão que seja diversamente decidida pelas relações, em casos em que o valor das causas não permite o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, se veja submetida a este, quando é previsível que, numa outra acção, de valor tal que permita o acesso ao mesmo Supremo, este se venha a pronunciar.
Não se vá ainda sem dizer que, como se pode ler em Armindo Ribeiro Mendes [ob. cit., 100, nota (1)], '[a] garantia do duplo grau de jurisdição não se acha, assim, consagrada na Declaração Universal de 1948 nem para o processo civil, nem para o processo penal (cfr. art. 11º)', que, no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1976 se estabelece 'a garantia do duplo grau de jurisdição apenas em processo penal, quanto às sentenças condenatórias
(art. 14º, nº 5)' e que na Convenção Europeia dos Direitos do Homem 'não se prevê ainda a garantia do duplo grau de jurisdição (cfr. art. 6º, nº 1)', a qual tão só se surpreende no Protocolo nº 7 a tal Convenção, mas unicamente em relação a qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal.
4. Por último, os recorrentes defendem que o segmento normativo em apreço viola o artigo 62º da Constituição e 'o princípio da livre negociabilidade da empresa', desta arte contendendo com o que se prescreve na
'alínea c) do artº. 3º. do Tratado de Roma'.
Não vislumbra este Tribunal a razão de ser da defesa de tal ponto de vista.
É que, justamente, a impossibilidade, ditada pelo segmento normativo em análise, de se obter um julgamento alargado da revista com vista a solucionar uma divergência jurisprudencial de decisões tomadas pelas relações em acções cujo valor se contem dentro da respectiva alçada, tanto se verifica num caso em que em causa esteja matéria ligada, directa ou indirectamente, com o direito de propriedade privada, como em qualquer outro em que essa matéria não seja objecto da acção e em que, portanto, não se justifica chamar à colação o artigo 62º do Diploma Básico.
A isto acresce que, mesmo considerando que in casu, estava em causa uma questão de propriedade privada, então o que porventura poderia contender com esse direito seria a solução interpretativa conferida à norma (ou às normas) de direito ordinário que a Relação de Porto convocou para alcançar uma tal solução, e não já uma norma procedimental impeditiva da obtenção de uma uniformização jurisprudencial que se não sabe ainda se iria acolher aquela solução ou perfilhar uma outra.
Estas considerações são, também elas, aplicáveis à argumentação dos recorrentes no que tange àquilo que designam como violação da 'alínea b) do artº
3º do Tratado de Roma', e isso sem que entre na questão de saber se, num tipo de recurso como o presente, se seria possível aferir, em sede de análise de constitucionalidade normativa, de uma tal violação.
IV
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se os recorrentes nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 10 de Fevereiro de 1999- Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa