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Processo nº 725/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. M..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (4ª Secção - Secção Social, com intervenção de todos os seus juízes), de 24 de Abril de 1996, que, concedendo a revista, em recurso interposto pelo Centro Regional da Segurança Social do Norte, instituto público com sede no Porto, absolveu este do pedido formulado pela autora, ora recorrente, em acção emergente de contrato de trabalho, na qual ela obtivera ganho de causa na primeira e na segunda instâncias (com o julgamento de parcial procedência da acção, 'assim declarando ilícito o despedimento da A., condenando-se o Réu a reintegrar a A., no mesmo cargo e com a antiguidade computada a partir de 13.12.89, e a pagar-lhe a quantia global de (...)', conforme se lê na sentença do Tribunal de Trabalho de Braga, de 9 de Dezembro de 1994).
2. Aquelas duas instâncias entenderam que, à luz do regime jurídico que resulta da conjugação dos artigos 37º, nº 2 e 4, e 14º, nº 3, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, 44º, nº 2, e 47º do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o contrato de trabalho a termo certo celebrado em 13 de Dezembro de
1989 entre a recorrente e o Centro Regional (então o Centro Regional de Segurança Social de Braga) foi objecto de renovações, assim ultrapassando os três anos consecutivos, pelo que se converteu em contrato sem termo, a partir de
13 de Dezembro de 1992, e daí a ilicitude do despedimento por via de uma comunicação datada de 6 de Agosto de 1993. Nas suas alegações perante o Supremo Tribunal de Justiça, a ora recorrente veio sustentar, em apoio da confirmação do julgado, que se fosse 'outro o tratamento ou o entendimento jurídico', face ao citado regime legal, resultaria daí uma desigualdade que 'constituiria uma manifesta violação do princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei e do princípio do direito ao trabalho - arts
13º e 51º da CRP' (conclusão 5. dessas alegações, repetindo o teor das mesmas). O acórdão recorrido, enunciando como ponto fulcral 'para o cômputo da duração do contrato em causa' o de saber se ele 'teve início em 13 de Dezembro de 1989, para os efeitos do nº 4 do artigo 37 do Dec-Lei nº 427/89', identifica o problema com referência 'à disciplina da relação jurídica de emprego na Administração Pública' e adianta as seguintes respostas, condensadas nesta síntese:
- o Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, que 'teve também como finalidade regularizar situações de vinculação precária, de raiz irregular', estabeleceu
'como modalidades constitutivas da relação jurídica de emprego na Administração Pública a nomeação e o contrato de pessoal (art. 3)', sendo que 'só a nomeação dá origem a uma relação de emprego na Administração Pública (que abrange também os Institutos Públicos, como os da Segurança Social) com carácter permanente'
('O princípio da transitoriedade daquela relação domina, porém, a sua criação por contrato administrativo de provimento e por contrato de trabalho a termo certo - mas é muitíssimo mais vincado relativamente à relação de emprego a que esta última modalidade dá origem').
- regendo-se o contrato de trabalho a termo certo 'pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo', as especialidades a que alude a última parte do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, são limitativas daquela lei geral, 'obstando, nomeadamente, à aplicação nesta matéria do artigo 47 da LCCT', aprovada pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, segundo o qual o contrato 'converte-se em contrato sem termo' ('A mera possibilidade de se alcançar uma situação de emprego na Administração Pública, com carácter de permanência (como a resultante de nomeação) mediante a conclusão dum contrato de trabalho a termo certo, por efeito da aplicação, algo malabarística, do artº 47 da L.C.C.T., num contrato sem termo - é algo que surge, por isso, com o sabor de aberração').
- sendo isto assim, 'nunca o contrato em causa poderia converter-se em contrato de trabalho sem termo. De contrário, seria nulo'.
- estando um 'contrato de pessoal na Administração Pública' sujeito a publicação no Diário da República e a visto do Tribunal Contas, 'o início dum contrato da especial natureza daquele que está agora em causa, é algo que se encontra regulamentado na lei, escapando à estipulação das partes', interessando 'para o referido efeito - isto é, para a determinação do início do contrato - [...] a data da sua publicação no 'Diário da República', nos termos da lei' ('O contrato em causa foi publicado, por extracto, no 'Diário da República', II Série, de
30-08-1990, com menção do 'Visto' do Tribunal de Contas aposto em 30-5-90', e, portanto, 'tal contrato só se iniciou a partir dessa data').
- 'Assim, a cessação do contrato em 31 de Agosto de 1993 foi correcta, tendo sido oportunamente comunicado à Autora, em 6 desse mesmo mês, que o contrato cessava nessa data (cfr. artºs 2º, nº 3 do Dec.-Lei 427/89'. E respondendo especificamente à matéria de inconstitucionalidade, discreteou assim o acórdão:
'Também não colhe o argumento da Autora recorrida, apresentado nas suas contra-alegações de recurso, no sentido de que o afastamento da consequência decorrente do art. 47 da LCCT, nestes casos, redundaria numa desigualdade de tratamento de todos os cidadãos perante a lei e do princípio do direito ao trabalho. Na verdade, o princípio do interesse público que envolve a criação e duração da relação jurídica de emprego na Administração Pública diferencia tal situação da criação e duração da relação de emprego privado. Situações diferenciadas apontam para soluções jurídicas também diferentes. Daí que não haja ofensa ao princípio constitucional da igualdade consagrado no art. 13 nº 1 da C.P. por parte da legislação especial que rege o emprego na Administração Pública (nomeadamente, o Dec-lei nº 427/89, de 7 de Dezembro). Não há também qualquer ofensa ao princípio do direito ao trabalho consagrado no artigo. 58 da C.P.. Com efeito, tal princípio, enquanto direito positivo, não confere qualquer direito subjectivo a obter um concreto posto de trabalho. A sua função primacial
é comprometer o Estado na obrigação de definir políticas de criação de postos de trabalho, dirigidas tanto ao sector público como privado. Mas não cria, por si, direitos subjectivos privados'.
3. Nas suas alegações concluiu assim a recorrente:
'I. O douto Acórdão recorrido fez das disposições contidas nos arts. 14º, nº 3, e 37º, nº 4, do DL 427/89, de 7/12, uma interpretação inconstitucional, face ao que dispõem os arts. 13º, 53º e 58º da Constituição da República Portuguesa; II. Disposições estas cuja aplicação, implicitamente, foi recusada ou descurada pelo Supremo Tribunal de Justiça; III. Violou, assim, o douto Acórdão recorrido, entre outras, as normas contidas naqueles arts. 13º, 53º e 58º da C.R.P.'
4. Também apresentou alegações o ora recorrido Centro Regional, limitando-se a concluir que 'deverá considerar-se improcedente o recurso interposto', remetendo para as posições do acórdão recorrido.
5. Vistos os autos, incluindo o visto do Ministério Público, cumpre decidir. Fundado como está o presente recurso de constitucionalidade na alínea b), do nº
1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, não oferece dúvidas que a recorrente, então como recorrida perante o Supremo Tribunal de Justiça, suscitou minimamente nas suas alegações uma questão de inconstitucionalidade de certa interpretação normativa, de que aquele Supremo conheceu no acórdão recorrido (e mais explicitamente no requerimento de interposição do recurso a recorrente invoca que a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, 'ao considerar inaplicável ao contrato de trabalho celebrado em 13.12.89 (...)' fez de tais disposições 'uma interpretação inconstitucional', por referência aos artigos
13º, 53º e 58º, da Constituição). Só que isto não significa que possa passar-se, sem mais, ao conhecimento do mérito do recurso. Vejamos porquê. A questão posta centra-se assim num só ponto temático: o da extensão do regime legal da lei geral do trabalho (a lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo) aos contratos a termo certo celebrados pela Administração Pública, doravante só Administração, que não conferem ao particular outorgante a qualidade de agente administrativo (artigo 14º, nº 3, do Decreto-Lei nº 427/89), e quanto a saber se se converte em contratos sem termo pelo decurso do prazo de duração (sucessivamente renovados até ou mais de três anos). Tratar-se-ia, portanto, em tese, de saber se, relativamente a esse ponto, a interpretação e a aplicação que no acórdão recorrido é adoptada quanto às normas dos artigos 14º, nº 3 e 37º, nºs 2 e 4, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, fere ou não normas ou princípios constitucionais (por daí derivar não ser aplicável o artigo 47º do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, aos contratos a termo celebrados pela Administração). Acontece, porém, que a essência do julgado no Supremo Tribunal de Justiça - e que conduziu à absolvição do Centro Regional 'do pedido formulado pela autora' - reside no juízo de que, estando um 'contrato de pessoal na Administração Pública' sujeito a publicação no Diário da República e a visto do Tribunal de Contas, no caso, ' a cessação do contrato em 31 de Agosto de 1993 foi correcta, tendo sido oportunamente comunicado à Autora, em 6 desse mesmo mês, que o contrato cessava nessa data (cfr. artºs 2º, nº 3 do Dec.-Lei 427/89'. Tal significa que o Supremo nunca considerou terem decorrido mais de três anos a partir da data relevante de 30 de Agosto de 1990, concluindo-se, por isso, no acórdão ter sido 'correcta' a cessação do contrato em causa em 31 de Agosto de
1993. E, sendo isto assim, nunca poderia colocar-se a hipótese de ele se converter em contrato de trabalho sem termo pelo decurso de mais de três anos consecutivos. Ora, no âmbito do recurso de constitucionalidade, que tem uma função instrumental, só interessa o juízo positivo ou negativo em matéria de constitucionalidade que funcione como ratio decidendi da decisão. Se, como é o presente caso, a consideração relevante do acórdão recorrido é a de que 'nunca o contrato em causa poderia converter-se em contrato de trabalho sem termo', é pura questão académica conhecer da questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente, não sendo ratio decidendi a resposta dada no acórdão recorrido a tal questão. Exactamente porque não relevou para o julgado a interpretação e a aplicação que nesse acórdão tenha sido feita do regime legal dos Decretos-Leis nºs 427/89 e 64-A/89, conjugados com a possibilidade de conversão dos contratos a termo certo celebrados pela Administração em contratos sem termo pelo decurso do prazo de duração. Com o que não pode tomar-se conhecimento do presente recurso de constitucionalidade (cfr. as hipóteses versadas nos acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 577/95 e 1089/96).
6. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do recurso. Lisboa, 24 de Fevereiro de 1999 Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida Bravo Serra Messias Bento José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa