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Processo n.º 747/98 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. J... interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Maio de 1998, que, com fundamento na sua extemporaneidade, não conheceu do recurso que o mesmo interpusera, em 13 de Janeiro de 1998, do acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo da 3ª Vara Criminal de Lisboa, em 17 de Novembro de 1997, e, nessa data, depositado na secretaria.
Pretende o recorrente que se aprecie a constitucionalidade da norma que se extrai da leitura conjugada dos artigos 311º, n.º 5, e 411º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual, 'estando o arguido justificadamente ausente do acto processual da publicação da decisão, o depósito da mesma na secretaria' equivale 'à notificação do referido arguido' - interpretação que foi a do acórdão recorrido - norma que o acórdão recorrido aplicou.
A audiência de julgamento, a que o recorrente compareceu, realizou-se nos dias
22 de Setembro, 10 de Outubro e 22 de Outubro, de 1997, tendo, nesta última data, sido suspensa, para continuar com a leitura do acórdão, em 17 de Novembro. O arguido, que de tal foi notificado, fez juntar aos autos, no dia 13 de Novembro, um atestado médico comprovativo de se encontrar doente desde o dia 6, logo anunciando que previa não poder assistir, no dia 17 de Novembro, à leitura da sentença. E, de facto, nesse dia 17, o arguido não compareceu à audiência e, em novo requerimento, disse continuar doente. Nesta audiência de 17 de Novembro, esteve, porém, presente o mandatário do arguido. Por isso, a Juiz Presidente julgou justificada a falta do arguido e procedeu à leitura pública do acórdão, que o condenou na pena de seis meses de prisão pela prática de um crime de burla agravada - acórdão que, de seguida, foi depositado na secretaria. Todos os presentes foram notificados.
O arguido foi notificado do acórdão condenatório, no dia 15 de Dezembro de 1997, mediante mandado de notificação, remetido, para o efeito, à Guarda Nacional Republicana de Rio de Mouro.
No Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público suscitou a questão prévia da extemporaneidade do recurso, tendo o recorrente, na sua resposta, dito que,
'não tendo estado presente no acto da leitura do acórdão e sendo certo que a respectiva ausência foi julgada justificada por despacho transitado, é óbvio que o prazo para a interposição do recurso só começou a contar a partir do momento em que a decisão lhe foi notificada, pelo que o recurso foi interposto em tempo'. O arguido concluiu desse modo, depois de ponderar que o entendimento segundo o qual ele devia considerar-se notificado com o depósito do acórdão na secretaria, como sustentava o Ministério Público (ou seja, no dia 17 de Novembro de 1997),
'a ser aceite, subverteria o disposto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (...), assim tornando materialmente inconstitucionais as normas do referido n.º 5 do artigo 113º, como aquela do n.º 1 do artigo 114º, ambas do Código de Processo Penal'.
2. Neste Tribunal, o recorrente concluiu do modo que segue as suas alegações:
1. A leitura e posterior depósito na secretaria de determinada decisão final proferida no processo penal não pode considerar-se forma válida de notificação do respectivo teor aos interessados, maxime ao arguido, para mais quando os mesmos não estiveram presentes no acto de prolação da decisão. Com efeito,
2. a boa interpretação do n.º 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal é aquela que considera que tal notificação só pode considerar-se feita quando o interessado esteja pessoalmente presente ou deva considerar-se como tal,
3. pois, quando assim não suceda, o visado deve ser notificado pessoalmente, nos termos prescritos pela lei ordinária, do teor da decisão, através de entrega a este de cópia da mesma. Ora,
4. que assim é, está demonstrá-lo o disposto no artigo 113º, n.º 5, do Código de Processo Penal, ao impor a notificação pessoal aos visados de determinados actos processuais - na verdade, aqueles cruciais, adentro da arquitectura do Código de Processo Penal - e, de entre estes, da sentença final. Por conseguinte,
5. a interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido, no sentido de que basta o depósito do acórdão na secretaria, ainda que o arguido não se encontre presente, para que este deva considerar-se notificado do teor de tal acórdão, sendo, por rectas contas, néscia a exigência decorrente do já falado artigo 113º, n.º 5, viola o disposto nos artigos 20º, n.º 4, e 32º, n.º 5, ambos da Constituição da República. Na verdade,
6. não é equitativo, nem leal, nem fornece garantias de defesa, uma tal interpretação e aplicação dos dois referidos normativos do direito legislado. Como assim,
7. deve ser proferido por este alto Tribunal acórdão que, revogando aquele proferido nos autos pelo Supremo tribunal de Justiça, declare inconstitucionais as normas dos artigos 411º, n.º 1, e 113º, n.º 5, ambas do Código de Processo Penal, por violadoras do disposto nos artigos 20º, n.º 4, e 32º, n.º 1, ambos da Constituição da República,
8. quando interpretadas, como foram pelo Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que basta o mero depósito da decisão na secretaria do tribunal para que os sujeitos processuais visados devam considerar-se notificados do teor daquela, para mais estando o interessado justificadamente ausente do referido acto processual. Como assim,
9. só é conforme aos desígnios constitucionais vazados nos referidos normativos do direito programático a interpretação segundo a qual os sujeitos processuais, maxime o arguido, devem ser notificados pessoalmente por via postal do teor da sentença final, se não tiverem estado presentes no acto da respectiva leitura e subsequente depósito,
10. devendo ser tirado acórdão declarando o referido sentido interpretativo inconstitucional. O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal, alegando, formulou as seguintes conclusões: Os artigos 311º, nº 5 e 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, aplicados com o sentido, acolhido na decisão recorrida, de que estando o arguido legalmente dispensado de comparecer ao acto processual da publicação da decisão, o depósito desta na secretaria do tribunal equivale à notificação do referido arguido, contendem com o princípio geral das garantias de defesa consagrado no nº 1 do artigo 32º da Constituição.
3. Sem vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. A norma sub iudicio:
4.1. Viu-se atrás que a norma sub iudicio se extrai da leitura conjugada dos artigos 411º, n.º 1, e 113º, n.º 5, do Código de Processo Penal.
O artigo 411º do Código de Processo Penal, que trata da interposição e notificação do recurso, dispunha, no seu número 1 (redacção anterior à Lei n.º
59/98, de 25 de Agosto), o seguinte:
1. O prazo para interposição do recurso é de dez dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na secretaria, ou, tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
De sua parte, o artigo 113º do mesmo Código, que contém as regras gerais sobre notificações, prescrevia, no seu n.º 5 (mesma redacção), como segue:
5. As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, ao arquivamento, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial.
4.2. Na tese do recorrente, para o que aqui importa, o prazo para o arguido recorrer da sentença escrita só se conta do seu depósito na secretaria, no caso de ele estar ou dever considerar-se presente na audiência, pois, se não estiver, nem dever considerar-se aí presente, esse prazo deve contar-se da notificação que, por contacto pessoal ou por via postal, há-de ser feita ao mesmo arguido
(cf. as conclusões 1 a 3.).
O recorrente recorda, a propósito, o que hoje dispõe o n.º 7 do citado artigo
113º, na redacção que lhe foi dada pela já citada Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, cujo teor é o seguinte:
7. As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
4.3. O acórdão recorrido também interpretou os normativos sob exame no sentido de que o prazo para o arguido recorrer das sentenças escritas (não ditadas para a acta) só se conta do seu depósito na secretaria, quando ele esteja ou deva considerar-se presente na audiência. A divergência com o recorrente apenas reside no facto de o acórdão recorrido - contrariamente ao que entende o recorrente - ter considerado que o arguido, não obstante ter faltado à audiência, tendo a falta sido justificada, se dever considerar aí presente, por ter sido 'legalmente dispensado de comparecer' e se encontrar 'representado pelo seu mandatário'.
De facto, pode ler-se nesse aresto: Quanto às sentenças (ou acórdãos) escritas (não ditadas para a acta), o prazo de interposição de recurso conta-se do seu depósito, conforme resulta da conjugação daquele preceito (refere-se ao artigo 411º, n.º 1) com o disposto nos nºs 3, 4 e
5, do artigo 372º do Código de Processo Penal. Com efeito, a leitura pública da sentença (ou acórdão) pelo presidente do tribunal equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que devam considerar-se presentes na audiência. E o depósito da sentença (ou acórdão) na secretaria tem lugar logo após a sua leitura. Portanto, em tais casos, a data da notificação coincide com a data do depósito.
A seguir, acrescentou o acórdão: Ora, o arguido não assistiu à leitura da sentença mas deve considerar-se presente na audiência em que se procedeu àquela leitura, pois foi legalmente dispensado de comparecer e encontrava-se representado pelo seu mandatário, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 334º do Código de Processo Penal.
O acórdão recorrido, ao argumentar que o arguido, que faltou justificadamente à audiência destinada à leitura pública da sentença, tinha sido 'legalmente dispensado de comparecer'; e que, por se encontrar 'representado pelo seu mandatário', se devia considerar presente na mesma (e, consequentemente, notificado com o depósito da sentença na secretaria do tribunal), acabou por chegar a um resultado coincidente com a solução que hoje se encontra consagrada na lei. De facto, o artigo 373º, n.º 3, do Código de Processo Penal, após as alterações introduzidas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto – norma que, contudo apenas entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999 (cf. artigo 10º da citada Lei) -, passou a dispor que 'o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído'. Portanto, a sentença, quando não puder ser lida de imediato, considera-se notificada ao arguido que faltar à audiência destinada à sua leitura pública, com o seu depósito na secretaria, depois de lida perante o seu defensor.
4.4. Não cabe aqui decidir se, no caso, o arguido devia ou não considerar-se presente na audiência. Há tão-só que ver se é constitucionalmente admissível a interpretação do artigo 411º, n.º 1, lido em conjugação com o artigo 113º, n.º
5, ambos do Código de Processo Penal, adoptada pelo acórdão recorrido. Segundo essa interpretação, com o depósito da sentença na secretaria do tribunal, o arguido que, justificadamente, não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma, deve considerar-se notificado do seu teor, para o efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença, se, nessa audiência, esteve presente o seu mandatário.
5. A questão de constitucionalidade:
5.1. Este Tribunal tem sublinhado, em múltiplas ocasiões, que o processo penal de um Estado de Direito tem que ser um processo equitativo e leal (a due process of law, a fair process, a fair trial), no qual o Estado, quando faz valer o seu ius puniendi, actue com respeito pela pessoa do arguido (maxime, do seu direito de defesa), de molde, designadamente, a evitarem-se condenações injustas. A absolvição de um criminoso é preferível à condenação de um inocente. Tal como se escreveu no acórdão nº 434/87 (publicado no Diário da República, II série, de 23 de Janeiro de 1988), o processo penal, para além de assegurar ao Estado 'a possibilidade de realizar o seu ius puniendi', tem que oferecer aos cidadãos 'as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam cometer-se no exercício desse poder punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta'. O processo penal, para - como hoje exige, expressis verbis, a Constituição (cf. artigo 20º, n.º 4) - ser um processo equitativo, tem que assegurar todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (cf. o artigo 32º, n.º 1, da Lei Fundamental). No acórdão n.º 61/88 (publicado no Diário da República, II série, de 20 de Agosto de 1988) - depois de se acentuar que, no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, 'se proclama o próprio princípio da defesa' e, portanto, apela-se, inevitavelmente, para 'um núcleo essencial deste' - escreveu-se, na verdade, o seguinte: A ideia geral que pode formular-se a este respeito - a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além das consignadas no n.º 2 do artigo 32º - será a de que o processo criminal há-de configurar-se como um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.
(Cf. também o acórdão n.º 207/88, publicado no Diário da República, II série, de
3 de Janeiro de 1989).
Assim, pois, como se sublinhou no acórdão 135/88 (publicado no Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1988), se o processo deixa de ser um due process of law, um fair process, viola-se o princípio das garantias de defesa. O princípio das garantias de defesa é violado, toda a vez que ao arguido se não assegura, de modo efectivo, a possibilidade de organizar a sua defesa. Dizendo de outro modo: sempre que se lhe não dá oportunidade de apresentar as suas próprias razões e de valorar a sua conduta (cf. os acórdãos nºs 315/85 e
337/86, publicados no Diário da República, II série, de 12 de Abril de 1986, e I série, de 30 de Dezembro de 1986, respectivamente).
Ora, quando, designadamente, se trata de decidir se deve recorrer-se de uma sentença condenatória, sobremaneira se a pena aplicada foi de prisão, o arguido e o seu defensor têm que ponderar muito bem os prós e os contras da decisão que tomarem. E isso exige o conhecimento do teor exacto da sentença. E reclama, bem assim, um tempo suficiente para poderem reflectir e decidir, pois seria inadmissível que se vissem forçados a fazê-lo precipitadamente.
Porque isto é assim, é que este Tribunal, logo no seu acórdão n.º 40/84
(publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3º volume, páginas 241 e seguintes), julgou inconstitucional - justamente por violação do artigo 32º, n.º
1, da Constituição - a norma constante dos artigos 561º e 651º, § único, do Código de Processo Penal de 1929, e do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 605/75, de
3 de Novembro, e do assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/79, de 28 de Junho, segundo a qual, em processo sumário, o recurso restrito à matéria de direito tinha que ser interposto logo depois da leitura da sentença (cf., no mesmo sentido, os acórdãos nºs 17/86, 104/86, 123/86, 202/86, 210/86 e 265/86, publicados no Diário da República, II série, de 24 de Abril, 4 de Agosto, 6 de Agosto, 24 de Agosto, 5 de Novembro e 29 de Novembro, de 1986, respectivamente).
Escreveu-se, a dado passo, daquele acórdão n.º 40/84: Mesmo que se haja dado conta do decidido, e nem sempre isso acontece, o arguido, porventura ainda perturbado pelo desfecho do julgamento, não tem tempo de reflectir, não tem ocasião de dialogar com o defensor (caso o tenha), e este, sem oportunidade de conversar com o arguido, de lhe expor as possíveis consequências do recurso, hesitará na sua efectiva interposição. Mais adiante acrescentou-se: O arguido, com defensor ou sem defensor, porque insuficientemente informado, porque sem tempo de ponderação, não pode fazer uma escolha consciente da opção mais correcta para a sua defesa. Ora, as garantias de defesa exigem (...) liberdade na escolha dos meios mais apropriados, em cada momento, à posição do arguido. É esta possibilidade, pela redução do tempo de tomada de uma decisão a quase nada, que é negada (...). A norma contestada viola assim aquele núcleo essencial que constitui o cerne do artigo 32º, n.º 1, da Constituição.
Também no acórdão nº 199/86 (publicado no Diário da República, II série, de 25 de Agosto de 1986) se escreveu: Dispensar a notificação de decisões condenatórias e considerá-las ficticiamente publicadas sem que os réus delas tomem conhecimento, fazendo correr o prazo de recurso sem que estes o suspeitassem sequer, eis o que a todas as luzes se afigura incompatível com o princípio geral contido no nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, pois os interessados vêem-se assim privados de lançarem mão de uma instância de recurso.
Mais recentemente, este Tribunal, no acórdão n.º 41/96 (por publicar), seguindo na mesma linha de pensamento, julgou inconstitucional - também por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição - a norma do artigo 328º do Código de Processo Penal de 1929, na parte em que fixava em cinco dias, contados da notificação da acusação, o prazo para o arguido requerer diligências de instrução contraditória em processo de querela, uma vez que – sublinhou-se -, nalguns casos, faltará tempo ao arguido 'para ponderar os factos recolhidos durante a instrução preparatória e para, em função dessa reflexão ponderada, apresentar as suas razões e requerer as diligências pertinentes', desse modo o impedindo de organizar, de modo efectivo, a sua defesa.
5.2. Importa, pois, avaliar à luz do que se deixa dito a norma que se extrai da leitura conjugada dos artigos 411º, n.º 1, e 113º, n.º 5, do Código de Processo Penal, interpretados por forma a entender que, com o depósito da sentença na secretaria do tribunal, o arguido que, justificadamente, não esteve presente na audiência em que se procedeu à leitura pública da mesma, deve considerar-se notificado do seu teor, para o efeito de, a partir desse momento, se contar o prazo para recorrer da sentença, se, nessa audiência, esteve presente o seu mandatário.
Pergunta-se, então: esta norma importará um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (são palavras do acórdão n.º 61/88)? Nos dizeres do acórdão n.º 40/84: violará ela aquele núcleo essencial que constitui o cerne do artigo 32º, n.º 1, da Constituição?
A resposta é negativa.
De facto, estando o defensor do arguido presente na audiência, em que se procede
à leitura pública da sentença e ao seu depósito na secretaria do tribunal, pode aí ficar ciente do seu conteúdo. E, de posse de uma cópia dessa sentença – que a secretaria lhe deve entregar de imediato - pode, nos dias que se seguirem, relê-la, repensá-la, reflectir, ponderar e decidir, juntamente com o arguido, sobre a conveniência de interpor recurso da mesma. Assim sendo e tendo em conta que a decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso, em regra, depende mais do conselho do defensor do que, propriamente, de uma ponderação pessoal do arguido, há que concluir que este pode decidir se deve ou não defender-se, interpondo, se quiser, em prazo contado da leitura da sentença que o condene, o respectivo recurso. E pode tomar essa decisão com inteira liberdade, sem precipitações e sem estar pressionado por qualquer urgência. O processo continua, pois, a ser a due process of law, a fair process.
Não se argumente em contrário com o citado acórdão nº 199/86.
É que, nesse aresto, tratou-se de decidir uma questão que não tem qualquer similitude, nem analogia com a que ora nos ocupa. De facto, julgou-se aí inconstitucional um complexo normativo, de acordo com o qual um arguido que recorresse para a Relação, mesmo que estivesse preso e tivesse sido julgado em comarca que não fosse a da sede do distrito judicial (no caso, o julgamento fora feito no Funchal), o acórdão que esta proferisse só lhe era notificado, se o seu advogado tivesse escritório na sede dessa mesma Relação ou aí escolhesse domicílio, ou, então, se ele próprio aí o escolhesse. Tal não sucedendo, o acórdão da Relação não lhe era notificado; e, mesmo para o efeito de recorrer dele, a lei ficcionava que o arguido tomava conhecimento desse aresto com a respectiva publicação. Mas – ponderou aquele acórdão -, 'se a lei prevê a possibilidade de recurso de certas decisões penais, não pode, depois, regular o recurso de tal forma que o retira na prática a um grande número de pessoas'. E acrescentou: 'só se pode recorrer após o conhecimento da decisão. Ora, ao ficcionar a publicação das decisões não notificadas, a lei não faz mais do que dar por conhecidas pelos interessados decisões que não foram levadas ao seu conhecimento'.
5.3. Conclusão: A norma sub iudicio, não importando um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido, não viola o princípio das garantias de defesa, incluindo o direito ao recurso, consagrado no artigo 32º, n.º 1, conjugado com o artigo 20º, n.º 4, da Constituição.
Há, por isso, que negar provimento ao recurso.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). negar provimento ao recurso;
(b). confirmar o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade;
(c). condenar o recorrente nas custas, com 15 unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 10 de Fevereiro de 1999 Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida