Imprimir acórdão
Proc.Nº 509/94 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. M... notificado do Acórdão nº 502/96, de 20 de Março de 1996, veio arguir a sua nulidade, por omissão de pronúncia com os seguintes fundamentos:
'O presente recurso tem por fundamento a ilegalidade e/ou a inconstitucionalidade da interpretação restritiva dada nos Acórdãos sob recurso
à norma contida no art. 763º nº 1 do C.P.C., segundo a qual: a) apenas é admissível recurso por oposição de julgados entre Acórdãos que tenham decidido a mesma questão fundamental de direito por forma oposta e desde que as situações de facto sejam idênticas; e, b) apenas poder ser invocável um e um só Acórdão fundamento. Face ao teor da fundamentação e da decisão do douto Acórdão de fls...., constata-se que apenas foi apreciada a questão descrita supra na al.b). Assim sendo, verifica-se existir omissão de pronúncia quanto à outra questão descrita supra na al.a). De facto, trata-se de duas questões absolutamente independentes e que, a improcedência de uma, não impede o conhecimento da outra. Ou seja, ainda que relativamente a cada recurso por oposição de julgados seja apenas invocável um e um só Acórdão fundamento, subsiste a questão de se saber se é admissível a interpretação segundo a qual apenas é admissível recurso por oposição de julgados entre Acórdãos que tenham decidido a mesma questão fundamental de direito por forma oposta e desde que as situações de facto sejam idênticas. Com efeito, a modificação operada pela reforma de 1961 à redacção do art. 763º do C.P.C. teve como objectivo definir com maior precisão os termos da admissibilidade do recurso para o Tribunal Pleno e, dessa forma, afastar a anterior orientação restritiva da jurisprudência do S.T.J. que exigia a identidade de casos (V. nº 22 do preâmbulo do DL nº 44.129, de 28.12.63, e Prof. Antunes Varela in B.M.J. nº 110, p. 18 e 19). A nova e actual redacção do art. 763º do C.P.C. teve como fonte, directa ou indirecta, o «Código de Processo Civil - Anotado», VIº Volume, p. 248, do Prof. Alberto dos Reis, em que criticava a orientação então predominante no S.T.J. de exigir identidade de casos, à qual contrapunha, referindo-se ao caso da citação postal, que «acima de tais diferenças, meramente acidentais, pairava a mesma questão fundamental que os dois acórdãos tinham resolvido em sentido oposto», depois de considerar que «a questão última pode ser diferente; a situação concreta pode apresentar contornos ou particularidades diversas; o que importa é que o S.T.J. tenha, num e noutro acórdão, resolvido em sentidos opostos a mesma questão de direito». E acrescenta,
«Há oposição susceptível de servir de fundamento a recurso para o Tribunal Pleno mesmo quando a questão final decidida nos acórdãos seja diversa se, para a decidirem, os acórdãos tiveram de se pronunciar primeiro sobre a mesma questão de direito e se pronunciarem sobre ela em sentidos opostos», tal como sucede no caso «sub judice», e sucedeu no douto Acórdão fundamento (Doc.1). Em consequência, o douto Acórdão de fls.... dos autos padece de nulidade por omissão de pronúncia quanto a esta outra questão.'
A entidade recorrida, notificada da arguição de nulidade veio responder pela forma seguinte:
'Para a recorrida, 'não devia o alto tribunal tomar conhecimento do recurso na parte relativa às normas dos artigos 117º, nº1 , e 122º do Código das Custas Judiciais e quanto à norma do artigo 763º, nº1, do Código de Processo Civil, na interpretação que exige apenas a indicação de um único acórdão de oposição de julgados, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, negar o acórdão recorrido' in Decisão do Tribunal Constitucional a fls.18.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. - Para se fazer uma completa e fundamentada apreciação da questão importa começar por analisar o teor integral não só do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade como também dos restantes requerimentos apresentados pelo ora reclamante no decurso do processo.
O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade diz o seguinte:
'M..., recorrente nos autos de revista à margem identificados, tendo sido notificado do douto Acórdão de fls..., vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que requer a V. Exas se dignem admiti-lo nos termos legais'.
Por não constarem de tal requerimento nenhum dos elementos exigidos pelo artigo 75º-A, da Lei do Tribunal Constitucional, foi o recorrente convidado a completar tal requerimento.
O recorrente, por fax de 5 de Janeiro de 1995 - cujo original apenas deu entrada no Tribunal, no dia 27 de Janeiro de 1995 - forneceu o seguinte esclarecimento:
'M..., recorrente nos autos acima e à margem identificados, em cumprimento do douto Despacho de fls..., vem indicar que o recurso oportunamente interposto para o Tribunal Constitucional tem por fundamento a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 117º, nº1 e 122º, nº4 do C.C.J., na interpretação restritiva dada pelo STJ no douto Acórdão de fls. dos autos por cerciar o direito fundamental de acesso à justiça por razões económicas e por violar os princípios da igualdade de tratamento e da proporcionalidade contidos nos artigos 13º, 20º e 207º da C.R.P. ao não admitir por analogia e com as necessária adaptações um regime idêntico ao previsto nos artigos 168º, 115º,
113º e/ou 110º, nº1 do C.C.J., cuja questão da inconstitucionalidade ou desconformidade com os princípios consignados na C.R.P. foi suscitada nas alegações de recurso apresentadas em 20.06.94 a fls. dos autos, bem assim, a constitucionalidade da norma contida no artº 763º, nº1 do C.P.C.,na interpretação restritiva dada pelo S.T.J. no douto Acórdão de fls. dos autos, por violar os direitos fundamentais contidos nos artºs 20º,nº 1 e 207º da C.R.P. e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente o direito de recurso que incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais, cuja questão da inconstitucionalidade ou desconformidade com os princípios constitucionais consignados na C.R.P. foi suscitada nas alegações de recurso apresentadas em 20.06.94 a fls. dos autos, pelo que requer a V. Exas se dignem admiti-lo nos termos legais'
Notificado o recorrente para produzir alegações, verifica-se que, em 16 de Março de 1995, pelo registo nº 599, deu entrada um
«fax» com as alegações dirigidas ao processo em causa, as quais constam de fls.
565, 566 e 567 e, na mesma data, pelo registo nº 605, deu entrada um outro «fax» contendo também alegações dirigidas ao mesmo processo, só que contendo estas 6 folhas - fls. 568 a 573. Paga a multa por apresentação extemporânea, o documento original das alegações deu entrada no Tribunal em 3 de Abril de 1995 (Registo nº
773).
Independentemente, porém, deste aspecto, importa referir que o âmbito do recurso de constitucionalidade se fixa, em regra, através do respectivo requerimento de interposição. Isto é, o recorrente pode, nas alegações, restringir o âmbito inicial do recurso, limitando-o apenas a algum ou alguns dos aspectos constantes do requerimento inicial, mas não pode ampliar o
âmbito originário do recurso.
Assim sendo, no caso em apreço, de acordo com o teor do requerimento de interposição do recurso, depois de completado por efeitos do convite do relator, o objecto deste é o seguinte:
- as normas dos artigos 117º, nº 1 e 122º, nº4 do Código das Custas Judiciais, na interpretação feita no acórdão recorrido;
- a norma do artigo 763º, nº 1 do Código de Processo Civil, na interpretação restritiva do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido.
Em qualquer dos casos, o recorrente não identifica de modo preciso e inequívoco qual seja a interpretação feita que pretende questionar.
Assim, para uma clara definição de tal interpretação tornou-se necessário averiguar e fixar qual o fundamento expresso no requerimento do ora reclamante que provocou a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (adiante, STJ) contra a qual se insurge, pois só sabendo o que o recorrente pedia ou reclamava ao STJ se pode delimitar o âmbito do recurso para este Tribunal.
Segundo o ora reclamante, a questão cuja conformidade constitucional suscita no seu recurso, 'foi suscitada nas alegações de recurso apresentadas em 20.06.94'. Porém, compulsados os autos, constata-se que nessa data não deram entrada no STJ quaisquer alegações do ora reclamante. Com efeito, por requerimento de 03.03.94, interpôs-se recurso para o Tribunal Pleno; este requerimento veio a ser indeferido, não se admitindo o recurso para o Tribunal Pleno por o então recorrente, 'havendo apenas uma questão fundamental de direito com solução dita em oposição', 'ter indicado cinco acórdãos em oposição, quando só podia indicar um'. Notificado deste despacho, o ora reclamante veio reclamar para a conferência na parte em que a decisão não admitiu recurso para o Tribunal Pleno, apresentando em 15 de Junho de 1994 um «fax» e estando o original deste junto aos autos no dia 24 de Junho de 1994.Entre estas duas datas não deram entrada no processo e no STJ quaisquer outros requerimentos do ora reclamante, pelo que tem de se presumir que a referência feita no requerimento em que se delimitou o âmbito do recurso diz respeito a esta reclamação para a conferência no Supremo Tribunal de Justiça.
Esta reclamação tem o seguinte teor:
'1 - 'Se a oposição de soluções respeitar tão-só a uma questão fundamental de direito, apenas pode invocar-se um acórdão; se respeitar a várias questões, poderá invocar-se um acórdão oposto sobre cada questão (V. art. 768º nº 2 do C.P.C.)' - Palma Carlos, in 'Dos recursos', 1968, p. 242.
2 - A jurisprudência desse Alto Tribunal reconhece que a oposição de soluções pode respeitar a várias questões fundamentais de direito, sendo neste caso admissível a interposição de um só recurso para o Tribunal Pleno, com fundamento em diferentes Acórdãos, não só por razões de economia processual, mas também por haver vantagens advenientes da solução conjunta que se harmonize com o espírito do disposto no art.763º nº 1 do C.P.C.. (V. neste sentido, por todos, o Ac. do S.T.J. de 15.05.91, in AJ 19º, p.21).
3 - É o que ocorre 'in casu', tal como pretende demonstrar o recorrente na sede própria, ou seja, na alegação prescrita no art.385º nº 3 do C.P.C..
4 - Assim sendo, o recurso para o Tribunal Pleno interposto através do requerimento de fls. 530/531 podia e devia ter sido admitido pelo Venerando Juiz-Conselheiro Relator por se verificarem 'in casu' os demais requisitos prescritos no art. 765º nº 1 do C.P.C., relegando para o momento próprio a apreciação da existência ou inexistência das alegadas oposições de julgados - art. 766º do C.P.C. -, o que constitui nulidade que ora vem arguir nos termos previstos no art. 201º do C.P.C..
5 - Não se entendendo assim, a interpretação restritiva dada no douto Acórdão de fls... à norma legal contida no art. 763º nº 1 do C.P.C. revela-se materialmente inconstitucional por violar os direitos fundamentais contidos nos arts. 20º nº 1 e 207 da C.R.P. e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente o direito de recurso.'
No acórdão que apreciou a reclamação para a conferência, foi decidido manter o despacho reclamado, com fundamento na seguinte argumentação:
'3. As razões pelas quais não foi admitido o recurso para o Tribunal Pleno, interposto pelo autor com o requerimento de fls. 530 e 531, estão desenvolvidamente expostas no despacho do relator de fls. 541 e seguinte, e porque com elas se concorda inteiramente aqui se dão como integralmente reproduzidas. Como dele se vê, e contrariamente ao que o autor fez, ao interpor recurso para o Tribunal Pleno o recorrente só podia indicar um acórdão em oposição ao acórdão recorrido, uma vez que não indicou haver oposição relativamente a mais do que uma questão fundamental de direito. Estatui-se no artº 763º, nº 1, do Cód. Proc.Civil, que se pode recorrer para o Tribunal Pleno se, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, assentem sobre soluções opostas. Daqui resulta, logicamente - e tem sido orientação constante da doutrina e da jurisprudência - que se a oposição respeitar a várias questões, o recorrente pode invocar um acórdão oposto sobre cada questão. Sobre este ponto é concludente Jacinto Rodrigues Bastos, nas suas 'Notas ao Código de Processo Civil', a págs. 417, nota 1, da 2ª Edição, quando escreve:
-'Só havendo, no acórdão recorrido, várias questões fundamentais de direito que se digam solucionadas em contrário de jurisprudência anterior, é que poderá, em relação a cada uma das contradições invocadas, oferecer-se um acórdão demonstrativo dessa oposição, desde que se verifiquem os requisitos exigidos no artº 763º. É o que se infere do nº 2, do artº 768º. Sendo assim, do acabado de expôr não pode deixar de se concluir que quando se invoquem vários acórdãos não pode deixar de se indicar, relativamente a cada um, a questão fundamental de direito solucionada em sentido oposto ao do acórdão recorrido. Isto, claro, sem prejuizo de, posteriormente, na competente alegação, o recorrente ter de demonstrar a existência da oposição. Ora, não tendo sido indicada, no requerimento de interposição do recurso, cada uma das questões fundamentais de direito solucionadas em sentido oposto no acórdão recorrido e em cada um dos acórdãos em oposição que invocou - e foram 5
- é evidente que o recurso não podia nem devia ser admitido, como sucedeu, e bem, no caso 'sub judice', para não se violar o espírito, entre outras, das normas dos artºs 763º, nº 1, e 765º, nº 2, ambos do Cód. Proc. Civil. Com o procedimento adoptado, por isso, não se cometeu qualquer nulidade, designadamente a do artº 201º, do Cód. Proc. Civil, arguida pelo autor, que, aliás, se refere apenas a meras nulidades processuais. Finalmente, dir-se-á que não vemos que a interpretação dada ao nº 1, do artº
763º, do Cód. Proc. Civil, viole as normas, invocadas pelo autor, da C.R.P. e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, nomeadamente o direito de recurso. O direito de recurso existe na nossa lei processual em termos bem amplos mas tem regras para ser exercido que, logicamente, têm de ser respeitadas. E não o foram.'
O acórdão nº 502/96 deste Tribunal, ao qual vem agora imputado o vício de omissão de pronúncia, depois de descrever os antecedentes do presente processo, iniciado em 14 de Junho de 1978, excluíu do objecto do recurso de constitucionalidade a interpretação das normas dos artigos 117º, nº
1, e 122º, nº 4, do Código das Custas Judiciais, delimitando o objecto do mesmo recurso à interpretação que fora dada ao nº 1 do artigo 763º do Código de Processo Civil pelo Supremo Tribunal de Justiça.
E se não, vejamos.
Em presença da reclamação para a conferência, o STJ, pelo acórdão de 11 de Outubro de 1994, decidiu manter o despacho do relator que não admitira o recurso para o Tribunal Pleno. Para o efeito apoiando-se 'na orientação constante da doutrina e da jurisprudência' entendeu, como pode confirmar-se pela transcrição já efectuada, 'que quando se invoquem vários acórdãos não pode deixar de se indicar, relativamente a cada um, a questão fundamental de direito solucionada em sentido oposto ao do acórdão recorrido'. E logo de seguida, tendo pressuposto a distinção entre «indicação da questão fundamental de direito», exigência implícitamente contida no nº 1 do artigo 763º do CPC, e «demonstração da existência de oposição», expressamente requerida pelo nº 2 do artigo 765º do mesmo Código, concluíu que não se cometera qualquer nulidade na decisão impugnada. As razões pelas quais não foi admitido o recurso para o Tribunal Pleno residiram, assim, no facto de que 'contrariamente ao que o autor fez', 'o recorrente só podia indicar um acórdão em oposição ao acórdão recorrido, uma vez que não indicou haver oposição relativamente a mais do que uma questão fundamental de direito', conforme também se refere na mesma peça, em passagem a que agora se acrescentaram os sublinhados.
Por aqui se vê com clareza cristalina que a interpretação do STJ relativamente ao nº1 do artigo 763º do CPC é a de que se exige, para admitir o recurso para o tribunal pleno, que relativamente a uma questão fundamental de direito solucionada por forma divergente apenas seja indicado um único acórdão, e isto independentemente do facto de esta norma poder ser aplicada em cada caso n vezes, tantas quantas as questões fundamentais de direito resolvidas em sentido oposto
É esta a interpretação que decorre da análise dos elementos do processo que permitem integrar o requerimento do interposição do recurso de constitucionalidade, na medida em que o próprio recorrente não indica com exactidão qual o teor da interpretação em causa.
E foi apenas desta interpretação, que o Acórdão nº
502/96, de 20 de Março de 1993, conheceu, pois nenhuma outra interpretação da norma em causa tinha sido feita até ao esclarecimento do requerimento de interposição do recurso, nem o recorrente tinha suscitado qualquer outra questão até às alegações. E nestas, como se referiu atrás, não pode o recorrente alargar o âmbito do recurso de constitucionalidade por forma a desdobrar a interpretação que questiona e que coincide com a aplicada na decisão.
Assim, não se verifica nem ocorre qualquer omissão de pronúncia, pois o Tribunal pronunciou-se e decidiu sobre a única questão de constitucionalidade que integrava o âmbito do recurso, tal como este resultava do respectivo requerimento de interposição e do esclarecimento prestado a solicitação deste Tribunal.
Nestes termos, decide o Tribunal Constitucional desatender a arguição de nulidade deduzida pelo recorrente.
Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça que se fixa em 8 UC's.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1997 Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves José Manuel Cardoso da Costa