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Processo nº 820/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Exposição preliminar elaborada em conformidade com o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
1 - Em autos de recurso contencioso interpostos no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa por A., em ordem à anulação de diversos actos administrativos praticados no âmbito da Câmara Municipal de Sintra, por sentença de 10 de Fevereiro de 1992, para além de se rejeitar o recurso quanto a alguns desses actos e de o julgar improcedente quanto a um outro, não se admitiram outros recursos interpostos pelo interessado já no decorrer do processo.
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2 - Inconformado com o assim decidido veio o recorrente, nos termos 'dos artigos 27º, nº 2, 34º, nº 2 e 43º, nº 2, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigos 9º, nº 2, 16º, nº 1, 111º, nº 2 e 120º da Lei de Processo nos Tribunais
Administrativos - pois não se aplica o artigo 668º do Código de Processo Civil -
(Acórdão da secção de C.A. de 10 de Fevereiro de 1987 - Proc. 21135-A)', reclamar para a conferência, peticionando a admissão dos recursos em causa.
Os autos subiram ao Supremo Tribunal Administrativo onde, em Subsecção da 1º Secção, por acórdão de 9 de Novembro de 1995, foi rejeitada a reclamação, dela não se tomando conhecimento.
Para tanto, argumentou-se assim:
'Alega, porém, o reclamante que a citada norma do artº 668º, nº 1, do C.P.C. não é aplicável à presente situação, cabendo antes reclamação para a conferência do STA, nos termos designadamente dos artºs 9º, nº 2 e 111º, nº 2, da LPTA.
Ora, estas normas referem-se aos recursos contenciosos da competência deste Supremo Tribunal e aos recursos jurisdicionais nele pendentes, prevendo a reclamação para a conferência dos despachos do relator, com excepção dos de mero expediente e dos que recebam recursos de acórdãos do mesmo tribunal.
É, assim, evidente que tais normas têm o seu campo de aplicação limitado aos recursos do STA em que há um relator, não aos processos da competência dos Tribunais Administrativos de Círculo onde tal figura não está prevista na lei.
E não existindo norma expressa que permita a reclamação para a conferência nos processos dos TAC, há que, como vimos, aplicar subsidiariamente o disposto no C.P.C. ex vi artºs 1º e 102º da LPTA. E o preceito do artº 668º, nº 1, do C.P.C. não suscita quaisquer dúvidas de interpretação no sentido de que
é ao Presidente deste STA que cabe decidir das reclamações apresentadas contra despachos dos Tribunais Administrativos de Círculo que indeferiram a interposição de recursos jurisdicionais.
Por outro lado, dados os termos claros em que o requerente formula a sua pretensão,
apresentando-a como 'reclamação para a conferência' deste Supremo Tribunal e também pelo repúdio que manifesta pela aplicabilidade do artº 668º do C.P.C., a presente reclamação não pode ser entendida nem aproveitada como reclamação para o Presidente.
Nestes termos, há que concluir pela inadmissibilidade da presente reclamação'.
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3 - Interpôs então o interessado, sob invocação do disposto nos artigos 22º, alínea a), 24º, alínea b) e 30º, alínea b), do ETAF e 103º, alínea d) da LPTA, recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo
'ou para o Pleno do STA, se for esse o recurso admissível'.
Como fundamento do recurso foi indicado o acórdão de 23 de Novembro de 1973, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, 235º, p. 332.
O recurso foi admitido por despacho do relator de 12 de Dezembro de 1995, vindo depois a ser alegado e contralegado.
Todavia, por acórdão de 7 de Maio de 1996, o Pleno da 1ª Secção declarou sem efeito o recurso, fundando-se para tanto na consideração de que 'tendo sido indicado pelo recorrente, como acórdão fundamento, um aresto proferido pelo próprio Tribunal Pleno e não um acórdão da Secção tirado por uma subsecção, não era admissível, nos termos do artigo 24º, alínea b) do ETAF, o
recurso com fundamento em oposição de acórdãos'.
E, em abono da solução adoptada, ajuntou-se ainda o seguinte:
'Ora, como se acentua nos citados arestos deste Tribunal Pleno
[acórdãos de 19/11/87, 21/6//88 e 24/11/94, proferidos, respectivamente, nos recursos nºs 21873, 21.525 e 30. 248], funcionando o Pleno da 1ª Secção, fundamentalmente, como Tribunal de recurso das decisões proferidas nas suas subsecções, a referência contida na transcrita alínea b) [alínea b) do artigo
24º do ETAF] segundo a qual compete ao Pleno da Secção conhecer 'dos recursos de acórdãos da Secção que ... perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma Secção' vai necessariamente dirigida a acórdãos tirados na própria 1ª Secção pelas suas subsecções.
Pois, se o legislador tivesse querido referir-se aos acórdãos proferidos pelo Pleno da Secção teria bem decerto exprimido esse seu pensamento de forma inequívoca o que, como vimos não sucedeu, tanto mais que o Pleno funciona como Tribunal distinto da Secção quando julga pelas subsecções'.
Veio então o recorrente, através de um requerimento de
'reclamação', peticionar a admissão do recurso para o Pleno do STA, 'já que é o
único admissível e tal foi assim requerido'.
Por despacho de 31 de Maio de 1996, o relator desatendeu o assim requerido, despacho este depois confirmado por acórdão da conferência, de
3 de Outubro de 1996, à qual os autos foram presentes, na sequência de requerimento formulado pelo recorrente ao abrigo do disposto no artigo 700º do Código de Processo Civil.
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4 - Sempre inconformado, interpôs o interessado, a seguir, recurso para o Tribunal Constitucional em requerimento assim fundamentado:
'O presente recurso é interposto ao abrigo das alíneas b) e g) do nº
1 do artº 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro, com a nova redacção da Lei 85/89 de 7 de Setembro.
O inciso 'durante o processo' contido no citado artº 70º não prejudica o presente recurso, pois a suscitação da inconstitucionalidade feita aqui e agora, dado o caso especial dos autos, é relevante e admissível.
Assim, porque o Acórdão surpresa é recorrível para o Venerando Tribunal Constitucional de Lisboa e o recorrente tem legitimidade e actua em circunstâncias especiais de oportunidade, requer a VV. Exas. se dignem admitir recurso, (...)'
Por determinação do ora relator, foi o recorrente notificado para, em conformidade com o disposto no artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional completar aquele requerimento, vindo então informar que 'recorre para o TC pela interpretação inconstitucional que é dada aos artigos 25º nº 2 do ETAF, 666º, nº 1 e 668º, nº 1, alínea d) do C.P.C., face à não formação do PLENO/PLENÁRIO do STA / artigo 22º, alínea a) do ETAF, conforme expressamente referido', sendo que, com tal interpretação foram violados os artigos 12º, 13º,
18º, 206º e 207º da Constituição.
Segundo o entendimento do relator, por não se mostrar
verificado um dos pressupostos essenciais à abertura da via de impugnação constitucional, não pode tomar-se conhecimento do recurso.
E tanto, por força das razões que a seguir, sumariamente, se expõem.
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5 - O presente recurso foi interposto sob invocação das alíneas b) e g) do nº 1 do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, sendo porém manifesto que a referência feita à alínea g) - decisões que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional - se mostra desadequada, desde logo por não ter sido identificada na petição do recurso qualquer decisão que, com anterioridade, tenha julgado inconstitucionais as normas em causa. Aliás, pode adiantar-se que nunca este Tribunal tirou qualquer acórdão em tal sentido.
Ficando circunscrita a apreciação subsequente à matéria da alínea b) daquele dispositivo, cabe recordar que para se conhecer de recurso nela fundado há-de o recorrente ter suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas que se pretende ver apreciadas, normas essas depois aplicadas no julgamento do caso.
Ora, como é sabido, a inconstitucionalidade de uma norma
jurídica só se suscita durante o processo, quando tal suscitação é feita em tempo de o tribunal recorrido poder decidir essa questão, isto é, antes de ser proferida a decisão sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade.
E, além disso, necessário se torna que o levantamento da questão seja feito de 'forma clara e perceptível' em termos de o tribunal recorrido ficar a saber que deve decidir a questão de constitucionalidade.
Segundo a jurisprudência reiterada e uniforme deste Tribunal a questão de constitucionalidade não se suscita em tempo e de modo processualmente adequado, entre outros casos, quando só é suscitada, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional ou nas alegações aqui apresentadas (cfr. por todos, o acórdão nº
155/95. Diário da República, II Série, de 20 de Julho de 1995).
É certo, que a orientação geral assim definida, não será de aplicar em determinadas situações de todo excepcionais em que os interessados não tenham disposto de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes do proferimento da decisão, caso em que lhes deverá ser salvaguardado o direito ao recurso.
Na verdade, num plano conformador da sua jurisprudência genérica, tem este Tribunal vindo a entender que, naqueles casos
anómalos em que o recorrente não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a matéria a decidir, ainda assim existirá o direito ao recurso de constitucionalidade (cfr. os acórdãos nºs 136/85, 94/88 e 61/92, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 28 de Janeiro de 1986, 22 de Agosto de 1988 e 18 de Agosto de
1992).
Todavia, entende-se que a situação em apreço não se reconduz
à consideração de um 'caso excepcional' para os efeitos da dispensa daquele pressuposto de admissibilidade do recurso.
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6 - Com fundamento em oposição de julgados, foi interposto recurso do acórdão tirado em 9 de Novembro de 1995, por uma Subsecção da 1ª Secção, indicando-se como acórdão fundamento uma decisão do Pleno da Secção.
Aquando da respectiva interposição não podia o recorrente legitimamente ignorar que segundo um entendimento jurisprudencial reiterado do Supremo Tribunal Administrativo a norma do artigo 24º, alínea b) do ETAF deve ser interpretada em termos de no recurso para o Pleno da Secção com fundamento na oposição de julgados a decisão-fundamento há-de de ser outro acórdão da Secção, não sendo admissível o recurso quando o acórdão
fundamento tenha sido proferido pelo Pleno da Secção (cfr. neste sentido e por todos os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 30 de Junho de 1987 - Proc. nº 23.245 e 19 de Novembro de 1987 - Proc. nº 21.873, citados in Contencioso Administrativo de Artur Maurício, Dimas de Lacerda e Simões Redinha, 2ª ed., Lisboa, 1987, p. 40, Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, 1º e 2º trimestres de 1988, respectivamente a fls. 238 e 769, e também, quanto ao primeiro aresto o Boletim do Ministério da Justiça,
368, p. 406 e ss.).
Deste modo, não pode afirmar-se que o recorrente tenha sido confrontado com uma interpretação daquela norma de todo insólita e inesperada, em termos de se poder afirmar que a surpresa daí resultante legitima e justifica a inverificação do pressuposto de admissibilidade do recurso.
Na verdade, face a uma jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo consolidada e amplamente publicitada, deveria o recorrente no requerimento de interposição do recurso para o Pleno, ou nas alegações que depois ali produziu, ter suscitado a questão de constitucionalidade daquela interpretação normativa - que, segundo um normal juízo de prognose iria ser aplicada ao caso -, por forma a que aquele tribunal sobre ela se pronunciasse, abrindo simultaneamente, a via de acesso em recurso a este Tribunal.
Assim não sucedeu porém, já que só no requerimento de
interposição do recurso para este Tribunal é que, pela primeira vez, suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas postas em crise.
Assim sendo, impõe-se agora concluir no sentido da não admissibilidade do recurso por falta do pressuposto essencial da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo.
Cumpra-se o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
------------- ACÓRDÃO Nº 208/97 Processo nº 820/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade em que figuram como recorrente A. e como recorrido o Presidente da Câmara Municipal de Sintra, pelas razões constantes da exposição do relator de fls. 860 a 869, exposição essa que não foi respondida pelas partes, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em
5 (cinco) Ucs.
Lisboa, 11 de Março de 1997 Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa