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Processo nº 393/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A... e recorrido o Ministério Público, pelo essencial dos fundamentos da exposição do relator oportunamente apresentada, que aqui se dão por reproduzidos, não tendo a recorrente oferecido qualquer resposta, e tendo merecido inteira concordância do recorrido, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 6 (seis) UC's.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1997 Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 393/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição a que se refere o nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.1.- A... recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho judicial de 11 de Maio de 1985, exarado no processo de inquérito nº 1721/91-A, a correr termos no 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Almada, que considerou não justificada a sua falta de comparência a acto para que fora convocada, a fim de prestar declarações.
Pretendeu a requerente, advogada identificada nos autos, justificar a sua falta, dadas as condições então verificadas no edifício daquele tribunal, em obras, constituindo um atentado à saúde, para o efeito argumentando que o funcionamento de um tribunal em obras ofende 'os princípios constitucionais conjugados nos artigo 66º da Lei Fundamental (ambiente e qualidade de vida judicial)' (sic), chamando, ainda, a atenção para a Lei nº 22/82, de 17 de Agosto (Prevenção do Tabagismo), Lei nº 10/87, de
4 de Abril (Lei das Associações de Defesa do Ambiente), Lei nº 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente), Decreto-Lei nº 292/89, de 2 de Setembro
(alterações do Regulamento Geral sobre o Ruído) e Decreto-Lei nº 82/90, de 14 de Março (Altera o Decreto-Lei nº 101/74, de 14 de Março, que fixa normas relativas
à importação, exportação, construção, reparação, instalação, utilização ou simples funcionamento de recipientes sobre pressão, bem como à construção, instalação e utilização de chaminés para descarga de efluentes na atmosfera).
1.2.- A magistrada recorrida, no entanto, não teve a falta por justificada
'já que não se verifica nenhuma circunstância enquadrável no estipulado no artigo 117º, nº 1, do C.P.Penal' (fls. 22).
Na motivação do recurso argumentou-se constituirem as condições verificadas no edifício do Tribunal 'um efectivo atentado desnecessário, ilegal e inconstitucional, à saúde das pessoas e da ora recorrente, a cujo perigo grave não estava obrigada a sujeitar-se (Artº. 66º da Lei Fundamental)' (fls. 3 e segs.).
O Tribunal da Relação, por acórdão de 20 de Dezembro de
1995, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida (fls. 43 e segs.), tendo, designadamente, em consideração que não só a sala onde se realizaria o interrogatório já estava remodelada e funcional como as obras e o estado das instalações não impediam o funcionamento deste e a realização de julgamento.
Arguíu a interessada a nulidade deste aresto, nomeadamente por omissão de pronúncia sobre a questão de constitucionalidade que considerou ter suscitado, o que, em sua tese, viola o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil (fls. 50 e segs.).
A Relação, em novo acórdão, tirado em conferência, de 21 de Fevereiro de 1996, indeferiu o requerimento (fls. 67 e segs.).
Inconformada, requereu a interessada a aclaração das
'obscuridades e ambiguidades' do aresto, o que foi desatendido, agora por acórdão de 13 de Março seguinte, por se entender nada haver a aclarar nem se mostrar necessário desenvolver a fundamentação constante da decisão aclaranda ou suprir qualquer omissão (fs. 94).
2.1.- Reagiu, então, a requerente, mediante interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82.
No respectivo requerimento, protesta o seu inconformismo com os três acórdãos da Relação, por os considerar 'aplicadores de normas e princípios inconstitucionais' deles pretendendo recorrer quanto às
'inconstitucionalidades oportunamente suscitadas durante o processo', de modo implícito no último acórdão e explicitamente nos dois primeiros (fls. 97 e segs.).
Recebido o recurso pelo Senhor Desembargador Relator
(fls. 104) já neste Tribunal foi exarado despacho, ao abrigo do nº 5 do artigo
75º-A da Lei nº 28/82, convidando a requerente a indicar:
a) a decisão de que recorre;
b) a norma (ou normas) cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie;
c) a norma ou princípio constitucional ou legal que considera violado;
d) a peça processual em que suscitou a questão de inconstitucionalidade.
2.2.- Sobre o conteúdo da notificação, veio a requerente dizer o seguinte:
a) matéria da alínea a):
o recurso tem por objecto os três acórdãos da Relação, 'os quais formam uma unidade substancial violadora das normas e princípios constitucionais';
b) matéria da alínea b):
o Tribunal Constitucional deve:
b-1) apreciar a interpretação dada ao artigo 117º do Código de Processo Penal (CPP) pelas 1ª e 2ª Instâncias, já que a requerente afirma que observou esse normativo e a Relação 'diz precisamente o contrário';
b-2) declarar se a 1ª e 2ª Instâncias podem impedir a produção da prova devidamente requerida, designadamente a vistoria da salubridade;
b-3) declarar se a Relação pode obstar ao princípio do contraditório e substitui-lo pelo princípio da autoridade, 'no sentido de o MºPº poder emitir juízos substitutivos da vistoria de salubridade;
b-4) declarar 'se o sentido emprestado ao artigo
117º do CPP viola ou não o princípio da salubridade contido no artigo 66º da Lei Fundamental, a Lei nº 22/82, de 17-8; a Lei nº 10/87, de 4/4; a Lei nº 11/87, de
7/4; o DL. 292/89, de 2/9; e o DL. 82/90, de 14/3;
b-5) declarar se a Advogada recorrente 'pode ser discriminada com taxas de justiça mais elevadas no dobro ou no triplo do que os seus próprios clientes noutros processos';
b-6) declarar se pelo facto de a Relação dizer que nada há a aclarar 'isso significa que para a recorrente está tudo claro, quando
é tudo obscuro, e se essa atitude anti-informação é ou não violadora do princípio geral de que todo o cidadão tem direito a uma resposta esclarecedora';
c) matéria da alínea c):
'a interpretação insalubre e poeirenta emprestada ao artigo 117º, nº 1, do CPP é inconstitucional por violar o artigo 66º da Lei Fundamental e as citadas Leis 22/82; 10/87; 11/87; DLs. 292/89 e 82/90, bem como o princípio do contraditório, o direito à prova e o princípio do ambiente salubre nos edifícios públicos, inclusivé, nos Tribunais';
d) matéria da alínea d):
a suscitação referida foi feita, segundo a requerente, nas seguintes peças processuais:
- exposição-requerimento de 30 de Novembro de 1994 (fls. 16 e segs. dos presentes autos);
- requerimento de 25 de Maio de 1995 (fls. 2);
- motivação de 25 de Maio de 1995 (fls. 3 e segs.);
- exposição-requerimento de 11 de Dezembro de 1995 (fls. 32 e segs.);
- arguição de nulidade de 11 de Janeiro de 1996 (fls. 51 e segs.);
- pedido de esclarecimento de 4 de Março de 1996 (fls. 73 e segs.);
- requerimento de 25 de Março de 1996 (fls. 97).
3.1.- O recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade fundado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, tem por objecto normas jurídicas judicialmente aplicadas, na sua integralidade ou numa sua dada dimensão, ou ainda numa certa interpretação, e exige, para ser admitido, a congregação de vários pressupostos , entre os quais: a) a questão de constitucionalidade, reportada à norma aplicada, seu segmento ou interpretação, deve ser suscitada durante o processo - e implica uma concepção funcional da suscitação; b) o tribunal recorrido deve ter aplicado a norma com ratio decidendi; c) não haja já lugar a recurso ordinário - o que passa pela prévia exaustão destes.
Obviamente, não se destina o recurso a reabrir a discussão da decisão judicial, em si. Na verdade, no nosso ordenamento, as decisões judiciais, em si mesmas consideradas, não podem ser objecto desse tipo de controlo: o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional é normativo, incidindo apenas sobre as normas jurídicas aplicadas pelas decisões judiciais, não obstante se discutir a sua conformidade constitucional.
O acervo jurisprudencial nesta área é tão significativo e conhecido que dispensa citação mais detida.
À luz das considerações assim brevissimamente expostas, coloca-se o problema do enquadramento do caso vertente. Não sem se observar, desde logo, que, independentemente da verificação daqueles pressupostos, em todo o caso a questão de constitucionalidade - mormente quando está em causa uma interpretação normativa - há-de ser dimensionada e concretizada de modo a ser explícito o sentido censurado, em termos de o tribunal recorrido ficar a saber que tem essa questão para resolver. Ou seja, impende sobre as partes o ónus de equacionar correcta e perceptivelmente a questão, nomeadamente a indicação precisa da interpretação adoptada que considere constitucionalmente violadora.
3.2.- No concreto caso e face ao exposto, não pode o Tribunal Constitucional
'invadir' áreas não normativas ou que impliquem valorações não integradas no que
é o objecto próprio do recurso. Ou seja, não se abre a via do recurso de constitucionalidade para que o Tribunal declare se a 1ª e a 2ª Instâncias podem impedir a produção da prova requerida ou se a Relação pode obstar ao princípio do contraditório e substituí-lo pelo 'da autoridade, no sentido de o MºPº poder emitir juízos substitutivos da vistoria da salubridade', como não pode declarar
'se a Advogada recorrente pode ser discriminada com taxas de justiça mais elevadas no dobro ou no triplo do que os seus próprios clientes noutros processos', nem, finalmente, se pelo facto de a Relação dizer que cada há a aclarar 'isso significa que para a recorrente está tudo claro, quando é tudo escuro, e se essa atitude anti-informação é ou não violadora do princípio geral de que todo o cidadão tem direito a uma resposta esclarecedora'.
Restaria a questão da aplicação da norma do artigo 117º do Código de Processo Penal, na interpretação que, na tese da recorrente, lhe terá sido dada pelas instâncias, qual seja, a de que esta norma, que cuida da justificação da falta de comparecimento a actos processuais, é 'insalubre e poeirenta'(sic), e, como tal, viola o disposto no artigo 66º da Constituição da República, onde se reconhece todos terem direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
No entanto, é notório não ter sido idoneamente suscitada a questão de constitucionalidade. Esta, já se observou, há-de ser equacionada em termos de o tribunal recorrido saber que tem essa questão para decidir e deve ocorrer em tempo oportuno, ou seja, em regra, em momento anterior à decisão a proferir por esse tribunal, pois que a prolação desta esgota o poder de cognição do juiz (cfr., por todos, o acórdão nº 155/95, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Junho de 1995).
Ora, não encerra essa virtualidade, para que a via de recurso se abra, a alusão ao artigo 66º da Constituição, à cabeça de extenso rol de diplomas legais, acompanhada do comentário de que o funcionamento de um tribunal em obras ofende os princípios consignados naquele artigo.
O despacho subsequente não se refere a qualquer questão de constitucionalidade e bem, pois, na verdade, ela não foi perceptivelmente posta nem tão pouco dimensionada e concretizada.
E foi esse, de resto, o momento oportuno de suscitação.
Com efeito, constitui igualmente jurisprudência corrente não configurarem já meios tempestivos de suscitação de questão de constitucionalidade os incidentes de arguição de nulidades ou de aclaração das decisões recorridas (cfr., por todos, o acórdão nº 102/95, publicado no Diário, II Série, de 17 de Junho de 1995).
Assim, no caso sub judicio, não estão reunidos os pressupostos do recurso de constitucionalidade, parecer que se emite nos termos e para os efeitos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Ouçam-se as partes, por cinco dias.