Imprimir acórdão
Processo nº 38/99
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por acórdão de 18 de Junho de 1998 do Tribunal Militar Territorial de Coimbra, foi J..., soldado da Guarda Nacional Republicana, devidamente identificado nos autos, condenado na pena de oito meses de presídio militar, pelo crime de corrupção passiva, punido pelo artigo 191º do Código de Justiça Militar. Inconformado, recorreu para o Supremo Tribunal Militar, pedindo a sua absolvição ou, pelo menos, a redução da pena. O Promotor de Justiça junto do Supremo Tribunal Militar, porém, pronunciou-se no sentido de que, não existindo 'atenuantes de especial valor que permitam a atenuação extraordinária, não devia a pena aplicada ao réu ser fixada abaixo do limite mínimo da moldura penal prevista no artº 191º, nº 1, do CJM, 2 (dois) anos de presídio militar, pelo que ao abrigo do disposto no artigo 440º, nº 2, b), do referido diploma deve a pena de 8 (oito) meses de presídio militar que foi aplicada, ser agravada.'. Este parecer foi notificado ao arguido, como se verifica a fls. 31., que não respondeu. Por acórdão de 29 de Novembro de 1998, o Supremo Tribunal Militar negou provimento ao recurso e , 'revogando-se a atenuação extraordinária da pena', aplicada na primeira instância, condenou o recorrente em '2 (dois) anos de prisão, que, nos termos do artº 1º, alínea b) da Lei nº 58/77, de 5 de Agosto, aplicável por força do artº 4º do Dec-Lei nº 179/78, de 15 de Julho, se substitui por igual tempo de presídio militar.'
2. Recorreu então o arguido para o Tribunal Constitucional, considerando que o Supremo Tribunal Militar, ao 'ter revogado a atenuação extraordinária da pena aplicada pelo T.M.T de Coimbra', incorreu em violação da proibição da
‘reformatio in peius’ (requerimento de fls. 41). Nos termos do disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, foi convidado a indicar qual a alínea do nº 1 do artigo 70º da mesma Lei ao abrigo da qual o recurso era interposto (e, para o caso de ser a alínea b), qual a peça processual em que tinha invocado a inconstitucionalidade) e qual a norma cuja constitucionalidade pretendia que o tribunal apreciasse. Respondendo, veio o recorrente indicar que recorria 'nos termos do artº 70º, nº
1 da Lei nº 28/82 de 15 de Novembro' e que 'o recurso é interposto ao abrigo da al. b) do nº 2 do artº 440º do C.J.M., sendo que a sua inconstitucionalidade não foi suscitada por ser previsível que o Tribunal a não viesse a aplicar.' Na sequência desta resposta, o despacho de fls. 44 começou por considerar que recurso deveria ser julgado deserto, 'ex vi do disposto no nº 7 do artº 75º-A referido', por falta de indicação, quer da alínea do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 em que o recurso se fundava, quer da peça processual em que houvesse sido suscitado a questão da inconstitucionalidade. Admitiu, todavia, 'que o recorrente pretendeu indicar a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 (...), que a norma em discussão é a da alínea b) do nº
2 do artº 440º do C.J.M., aplicada pelo aresto deste Supremo Tribunal e que não foi invocada a inconstitucionalidade da mesma norma sendo, todavia, invocada, para admissão do recurso, a total imprevisibilidade dessa aplicação.' Tendo, porém, em conta que o recorrente havia sido expressamente notificado para responder ao parecer do Promotor de Justiça acima referido, dispondo, consequentemente, de oportunidade processual para invocar a inconstitucionalidade que pretende que o Tribunal Constitucional declare, não admitiu o recurso, por falta de um pressuposto – arguição da inconstitucionalidade durante o processo.
3. Da não admissão do recurso reclamou J... para o Tribunal Constitucional, sustentando, para o que agora interessa, que, 'por ser tão flagrante a inconstitucionalidade da norma aplicada pelo douto acórdão recorrido, não era de modo algum previsível a sua aplicação' e que 'quando a inconstitucionalidade é patente, pode o Tribunal, rectius, deve o Tribunal, mesmo que a inconstitucionalidade não tenha sido suscitada, declará-la expressamente'. Notificado, veio o Ministério Público pronunciar-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação, 'já que o ora reclamante teve plena oportunidade processual para, actuando com a diligência devida, ter suscitado a questão da inconstitucionalidade'.
4. Com efeito, é claramente improcedente a reclamação, pelas razões indicadas, quer pelo Supremo Tribunal Militar, quer pelo representante do Ministério Público neste Tribunal. Concedendo que o recurso foi interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, o que o reclamante não explicitou nem quando foi convidado para o efeito, impendia sobre ele o ónus de ter suscitado a questão da inconstitucionalidade durante o processo, como exige a própria alínea b) do nº 1 do artigo 70º. O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que este requisito da invocação da inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua interpretação durante o processo se traduz na necessidade de que tal questão seja colocada perante o tribunal recorrido, proporcionando-lhe desta forma a oportunidade de a apreciar. Só nos casos excepcionais e anómalos, em que o recorrente não dispôs processualmente dessa possibilidade é que será admissível a arguição em momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs
62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Não é, manifestamente, o caso dos autos, tendo em conta que o reclamante foi notificado do parecer do Promotor de Justiça em que se sustentava a aplicação da norma cuja constitucionalidade questiona. Acrescente-se, a terminar, que se é ao Tribunal Constitucional que o reclamante se refere quando diz que a inconstitucionalidade, sendo 'patente', deve ser declarada oficiosamente, a sua afirmação é totalmente contrária às regras que disciplinam o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade das normas, onde, como é sabido, vigora o princípio do pedido, cabendo ao recorrente a definição do objecto do recurso.
Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não admissão do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 19 de Fevereiro de 1999 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida