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Processo nº 227/98
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Ministério Público veio 'reclamar para a conferência, nos termos do artigo
78º-A, nº 3 da Lei nº 28/82', da decisão sumária proferida nestes autos pelo Relator, que não tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto pelo Ministério Público, 'com fundamento da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 de 15/11', porque ' não há uma arguição de inconstitucionalidade normativa relevante, na medida em que nem ela se faz 'de modo processualmente adequado' (nº 2 do artigo 72º, da Lei nº 28/82, na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro) quanto à norma do artigo 13º do Decreto-Lei nº
64-A/89, nem ela inclui a norma do artigo 14º, nº 3, do Decreto-Lei nº 427/89, que é a única identificada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade' (esta é a conclusão a que se chegou na decisão sumária).
2. Invoca o Ministério Público reclamante que 'nas alegações produzidas no recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, terá sido suscitada pelo representante do Ministério Público, de forma inteligível e processualmente adequada (embora não ‘perfeita’) a questão de inconstitucionalidade de certa interpretação normativa que constitui objecto do recurso', e, por isso, entende que 'o presente recurso deveria seguir a normal tramitação, com produção de alegações', alinhando para o efeito, a seguinte ordem de considerações:
'2º Na verdade, o que está em causa no presente recurso - como nos vários que, com idêntica configuração, após produção de alegações, pendem neste Tribunal - traduz-se em saber se traduz interpretação inconstitucional (por violadora do disposto no artigo 47º, nº 2, da Lei Fundamental) de determinado ‘bloco normativo’ (nem sempre claramente identificado, aliás, nas decisões recorridas) a solução ou interpretação jurídica que se traduz em mandar reintegrar na função pública, nos termos gerais do direito laboral, ‘maxime’ do Decreto-Lei nº
64-A/79, os trabalhadores irregularmente contratados a prazo pela Administração, quando a tipificação das formas de constituição da relação de emprego com a Administração, fixadas no Decreto-Lei nº 427/89, afasta tal forma de contratação no âmbito da Administração Pública.
3º Ora, tal questão da constitucionalidade de certa interpretação do sistema normativo em vigor (apesar de alguma flutuação das instâncias acerca da especificação dos preceitos legais que o corporizam) - e como a jurisprudência constitucional vem notando, não é legítimo confundir normas com artigos de lei - mostra-se suficientemente especificada e concretizada nas ditas alegações de recurso - parecendo-nos claro que nestas o recorrente não se limitou imputar o vício de inconstitucionalidade à decisão recorrida, mas antes a certa interpretação normativa do sistema legal nela acolhida.
4º Note-se, aliás, que tal questão de constitucionalidade acaba por ser enfrentada e decidida pelo próprio acórdão recorrido, ao considerar que a aplicação no
âmbito da relação de emprego público do regime de reintegração, previsto nas leis laborais gerais (nomeadamente no artigo 13º do Decreto-Lei nº 64-A/89) não está ‘ferida de inconstitucionalidade por violação do disposto no seu artigo
47º, nº 2, fls. 141).
5º Na verdade, o que, de um ponto de vista substancial, é controvertido nos autos é se as ‘especialidades’ constantes do Decreto--Lei 427/89 - ressalvadas expressamente pela parte final do nº 3 do artigo 14º - ‘maxime’ a tipificação das formas de constituição da relação de emprego na Administração Pública - não postergam por força do princípio constante do artigo 47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, a aplicação nesta sede de regime-regra vigente em direito laboral comum, nomeadamente a reintegração, nos termos do artigo 13º do Decreto-Lei 64-A/89, do trabalhador irregularmente contratado a prazo (e ilegitimamente despedido) na função pública.
6º Ora tendo tal questão normativa sido suscitada, de forma bastante, antes da prolação da decisão recorrida, que - aliás - a abordou, julgando-a improcedente, estão presentes os requisitos de admissibilidade do recurso interposto'.
3. A ora recorrida M..., autora na presente 'acção declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, com processo sumário', não apresentou qualquer resposta.
4. Como bem nota o Ministério Público reclamante, o que está em causa no recurso de constitucionalidade 'traduz-se em saber se traduz interpretação inconstitucional (por violadora do disposto no artigo 47º, nº 2, da Lei Fundamental) de determinado ‘bloco normativo’ (nem sempre claramente identificado, aliás, nas decisões recorridas) a solução ou interpretação jurídica que se traduz em mandar reintegrar na função pública, nos termos gerais do direito laboral, ‘maxime’ do Decreto-Lei nº 64-A/79, os trabalhadores irregularmente contratados a prazo pela Administração, quando a tipificação das formas de constituição da relação de emprego com a Administração, fixadas no Decreto- -Lei nº 427/89, afasta tal forma de contratação no âmbito da Administração Pública'. Ora, é exactamente esse 'bloco normativo' (ou 'sistema normativo em vigor', como também lhe chama o Ministério Público) que, como tal, não chegou a ser de modo adequado questionado pelo Ministério Público recorrente perante o Tribunal da Relação de Lisboa na peça processual pertinente, nem ele é, como tal, identificado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, que se refere unicamente à suscitação da 'inconstitucionalidade do nº 3 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/98 de 7/12 por violação do artigo 47º nº 2 da Constituição', sendo sabido que é esse requerimento que demarca o objecto do recurso com a identificação da norma ou normas jurídicas em causa. Daí que não saia beliscado o que se lê na decisão sumária (a propósito de duas ilações tiradas das peças processuais exibidas pelo Ministério Público recorrente) e que se passa a transcrever:
'a) não é aí [nas alegações] em parte alguma posta em crise, no plano constitucional, a norma identificada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, mesmo quanto ao seu sentido interpretativo, que é uma norma inserida num diploma que visou 'um processo de regularização jurídica' para o pessoal da Administração Pública impropriamente designado por tarefeiro, e ela própria prevendo duas modalidades do contrato pessoal, sendo uma delas a do contrato de trabalho a termo certo (nº 1, b)), estabeleceu no nº 3 que esse contrato não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do presente diploma. (e não basta, como faz o Ministério Público, afirmar que ‘não existem contratos de trabalho de natureza privada e carácter duradouro com a Administração Pública’ ou que ‘que não é legalmente admissível a celebração, entre particulares e a administração pública de contratos de trabalho de natureza privada e carácter duradouro’) b) não se pode caracterizar como arguição de inconstitucionalidade normativa um discurso que se limita a censurar o julgado por se ter aplicado uma norma – o citado artigo 13º - em violação do ‘disposto no artº 47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa’ (não é que aquela norma seja inconstitucional ou então que seja inconstitucional a interpretação com que foi aplicada, antes 'a aplicação do artº 13º do DL 64-A/(89, viola, inequivocamente, o disposto no artº
47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa’, para usar a linguagem do Ministério Público recorrente, que nas conclusões das alegações de recurso de apelação volta a repetir ‘a única solução ferida de inconstitucionalidade (...)’ e identifica a ‘errada aplicação das normas jurídicas aplicáveis’, por referência a legislação infraconstitucional)'. Não se vê, pois, motivo para alterar a posição assumida na decisão sumária, que, por consequência se mantém.
5. Termos em que, DECIDINDO, desatende-se a reclamação. LX. 10.2.99 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa