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Processo nº 599/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. J... e G..., com os sinais identificadores dos autos, vieram, 'ao abrigo do disposto nos artigos 70º, nº 1, alínea B, 72º, nº 1, alínea B 75º nº
1, 75ºA, nº2 e 78º nº 3 da lei 28/82, interpôr recurso para o Tribunal Constitucional', do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (3ª Secção - 1ª Subsecção), de 26 de Junho de 1996, que, entre o mais, os condenou, cada um, pela autoria de um crime previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro (crime de tráfico de estupefacientes), na mesma pena de sete anos e seis meses de prisão.
No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade dizem os recorrentes:
'As normas jurídicas cuja inconstitucionalidade
se pretende ver declarada são as constantes dos artigos 412 nº 2 alínea A e 420 nº 1 ambas do C.P.P., se interpretadas no sentido de que o Tribunal de Recurso se pode substituir às partes na rectificação de erros e suprir a ausência de indicação de normas jurídicas violadas, por violação do disposto no artgº 32 nº
1 da C.R.P.'.
E acrescentam depois:
'Tratando-se de uma situação em que a sequência processual, não foi de molde a facultar ao recorrente oportunidade efectiva de levantar a questão, deve o recurso ora interposto ser admitido, como decorre entre outros do Acórdão do Tribunal Constitucional, proferido no Processo 26/95 de 17/10/95, publicado no D.R. II série de 13/3/96, nº 62'.
2. Nas suas alegações concluem assim os recorrentes:
'1º Nos presentes autos foram interpostos dois recursos, um pelos recorrente e outro pelo Digno magistrado do Ministério Público.
2º O recurso dos recorrentes veio a ser rejeitado por se ter considerado que nas suas conclusões não tinham feito alusão às normas jurídicas violadas e por se considerar que em Pro
cesso penal não vigora o princípio do conhecimento amplo em matéria de recursos, pelo não podendo o tribunal substituir-se às partes para suprir as suas deficiências.
3º O recurso interposto pelo M. Público veio a suscitar por parte dos recorrentes, em resposta, ao mesmo, o pedido de rejeição deste, por manifesta improcedência dado que as normas jurídicas indicadas como violadas nas conclusões, artºs 71 nº 1 e 2 e 21 nº do DL 15/94, correspondiam a disposição inexistente ou manifestamente inaplicável ao caso, sendo assim manifestamente improcedentes as normas jurídicas indicadas como violadas.
4º Porém no acórdão ora recorrido veio o S.T.J. a substituir-se ao M. Público e a rectificar as normas indicadas por este, aplicando as que ao caso se afiguram realmente aplicáveis.
5º Entendemos que uma interpretação dos artgºs 412 nº 1 alínea A e 420 nº 1 em que se permita ao tribunal 'ad quem' suprimir os erros ou deficiências das partes é manifestamente inconstitucional por violadora do disposto no artgº 32 nº 1 da C.R.P..
6º Com efeito a fixação, por rectificação, da indicação de normas jurídicas permite salvar um recurso que de outra forma, poderia ser considerado manifestamente improcedente.
7º A utilização de tal critério não é constitucional sobretudo considerando ou partindo do princípio de que efectivamente está vedado ao tribunal 'ad quem' o suprimento de erros ou deficiências das partes. NESTES TERMOS e nos melhores de Direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso e por via do mesmo, declarar-se a inconstitucionalidade dos artgºs 412 nº 1 alínea A e 420 nº 1 do C.P.P. se interpretados no sentido de que os Tribunais de recurso se podem substituir às partes, suprindo erros e indicações de normas jurídicas violadas ou a sua ausência, fazendo-se JUSTIÇA'.
3. Contra-alegou o Ministério Público, concluindo como se segue:
'1º - Não tendo o recorrente suscitado, durante o processo, a questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso, dispondo de oportunidade processual para o fazer e não sendo a decisão proferida pelo tribunal 'ad quem' de considerar como insólita ou imprevisível, falta um pressuposto essencial do recurso de constitucionalidade interposto.
2º - Não viola o princípio constitucional das garantias de defesa a circunstância de o tribunal 'ad quem' considerar suprido o manifesto lapso material de escrita do recorrente na in
dicação do artigo de lei a que se reporta o recurso, quando é patente, pelo teor das restantes conclusões da motivação, qual é a 'norma' que se considera violada pela decisão recorrida'.
4. Ouvidos os recorrentes 'sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público nas contra-alegações', nada disseram.
5. Vistos os autos, cumpre decidir.
Naturalmente há que conhecer e decidir, com prioridade, a questão prévia da falta de um pressuposto processual do presente recurso, levantada pelo Ministério Público, nas suas alegações, e que não mereceu qualquer resposta dos recorrentes.
Sendo facto que aquele recurso se abriga no disposto no artigo 70º, nº 1, b), da Lei nº 28/82, (reproduzindo o artigo 280º, nº 1, b), da Constituição) e exigindo-se aí, entre o mais, que a questão de inconstitucionalidade seja suscitada pela parte interessada 'durante o processo', é este pressuposto que se tem de averiguar se se verifica, atendendo ainda a que o objecto da causa está claramente delimitado pelos recorrentes, reportando-se à inconstitucionalidade dos artigos 412º, nº 2,
a) e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal (matéria da motivação do recurso ligada à rejeição deste), tal como foram aplicadas, e com determinado sentido, no acórdão recorrido.
E é este o ponto desse acórdão ora posto em crise, que passa a transcrever-se:
'Apenas porque se relegou, expressamente, para a decisão final a questão que os recorridos J... e G... suscitaram a propósito do objecto do presente recurso e das normas que, pelo recorrente, foram indicadas como violadas, consigna-se que: a) é evidente que, na conclusão primeira da motivação, se verifica um lapso material ou de escrita: escreveu-se 'artigos 71º, nº 1 e 2, e 21º, nº 1, do Decreto-Lei 15/94' quando se queria escrever 'artigos 72º, nºs 1 e 2 do Código Penal e 21º, nº 1, do Decreto-Lei 15/93', como o atesta, aliás, o teor do primeiro parágrafo do nº 2 da motivação;
b) não há qualquer incongruência em indicar como violado o artigo
21º, nº 1, do citado Decreto-Lei, e questionar, unicamente, a medida da pena, porque no preceito em análise, após a descrição do tipo de crime, se estabelece precisamente a moldura pena abstracta que lhe corresponde.
Assim, nem o recurso podia ser rejeitado com tal fundamento nem, em rigor, chega a existir qualquer questão que obste ou condicione, minimamente que seja, o seu conhecimento'.
Ora, sendo este aspecto focado no acórdão recorrido expressamente arguido pelos recorrentes na sua resposta à motivação do recurso interposto pelo Ministério Público perante o Supremo Tribunal de Justiça, de tal modo que obrigou este Tribunal a pronunciar-se nos termos acabados de transcrever, nada dizem os recorrentes com que sentido deveriam ser interpretadas e aplicadas as normas questionadas do Código de Processo Penal, de modo a que elas respeitassem a Constituição. Nem dizem 'se interpretadas no sentido de que o Tribunal de Recurso se pode substituir às partes na rectificação de erros e suprir a ausência de indicação de normas jurídicas violadas' (linguagem dos recorrentes no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade), isso acarretaria ofensa da Lei Fundamental.
Aliás, os recorrentes, nessa peça processual da resposta, não chegam sequer a identificar as normas dos artigos 412º, nº 2, a), e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal, mas como sustentam que, circunscrito o recurso interposto pelo Ministério Público à medida da pena que lhes foi aplicada, esse recurso deverá 'ser rejeitado por manifestamente improcedente',
é indubitável que só podem querer referir-se àquelas normas do Código de Processo Penal (são estas as conclusões dessa resposta: '1º O recurso do digno recorrente, particularmente na sua conclusão nº 1 faz alusão a normas jurídicas que nada têm a ver com os factos descritos no mesmo.
2º Por hipótese de raciocínio, entendendo-se que existiu mero lapso e tendo vindo o recurso limitado à medida da pena, não entendemos como considerou o recorrente que foi violado o disposto no artgº 21 nº 1 do DL 15/93 - Qualificação jurídica dos factos.
3º Com efeito ao considerar que foi violado o disposto no artgº 21 do DL 15/93 deveria o recorrente ter trazido factos que consubstanciassem essa violação, ou seja, de que modo no seu entender a qualificação jurídica estava errada e que disposição legal se deveria aplicar, o que não foi feito').
Talqualmente opina o Ministério Público, nas suas alegações, os recorrentes tiveram 'plena e efectiva oportunidades processual' de suscitar a dita questão de inconstitucionalidade, na perspectiva em que agora se colocaram ao interporem o presente recurso.
Dispondo eles dessa oportunidade processual - e foram eles a colocar a questão da rejeição do recurso do Ministério Público -, bem poderiam contar que o Supremo Tribunal
de Justiça viesse a considerar eventualmente suprido o lapso manifesto,
'reportando o recurso interposto pelo Ministério Público às 'normas' que efectivamente, como resultava claramente do teor da motivação e restantes conclusões, o recorrente considerava 'violadas' pela decisão recorrida'
(fazendo-se uma interpretação a aplicação das normas em causa com o tal sentido reportado agora de inconstitucional pelos recorrentes).
Com o que se deve concluir pela falta do pressuposto processual da suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo.
6. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do presente recurso e condenam-se os recorrentes nas custas, com a taxa de justiça fixada em oito unidades de conta. Lisboa, 15 de Janeiro de 1997 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia José Manuel Caedoso da Costa