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Processo nº 31/97
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Exposição preliminar elaborada em conformidade com o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
1 - No 3º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, sob acusação do Ministério Público e dos assistentes A. e B., foi o arguido C. pronunciado como autor de um crime de homicídio involuntário, previsto e punido pelo artigo
59º, alínea b) do Código da Estrada e pelas contravenções causais previstas e punidas pelos artigos 7º, nº 2, alíneas g) e h) e 40º, nº 6, ambos do mesmo diploma legal, vindo a ser condenado, por sentença de 24 de Março de 1995, pela prática do crime de homicídio involuntário, previsto e punido, na data do proferimento da decisão condenatória, pelo artigo 136º, nº 1, do Código Penal, que instituiu um regime mais favorável, além do mais, na pena de dez meses de prisão.
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2 - Não conformada com o assim decidido levou a assistente B. recurso ao Tribunal da Relação de Lisboa, recurso esse que, com fundamento em interposição intempestiva, não foi recebido pelo senhor Juiz da Comarca.
Todavia, na sequência de reclamação dirigida ao senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, foi ordenado a sua admissão e a ulterior continuidade dos trâmites processuais correlativos.
Por acórdão de 29 de Outubro de 1996, foi negado provimento ao recurso e confirmada, integralmente, a sentença impugnada.
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3 - Contra este acórdão reagiu a assistente levando recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, suscitando na respectiva petição a inconstitucionalidade da norma do artigo 432º do Código de Processo Penal, na medida em que nela não se admite recurso das decisões das relações proferidas em processos julgados em tribunal de primeira instância.
Por despacho do senhor relator foi rejeitado o recurso com fundamento nos artigos 432º, 400, nº 1, alínea d) e 11º, todos do Código de Processo Penal.
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4 - Reagiu então a assistente através de recurso interposto para o Tribunal Constitucional, aduzindo a fundamentação seguinte:
'O recurso é interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo da al. b), do nº 1, do nº 1, e nº 2, do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e a norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada é a do art. 432º, do Cod. Proc. Penal, por violação de pelo menos dos artºs 20º, nº 1. e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, tendo sido a questão da inconstitucionalidade suscitada na motivação e conclusões do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por douto despacho não foi admitido
(artºs 70º, nºs 1, al. b) e 2, e 75º-A, nºs 1 e 2, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro'.
O recurso foi admitido, e os autos subiram ao Tribunal Constitucional.
Todavia, e porque este Tribunal não se acha vinculado pelo despacho de admissão proferido no tribunal a quo, entende o ora relator que, por inverificação de um dos pressupostos essenciais à aceitação do recurso, não pode dele tomar-se conhecimento.
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5 - A admissibilidade do recurso de constitucionalidade
interposto ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nºs 1, alínea b) e 4, da Constituição e 70º, nºs 1, alínea b) e 2, da Lei do Tribunal Constitucional - a espécie e a via utilizadas pela recorrente - , acha-se condicionada, fundamentalmente, pela concorrência dos seguintes requisitos processuais: (a) a inconstitucionalidade da norma em causa deverá ter sido suscitada pelo recorrente durante o processo; (b) tal norma haverá depois de ter sido aplicada como fundamento normativo da decisão recorrida; (c) da decisão aplicativa de tal norma não será já admissível recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já se haverem esgotado os que no caso cabiam.
Em conformidade com o disposto no artigo 405º, nºs 1 e 4, do Código de Processo Penal, do despacho que não admitiu ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige (nº 1), sendo que a decisão do presidente do tribunal superior é definitiva quando confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário, não vincula o tribunal de recurso (nº 4).
Ora, acha-se estabelecido por uma jurisprudência reiterada e uniforme deste Tribunal, que o conceito de recurso ordinário, para os efeitos previstos no nº 2 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, é um conceito de ampla significação, abrangendo as próprias reclamações para o presidente do tribunal ad quem dos despachos de não recebimento dos recursos interpostos no tribunal a quo (cfr. por todos, os acórdãos nºs 65/85 e 97/85,
Diário da República, II Série, respectivamente, de 31 de Maio e 25 de Julho de
1985).
Com efeito, a ratio legis daquele preceito, e da exigência do pressuposto processual que nele se contém, é a de a jurisdição constitucional só ser chamada a reapreciar, por essa via, as decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido pregressamente levantada, quando tais decisões constituam a última palavra dentro da ordem judiciária em que se integram os tribunais que a proferiram.
Na linha deste entendimento, no já citado acórdão nº 97//85, escreveu-se assim:
'[...] nos termos da lei do processo constitucional, neste tipo de recursos - isto é, nos recursos que tenham por objecto decisões que hajam aplicado normas cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada no processo - só se pode recorrer para o Tribunal Constitucional das decisões que (já) não admitam recurso ordinário (Lei nº 28/82, artigo 70º, nº 2), havendo de entender-se esta norma no sentido de só ser admitido recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que já sejam insusceptíveis de reapreciação na ordem jurisdicional de que provêm. Ora, os despachos de indeferimento de recurso proferidos pelo juiz a quo, nos termos da lei processual comum, não são decisões definitivas, pois elas são reclamáveis para o presidente do tribunal ad quem, e só a decisão deste é que resolve definitivamente a questão (Código de Processo Civil, artigos 687º e 688º); o termo 'recurso', utilizado no artigo 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional tem de entender-se num sentido genérico, de modo a abranger também as reclamações do tipo da que aqui se trata, porque só assim se faz jus à sua razão de ser no sistema do regime de recursos para o Tribunal Constitucional'.
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6 - À luz das considerações antecedentes e na continuidade da jurisprudência deste Tribunal que por inteiro se aceita e acompanha, há-de dizer-se que na situação sub juditio não tem cabibilidade o recurso de constitucionalidade interposto pela assistente do despacho que não lhe admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Com efeito, tal despacho não dispunha de definitividade, por ser passível de reclamação para o presidente deste último tribunal, não se tendo verificado por isso, quanto a ele, a exaustão dos meios ordinários de recurso exigida, como pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, no artigo 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
E sendo assim, propõe-se que não se tome conhecimento do presente recurso.
Cumpra-se o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
--------------- ACÓRDÃO Nº 210/97- Processo nº 31/97
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade em que figuram como recorrente B. e como recorrido o Ministério Público, pelas razões constantes da exposição do relator de fls. 419 a 424, que mereceram a concordância do senhor Procurador-Geral Adjunto na sua resposta de fls. 428, e não lograram ser infirmadas pelas razões constantes da resposta da recorrente, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em
5 (cinco) Ucs.
Lisboa, 11 de Março de 1997 Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa