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Proc. nº 809/95
1ª Secção Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I
1. E..., professora de canto coral, interpôs, em 8 de Setembro de 1993, recurso contencioso de anulação no Supremo Tribunal Administrativo de acto tácito de indeferimento imputado ao Ministro de Educação, tomado em consequência de ausência de despacho, no prazo legal, quanto a um recurso hierárquico entretanto interposto pela recorrente.
O objecto deste recurso hierárquico fora um despacho da Sub-Directora-Geral da Administração Escolar, de 11 de Março de 1991, que determinou a intergração da recorrente no 7º escalão de vencimentos da carreira docente, atribuindo-lhe a remuneração correspondente ao índice 200, previsto no Decreto-Lei nº 409/89, a partir de 1 de Outubro de 1989, e, a partir de 1 de Janeiro de 1991, ao índice 226 do mesmo escalão.
Entendendo a recorrente que o disposto no nº 3 do art. 129º do Decreto-Lei nº 139-A/90 lhe permitia a progressão na carreira para o 9º escalão, sem necessidade de candidatura, uma vez que, à data da transição para a nova estrutura da carreira docente, tinha já 30 anos e dois meses de serviço e realizara as acções de formação e integração na carreira docente previstas no Decreto nº 36508, alegara desde logo, no requerimento da interposição do recurso hierárquico, discriminação injustificada face aos restantes docentes, com a consequente violação dos arts. 13º, nº 2, e 18º, nº 2, da Constituição, além do vício concreto da violação da lei. No recurso contencioso insistiu que ocorrera violação de lei e violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade pelo acto recorrido.
Por acórdão de fls. 47 a 56 dos autos, foi negado provimento ao recurso, tendo a 2ª subsecção da Secção de Contencioso Administrativo do S.T.A. tomado posição quanto à matéria de constitucionalidade, nos seguintes termos:
' O princípio da igualdade, como se tem entendido, exige tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes; apenas torna inadmissíveis, portanto - na dimensão jurídico-constitucional da proibição do arbítrio, única que aqui interessaria considerar -, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., p. 127). E como vimos já, os professores que regiam a disciplina de Canto Coral, recrutados no regime do Decreto nº 36 508, estavam numa situação essencialmente diversa da dos professores dos antigos grupos 1º a 9º do ensino liceal: não lhes era exigida uma licenciatura universitária, nem estágio de prática pedagógica: não pertenciam ao mesmo quadro de pessoal: auferiam uma remuneração inferior: e não tinham o mesmo vínculo jurídico à Administração. O próprio diploma legal que visou reestruturar o ensino das artes, e designadamente da música, que vinha sendo ministrado no Conservatório Nacional e nas escolas afins, entre as quais se contava o Instituto Gregoriano de Lisboa, preconiza, no preâmbulo, a necessidade de incentivar a formação do pessoal docente do ensino vocacional de Música de modo a que venham a possuir uma qualificação equivalente à dos demais professores de ensino secundário, nomeadamente da do ensino vocacional [...].
É, pois, o próprio legislador a reconhecer que os professores das escolas públicas de música, incluíndo os do Instituto Gregoriano de Lisboa, que vieram a integrar os quadros transitórios, não tinham uma formação académica e pedagógica equiparável à de docentes do ensino secundário; [...]. Há pois um motivo razoável para admitir que os referidos docentes não beneficiem do regime excepcional previsto no art. 129, nº 3, do Estatuto em condições de igualdade com os demais professores do ensino secundário que tenham realizado com sucesso as provas de Exame de Estado ou o estágio pedagógico que se lhe seguiu. E não há, também, nessa interpretação da lei, uma qualquer violação do princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade é um princípio material inerente ao regime de direitos, liberdades e garantias e destina-se a impedir a adopção de medidas legais restritivas, desproporcionadas ou excessivas relativamente aos fins obtidos. O direito de acesso à função pública - que a recorrente tem como ilegitimamente restringido - não comporta a igualdade de retribuição do trabalho e, consequentemente, não pode falar-se sequer em restrição do exercício desse direito fundamental por virtude da lei estipular diferentes níveis salariais para docentes do mesmo ramo de ensino. [...] Constatando-se, no caso concreto, que a limitação do benefício transitoriamente concedido pelo art. 129, nº 3, do Estatuto, para progressão ao 9º escalão, assenta em critérios objectivos fixados, que revelam de uma diferenciação dos requisitos habilitacionais e pedagógicos dos docentes, não pode entender-se a medida legislativa como desajustada ou discriminatória.' (a fls. 54 vº a 56)
De novo inconformada, interpôs a recorrente recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82. Este recurso foi admitido por despacho de fls. 64.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Notificados recorrente e recorrido para apresentarem as suas alegações, apenas a recorrente o fez no prazo legal, tendo sido mandadas descentranhar, por extemporaneidade, as da autoridade recorrida.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
'1. A recorrente ingressou na carreira docente realizando os concursos de habilitação para Professores de Canto Coral previstos nos arts. 249º e seguintes do Dec-Lei 36.508;
2. E progrediu desde então naquela carreira em termos em tudo idênticos a todos os outros Professores que igualmente ingressaram na carreira, situação que se manteve após a suspensão do Exame de Estado prevista no Dec-Lei 405/74, e que não mais foi introduzido no ordenamento jurídico;
3. A norma do art. 129º, nº 3, do Dec-Lei 139-A/90, a ter o entendimento restritivo que o Acórdão recorrido acolheu, e ao dizer que à situação da recorrente não era aplicável a progressão nele prevista, introduziria um tratamento descriminatório violador do art. 13º, nº 2, da Constituição e o princípio da tutela da confiança por parte dos cidadãos na ordem jurídica;
4. E introduziria forte limitação ao direito do livre acesso e progressão na função pública que o art. 47º da Constituição prevê, em manifesta ofensa do art. 18º, nº 2, da mesma Constituição já que nenhum princípio de interesse colectivo ou constitucionalmente tutelado justificaria tal limitação;
5. O Acórdão recorrido violou pois os arts. 13º, nº 2, e 18º, nº 2, da Constituição.' (a fls. 97-98)
3. Foram corridos os vistos legais.
4. Concluso o processo para elaboração de acórdão, o relator proferiu despacho a mandar notificar as partes de que se poderia verificar uma causa de não conhecimento do objecto do recurso, por não ter sido interposto e oportunamente, recurso de acórdão de fls. 47 a 56 dos autos para o pleno da Secção de Contencioso Administrativo do S.T.A., nos termos dos arts. 102º e
103º, da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, e art. 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, e convidando-as a pronunciarem-se sobre essa questão no prazo de cinco dias, querendo.
Apenas a recorrente respondeu, através de requerimento de fls. 110 dos autos, dizendo que, no seu entender, a não interposição do referido recurso não era impeditivo da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, atendendo ao carácter excepcional daquele.
II
5. Cumpre decidir se se pode conhecer do objecto do recurso.
Das decisões de outros tribunais que se não pronunciaram pela inconstitucionalidade quanto a questões suscitadas durante o processo só cabe recurso para o Tribunal Constitucional após a verificação do esgotamento dos recursos ordinários, de harmonia com o disposto no nº 2 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
6. Porém, a noção de recurso ordinário que é dada pelas leis processuais (v. g., pelo art. 676º, nº 2, do Código de Processo Civil, art. 405º do Código de Processo Penal, e art. 102º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos), relativamente aos processos que a elas estão sujeitas não vale de pleno para a jurisdição constitucional, no que toca à interpretação do disposto na Lei do Tribunal Constitucional quanto ao requisito 'exaustão dos recursos ordinários'. A jurisprudência do Tribunal Constitucional é unânime a este propósito.
Assim, e no que toca aos recursos de uniformização da jurisprudência
(por ex., o agora extinto recurso para o tribunal pleno previsto nos arts. 763º a 770º do Código de Processo Civil), o Tribunal Constitucional tem entendido, sem discrepâncias, que os mesmos não podem ser tidos como recursos ordinários nos termos e para os efeitos da aplicação da norma do nº 2 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional (veja-se o acórdão nº 59/90, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º vol., págs. 217 e segs.).
Por outro lado, a reclamação para o presidente do Tribunal Superior prevista, por exemplo, nos arts. 688º e 689º do Código de Processo Civil ou no art. 405º do Código de Processo Penal e outras reclamações análogas previstas em outras leis processuais, bem como a reclamação prevista no art. 700º, nº 3, daquele primeiro diploma legal e aplicável por remissão noutras ordens de tribunais, são, para efeitos de recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, equiparados aos recursos ordinários (vejam-se os acórdãos nº 83/94 e nº 244/95, publicados in Diário da República, II Série, nº 76 de 31 de Março de 1994 e nº
147 de 28 de Junho de 1995, respectivamente).
Entendida a expressão 'recurso ordinário' neste sentido específico, num caso mais restrito e nos outros mais lato, acolhido na jurisprudência de Tribunal Constitucional, importa na presente situação, saber se o recurso para o pleno da secção que não foi interposto pela recorrente, alegadamente 'por ter carácter excepcional', se enquadra naquela noção de recurso ordinário ou se se trata efectivamente de um meio de impugnação que se afasta daquele conceito.
7. Do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, decisão recorrida, poderia ainda a recorrente ter interposto recurso para o pleno da Secção de Contencioso Administrativo, visto o recurso contencioso ter sido instaurado directamente na Secção de Contencioso Administrativo (2ª Subsecção) nos termos do art. 26º, nº 1, alínea e), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.). Tal possibilidade de recurso ordinário resulta do art. 24º, alínea a), do E.T.A.F. e, a contrario sensu, do art. 103º, alínea a), da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos (L.P.T.A.).
Trata-se de um recurso jurisdicional ordinário, enquadrável na noção atrás dada, e não de um recurso para uniformização de jurisprudência, como atrás se expôs.
Assim, verifica-se que, no caso sub judicio, não se mostram esgotados os recursos ordinários que no caso cabiam (princípio de exaustão dos recursos ordinários).
8. Ainda que se aceitasse a doutrina expendida no acórdão nº
8/88, publicado no Diário da República, II Série, nº 62, de 15 de Março de 1988,
[doutrina maioritariamente aceite pela 2ª Secção do Tribunal Constitucional
(acórdão nº 377/96 publicado in Diário da República, II Série, nº 160, de 12 de Julho de 1996) mas não pela 1ª Secção deste Tribunal (veja-se acórdão nº 282/95, publicado in Diário da República, II Série, nº 121, de 24 de Maio de 1996)], - que preconiza que a exgência de esgotamento dos recursos ordinários não obriga o recorrente a interpor todos os recursos legalmente cabiveis ao caso concreto, mas apenas postula que não haja possibilidade de interposição destes por decurso de prazo (preclusão por caducidade) - ainda assim, não seria admissível o presente recurso de constitucionalidade, uma vez que tal possibilidade de interpor o referido recurso ordinário subsistia no momento da interposição daquele.
De facto, tendo a recorrente requerido a repetição da notificação do acórdão recorrido, agora com cópia dactilografada da decisão, o que foi deferido e veio a ocorrer por carta registada expedida a 19 de Setembro de 1995, verifica-se que, no momento da interposição do recurso de constitucionalidade, estava ainda a recorrer o prazo previsto no art. 685º, nº 1, do Código de Processo Civil (aplicável aos recursos de decisões jurisdicionais administrativas por força do art. 102º da L.P.T.A.).
III
9. Pelas razões expostas, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do objecto do recurso, por falta dos respectivos pressupostos processuais.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1997 Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa