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Proc. nº 196/98
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por despacho do Inspector-Geral de Finanças de 24 de Junho de
1991, foi aplicada a J..., inspector de finanças, em processo disciplinar, a pena de suspensão por vinte dias.
Inconformado, interpôs recurso hierárquico necessário, que, todavia, por despacho da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento de 13 de Novembro de
1991, foi julgado improcedente.
2. O arguido recorreu então contenciosamente deste último despacho para o Supremo Tribunal Administrativo. Quanto ao que agora interessa, veio sustentar que 'nenhum dos factos por que o ora Recorrente foi acusado e punido constitui infracção disciplinar', explicando, nas alegações, que 'a repressão disciplinar só pode atingir os comportamentos dos trabalhadores da função pública estranhos às funções nos casos que a lei prevê expressamente, por isso que, mesmo nesses casos, viola a sua liberdade cívica'. (...)
9 - O acto submetido a recurso enferma de vício de violação de lei, por errada interpretação dos nºs 1 e 3 do artº 3º e do nº 1 do arº 25º do ED, pois os factos por que o Recorrente foi acusado e punido não constituem infracção disciplinar.
10 – A interpretação dos normativos referidos no número anterior com o alcance que lhes foi atribuído pela Autoridade Recorrida é claramente inconstitucional, por violar, nomeadamente, o nº 1 do artº 269º da Lei Fundamental'.
A entidade recorrida, por seu turno, opôs que 'as condutas da vida particular do funcionário público susceptíveis de constituir infracção disciplinar são também passíveis de gerar procedimento disciplinar, desde que violem algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função' (conclusão nº 7 das contra-alegações). O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 27 de Abril de 1993 (fl. 80 e segs.), negou provimento ao recurso. Na parte aqui relevante, pode ler-se no referido acórdão:
'A questão assim suscitada consiste, essencialmente, em saber se e em que termos, procedimentos da vida privada de agentes e funcionários de Administração são sancionáveis do ponto de vista disciplinar.
(...)
A violação deste dever de conduta digna na vida privada pode, pois, originar, como originou, no caso dos autos, a infracção disciplinar compreendida no disposto no n.º 1 do art. 25º do E.D., ao estabelecer que a pena de inactividade será aplicável nos casos de procedimento atentatório contra a dignidade e prestígio do funcionário.
No caso sub judice há que atentar que no âmbito das competências decorrentes do exercício das funções do recorrente se inclui precisamente a prevenção e repressão de actos que ele próprio mandou praticar, o que tal comportamento não pode deixar de repercutir-se negativamente no serviço em que está integrado desprestigiando-o.
Concluindo-se, pois, como se conclui que comportamentos da vida privada de funcionários ou agentes podem ser sancionáveis do ponto de vista disciplinar, resta-nos analisar se tal conclusão colide com qualquer preceito constitucional.
A norma Constitucional que respeita ao problema em causa é a do art.
26º n.º 1 da C.R.P. que dispõe: (...)
Sobre a exacta configuração do interesse protegido por este direito
– reserva da intimidade da vida privada e familiar – escreve-se no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República [atrás citado]: ‘Tem-se entendido que a intimidade da vida privada de cada um que a lei protege compreende aqueles actos que não sendo secretos em si mesmos, devem subtrair-se
à curiosidade pública por naturais razões de resguardo e melindre como os sentimentos e afectos familiares, os costumes de vida e as vulgares práticas quotidianas...’
Ora dada esta definição dificilmente se pode entender que a punição disciplinar da conduta privada do funcionário colida de qualquer forma com este direito.
E, ao contrário do que refere o recorrente, também não colide com o disposto no n.º 1 do art. 269º da C.R.P. onde se dispõe 'No exercício das suas funções, a trabalhadores da Administração Pública e demais Agentes do Estado e outras entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público tal como é definido, nos termos da lei, pelo órgãos competentes da Administração.’
(...)'.
3. Recorreu então o arguido para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 17 de Dezembro de 1997
(fl. 233), negou procedência ao recurso e confirmou o acórdão recorrido.
Transcreve-se a parte do acórdão que interessa ao presente recurso de constitucionalidade:
'12. Erro nos pressupostos de direito - conclusões q) a v) Violação do disposto nos artºs 13º e 26º n.º 1 da CRP, e dos artºs 3º n.ºs 1 e 3 e 25º n.º 1 do EDF 84 Alega o recorrente que o acórdão recorrido mal julgou, ao considerar os factos aludidos no número anterior - e que lhe foram imputados na acusação - como incursos no disposto nos artºs 3° n.ºs 1 e 25° n° 1 do EDF 84 (...). E isto porque os factos incluídos na acusação são actos da sua vida privada, sendo certo que o prestígio do recorrente e o prestígio da IGF não foram minimamente afectados por qualquer exercício das funções de provedor da SCMPL ; e ainda porque nenhum facto concreto foi provado acerca de qualquer reacção crítica do meio social sobre o caso . Que dizer ? Nos termos do n° 1 do artº 3° do EDF 84 ‘considera-se infracção disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce’. E, segundo o n° 3 deste preceito, ‘é dever dos funcionários e agentes actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração pública em especial no que à sua imparcialidade diz respeito’ . Ao definir o campo de previsão e aplicação da pena de inactividade, o n° 1 do artº 25° do mesmo corpo normativo estatui que a mesma ‘será aplicável nos casos de procedimento que atente gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente e da função’.
(...) Os actos da vida particular de um funcionário podem pois constituir infracção disciplinar - mesmo na vigência do actual EDF 84 - quando sejam afectadoras da dignidade e do prestígio da função. De resto, e na esteira do que escreveu o Exmº Consº Artur Maurício in ‘ED – Vida Privada – Docentes’, parecer publicado na Rev. do Ministério Público, ano 3º, vol. 9, 1982, pag. 87 e ss, ‘sempre se tem estabelecido uma íntima ligação entre os deveres de conduta privada do funcionário e a natureza das funções que competem a um serviço público’. Foi sem dúvida o caso dos comportamentos dados como praticados pelo ora recorrente - enquanto aferidos por padrões de carácter objectivo e inseridos no específico contexto lógico temporal em que ocorreram - de grande alarme social pela reiteração de comportamentos congéneres, envolvendo, como é público e notório, o descaminho de vultosos fundos públicos e comunitários. E, com efeito, nos termos do disposto no n.º 1 do artº 514 do CPC, aplicável ex vi dos artºs 1º e 102º da LPTA 85 ‘não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral’ (sic). A tal conclusão não pode obstar a protecção constitucional da intimidade da vida privada e familiar instituída no artº 26º n.º 1 do CRP.
(...) Em suma: os comportamentos imputados ao arguido na acusação, se bem que reportados à sua vida pessoal ou particular, dada a sua qualidade de funcionário público, ainda por cima com funções inspectivas específicas no âmbito da prevenção e repressão de infracções congéneres (conf. DL 353/89 de 16/10), eram pois abstractamente censuráveis ao abrigo das disposições legais invocadas e aplicadas pela entidade sancionadora. Não foram, por isso, violados, por erro de interpretação ou de aplicação, os artºs 3º n.ºs 1 e 3 e 25º n.º 1 do EDF 84, nem os artºs 13º e 26º n.º 1 da CRP.'
4. É deste último acórdão que vem interposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Julho, o presente recurso, que o recorrente, no respectivo requerimento de interposição, fundamentou nos seguintes termos:
'1- Em processo disciplinar e por despacho de 24 de Junho de 1991, o Senhor Inspector-Geral de Finanças aplicou ao recorrente a pena de suspensão por vinte dias com o fundamento em factos estranhos às suas funções de inspector de finanças principal do quadro daquela Inspecção-Geral e no disposto nos artºs 3º, nºs 1 e 3 e 25º, nº 1 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de
16 de Janeiro.
2- A interpretação destes normativos com o alcance de serem aplicáveis àqueles factos é materialmente inconstitucional, por violar, nomeadamente, o nº 1 do art. 269º da Lei Fundamental.
3- Tal inconstitucionalidade foi invocada pelo requerente no processo disciplinar, no recurso hierárquico, no recurso contencioso e no recurso jurisdicional'.
5. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as alegações. Quanto ao recorrente, sustentando de novo que a interpretação que o acórdão recorrido deu às normas impugnadas 'é materialmente inconstitucional, pois viola o princípio de que os trabalhadores da função pública só são responsáveis disciplinarmente pelas acções ou omissões que pratiquem no exercício das suas funções, consagrado no artº 269º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e reafirmado no artº 271º com a 2ª Lei de revisão'. Quanto à entidade recorrida (o Secretário de Estado do Orçamento), no que se relaciona com a questão de constitucionalidade, veio afirmar o seguinte:
'34. (...) Como douta e sabiamente acolhe o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, a doutrina vem interpretando e valorando a projecção de certo tipo de comportamento pessoal na actuação dos funcionários públicos. (...)
35. Reflectidos na imagem da instituição, um juízo valorativo [dos comportamentos dados como provados] não pode entender-se como representando uma devassa da intimidade da vida privada e familiar, pelo que é de afastar uma hipotética violação do preceito constitucional em causa. E mais se diga que aqueles mesmos comportamentos, apesar de cometidos no seio da sua vida privada, teriam sempre de se ter como passíveis de projecção na sua actuação como funcionário público, pois que, fazia parte do seu conteúdo funcional específico proceder a inspecções vocacionadas para a prevenção e a repressão de infracções congéneres às imputadas. Vale, por conseguinte, a aplicação feita dos artigos
3º, nº 1 e 3 e 25º, nº 1 do EDF 84.'
6. Têm o seguinte teor os nºs 1 e 3 do artigo 3º e o nº 1 do artigo
25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro: Art. 3º
(Infracção disciplinar)
1. Considera-se infracção disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce.
2. ....
3. É dever geral dos funcionários e agentes actuar no sentido de criar no público confiança na acção da Administração Pública, em especial no que à sua imparcialidade diz respeito.
4. ....
(...). Artigo 25º
(Inactividade)
1. A pena de inactividade será aplicável nos casos de procedimento que atente gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente ou da função.
2. ...
O recorrente pretende o julgamento de inconstitucionalidade das normas impugnadas, enquanto, de acordo com a interpretação aceite na decisão recorrida, permitem responsabilizar disciplinarmente funcionários por actos praticados fora do exercício de funções, mas de natureza idêntica àqueles que lhe incumbe fiscalizar nesse exercício.
7. Na perspectiva do recorrente, tal regime violaria o disposto no nº 1 do artigo 269º e o nº 1 do artigo 271º da Constituição, que determina que 'os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas acções e omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos
(...)' (redacção introduzida pela revisão constitucional de 1989). Vai-se confrontar a norma impugnada, tão somente, com o nº 1 do artigo 271º, já que não se vê onde possa estar consagrado, no artigo 269º, nº 1, a restrição da responsabilidade disciplinar dos funcionários aos actos praticados no exercício das suas funções, como sustenta o recorrente nas alegações. Ora pode extrair-se da argumentação apresentada a ideia segundo a qual a Constituição teria, no referido nº 1 do artigo 271º, procedido à delimitação negativa das hipóteses em que é admitida a responsabilidade disciplinar dos funcionários e agentes. Por outras palavras, ao prescrever a responsabilidade dos funcionários 'por acções ou omissões praticadas no exercício das funções e por causa desse exercício (...)', a Constituição estaria do mesmo passo a proibir qualquer responsabilização disciplinar por acções ou omissões praticadas fora do exercício de funções e não praticadas por causa desse exercício. Será de aceitar o argumento a contrario a que o recorrente lança implicitamente mão?
Seguramente que não; e não apenas pela consabida fragilidade do argumento a contrario, em geral, mas ainda, e sobretudo, porque não é possível extrair do preceito constitucional concretamente invocado uma intenção – ou um alcance – de limitar a responsabilidade dos funcionários ou agentes às hipóteses nele expressamente previstas.
Pode comprovar-se esta última afirmação através de um exemplo expressivo.
Na verdade, o artigo 271º da Constituição apenas se refere aos comportamentos dos funcionários e agentes ' (...) de que resulte violação dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos (...)', omitindo qualquer referência aos de comportamentos que, violando deveres decorrentes da função que exercem, não têm senão projecção interna, ao menos em termos imediatos. Daqui não se pode naturalmente pretender extrair uma intenção de proscrever a responsabilidade disciplinar por todas as infracções aos deveres funcionais nos quais é lesada a Administração Pública ou os interesses que lhe são próprios, mas dos quais não resulta violação directa de direitos ou interesses dos cidadãos.
O teor literal do nº 1 do artigo 271º da Constituição não pode, pois, servir como argumento no sentido da exclusão da responsabilidade dos funcionários relativamente a infracções que aí não estejam directamente contempladas.
Por outro lado, num plano substancial, não parece que a ratio da norma constitucional aponte no sentido de afastar a responsabilidade disciplinar por comportamentos praticados fora do exercício de funções, pelo menos quando estejam em causa actos que atentem 'gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente ou da função' (nº 1 do art. 25º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários). Com efeito, não se trata de sancionar disciplinarmente actuações totalmente alheias à qualidade de funcionário, mas sim actuações que, não sendo praticadas no exercício de funções ou por causa delas, não deixam de ter projecção nesse exercício, e justamente pela circunstância de atentarem
'gravemente contra a dignidade e prestígio do funcionário ou agente ou da função'.
As normas impugnadas não violam, pois, o disposto no nº 1 do artigo
271º da Constituição.
8. Importa ainda tomar em consideração uma outra perspectiva na qual pode ser olhado o problema da constitucionalidade das normas impugnadas: a da eventual violação do nº 1 do artigo 26º da Constituição, na parte em que tutela a reserva da intimidade da vida privada. Esta perspectiva foi objecto de análise pelo acórdão recorrido, que concluiu no sentido de não ter havido violação da citada norma constitucional. O acórdão lembrou a distinção entre 'esfera pessoal íntima (absolutamente protegida)' e
'esfera privada (simples) apenas relativamente protegida por ter de ceder em conflito com outro interesse ou bem público' – citando GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA – e entendeu não poder 'dar-se por violado o cerne ou conteúdo desse direito fundamental só por serem perseguidas disciplinarmente as violações do dever geral de boa conduta na vida privada em relação à preservação do prestígio e da dignidade do múnus jurídico-público exercido'. Independentemente de saber como é que, em abstracto, se harmoniza a possibilidade de responsabilização disciplinar de um funcionário por actos praticados fora do exercício das suas funções com a tutela constitucional da reserva da vida privada, a verdade é que, no caso concreto, não se pode dizer que as normas impugnadas tenham sido interpretadas em desconformidade com essa tutela. Desde logo, porque os actos considerados provados não respeitam, manifestamente,
à vida privada do recorrente, no sentido constitucionalmente relevante (cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada,
3ª ed., Coimbra, 1993, anot. ao ato 26º), assente nos 'conceitos de
‘privacidade’ (...) e dignidade humana (...)' (pág. 182). Na verdade, o acórdão recorrido deu como assente a seguinte matéria de facto:
' – o recorrente exerce funções na Inspecção Geral de Finanças desde 29-7-80, tendo actualmente a categoria de inspector de finanças principal e encontrando-se afecto à Inspecção dos Serviços Tributários;
– de 12-1-88 a 31-12-88 exerceu o cargo de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima;
– no decurso do ano de 1988 (julho a Dezembro), a SCMPL levou a efeito 4 acções de formação profissional no âmbito das acções comparticipadas pelo Fundo Social Europeu;
– no que concerne a estas acções de formação, foram imputadas às mesmas despesas inexistentes com emissão de facturas alegadamente tituladoras de despesas com preparação de cursos, gestão e controlo orçamental e matérias primas subsidiárias e de consumo nos montantes parcelares de 17.494.761$00,
1.000.000$00 e 9.365.000$00 respectivamente;
– também, em relação e fornecimentos de terceiros, foram irregularmente imputados custos;
– quanto ao aluguer de bens móveis utilizados no decurso das acções, foram imputados custos que, em alguns casos, excederam largamente os respectivos valores de aquisição;
– foi o recorrente quem deu instruções para todos aqueles custos serem imputados
às acções de formação profissional'. Aliás, a proximidade óbvia entre os factos disciplinarmente investigados e que justificaram a aplicação da pena disciplinar e aqueles que incumbe à Inspecção Geral de Finanças fiscalizar justifica que se possa entender que põe gravemente em causa o interesse público da protecção da dignidade e do prestígio do exercício de funções públicas. Note-se, aliás, que a Inspecção-Geral de Finanças é a entidade competente para fiscalizar a própria Santa Casa da Misericórdia de Ponte de Lima, no que toca à utilização, precisamente, de fundos comunitários (cfr. o Decreto-Lei nº 353/89 de 16 de Outubro, hoje revogado pelo Decreto-Lei nº 249/98, de 11 de Agosto, excepto quanto ao nº 2 do artigo 35º e ao artigo 35º-A, em particular os seus artigos 3º e 12º). Simultaneamente, tal proximidade retira tais factos do domínio exclusivamente privado – no sentido de não correspondente ao exercício das funções de inspector, não no que é utilizado pelo nº 1 do artigo 26º da Constituição – do recorrente.
É, pois, manifesto que a decisão recorrida não interpretou nem aplicou as disposições impugnadas no sentido de permitirem uma lesão da intimidade da vida privada do recorrente, na acepção constitucionalmente relevante. Deste modo, não há necessidade sequer de colocar o problema de saber se é legítima – em ordem à tutela de outro valor constitucional – a restrição do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, já que a interpretação adoptada não afecta sequer o âmbito de protecção do nº 1 do artigo 26º da Constituição, não havendo que falar, por conseguinte, em restrição de um direito fundamental. Assim, pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 5 de Abril de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida