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Processo nº 41/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): Rádio C..., SA. Recorrido(s): I...
1. O presente recurso vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, do despacho do Vice Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 14 de Dezembro de 1999. Este despacho indeferiu a reclamação que a recorrente (ora reclamante) apresentou contra o despacho do Desembargador relator da Relação de Lisboa (de
13 de Outubro de 1999) que, com fundamento na sua extemporaneidade, não admitiu o recurso que ela interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão daquela Relação, de 8 de Junho de 1999. Pretende a recorrente que 'se aprecie e veja reconhecida a inconstitucionalidade da aplicação do artigo 685º do Código de Processo Civil ao recurso de revista em processo laboral, por remissão do artigo 1º, nº 2, alínea a), do Código do Processo de Trabalho'. O relator, por entender que a recorrente questionou a constitucionalidade da decisão de que recorre, considerada em si mesma, e não a constitucionalidade do artigo 685º do Código de Processo Civil que ela aplicou, proferiu decisão sumária de não conhecimento do recurso.
2. Dessa decisão sumária reclama, agora, a recorrente para a conferência, pedindo que se conheça do recurso. Disse, em síntese, que ela não levantou 'a questão da inconstitucionalidade da decisão de aplicar o artigo 685º do Código de Processo Civil ao recurso de revista em processo laboral, por remissão do artigo 1º, nº 2, alínea a), do Código do Processo de Trabalho'; e que 'no presente recurso, a ora reclamante está a levantar a questão da inconstitucionalidade da aplicação do artigo 685º do Código de Processo Civil ao recurso de revista em processo laboral, por remissão do artigo 1º, nº 2, alínea a), do Código do Processo de Trabalho'.
A recorrida pronunciou-se no sentido do não conhecimento do recurso, já que se não verificam os respectivos pressupostos.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Na decisão sumária reclamada escreveu-se: Não pode, porém, conhecer-se do recurso, por se não verificarem os respectivos pressupostos. Na verdade, o recurso fundado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, entre o mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica (ou de uma certa interpretação da mesma) e que, não obstante isso, a decisão recorrida tenha aplicado essa norma (ou essa interpretação) como sua ratio decidendi. Vale isto por dizer que apenas podem ser objecto deste recurso de constitucionalidade as normas jurídicas que a decisão recorrida tenha aplicado, e não as decisões judiciais consideradas em si mesmas. Ora, no caso, a recorrente não questiona propriamente a inconstitucionalidade do artigo 685º do Código de Processo Civil, nem tão-pouco uma determinada interpretação deste preceito legal. Questiona, isso sim, que a decisão recorrida, para determinar o prazo para recorrer de revista em processo laboral, tenha lançado mão de tal preceito (e, assim, concluído que esse prazo era de dez dias), em vez de aplicar, analogicamente, o prazo previsto no artigo 75º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho (com a correcção do artigo 6º, alínea d), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro). Significa isto que o que a recorrente questiona é, em direitas contas, a constitucionalidade da própria decisão judicial, que, para preencher a lacuna do Código de Processo do Trabalho no que concerne ao prazo para recorrer de revista, se socorreu do mencionado artigo 685º do Código de Processo Civil, em vez de – como ela entende que devia ter feito – aplicar por analogia o referido artigo 75º, nº 2. De facto, escreveu ela, no requerimento de interposição de recurso, o seguinte: A inconstitucionalidade invocada foi arguida pela ora recorrente na reclamação apresentada [...], na qual se invoca a ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar extemporâneo o recurso de revista apresentado pela ora recorrente. Fundamenta-se o presente recurso na violação dos princípios consagrados no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, pela interpretação, da douta decisão supra identificada, no sentido da não aplicabilidade, por analogia
(artigo 1º, nº 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho), do artigo 75º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho (com a correcção do artigo 6º, alínea d), do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro) ao prazo para a interposição do recurso de revista em processo laboral, aplicando-se, consequentemente, os prazos previstos nos artigos 685º e 698º, nº 2, do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 1º, nº 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho. Aliás, na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a ora recorrente - depois de insistir em que o seu 'entendimento [...] quanto à determinação do prazo para o recurso de revista em processo laboral' era o de que se devia lançar mão da analogia e aplicar o mencionado artigo 75º, nº 2 - concluíra o seguinte: Se outro for o entendimento, entende a ora reclamante que o mesmo, além de violar os princípios enunciados no artigo 9º do Código Civil, viola claramente o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a interpretação efectuada limita de forma inadmissível o acesso ao direito consagrado no referido preceito constitucional.
É certo que, na transcrição acabada de fazer, a ora recorrente fala em interpretação, sem dizer, contudo, a que preceito legal se refere. Mas, como decorre de todo o discurso anterior, não está aí em causa a interpretação de um qualquer preceito legal (designadamente, não está em causa qualquer interpretação do artigo 685º do Código de Processo Civil), sim a decisão do juiz de, para preencher a apontada lacuna, aplicar subsidiariamente este artigo 685º, em vez de, recorrendo à analogia, lançar mão do artigo 75º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho. Questionando a recorrente a constitucionalidade da decisão de que recorre, considerada em si mesma, e não a constitucionalidade do artigo 685º do Código de Processo Civil que ela aplicou, não pode, como disse, conhecer-se do recurso.
Nada há a alterar ao que então se escreveu, pois a recorrente questionou a constitucionalidade da decisão recorrida, considerada em si mesma, e não a do artigo 685º, nº 2, do Código de Processo Civil que ela aplicou ou a de uma interpretação que tal decisão haja feito deste normativo. Ou seja: o recorrente não questionou a constitucionalidade do conteúdo do citado artigo 685º, nº 2, mas antes a de se ter optado pela aplicação deste artigo em deterimento do artigo 75º, nº 2, do Código de Processo do Trabalho.
A própria reclamante, de resto, contesta, é certo, ter questionado a constitucionalidade da decisão recorrida considerada em si mesma. Mas tão-pouco diz haver suscitado a inconstitucionalidade do citado artigo 685º do Código de Processo Civil ou de uma interpretação que do mesmo aquela decisão tivesse feito. O que diz é que 'está a levantar a questão da inconstitucionalidade da aplicação' daquele artigo 685º; que 'toda a decisão judicial tem, por obrigação, um normativo subjacente'; que 'a decisão recorrida, ao contrário do normal das decisões judiciais, tem uma operação jurídica prévia, a qual surge, em termos lógicos, previamente à decisão propriamente dita; que 'a integração de lacunas operada, integra, também, o elemento normativo da decisão, na medida em que se confunde e condiciona o mesmo', 'de tal forma que pode levar à inconstitucionalidade da norma jurídica, por força da sua aplicação a uma realidade absolutamente desajustada, redundando na violação de princípio constitucional'. E prossegue, dizendo que 'o objecto do presente recurso acaba por redundar na constatação da inconstitucionalidade do artigo 685º do Código de Processo Civil, quando aplicado ao recurso de revista em processo laboral'.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). indeferir a reclamação; e, em consequência, confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso;
(b). condenar a recorrente nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 5 de Abril de 2000 Messias Bento Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito (vencido, por entender que o reclamante suscitou a questão de inconstitucionalidade do artigo nº 2 do Código de Processo de Trabalho, interpretado como remetendo para os artigos 685º e 698º nº 2 do Código de Processo Civil a fixação do prazo para a interposição do recurso de revista em processo laboral, embora a questão seja manifestamente infundada - tão infundada
, aliás, que o reclamante não ofereceu nenhum argumento em seu favor) Alberto Tavares da Costa (vencido pelas razões expostas do Exmº Conselheiro Sousa Brito) Luís Nunes de Almeida