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Processo nº 613/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
I
1. - A..., Lda., requereu, no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, a suspensão de eficácia do despacho proferido pelo Presidente da Câmara Municipal de Macedo de Cavaleiros, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 77º e do artigo 86º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – LPTA).
O pedido, após a entidade requerida se ter pronunciado desfavoravelmente, foi indeferido, por decisão judicial de 12 de Fevereiro de
1999, que entendeu não se verificar prejuízo da requerente, desse modo faltando um dos pressupostos para a medida ser decretada.
Seguidamente, em 10 de Março, foram os autos conclusos com a informação de que o requerimento de interposição do recurso dessa decisão, e as respectivas alegações, registados nos CTT em 5 desse mês, com entrada nos serviços do Tribunal a 8, 'se encontram fora de prazo, uma vez que este terminou em 1/3/99 e, nos termos do artigo 145º [Código de Processo Civil – CPC], no dia
4/3/99'.
A magistrada judicial competente, por despacho de 11 do mesmo mês, teve o recurso como extemporâneo, assim 'indeferindo o mesmo' (cfr., fls. 38 dos autos apensos de suspensão).
Posteriormente, a mesma requerente e N... interpuseram recurso desse despacho para o Supremo Tribunal Administrativo invocando, para o efeito, o disposto nos artigos 26º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais – ETAF) e 106º e 113º da LPTA.
Nas respectivas alegações pede-se, além do mais, a
'declaração' de inconstitucionalidade deste artigo 113º (recte, da norma do artigo 113º), 'na parte em que, ao limitar o prazo da apresentação das alegações ao prazo de interposição do recurso, diminui as garantias processuais do recorrente, sendo certo que, a exigir-se que as alegações sejam apresentadas com aquele requerimento, deve o prazo para um e para outra ser o que mais beneficia o recorrente, isto é, o prazo mais longo'.
O recurso em referência viria a ser convertido em reclamação, por despacho do Presidente do Tribunal Central Administrativo, de 22 de Abril de 1999, de acordo com o disposto no artigo 688º, nºs. 1 e 5, do CPC, observáveis ex vi dos artigos 1º e 102º da LPTA, seguindo-se, uma vez que o despacho reclamado foi mantido, o cumprimento do preceituado no nº 4 daquele artigo 688º, na sua parte final.
Remetidos os autos, como reclamação, ao mencionado magistrado Presidente, nos termos do artigo 689º do CPC, foi indeferida a reclamação, por decisão de 12 de Agosto último.
Aí se escreveu, nomeadamente, ter o artigo 113º da LPTA
'plena aplicabilidade no domínio dos processos de suspensão de eficácia', sendo o prazo de 10 dias para interposição de recurso (nos termos do artigo 685º, nº
1, do CPC), harmonizável com a natureza de processo urgente, não violando seja o artigo 18º, seja o artigo 20º da Constituição da República (CR).
Inconformados, recorrem os interessados para o Tribunal Constitucional da decisão que indeferiu a reclamação, para o efeito invocando o disposto nas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Fundamentam o pedido nos seguintes termos:
'Os recorrentes, logo nas suas alegações de interposição de recurso/reclamação, para o Tribunal Central Administrativo, suscitaram a inconstitucionalidade do artº 113º da LPTA na parte em que estatui que, com a apresentação do recurso, devem ser apresentadas as alegações, uma vez que o prazo das alegações consagrado no artº 106º da mesma LPTA é de 30 dias. E dando o legislador oportunidade para apresentar as alegações naquele prazo (30 dias), nos termos do citado artº 113º da LPTA, também o requerimento de interposição de recurso beneficiará do mesmo prazo. Ao invés, caso se entenda que o prazo a que alude o artº 106º da LPTA, prazo para apresentação das alegações, é reduzido para 10 dias, entendimento perfilhado na douta decisão recorrida, diminui-se de forma drástica o direito que assiste aos recorrentes de apresentarem as suas alegações no aludido prazo de 30 dias o que a nosso ver e salvo o sempre devido respeito, viola o disposto nos artºs. 18º e 20º da CRP.'
O recurso foi admitido por despacho de 16 de Setembro
último, o que, no entanto, não vincula este Tribunal (artigo 76º, nº 3, da Lei nº 28/82).
2. - No Tribunal Constitucional ordenou-se a notificação das partes para alegações, só a recorrente o tendo feito, em termos que assim condensa nas respectivas conclusões:
'1- O recurso (interposição de recurso) perante o Tribunal Administrativo de Círculo do Porto, apresentado em 05/03/99 acompanhado das respectivas alegações, diz aquele fixado na capa do respectivo processo pelo Tribunal (funcionária), como sendo o último dia com multa, data em que foi o recurso interposto, deve ter sido como apresentado tempestivamente, sendo que o mandatário do R., se deslocou à Secretaria do Tribunal onde compulsou o processo e confirmou a existência da fixação daquela data. Sem prescindir.
2- A não se entender assim, sempre o prazo de interposição do recurso, atento a que se determina que o mesmo seja acompanhado das alegações (artigo 113º da LPTA), deve aquele prazo alongar-se ao prazo das alegações, isto é, ao prazo conferido pelo artigo 106º do mesmo diploma legal, pois que doutra forma, esmagando-se drasticamente o prazo para os 10 dias diminui-se a garantia
(diga-se a maior garantia) de defesa ao recorrente.
3- Deve, por conseguinte, e pelas razões invocadas em 2 destas conclusões, declarar-se o citado artigo 113º da LPTA como inconstitucional, por violar o artigo 106º da mesma LPTA e artigos 18º e 20º da CRP.
4- A decisão recorrida, ao decidir como decidiu, violou o disposto o artigo 106º e artigos 18º e 20º da CRP, sendo que deu, a nosso ver, errada interpretação ao disposto no artigo 113º da referida LPTA.' (sublinhados originais).
Pede-se, em consequência:
- que, dando-se provimento ao recurso, se revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que decida pela tempestividade do recurso, a ser apreciada em consonância;
- a não se entender assim, deve declarar-se inconstitucional a norma do artigo 113º da LPTA, 'na parte em que reduz o prazo das alegações de 30 dias a que alude o artigo 106º da mesma LPTA para 10 dias, sujeitando as alegações ao mesmo prazo do requerimento de interposição de recurso, por violar o disposto no citado artigo 106º e artigos 18º e 20º da CRP'.
3. - Posteriormente foi ainda a recorrente notificada, ao abrigo do nº 3 do artigo 3º do CPC, dado não se representar convocável, no caso dos autos, a alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e, por outro lado, poder entender-se ser de não conhecer do objecto do pedido, dado 'tudo apontar para a sindicância da própria decisão recorrida'.
Respondendo, vem a recorrente informar que se deve a mero lapso a menção daquele alínea f), reconhecendo-se não ter a mesma cabimento no caso sub judice. No tocante à natureza normativa da questão submetida ao Tribunal vem precisar estar em causa a norma do artigo 113º da LPTA, 'na medida em que reduzindo, drasticamente, o prazo de 30 dias para a argumentação das alegações de recurso, estatuído pelo artigo 106º da mesma LPTA, para 10 dias, diminui as garantias de defesa dos recorrentes'.
Cumpre apreciar e decidir.
II
1. - Dispõe o artigo 113º da LPTA, no seu nº 1, único que interessa considerar:
'1- O recurso de decisão sobre o pedido de suspensão da eficácia de acto contenciosamente impugnado é interposto mediante requerimento que inclua ou junte a respectiva alegação e alegado pelo recorrido, em prazo igual ao do recorrente, a contar da notificação da admissão do recurso.'
Resulta do preceito que, no caso do recurso nele previsto, o recorrente tem de apresentar as respectivas alegações com o requerimento de interposição do recurso, ou seja, no prazo de dez dias por aplicação do disposto no artigo 685º, nº 1, do CPC.
Afastado o fundamento do recurso de constitucionalidade previsto na alínea f) do nº 1 do artigo 70ºda Lei nº 28/82, que só por lapso terá sido invocado, como a própria interessada reconhece (na verdade, o caso vertente não lhe é, manifestamente, subsumível), está, deste modo, circunscrito o âmbito do recurso de constitucionalidade com base na alínea b) do mesmo preceito.
2. - Defende a recorrente, no tocante à questão de constitucionalidade por si suscitada (são irrelevantes, nesta sede, as considerações desenvolvidas que se destinam a mostrar o seu inconformismo com a decisão, em si mesma considerada), ser inconstitucional a redacção do prazo estabelecido no artigo 113º, na medida em que, de forma desproporcionada e constitucionalmente censurável, afecta as garantias de defesa e, em última análise, o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.
Não lhe assiste, no entanto, razão.
O prazo fixado naquela norma é um prazo judicial peremptório, cujo decurso faz extinguir o direito de praticar o acto nele previsto, o que significa, em observância do princípio da preclusão, que, ultrapassado o período de tempo previsto para interpor recurso e apresentar as respectivas alegações, deixa a parte de poder praticar esses actos. Como decorre do nº 3 do artigo 145º do CPC, o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto. Quem não respeite esse prazo, se não pretende sujeitar-se aos efeitos preclusivos, terá de efectuar o acto dentro dos três dias úteis subsequentes e pagar a respectiva multa (nº 5 do artigo 145º) – sem prejuízo da prorrogabilidade hoje admitida, nos termos do artigo 147º do mesmo Código.
O legislador encontrou, nesta atenuação do preclusivo, e face às dificuldades de provar eventual justo impedimento, uma via de sanar as consequências de um possível descuido, esquecimento e negligência do interessado
(cfr. Antunes Varela, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 103, pág.
301).
Não se considera, porém, que o prazo de 10 dias previsto no artigo 113º, comprometa os valores constitucionais convocados, mesmo que se confronte com o prazo de 30 dias estabelecido por via do artigo 106º do mesmo diploma.
Na verdade, e por um lado, a consagração legal de um prazo mais curto compagina-se com a natureza urgente do tipo de procedimento em causa, atribuída pelo nº 1 do artigo 6º da LPTA, e foi, de resto, nesse sentido que se orientou a decisão recorrida ao entender impor-se uma aceleração processual a implicar a redução dos prazos de movimentação, vista, decisão e interposição dos recurso – artigos 78º e 113º do diploma – sem, no entanto, considerar estar-se perante uma redução constitucionalmente censurável.
Compreende-se esta tramitação abreviada: a suspensão de eficácia é uma medida de carácter excepcional que, enquanto tal, ocasiona uma paralização temporária dos efeitos jurídicos do acto administrativo, prolongando um estado de incerteza que importa ser o mais breve possível, seja no interesse da Administração, seja no dos administrados.
Por outro lado, não se surpreende no prazo fixado desproporção que se repercuta no adequado exercício do direito do recorrente de modo a afectar-lhe quer as garantias de defesa, quer a tutela jurisdicional efectiva. Se a unificação do acto de interposição do recurso e da fundamentação desde já se filiam no propósito de celeridade e de economia processuais que se quis imprimir em matéria de recursos sobre suspensão de eficácia (cfr. Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 2ª ed., Lisboa, 1994, págs. 188 e segs.), o encurtamento decretado pela norma em sindicância obedece ao mesmo objectivo e decorre da liberdade de conformação do legislador, encontrando-se suficientemente ancorado em termos de razoabilidade e de consonância com o sistema jurídico, o que lhe confere fundamento material.
3. - A idêntico juízo negativo se chega se equacionada uma eventual violação do princípio da igualdade – questão não suscitada pela recorrente mas que o Tribunal pode conhecer, nos termos do artigo 79º-C da Lei nº 28/82 (redacção da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro).
Como é consabido, o princípio da igualdade não impede o legislador de estabelecer tratamentos diferenciados. O que proíbe é a criação de desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional e, por outro lado, impõe que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for (a jurisprudência constitucional é, a este respeito, exaustiva e uniforme: cfr., inter alia, os acórdãos nºs. 231/94 e 49/95, publicados no Diário da República, I Série-A, de 28 de Abril de 1994 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., págs. 413 e segs., respectivamente).
Ora, no caso sub judice, não há uma 'pura e simples diferença de tratamento': existem, como vimos, fundamentos justificativos da diferenciação de prazos consagrada na LPTA.
Assim, também neste enfoque – o do artigo 13º da CR – não se verifica ser caso de censura jurídico-constitucional.
III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 5 de Abril de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida