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Proc.nº 694/95
2ª Secção Relator : Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. A. requereu no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, invocando o disposto no artigo 77º nº 1 alínea b) do DL nº 267/85, de
16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - LPTA), suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal de ------------ de 23/11/94 que lhe aplicou a pena disciplinar de demissão.
Invocou desde logo, nesse requerimento, a inconstitucionalidade do artigo 76º nº 1 alínea a) da LPTA, nos seguintes termos:
'... o ora requerente até impugna a dimensão da norma do artigo 76º nº 1 a) da LPTA quanto à sua constitucionalidade, pois para se obter a suspensão da eficácia do acto em crise não tem de alegar-se e provar-se a existência de um prejuízo de difícil reparação, mas sim a sua ilegalidade.'
Concomitantemente alegou a verificação de prejuízos de difícil reparação, traduzidos na perda de vencimentos, a não verificação de grave lesão do interesse público e a legalidade da interposição do recurso daquela deliberação.
O Tribunal Administrativo de Círculo, depois de negar a aludida inconstitucionalidade e ponderar que a verificação dos requisitos elencados nas três alíneas do artigo 76º nº 1 da LPTA deve, para que a suspensão proceda, ser cumulativa, entendeu verificado o requisito da «difícil reparação», mas não o da inexistência de «grave lesão do interesse público», indeferindo, assim o pedido formulado.
1.2. Reagiu a tal decisão o requerente fazendo juntar aos autos o que se passa a transcrever e consta de fls.66/68 :
'A., requerente nos autos supra referenciados, tendo sido notificado, por carta registada de 26/1/95, da Sentença de fls. , que indeferiu o pedido de suspensão e condenou o requerente em 30.000$00 de custas, mas não se conformando, de todo em todo, com a referida decisão, que nem ao menos esconde o carácter político envergonhado da mesma, pois não dá como provado o teor do relatório do Instrutor do Processo Disciplinar, no sentido do arquivamento de tal procedimento, por não haver faltas injustificadas, e considera como escrutínio secreto uma proposta do PSD, que também não prova as falsas faltas injustificadas, Pelo que o Tribunal está mais preocupado em defender propostas partidárias e noticiados corruptos do que requerentes perseguidos e inocentes, maquiavelicamente torturados, Pois toda a estrutura do Estado, inclusivé a DOMUS JUSTITIAE, vai estando dominada, a todos os níveis, pelas forças da APU/CDU ?!! e PSD, Vem da referida Decisão recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, não obstante a certeza do requerente de que em Portugal não há Justiça, mas uma aparência, bem enganadora, de Justiça: o que há é uma injustiça política, em que os inocentes são cilindrados e os corruptos vão avançando escandalosamente pelo País, como Reis e Senhores. A sentença em crise até nem respondeu às questões levantadas pelo requerente: o Mmo. Juiz transcreveu 'coisas' que nada têm a ver com este caso de perseguição política e dá vencimento à corrupção!!! Porque o requerente tem legitimidade, actua com oportunidade e há recorribilidade, requer a V.Exª. se digne admitir o recurso, o qual é de AGRAVO, sobe imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. Pede a V.Exª. deferimento.' (sublinhados no original)
Em data posterior veio o mesmo requerente juntar ao processo o requerimento de fls.79/81, no qual afirma (relativamente à mesma decisão):
'-------------------------------------------- vem arguir a respectiva NULIDADE do Processo ATÍPICA (artº 205 referido ao artº
153º ambos do Cód.Proc.Civil, ex vi do artº 1º da LPTA)
--------------------------------------------- Termos em que se requer a V.Exª que as referidas omissões de actos e formalidades que a lei prescreve sejam sancionadas com a competente nulidade processual pois as irregularidades cometidas influiram no mau exame e na péssima decisão da causa (artº 201 do CPC).'
Nesse requerimento, com efeito, indicava o requerente como consubstanciando 'omissão de prova' e 'omissão de pronúncia' a não inquirição de testemunhas que indicou e a não requisição e junção de documentos relativos 'ao caso'.
Na mesma data juntou o requerente aos autos o requerimento de fls.84/85, onde alegando :
'...que a autoridade requerida, tendo recebido o duplicado do requerimento de suspensão, devia ter dado automaticamente a suspensão provisória, uma vez que aquela não podia prosseguir a execução do acto...'
Veio requerer:
'... sejam declarados ineficazes, para efeitos da suspensão, os actos de execução praticados...'
Culminando esta sequência processual foi proferido pelo Exmº Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo o despacho de fls.89 vº/90.
Neste refere-se, relativamente ao que consta (e acima se transcreveu) de fls.66/68 :
'O requerimento de interposição do recurso não foi deduzido em conformidade com o estipulado no artº 113º nº 1 do DL nº 267/85 de 16 de Julho. Isto é: a alegação de recurso não foi incluída no requerimento respectivo ou apresentada conjuntamente com ele, de acordo com o preceito citado. Ora, o prazo para apresentação da alegação é o mesmo da interposição e preclude com a apresentação do requerimento de interposição (cfr.Ac.STA de 2/9/86, proc. nº 23.899, Ac.STA de 6/3/87, proc. nº 23.960).
Como refere o Ministério Público, estamos perante um caso de falta de alegação, pelo que nos termos dos artºs 113º nº 1 da LPTA e 292º nº 1 do CPC julgo deserto o recurso Interposto (...).'
Quanto ao requerimento de fls.84/85 diz-se no mesmo despacho :
'Se, no momento de proferir decisão sobre a ineficácia dos actos de execução praticados em contravenção ao artº 80º nº 1 da LPTA, já se tiver indeferido, mesmo sem trânsito em julgado, um pedido de suspensão de eficácia, uma eventual declaração de ineficácia já não pode produzir efeito e representaria uma violação do princípio da economia processual, pelo que não deve ser proferida
(...). Indefiro, pois, o requerido (...).'
Finalmente, no que diz respeito ao requerimento de fls. 79/81, consignou o despacho que se vem referindo:
'Proferida a sentença fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (artº 666º CPC). Por outro lado, nunca a especialíssima tramitação do processo de suspensão da eficácia do acto comportaria a produção da prova ora oferecida pelo requerente, nomeadamente da prova testemunhal. Indefiro, pois, também (...).'
Não se conformando com este despacho, nos seus diversos aspectos, dele veio o requerente recorrer, a fls. 141/159, para o Supremo Tribunal Administrativo.
Nesse documento (o de interposição de recurso para o STA) destaca-se a afirmação de que o constante de fls. 66/68 vale como alegação de recurso ['embora diminuta, mas incisiva' (sic)], concluindo-se essa parte do requerimento com doze conclusões (v.fls.150/154) nas quais nenhuma desconformidade constitucional normativa é invocada. Refere-se ainda, no mesmo requerimento, quanto ao indeferimento do pretendido a fls 84/85, pela incorrecção do despacho nesta parte, também sem alegação de qualquer desconformidade constitucional (v. fls. 154/155). E, finalmente, quanto à parte do despacho que se refere ao requerimento de fls.79/81, argumentou em desfavor do decidido, formulando a propósito seis conclusões, das quais (por conterem referências a normas constitucionais) transcrevemos as seguintes:
'-------------------------------------------
Quarta O despacho em causa e a precedente sentença violaram o direito constitucional do direito à prova, cerceando a prova, limitando ao recorrente a possibilidade de demonstração em juízo de que se tem razão, afastando a decisão da causa da realidade que o Tribunal deveria, por todos os meios ao seu alcance, procurar conhecer para fazer Justiça.
(artº 20º da Lei Fundamental).
Quinta O princípio constante do artº 76º nº1 b) da LPTA deve ser expurgado de quaisquer limitações, restrições ou excepções, que ofendem o artº 20 da Constituição.
Sexta Donde, no caso vertente, foi aplicada uma interpretação da norma do artº 76 nº 1 b) que viola os artºs 59º nº 1 a),b) e c), 266º nºs 1 e 2 e 268º nºs 3 e 4 da Lei Fundamental.
E remata pedindo :
'Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso,(...), declarando-se que a interpretação dada pela 1ª Instância ao artº nº 1 b) da LPTA é inconstitucional.'
Admitido o recurso e tendo subido os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, foi proferido o Acórdão de fls.219/228 negando-lhe provimento.
Neste aresto entendeu-se que o que consta de fls. 66/68 não pode ser considerado como alegação, tendo, por isso, sido correcta a não admissão do recurso em causa (onde, note-se, a interposição deveria vir acompanhada das alegações, nos termos do artigo 113º nº 1 da LPTA).
No mais considerou o Acórdão insubsistentes os argumentos do recorrente, consignando, concretamente quanto à parte do despacho impugnado referida ao requerimento de fls.79/81:
'Dada a solução dada à questão da interposição do recurso da sentença que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia, a sentença transitou em julgado, não podendo ser sindicada para quaisquer efeitos, nomeadamente quanto a eventuais nulidades que nela possam ter sido cometidas, não se tomando pois conhecimento desta parte do recurso, por estar prejudicado pela solução dada ao recurso da sentença.'
1.4. Inconformado, veio o requerente, a fls. 243/245, pretender recorrer para o 'Pleno da Secção' com fundamento em alegada oposição da decisão, nesse trecho proferida, a dois Acórdãos anteriores desse mesmo Supremo Tribunal.
Ao mesmo tempo, em documento diferente (o constante de fls.
247/250), veio interpor recurso para este Tribunal invocando a alínea b) do nº 1 do artigo 70º a Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), por entender que o Acórdão recorrido violou:
' a) O princípio fundamental dos direitos adquiridos, maxime, a não privação do vencimento por motivos de ordem política camufladas por ilegal processo disciplinar; b) O princípio da fundamentação dos actos administrativos; c) O princípio da prossecução do interesse público pela Administração, no respeito pelos direitos e interesses legítimos das particulares e nos termos estabelecidos pela Constituição e pela lei; e d) O principío da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa
(Acórdão nº 303/90 do TC (...).
Acrescentando ter sido:
'...dada uma interpretação ilógica e inconstitucional ao artº 76º nº 1 a) da LPTA, '
1.5. Chegados os autos a este Tribunal, juntas as competentes alegações e respostas e corridos os pertinentes vistos, cumpre decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
2. O longo relato, feito no relatório que antecede, da sequência do processo que o fez chegar a este Tribunal, demonstra, sem necessidade de grandes desenvolvimentos, que o recurso não dispõe de condições que permitam dele tomar conhecimento.
Com efeito, sendo certo pretender o recorrente um pronunciamento deste Tribunal quanto ao artigo 76º nº 1 alíneas a) e b) da LPTA (v. conclusão primeira de fls. 313) - e note-se que apenas por facilidade de exposição estamos a partir do pressuposto que quanto a esta norma o recorrente logrou, ao longo do processo, configurar relevantemente algum problema de inconstitucionalidade normativa - o que é facto, dizíamos, é que a decisão em causa neste recurso não aplicou, em qualquer dimensão interpretativa pensável, esse artigo 76º.
Importa recordar que a decisão relativamente à qual se recorreu para este Tribunal foi o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Junho de 1995, constante de fls. 219/228, o qual entendeu não configurar o que consta de fls. 66/68 umas alegações de recurso relativamente à sentença do Tribunal Administrativo de Círculo e que, determinando o artigo 113º nº 1 da LPTA que 'O recurso sobre pedido de suspensão da eficácia de acto contenciosamente impugnado é interposto mediante requerimento que inclua ou junte a respectiva alegação' (v.Fernando Ferreira Pinto/ Guilherme da Fonseca, Direito Processual Administrativo Contencioso, 3ª ed., Porto 1996, p. 178/179), o recurso pretendido interpor ficara deserto, como se decidira na 1ª Instância.
Ora, este aspecto da decisão, na sua específica dimensão normativa, não foi discutido pelo recorrente, em qualquer parte do processo, como questão de constituciona-lidade, além de, como já se disse, o artigo 76º da LPTA - ao qual exclusivamente se referem as alegações que apresentou - não ter sido aplicado pela decisão recorrida.
III DECISÃO
3. Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso, fixando-se a taxa de justiça, a cargo do recorrente, em 8 unidades de conta.
Lisboa, 5 de Dezembro de 1996 José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra Luís Nunes de Almeida