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Proc. nº 667/97
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
(Cons. Mota Pinto)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. A Sociedade F..., S.A., interpôs recurso de agravo, para o Tribunal da Relação de Lisboa, do despacho do juiz do 14º Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa que lhe indeferiu o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono. O problema foi, no entanto, reexaminado pelo juiz a quo à luz da invocada inconstitucionalidade da alteração introduzida na redacção do artigo 7º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, pela Lei nº 46/96, de 3 de Setembro. Assim, o juiz veio a substituir o despacho recorrido por um outro que admitiu liminarmente o pedido de apoio judiciário, tal como fora formulado pela referida sociedade, considerando, designadamente, o seguinte: A lei pode limitar, e tem de limitar, o direito de protecção jurídica e de apoio judiciário, mas não pode estabelecer limites que atinjam o princípio fundamental de que a ninguém pode ser denegada justiça por insuficiência de meios económicos, aí se inserindo seguramente o patrocínio judiciário. Julga-se, pois, não ser compatível com aquele princípio constitucional enunciado no artigo 20º, nº 1, da CRP a recusa generalizada de patrocínio judiciário às sociedades comerciais ou equiparados.
2. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto nos artigos 70º, nº1, alínea a), e 72º, nº
3, da Lei do Tribunal Constitucional, encontrando-se o processo em fase de alegações à data da entrada em vigor da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro. As alegações apresentadas pelo Ministério Público concluíam deste modo:
1º - Não constitui restrição excessiva ou desproporcionada relativamente ao direito de acesso à justiça, na modalidade de protecção jurídica, a que se traduz em limitar - quanto às sociedades, aos comerciantes em nome individual nas causas ligadas ao exercício do seu comércio e aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada - o referido direito (de que gozam integralmente as pessoas singulares e colectivas sem fins lucrativos), de modo a não permitir que empresas que prosseguem uma actividade económica, com fins lucrativos, ponham a cargo da generalidade dos contribuintes o pagamento de custos que, embora ligados à administração da justiça, são inerentes ao normal
‘giro comercial’ dos requerentes e cujo montante se não mostra manifestamente desproporcionado relativamente à dimensão económica da empresa.
2º - Na verdade, tal limitação ou restrição traduz mera decorrência das finalidades constitucionalmente atribuídas ao sistema fiscal e do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, bem como da regra de que devem ser prioritariamente os beneficiários de uma actividade económica, exercida com fins lucrativos, a fornecer os meios financeiros indispensáveis ao prosseguimento de tal actividade.
3º- Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso.
3. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II Fundamentação
4. O objecto do presente recurso é a norma ínsita no artigo 7º do Decreto-Lei nº 387-B/87, após a alteração introduzida pela Lei nº 46/96, de 3 de Setembro, o qual dispõe que: As sociedades, os comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada têm direito à dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas ou ao seu diferimento, quando o respectivo montante seja consideravelmente superior às possibilidades económicas daqueles, aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e número de trabalhadores ao seu serviço.
No despacho recorrido, foi considerada inconstitucional a interpretação deste preceito segundo a qual às entidades nelas referidas é genericamente recusado o recurso ao apoio judiciário, na forma de protecção jurídica consistente no pagamento do patrocínio judiciário. A inconstitucionalidade daquela interpretação resultaria, nesse despacho, da violação por tal norma do direito de igual acesso à Justiça imposto pelo próprio princípio da igualdade - artigo 13º - e explicitamente consagrado no artigo 20º da Constituição.
5. A interpretação normativa sub judicio foi efectuada pelo tribunal a quo tendo em conta que a Lei nº 46/96 revogou o primitivo nº 4 do mesmo artigo que estipulava genericamente que 'as pessoas colectivas e sociedades têm direito a apoio judiciário, quando façam a prova a que alude o nº
1' e veio restringir o apoio judiciário às pessoas colectivas de fins não lucrativos.
Da conjugação dos nºs 4 e 5 do artigo 7º do referido diploma resulta, efectivamente, ter-se verificado uma alteração legislativa que visou suprimir a atribuição generalizada do direito ao apoio judiciário às pessoas colectivas de fins lucrativos e que as sociedades comerciais, bem como os comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, têm meramente direito à dispensa (total ou parcial) de preparos e custas ou ao seu diferimento, quando o respectivo montante seja consideravelmente superior às respectivas possibilidades económicas. Deste modo, foi efectivamente restringido, embora não suprimido, pela alteração legislativa citada, o conteúdo do direito ao apoio judiciário para as entidades referidas no nº 5 do artigo 7º da Lei nº 46/96, deixando de lhes ser atribuído o direito ao pagamento dos serviços do advogado ou solicitador (artigo 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 387-B/87) e apenas subsistindo uma forma mais limitada de apoio judiciário traduzida na dispensa de despesas judiciais. Esta última ainda está condicionada (para além da prova da ausência de meios económicos bastantes para custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa judicial)
à demonstração de que o montante das custas e preparos 'seja consideravelmente superior às possibilidades económicas' daquelas entidades, aferidas, nomeadamente, pelo volume de negócios, pelo valor do capital ou do património e pelo número de trabalhadores.
6. A questão de constitucionalidade suscitada refere-se, globalmente, ao artigo 7º, nº 5, do referido diploma, mas na decisão recorrida apenas foi desaplicada aquela norma 'por não ser compatível com aquele princípio constitucional enunciado no artigo 20º, nº 1, a recusa generalizada de patrocínio judiciário às sociedades comerciais ou equiparadas'.
Ora, o conteúdo da decisão recorrida, conjugado com a natureza jurídica do requerente do pedido de apoio judiciário suscita a constatação de que a dimensão normativa que foi critério jurídico da decisão constante do despacho é apenas a que se refere às sociedades comerciais e aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, os quais podem de facto ser equiparados às sociedades comerciais devido à natureza da sua responsabilidade (responsabilidade limitada).
Assim, o Tribunal Constitucional apenas apreciará a norma em causa na dimensão em que ela não atribui a plenitude do apoio judiciário às sociedades comerciais e aos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, pois só essa dimensão esteve em causa no presente processo. A questão de saber se do julgamento da constitucionalidade desta dimensão normativa resultam consequências para o caso dos comerciantes em nome individual é uma questão decorrente da formulação do juízo de constitucionalidade e que não tem, todavia, pertinência para a delimitação do objecto do recurso.
7. Tendo em conta a delimitação do objecto do recurso precedentemente efectuada, será uma violação do direito de igual acesso aos tribunais, consagrado pelo artigo 20º da Constituição, a já mencionada restrição do apoio judiciário?
A esta pergunta responde o Tribunal Constitucional negativamente, em virtude das seguintes considerações: a) Em primeiro lugar, não decorre da Constituição que as entidades com fins lucrativos sejam equiparáveis às pessoas singulares e pessoas colectivas de fim não lucrativo para efeitos de promoção pelo Estado de acesso à justiça; b) Em segundo lugar, as normas sub judicio não esvaziam o direito de acesso à justiça da sua substância, ao não concederem patrocínio judiciário em caso algum
às pessoas colectivas de fim lucrativo; c) Por último, as normas sub judicio não constituem uma restrição desproporcional e injustificada do direito à efectivação do acesso à Justiça.
8. Assim, desde logo, não decorre dos artigos 20º, nºs 1 e 2, e 13º da Constituição que as pessoas colectivas de fins lucrativos devam ser equiparadas às pessoas singulares quanto ao conteúdo do direito ao patrocínio judiciário. Aliás, é na consagração do próprio princípio da universalidade que o legislador constitucional introduz, desde logo, uma ressalva quanto às pessoas colectivas em geral, determinando que estas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres 'compatíveis com a sua natureza' (artigo 12º, nº 2).
Sendo o patrocínio judiciário um instrumento de acesso à justiça, a sua gratuitidade, como forma de protecção jurídica do efectivo exercício daquele direito, corresponde à promoção das condições necessárias para o acesso à Justiça. Ora, a promoção destas condições positivas nos casos de insuficiência económica não tem, necessariamente, a mesma expressão nas pessoas jurídicas com e sem fim lucrativo. Estas últimas, pela sua natureza lucrativa, têm condições para integrar na sua normal actividade económica os custos com profissionais do foro próprios da litigância que nelas é frequente. Assim, tal integração é própria do exercício normal da respectiva actividade económica.
Não há, deste modo, uma necessidade lógica e valorativa de equiparar as pessoas singulares, e até mesmo as pessoas colectivas sem fim lucrativo, às pessoas colectivas com fim lucrativo, no que se refere ao direito de que sejam criadas ou promovidas condições de acesso à Justiça através da gratuitidade do patrocínio judiciário, em casos de insuficiência económica. As pessoas colectivas com fim lucrativo integram, pela sua natureza, na estruturação da sua actividade económica esses custos, dispondo, por isso mesmo, de condições para a compensação dos mesmos.
E a possibilidade de integração daqueles custos na actividade económica das pessoas colectivas de fim lucrativo não é só uma normalidade, mas
é mesmo um pressuposto normativo da própria existência jurídica de tais entidades. A impossibilidade de suportar os custos normais do exercício da actividade económica retira viabilidade a pessoas jurídicas, cuja constituição se justifica apenas para o exercício dessa mesma actividade económica, determinando, porventura, situações de falência e o congelamento da própria actividade económica de tais entidades, como forma de protecção dos interesses patrimoniais de outros e do próprio interesse geral no desenvolvimento saudável da economia. Por outro lado, a protecção jurídica pelo Estado das pessoas colectivas com fim lucrativo através do patrocínio judiciário gratuito corresponderia a uma opção de proteger a litigância de sociedades comerciais e empresas sem condições para assegurar a sua actividade económica, o que não é certamente uma imposição constitucional nem uma prática indiscutível à luz da livre concorrência e do interesse público na protecção da economia.
9. Sendo claro que há uma diferença de posicionamento das pessoas colectivas com fim lucrativo e das outras pessoas jurídicas quanto à necessidade de protecção jurídica condicionante do acesso à Justiça, resta saber se esse diferente posicionamento deixa de existir, em caso de insuficiência económica, quando as pessoas colectivas de fim lucrativo devam litigar em acções não relacionadas com a sua actividade económica normal, como poderia acontecer em casos de danos provocados por acidentes e outras situações inusitadas. Mas também quanto a estas situações há mecanismos de seguro e prevenção que não podem deixar de ser integrados nos custos das sociedades comerciais e na gestão do seu risco, não estando estas, mesmo em tais casos, nas mesmas condições das pessoas singulares ou das pessoas colectivas com fim não lucrativo. Não se pode dizer, por conseguinte, que dos artigos 20º, nºs 1 e 2, e 13º da Constituição resulte a necessidade de equiparação, quanto à protecção jurídica por patrocínio judiciário gratuito, das pessoas colectivas de fim lucrativo ou a estas equiparadas às restantes pessoas jurídicas.
10. Por outro lado, as normas sub judicio também não esvaziam o direito de acesso à justiça da sua substância ao não concederem patrocínio judiciário gratuito, em caso algum, às pessoas colectivas com fim lucrativo. Com efeito, tais normas prevêem a dispensa das custas e preparos em casos em que o respectivo montante seja comprovada e consideravelmente superior às possibilidades económicas daquelas entidades, 'aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de trabalhadores ao seu serviço'. Assim, nos casos em que o 'preço da justiça' seja insuportável para aquelas entidades, impede-se que o acesso à justiça seja impossibilitado por insuficiência económica. Os custos com o patrocínio judiciário são, por outro lado, custos negociáveis e mais previsíveis e controláveis para as sociedades comerciais. Deste modo, e independentemente de saber se é por exigência constitucional que o direito de acesso à justiça implica a dispensa das custas e preparos nos casos previstos no artigo 7º, nº 5, da Lei nº 46/96, através dos modos nele previstos, o certo é que, mesmo na perspectiva de um critério exigente de promoção pelo Estado do acesso à Justiça, existe uma resposta suficiente naquela norma.
11. Em face das considerações anteriores, conclui-se que a igualdade de tratamento entre pessoas colectivas de fim lucrativo e as outras pessoas jurídicas e entidades não lucrativas, em matéria de patrocínio judiciário gratuito, não é imposta pela Constituição. Mas mesmo que se entenda que a diferenciação não pode ser total ou que será necessário respeitar, nas restrições previstas pelas normas sub judicio, uma certa proporcionalidade relativamente às demais situações, dever-se-á, ainda assim, reconhecer que tal diferenciação não só é justificada pela diversidade de condições referida - não sendo, por isso, uma restrição excessiva nem uma diferenciação desproporcionada - como também está sustentada por razões de interesse público. Com efeito, tal restrição do direito ao patrocínio judiciário
é justificável por critérios racionais de gestão do interesse colectivo e de repartição dos encargos públicos, ao dar prioridade e especial protecção no acesso à Justiça às pessoas e entidades sem fim lucrativo e ao exigir que as entidades com fim lucrativo suportem - ou criem mecanismos para isso adequados - os custos da actividade económica de que são beneficiários. III Decisão
12. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide: a. Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 7º, nº 5, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 46/96, de 3 de Setembro, na parte em que abrange as pessoas colectivas com fim lucrativo; b. Conceder provimento ao recurso; c. Determinar a reforma da decisão recorrida, em conformidade com o presente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 1999 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Paulo Mota Pinto (vencido, nos termos da declaração de voto que junto) Declaração de voto Votei vencido, em conformidade com o projecto de acórdão que apresentei, com os fundamentos que passo a expor sucintamente:
1. O presente recurso tem por objecto a norma do n.º 5 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, com a redacção da Lei n.º 46/96, de
3 de Setembro, na interpretação segundo a qual as entidades nela referidas não gozam em caso algum do direito a patrocínio judiciário gratuito. Contemplando o sistema de acesso ao direito e aos tribunais, distinguem-se duas vertentes, de informação jurídica e protecção jurídica, das quais a segunda reveste duas modalidades - consulta jurídica e apoio judiciário (artigo 6º do referido Decreto-Lei n.º 387-B/87). Existem, por sua vez, duas formas de apoio judiciário: dispensa de despesas judiciais e pagamento dos serviços do advogado ou solicitador (artigo 15º, n.º 1, do citado diploma). Os beneficiários do direito à protecção jurídica estão enumerados no referido artigo 7º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, resultando, na interpretação do n.º 5, em questão, que as sociedades - civis ou comerciais -, bem como os comerciantes em nome individual nas causas relativas ao exercício do comércio e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, não têm direito a patrocínio judiciário gratuito, mas apenas 'à dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas ou ao seu diferimento', e se demonstrarem que o respectivo montante é 'consideravelmente superior às [suas] possibilidades económicas',
'aferidas designadamente em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de trabalhadores ao seu serviço'. Como se vê, esta limitação não só não inclui todas as pessoas colectivas como não é sequer específica de pessoas colectivas. Aplica-se, igualmente, a pessoas singulares, e, mesmo, a entes não personalizados, como são os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada. Assim, a questão de constitucionalidade não se põe no confronto com o artigo 12º, n.º 2 da Constituição. A norma em questão funda-se, antes, na circunstância, comum aos seus destinatários, de estes exercerem uma actividade económica com intuitos lucrativos, sendo (conforme salienta o Ministério Público nas suas alegações, já publicadas, aliás, na Revista do Ministério Público, 1998, n.º 73, págs. 135 e segs.), os titulares de empresas que são (pelo menos, de forma tendencial) visados pela norma. Ora, não podem negar-se certas especificidades destas entidades. Os custos de litigância serão normalmente inerentes ao próprio exercício da sua actividade, justificando-se, nas acções que resultem do 'giro comercial' da empresa, a exclusão da dispensa ou redução de custas ou preparos – o que se traduz no citado artigo 7º, n.º 5, embora sempre admitindo a demonstração de que o montante das custas é consideravelmente superior às possibilidades económicas da empresa, aferidas em função dos factores descritos. Todavia, estas especificidades não bastam para fundamentar a privação, para essas entidades, em qualquer caso e sem admissão desta demonstração, do direito a patrocínio judiciário gratuito – que é o que está em causa no presente recurso.
2. Na verdade, a Constituição da República Portuguesa garantiu no seu artigo
20º, o acesso ao direito e aos tribunais, com proibição da denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, sendo o direito ao patrocínio judiciário verdadeiro elemento essencial daquela garantia. Na expressão do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 962/96 (Diário da República, I série-A, de 15 de Outubro de 1996), os mandados desse artigo 20º 'constituem mesmo a estrutura central da ordem constitucional democrática', assegurando a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. Como se salientou no Acórdão n.º 316/95 (publicado no Diário da República, II série, de 31 de Outubro de 1995), 'torna-se claro que o assinalado asseguramento de acesso aos tribunais, a par da proibição de denegação de justiça por insuficiência de meios económicos, sabido que é que, em muitos casos, para naqueles se pleitear se torna necessária a constituição de advogado, há-de implicar, nas hipóteses daquela insuficiência, que se confira o direito ao
«patrocínio judiciário». Significa isto, em consequência, que, muito embora o exercício e as formas do «direito ao patrocínio judiciário» seja, pelo n.º 2 do artigo 20º da Constituição, relegado para a lei, o que é certo é que, dada a implicação a que acima se fez referência, a lei ordinária não poderá estabelecer condicionantes ou requisitos tais que dificultem ou tornem por demais difícil o exercício daquele direito ou, ainda acentuadamente, restrinjam o respectivo conteúdo, sob pena de aqueloutro direito de acesso aos tribunais «não passar de um ‘direito fundamental formal’» (nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª ed., Coimbra, pág.
163)'. (ver, ainda, por exemplo, os Acórdãos n.ºs 415/94, 317/95, 339/95 e
340/95, estes últimos publicados no Diário da República, II série, respectivamente de 1 de Agosto e de 2 de Novembro de 1995). E, além desta essencialidade, salientou-se a universalidade do reconhecimento do direito ao patrocínio judiciário no citado Acórdão n.º 339/95, segundo o qual 'o direito de acesso aos tribunais, de que é componente essencial o patrocínio judiciário, é assegurado pela Constituição «a todos» (artigo 20º), o que logo inculca a universalidade do respectivo reconhecimento (...)'.
3. Nestes termos, penso que a garantia de acesso aos tribunais, resultante do artigo 20º da Constituição, resulta violada por uma norma que exclui genericamente o direito ao patrocínio judiciário gratuito para as entidades que exploram empresas com intuitos lucrativos, ainda que estas provem a sua insuficiência económica para suportar os respectivos custos, que estes são consideravelmente superiores às suas possibilidades, ou, mesmo, que o pleito é totalmente alheio à sua actividade económica normal. Não se trata, aqui, tão-só de uma restrição ao direito a patrocínio judiciário gratuito, ou de o sujeitar, nos termos da lei, a determinadas condições, mas de uma sua exclusão geral e em abstracto, que tem como resultado que, quanto às entidades em causa, a justiça possa ser 'denegada por insuficiência de meios económicos'. Tal exclusão de plano do direito ao patrocínio judiciário gratuito não se justifica, aliás, como referi, com a especificidade das entidades com intuitos lucrativos, pois não é permitida a prova de que a acção, naquele caso concreto,
é alheia à actividade económica da empresa (podendo perfeitamente tratar-se, por exemplo, de uma vultuosa acção de indemnização, em que aquela é lesada) – ou, pelo menos (como se faz no próprio artigo 7º, n.º 5 para as custas e preparos), a demonstração de que os custos da acção excedem consideravelmente as possibilidades económicas da pessoa em questão, avaliadas em função de factores objectivos. Não se pode sequer afirmar, em abstracto, que as sociedades, civis ou comerciais, os comerciantes em nome individual ou os titulares de estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada sempre terão meios para suportar as despesas de patrocínio judiciário disponível no 'mercado' da prestação de serviços jurídicos. Assim, desde logo, sabe-se, por exemplo, que, apesar da proibição da quota litis, o valor da causa não é despiciendo para a fixação dos honorários dos profissionais do foro, até por se reflectir sobre a importância do serviço prestado e sobre os resultados obtidos (artigo 65º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março). Nem me posso dar por satisfeito com a remissão de tais entidades para
'mecanismos de seguro e prevenção' dos custos judiciários. Essa remissão (a qual, aliás, não provaria apenas para as entidades em questão), bem como a exigência de, na impossibilidade de pagamento aos profissionais do foro, recorrer, ou aos próprios sócios para suprimento da insuficiência financeira, ou a um processo de recuperação de empresa ou de falência, por manifesta inviabilidade da empresa (e suposto que se verificariam sempre os pressupostos destes processos, existindo, designadamente, uma situação de insolvência), representa, a meu ver, a própria admissão da possibilidade de denegação de justiça por falta de meios para custear o patrocínio judiciário. Exigir a submissão a um processo de falência ou de recuperação da empresa (com eventual consequência da extinção), ou o recurso aos sócios para custear despesas judiciárias, significa que a pessoa colectiva (obviamente, enquanto entidade distinta dos sócios) não poderá recorrer aos tribunais por falta de meios económicos, retirando, sob este prisma, consistência ao seu direito de acesso aos tribunais. Não é, pois, de excluir que a acção em questão seja inteiramente alheia à actividade económica da sociedade, estando, todavia, sempre excluída a possibilidade de as entidades referidas no artigo 7º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º
387-B/87 obterem patrocínio judiciário gratuito. A meu ver, este resultado ofende, pois, a garantia de que a ninguém pode ser denegada justiça por insuficiência de meios económicos (artigo 20º, n.º 1, 2ª parte, da Constituição). E creio que se viola do mesmo passo o princípio da igualdade, na medida em que – embora sem negar as especificidades das entidades em questão - resulta justamente desse artigo 20º, n.º 1, 2ª parte, que a insuficiência de meios económicos não é nunca de considerar, à luz daquele princípio, fundamento razoável para a discriminação no acesso aos tribunais, como a que resultaria, neste caso, da privação da possibilidade de obter patrocínio judiciário gratuito.
4. Nestes termos, teria negado provimento ao recurso, mantendo o julgamento de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 20, n.º 1, 2ª parte, e 13º da Constituição, do artigo 7º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, na interpretação segundo a qual as sociedades, os comerciantes em nome individual e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, não têm direito a patrocínio judiciário gratuito, ainda que provem que os seus custos são consideravelmente superiores às suas possibilidades económicas
(aferidas, designadamente, em função do volume de negócios, do valor do capital ou do património e do número de trabalhadores ao seu serviço) e que se trata de acções estranhas à sua actividade económica. Guilherme da Fonseca (vencido, nos termos da declaração de voto do Exmº Cons. Paulo Mota Pinto) José Manuel Cardoso da Costa