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Processo nº 218/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O Ministério Público veio, 'nos termos dos artºs 70º, nº 1 al. a), 72º, nº 1 al. a) e 3, 75º e 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção introduzida pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro', interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão da 2ª Secção (Secção Tributária) do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Dezembro de 1995, 'em que foi recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação da norma do § 1º do artigo 20º do Código do Imposto Profissional' (e, em consequência, concedeu provimento a um recurso jurisdicional 'per saltum' interposto pelo ora recorrido H..., com os sinais identificadores dos autos, revogando o despacho de indeferimento liminar da petição de impugnação por ele deduzida contra a determinação da matéria colectável de imposto profissional referente ao ano de
1986, para ser 'substituído por outro que não seja o de que a pretensão do autor não pode proceder, em ordem a que se conheça da impugnação se outro obstáculo legal a tal não se opuser').
2. Nas suas alegações concluiu assim o Ministério Público recorrente:
'1º - A norma constante do § 1º do artigo 20º do Código do Imposto Profissional, quando interpretada de modo a apenas consentir a impugnação contenciosa do acto mediante o qual é fixado o rendimento colectável pelo Chefe da Repartição de Finanças ou pela Comissão Distrital com fundamento na estrita preterição de formalidades legais - excluindo a sindicabilidade de quaisquer alegadas ilegalidades que inquinem substancialmente a referida fixação da matéria colectável - viola a garantia do recurso contencioso, emergente do actual nº 4 do artigo 268º da Constituição da República Portuguesa (nº 2 do texto originário e nº 3 do mesmo preceito, na revisão de 1982).
2º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida'.
3. O ora recorrido H..., não apresentou alegação.
4. Vistos os autos, cumpre decidir.
O acórdão recorrido, depois de enunciar que a 'primeira questão que se coloca é a de saber se é correcto falar, no caso vertente, em indeferimento liminar da petição com base no artº 474º nº 1 c) do C.P.C., como é referido no despacho recorrido', deu-lhe a seguinte resposta:
'Na verdade, dispõe o nº 1 e alin. c) deste normativo que a petição deve ser liminarmente indeferida (...) c)... 'quando por outro motivo for evidente que a pretensão do autor não pode proceder. Ora, como se extrai do mesmo despacho, o Mmº Juiz depois de afirmar o que o impugnante põe em crise - e a isso chama preterição de formalidades legais e ilegalidade - não é tido pela doutrina e jurisprudência como vício de forma algum, termina dizendo que os fundamentos em que o impugnante estrutura o pedido nomeadamente a factualização e caracterização do vício de forma não podem, quer na parte, quer no todo vir a proceder'. Certo, é, porém, que como decorre da lei, tal asserção não é por si suficiente exigindo a lei que seja evidente que a pretensão não pode proceder. Ora é, precisamente essa evidência que, para
além de nem sequer ter sido mencionada no dito despacho, também ela não se mostra na petição, pelo que é abusiva tal conclusão, porque desconforme à lei. O que seria suficiente para fazer soçobrar o despacho recorrido porque violador da referida alínea c) do nº 1 do artº 474º do CPC em que se fundamentou, pois não é evidente que a pretensão do autor não pode proceder'.
E, por fim, antes da decisão, no acórdão recorrido voltou a reafirmar-se, de resto, que 'só haverá indeferimento liminar (para além de outros casos que não interessa focar) quando for evidente que a pretensão do autor não pode proceder, requisito este que foi silenciado ou omitido pelo despacho recorrido' ('Tanto basta para que o referido despacho não possa manter-se na ordem jurídica' - é a última afirmação do aresto).
É entre aquelas duas posições que o acórdão recorrido discorre sobre a doutrina e a jurisprudência que 'em matéria fiscal, pelo menos a partir da Constituição da República (artigo 268º-3) sempre deram ao conceito de preterição de formalidades legais um âmbito mais amplo, de forma a contornar as dificuldades que a lei colocava à sindicabilidade de outros
vícios assacados a determinados actos tributários, excluindo apenas da apreciação pelos Tribunais o que se designava por discricionaridade técnica, mais precisamente o que se traduzia em juízos meramente extra-jurídicos', para concluir assim:
'(...),verificados que sejam os respectivos pressupostos e prazos tanto em sede de impugnação unitária, nos casos permitidos por lei, como em actos preparatórios destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, como sucede com a presente impugnação nos termos do § 1º do Código de Imposto Profissional que ao estabelecer que o rendimento colectável fixado pelo Chefe da Repartição de Finanças ou pela Comissão Distrital não é susceptível de reclamação ou impugnação e que só é permitido o recurso no caso de preterição de formalidades legais, tem de reputar-se inconstitucional, face às supra-mencionadas razões decorrentes do estatuído no citado artº 268º pela restrição imposta no aludido artº 20º do C.I. P. (Noções Fundamentais de D. Fiscal Portugês - II vol. pág 203
- Vitor Faveiro). Donde resulta que é perfeitamente legal a impugnação dos actos tributários com o fim de obter a sua anulação total ou parcial, por decisão dos Tribunais Tributários com fundamento em qualquer ilegalidade'.
5. De tudo isto decorre que o acórdão recorrido,
para decidir revogar o questionado despacho de indeferimento liminar da petição de impugnação, respeitante a imposto profissional, dando provimento ao recurso
'per saltum' interposto pelo ora recorrido, bastou-se com um fundamento de natureza processual. O fundamento de que 'não é evidente que a pretensão do autor não pode proceder' e daí a violação do artigo 474º, nº 1, c), do Código de Processo Civil, sendo isto 'suficiente para fazer soçobrar o despacho recorrido'
('Ora é, precisamente essa evidência que, para além de nem sequer ter sido mencionada no dito despacho, também ela não se mostra na petição, pelo que é abusiva tal conclusão, porque desconforme à lei' - é a essência da afirmação relevante no acórdão, repetida ainda no seu termo final: 'Tanto basta para que o referido despacho não possa manter-se na ordem jurídica').
Quer dizer: na posição em que se colocou o acórdão recorrido, e à luz do disposto no citado artigo 474º nº 1 c), sempre haveria da parte do Mmº Juiz a quo, do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, ao indeferir liminarmente a petição inicial, por o pedido estar 'votado ao insucesso', violação daquele normativo, na medida em que tal conclusão é 'abusiva' (a evidência a que se reporta o preceito legal, 'para além de nem sequer ter sido mencionada no dito despacho, também ela não se mostra na petição' - sublinhado nosso).
Para se chegar aí não se mostrava indispensável analisar qualquer questão de inconstitucionalidade, tal como se faz no acórdão recorrido, a respeito da norma do § 1º do artigo 20º do Código de Imposto Profissional, pois isso prende-se mais com o mérito da causa - saber, como vinha articulado pela parte, se 'foi praticada ilegalidade e injustiça grave e notória' - e nada tem a ver com o fundamento de ordem processual a que se ateve o julgador (para este
'só haverá indeferimento liminar (para além de outros casos que não interessa focar) quando for evidente que a pretensão do autor não pode proceder, requisito este que foi silenciado ou omitido pelo despacho recorrido').
Tanto é assim que no acórdão recorrido ainda pode ler-se o seguinte:
'O Mmº Juiz, no seu despacho de indeferimento liminar diz que o impugnante ao fundamentar o conceito de ilegalidade remete-separa a prática de injustiça grave e notória sem dar suporte a esses conceitos. A verdade, porém, como já se disse, o impugnante insurge-se contra o facto de que no acto da fixação da matéria colectável, a Administração Fiscal não abateu os abonos ou preparos recebidos dos clientes para fazer face a despesas da responsabilidade destes como preparos, custas, despesas com cartas precatórias com registos de
penhoras e certidões de encargos, assim, segundo ele, violando o artº 10º § 4º alínea B) do CIP e reitera na alegação de recurso que 'não distinguiram quantias recebidas a título de despesas das recebidas a título de honorários e porque não procederam ao abatimento das primeiras, tudo conforme lhes era exigido pelos artºs 1º e segs, 8º 10º e 19º § 3º do C. I.P. o que constitui fundamentos de recurso, violando-se assim por erro de interpretação dos antes citados preceitos legais. O que tudo se insere, manifestamente, na cognocibilidade do tribunal recorrido que pelas razões já aduzidas lhe caberá apreciar que, com tais fundamentos o pedido possa vir ou não a proceder'.
Ora, no âmbito do recurso de constitucionalidade, que tem uma função instrumental, só interessa o juízo positivo ou negativo em matéria de constitucionalidade que funciona como ratio decidendi da decisão.
Se, como é o presente caso, a desaplicação no acórdão recorrido da norma do citado artigo 20º § 1º do Código do Imposto Profissional - a única que, na tese do recorrente, 'foi recusada por inconstitucionalidade' - não faz parte da tal ratio decidendi da decisão, é pura questão académica conhecer dessa questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recor
rente (cfr. os acórdãos deste Tribunal Constitucional nºs 577/ /95 e 1089/96, inéditos).
Tal significa que nos presentes autos de impugnação referente a imposto profissional a argumentação aduzida no acórdão recorrido a propósito da inconstitucionalidade do § 1º do artigo 20º do Código de Imposto Profissional não passa de um fundamento ad ostentationem, pois sempre teria de ser revogado o despacho de indeferimento liminar da petição inicial, por violação do artigo
474º, nº 1, c), do Código de Processo Civil, independentemente de saber se tem ou não de 'reputar-se inconstitucional, face às (...) razões decorrentes do estatuído no citado artº 268º (da Constituição) pela restrição imposta no aludido artº 20º do CIP' (na linguagem do acórdão recorrido).
Daí que não haja interesse jurídico relevante na apreciação e decisão de tal inconstitucionalidade, pois, no final de contas, acaba por não ter projecção determinante no julgado (a ter projecção, será numa fase ulterior do processamento dos autos, no momento da decisão de mérito, se for caso disso). Com o que não se deve tomar conhecimento do presente recurso.
6. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conheci
mento do presente recurso. Lisboa, 11 de Março de 1997 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida