Imprimir acórdão
Proc. nº 28/95
2ª Secção Relator : Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional :
I RELATÓRIO
1. A. foi condenado na comarca de Coimbra (proc.comum/singular nº 606/91 do 1º Juízo, 2ª Secção) em 2 de Março de 1993, como autor de um crime de difamação praticado através de meio de comunicação social, previsto nos artigos 164º e 167º nº 2 do Código Penal/1983 e 29º nº 3 da Lei nº 87/88 e 25º nº 1 do DL nº 85 - C/75, na pena de multa global única de 160.000$000, com 106 dias de prisão em alternativa (que após aplicação do perdão constante da Lei nº
23/91, ficou reduzida à multa de 20.000$00 com 13 dias de prisão em alternativa) e na indemnização de 300.000$00, em favor do assistente B..
Desta sentença interpôs o arguido recurso para a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, recurso que acresceu a três outros recursos interlocutórios que ao longo do processo interpusera. Motivou o recurso da decisão final com a peça processual constante de fls.1094 a 1133 (Vol. VI) destes autos.
1.1. O Tribunal da Relação de Coimbra, através de Acórdão proferido em 12 de Outubro de 1994 (fls.1193/1206 - Vol VII), depois de julgar improcedente um dos recursos interlocutórios e de rejeitar os outros dois, apreciou o recurso da decisão final, e considerando serem as «conclusões» deste prolixas - não representando uma sintetização dos argumentos constantes da motivação - entendeu rejeitá-lo, ao que referiu, 'nos termos dos artigos 412º e
420º nº 1 do Código de Processo Penal' (CPP).
Mostra-se este Acórdão assinado pelo Exmº Desembargador Relator e por dois Desembargadores Adjuntos, constando da acta da sessão de julgamento respectiva, ter a diligência sido presidida pelo Exmº Desembargador Presidente da Secção (fls. 1207 - Vol VII).
Reagiu o arguido a este aresto de duas formas : recorrendo, desde logo, para o Tribunal Constitucional quanto à rejeição do recurso (fls.
1216/1218º Vol.VII); arguindo a nulidade da decisão por falta de assinatura do Presidente da Secção.
1.1.2. Quanto ao recurso para este Tribunal, fundado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC), considerou serem inconstitucionais os artigos 412º nº 1 e 420º nº 1 do CPP, interpretados nos termos em que o fez o Acórdão recorrido por violação, entre outros, do artigo 32º nº 1 da Constituição, bem como os artigos 690º nº 3, do Código de Processo Civil (CPC) e 4º do CPP, 'quando numa interpretação conjugada impedem a aplicação do primeiro em sede processual penal'.
Através do despacho do Relator constante de fls.1233/1237
(Vol.VII), posteriormente confirmado pelo Acórdão da Secção de 22 de Março de
1995 (fls. 1326/1365 - vol VII), entendeu-se não suscitada durante o processo a questão de inconstitucionalidade e considerando o recurso manifestamente infundado, foi decidido não o admitir.
Deduzida reclamação para este Tribunal, nos termos do artigo 76º nº 4 da LTC, foi a mesma atendida, através do Acórdão nº 569/95 (fls.1379/1388 - Vol VII), determinando-se a admissão do recurso.
1.1.3. Quanto à arguição de nulidade, expressou o arguido o entendimento de que, exigindo o artigo 419º nº 1 do CPP 'que as deliberações do Tribunal da Relação tomadas em conferência impliquem a intervenção do Presidente da Secção, do Relator e de dois Juízes Adjuntos e que tal ocorra nomeadamente quando for o caso de rejeição do recurso (alínea a) do nº 4 do artigo 419º do CPP)', a circunstância de o Acórdão em causa (o de fls. 1193/1206) estar assinado apenas por três magistrados consubstanciaria a nulidade estabelecida no artigo 119º alínea a) do CPP ('falta do número de juízes'). A interpretação contrária a esta do artigo 419º º 1 do CPP - alegou, ainda, o arguido - implicaria a sua inconstitucionalidade, por ofensa do artigo 32º nº 7 da Constituição.
Através de Acórdão de 30 de Novembro de 1944 (fls. 1238/1240 - Vol VII), desatendeu o Tribunal da Relação de Coimbra tal arguição, referindo que a intervenção do Presidente da Secção na votação depende da circunstância de, sem o seu voto, não ser possível formar maioria, o que não sucedeu no caso.
Inconformado recorreu o arguido para este Tribunal, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, reportando o recurso ao artigo 419º nº 1 do CPP, interpretado nos termos constantes da decisão da Relação de Coimbra, por violação do princípio do juiz natural, decorrente do nº 7 do artigo 32º da Lei Fundamental.
Foi este recurso admitido.
1.2. Convergindo ambos os recursos de constitucionalidade neste processo (v. a parte final do despacho de fls. 1295 vº ; cfr. despacho de fls.
1282 vº), foram produzidas as respectivas alegações e contra-alegações.
1.2.1. Quanto ao recurso referido em 1.1.3. (o relativo ao Acórdão que se pronunciou sobre a arguição de nulidade - fls. 1238/1240 do Vol. VII), apresentou o recorrente A. as seguintes conclusões :
' 1 - a norma jurídica cuja inconstitucionalidade deve ser declarada é a do artigo 419º nº 1 do CPP de 1987, quando interpretada - em função dos artigos
33º nº 1 alínea b) e d); 35º e 44º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro - no sentido em que foi declarado nestes autos pelo Tribunal da Relação de Coimbra;
2 - o artigo 419º do CPP estabelece que na conferência e recurso intervêm quatro juízes, um dos quais o Presidente da Secção, o qual dirige a discussão e vota a final ;
3 - o aresto que deu azo a este recurso, louvando-se nos citados preceitos da Lei nº 38/87, considera que o presidente só intervém na votação quando sem o seu voto não se conseguir formar maioria e por isso, não intervindo, não assina o acórdão mas só o acta;
4 - tal interpretação significa alterar a formação do tribunal após a sujeição do caso ao seu julgamento, passando o presidente a deter menos poderes de intervenção de que aqueles que a lei prévia lhe conferia;
5 - ocorre violação do princípio do juiz natural, clausulado no nº 7 do artigo 32º da CRP, o qual exige que a composição e modo de funcionamento do tribunal decorra de lei prévia, vedando quaisquer operações pelas quais tal composição e modo de funcionamento sejam a posteriori alterados;'
O recorrido B., por sua vez, contra-alegou pugnando pela improcedência da argumentação do recorrente. No mesmo sentido, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal, produziu idêntica peça, rematando-a com as seguintes conclusões :
1º
'A decisão recorrida limitou-se a interpretar as normas processuais penais e de organização judiciária atinentes à formação ou composição dos tribunais da relação para efeitos de julgamento dos recursos penais, atribuindo-lhes o sentido de que o presidente da secção só intervém na votação do acórdão quando, sem o seu voto, não se conseguir formar maioria.
2º
Tal interpretação em nada altera ou modifica a composição e modo de funcionamento do tribunal, tratando-se apenas da (indispensável) interpretação da 'lei prévia' que, desde o início, rege tal matéria, não resultando, consequentemente, violado o princípio constitucional do 'juiz natural'.'
1.2.2. No que concerne ao recurso referido em 1.1.2. (relativo ao Acórdão de fls. 1216/1218 - vol VII) alegou, igualmente, o recorrente A., formulando as seguintes conclusões :
' 1 - Os artigos 412º nº 1 e 420 nº 2 do CPP são materialmente inconstitucionais por ofenderem o estatuído nos artigos 20º º 1, 32º nº 2, 105º nºs 1 e 2 e 207º da Lei Fundamental.
2 - Os artigos 690º nº 3 do CPC e 4º do CPP são materialmente inconstitucionais, por violação das mesmas regras, quando numa aplicação conjugada o segundo, numa interpretação a contrario, impedir a aplicação do primeiro ao processo penal;
3 - as normas referidas estão, além disso, feridas de inconstitucionalidade orgânica, por desrespeitarem uma injunção estabelecida no ponto 2 do nº 2 do artigo 2º da Lei nº 43/86, de 23.09 que impõe que o processo penal respeite o princípio da desburocratização.'
Contra-alegaram nesta parte, também o recorrido B. (pugnando pela improcedência do recurso) e o Exmº Procurador-Geral-Adjunto, concluindo este :
' 1º Constitui restrição excessiva e desproporcionada ao direito do arguido à plenitude das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a interpretação do preceituado nos artigos 412º nº 1 e
420º nº 1 do CPP, em termos de se equiparar à falta de motivação a prolixidade ou falta de concisão, ainda que manifesta, das conclusões daquela, conduzindo irremediavelmente - sem que ao recorrente seja formulado convite ao aperfeiçoamento das conclusões deficientemente apresentadas - à rejeição liminar do recurso.
------------------------------------------'
1.3. Corridos os pertinentes vistos, importa decidir o recurso nas duas vertentes expostas.
II FUNDAMENTAÇÃO
2. Estão em causa dois recursos de constitucionalidade no mesmo processo, de cuja eventual procedência decorreriam consequências processuais distintas e que apresentam referenciais normativos diferentes.
Há, pois, que os apreciar individualizadamente.
O Artigo 419º nº 1 do CPP :
2.1. Vamos começar pelo recurso referido em 1.1.3 e 1.2.1 respeitante ao Acórdão de fls. 1238/1240. Está em causa neste o desatendimento de uma nulidade de anterior decisão (o Acórdão de fls. 1193/1206) por ela (o Acórdão que a contém) não se mostrar assinada pelo Desembargador Presidente da Secção mas, tão só, pelo Relator e dois Adjuntos.
Anteriormente a essa decisão, ao suscitar a nulidade, havia o recorrente indicado como sua interpretação do artigo 419º nº 1 do CPP a que obrigava à assinatura do Acórdão pelo Presidente, além do Relator e Adjuntos, arguindo interpretação diversa (a que excluísse a assinatura do Presidente) de violação do nº 7 do artigo 32º da Constituição.
Apreciando este problema expressou o Tribunal da Relação de Coimbra o seguinte entendimento :
'Estabelece o artigo 419º nº 1 e 2 do CPP : «1. Na conferência intervêm o presidente da secção, o relator e dois juízes adjunto. 2. A discussão é dirigida pelo presidente, que desempata quando não puder formar-se maioria.» Diz o artigo 420º nº 2 do mesmo: « 2. A deliberação de rejeição exige a unanimidade de votos». Por sua vez estabelece a Lei 38/87 de 23 de Dezembro, no artigo 33º: «1. Compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça: a)......................................... b) Homologar as tabelas das sessões ordinárias e convocar as sessões extraordinárias; c) Apurar o vencido nas conferências; d) Votar sempre que a lei o determine, assinando, neste caso, o acórdão.
--------------------------------------------
Refere o artigo 35º, a seguir : «Compete ao Presidente da secção presidir ao plenário de secção e às secções e exercer com as devidas adaptações as atribuições referidas nas alíneas b) c) e d) do nº 1 do artigo 33º».
Por sua vez, estatui o artigo 44º da mesma Lei: «É aplicável às Relações, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 21º nº 2 e 3, 22º, 23º nºs 2,3,e
4, 24º, 25º, 27º, 28º nº s 4 e 5, 30º, 32º, 34º nº 2, 35º e 37º ».
Ora, o projecto do acórdão em causa foi presente à conferência ocorrida em 12 de Outubro de 1994, na qual intervieram o Exmº Presidente da Secção, o Relator e os dois Juízes Desembargadores Adjuntos. A discussão do projecto foi dirigida pelo primeiro. Discutido, procedeu-se à votação tendo o Relator e os Adjuntos emitido o respectivo voto, no mesmo sentido. Houve votação, por unanimidade. De seguida, estes três assinaram, ficando o projecto transformado em acórdão. O Exmº Presidente da Secção, que apenas subscreveu a acta, não tinha que o fazer em relação ao acórdão. Tal como se depreende das disposições transcritas ele só intervém na votação, quando, sem o seu voto, não se conseguir formar maioria.'
É esta a interpretação - do artigo 419º nº 1 do CPP - que o recorrente tem por violadora do princípio do juiz natural, por significar uma
'alteração na formação do tribunal após sujeição do caso ao seu julgamento', consistente em o Presidente passar 'a deter menos poderes de intervenção do que aqueles que a lei prévia lhe conferia'.
Incorre o recorrente nesta parte - como sublinha o Ministério Público - numa clara petição de princípio, erro lógico consistente em assentar toda a sua construção argumentativa pressupondo provado aquilo que precisamente lhe competia provar : que a exigência da assinatura do acórdão pelo Presidente da Secção traduz o único sentido objectivamente reconhecível no texto do nº 1 do artigo 419º do CPP - ou melhor, que só a assinatura do acórdão pelo Presidente significa que este interveio na conferência e não a simples referência exarada na acta.
O que aqui está em causa são, tão só, duas interpretações possíveis do conceito de 'intervenção na conferência' do Presidente da Secção. Não parece é que se possa elevar uma dessas interpretações à categoria de
'composição e modo de funcionamento previamente estabelecido do tribunal', para daí partir, face a uma interpretação diversa, para a afirmação de que se está a
«mexer» na composição do Tribunal e, consequentemente, a violar o princípio do juiz natural, subjacente ao artigo 32º nº 7 da Constituição.
2.1.1. Apontam-se como dimensões concretizadoras deste princípio, a 'exigência de determinabilidade' (prévia individualização por lei geral do juiz competente), o 'princípio da fixação da competência' (observância das competências decisórias legalmente atribuídas a esse juiz) e o respeito 'das determinações de procedimento referentes à divisão funcional interna' (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra 1994, p.207).
Associam-se, assim, à vulneração do princípio do juiz natural, intervenções a posteriori sobre as regras de competência e divisão funcional que, de alguma forma, ponham em causa os critérios pré fixados na lei, ou seja, a 'prévia fixação por lei de critérios objectivos gerais de repartição da competência' (Germano Marques Silva, Curso de Processo Penal I, Lisboa 1993, p.53; cfr.Franco Cordero, Procedura penale, 2ª ed., Milão 1993, p.114 e Vicente Gimeno Sendra, El Derecho Constitutional al Juez Legal, in «Constitucion y Processo», Madrid 1988, pp. 56 e ss).
Ora, ao adoptar-se, em detrimento de outra, determinada visão interpretativa do conceito de «intervenção na conferência» do Presidente da Secção (que, aliás, corresponde a uma prática já anteriormente seguida pela Relação de Coimbra, como se pode observar na «Colectânea de Jurisprudência») em nada se está a alterar a composição do tribunal competente para o julgamento: este sempre foi o Tribunal da Relação correspondente ao Distrito Judicial que abrange a 1ª Instância de julgamento, através de um relator e dois adjuntos, apurados por distribuição, funcionando em conferência onde interveio (em determinada leitura interpretativa) o Presidente da Secção.
Não se verifica, assim qualquer ofensa ao princípio constitucional do juiz natural.
Os artigos 412º nº 1 e 420º nº 1 do CPP
2.2. Vejamos antes de mais o texto das disposições aqui em causa
: Artigo 412º
(Motivação do recurso)
1. A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
-------------------------------------------
Artigo 420º
(Rejeição do recurso)
1. O recurso é rejeitado sempre que faltar a motivação ou for manifesta a improcedência daquele.
-------------------------------------------
Baseada em determinada leitura destas disposições entendeu a decisão recorrida que o carácter prolixo ('palavroso', não conciso) das conclusões apresentadas, equivalia à não formulação de conclusões, conduzindo, sem mais, à rejeição do recurso.
2.2.1. Nas suas alegações junto deste Tribunal o recorrente imputa a esta visão interpretativa das normas citadas - paralelamente à sua inconstitucionalidade material por ofensa do artigo 32º nº 1 da Constituição - uma desconformidade constitucional de natureza orgânica, traduzida na ofensa do que chama de 'princípio da desburocratização' subjacente ao ponto 2 do nº 2 do artigo 2º da Lei nº 43/86, de 26 de Setembro (a lei de autorização ao abrigo da qual o Governo editou, através do DL nº 78/87, de 17 de Fevereiro, o Código de Processo Penal).
Não se vê, e o recorrente não o explícita, como e em que medida o efeito preclusivo associado pela decisão recorrida ao ónus de concisão que estabelece para as conclusões da motivação dos recursos em processo penal implica a imposição de 'formalidades de tipo puramente burocrático como condição do exercício do direito de defesa' (alegações do recorrente), não se percebendo nomeadamente como essa imposição de concisão, que sem duvida apresenta a virtualidade de simplificar (a simplificação é outra das vertentes da lei de autorização em causa - v. mesmo ponto 2 do artigo 2º) a apreciação de um recurso, estaria fora do pensamento do legislador delegante.
2.2.2 O que verdadeiramente está em causa é a compaginação da interpretação perfilhada pelo Tribunal dos artigos 412º nº 1 e 420º nº 1 do CPP, face à falta de concisão das conclusões, com a garantia constitucional de que o processo criminal assegure 'todas as garantias de defesa'. Trata-se, pois, de um problema de inconstitucionalidade material.
Importa, antes de mais, situar a discussão no plano que lhe corresponde. Estamos no domínio do «processo», do procedimento, entendido este - e seguimos a formulação de Gomes Canotilho - como o 'complexo de actos juridicamente ordenado de tratamento e obtenção de informação que se estrutura e desenvolve sob a responsabilidade de titulares de poderes públicos e serve para a preparação da tomada de decisões' (Tópicos de um Curso de Mestrado Sobre Direitos Fundamentais, Procedimento, Processo e Organização, in «Boletim da Faculdade de Direito» Coimbra, Vol LXVI, 1990, p.163), decisão que no caso é de natureza jurisdicional, num procedimento de recurso.
A formulação de conclusões, que o nosso processo desde há muito conhece sob a designação recolhida no artigo 690º do Código de Processo Civil de
ónus de alegar e formular conclusões, integra-se nesse complexo de actos em que se consubstancia o recurso (a fase processual de recurso) constituindo uma forma racional de organização desse procedimento específico.
Neste sentido a concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça. Assim há que compreender o entendimento das conclusões, seguindo a definição de Alberto dos Reis, como 'as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação' (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, reimpressão, Coimbra 1981, p.359).
O problema não reside, pois neste aspecto, mas antes, no quadro de um procedimento que ao arguido tem de assegurar todas as garantias de defesa, na circunstância de a essa falta de concisão se associar um efeito preclusivo tão duro quanto o estabelecido na decisão recorrida.
2.2.3. A plenitude das garantias de defesa, emergente do artigo
32º nº 1 do texto constitucional, significa o assegurar em toda a extensão racionalmente justificada de 'mecanismos' possibilitadores de efectivo exercício desse direito de defesa em processo criminal incluindo o direito ao recurso (o duplo grau de jurisdição) no caso de sentenças condenatórias (v. os Acórdãos deste Tribunal nºs 40/84, 55/85 e 17/86, respectivamente nos ATC, Vol. 3, p.241 e Vol 5, p. 461 e DR-II de 24/4/86).
Recentemente, no Acórdão nº 575/96, ainda inédito, teve este Tribunal oportunidade de se pronunciar a este respeito, a propósito do artigo
192º do Código das Custas Judiciais, entendendo-o inconstitucional - por ofensa dos artigos 18º nº 2 e 32º nº 1 da Constituição - 'na medida em que prevê que a falta de pagamento, no tribunal a quo, no prazo de sete dias, da taxa de justiça devida pela interposição de recurso de sentença penal condenatória pelo arguido determina irremediavelmente que aquele fique sem efeito, sem que se proceda à prévia advertência dessa cominação ao arguido-recorrente'.
Com interesse para a presente situação aí se escreveu:
'... ao ditar irremediavelmente a imediata deserção do recurso, pelo simples não cumprimento do ónus de pagamento da taxa (...) em determinado prazo, sem que ocorra qualquer formalidade de aviso ou comunicação ao arguido sobre as consequências desse não pagamento, a norma em apreço (trata-se, como se referiu, do artigo 192º do CCJ) procede a uma intolerável limitação do direito ao recurso e, consequentemente, ao direito de defesa em processo penal.' (sublinhado do texto)
O argumento da celeridade conatural ao processo penal, como impossibilitando aqui a adopção de um sistema semelhante ao do processo civil
(onde à deficiência e/ou obscuridade das conclusões corresponde um convite para aperfeiçoamento - artigo 690 nº 3 do Código de Processo Civil), argumento decisivo na decisão recorrida, não colhe. A concordância prática entre o valor celeridade e a plenitude de garantias de defesa é aqui possível e, mais que isso, é exigida pelo artigo 18º nº 2 da Constituição, sendo certo que no caso contrário se estará a promover desproporcionadamente o valor celeridade à custa das garantias de defesa do arguido.
Os artigos 412º nº 1 e 420º nº 2 contêm suficiente espaço de interpretação para possibilitar um entendimento que, face a conclusões de recurso tidas por não concisas (onde não se resuma as razões do pedido), não deixe de permitir-se uma possibilidade de aperfeiçoamento das mesmas, configurando uma interpretação constitucionalmente conforme.
As normas em causa, na concreta interpretação que delas fez a decisão recorrida mostram-se, assim, violadoras do artigo 32º nº 1 da Lei Fundamental.
2.3. O recorrente alude ainda à inconstitucionalidade, por via da interpretação acolhida no Acórdão recorrido, dos artigos 690º nº 3 do Código do Processo Civil e 4º do CPP. Significando com isso pretender uma aplicação daquele à situação paralela, como seria esta, do processo penal.
Sucede, porém, que a opção pela aplicação ou não do regime desse artigo 690º nº 3, face ao entendimento anteriormente expresso, já tem que ver com o espaço de liberdade do tribunal a quo na procura da solução constitucionalmente conforme, na sequência da decisão deste Tribunal.
III DECISÃO
3. Face ao exposto, decide-se :
a) Não julgar inconstitucional, o artigo 419º nº 1 do Código de Processo Penal, confirmando, consequentemente, o Acórdão de fls. 1238/1240 quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade;
b) Julgar inconstitucionais - por violação do disposto no artigo 32º nº 1 da Constituição - os artigos 412º nº 1 e 420º nº 1 do Código de Processo Penal quando interpretados no sentido da falta de concisão das conclusões da motivação levar à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido, sem a formulação de convite ao aperfeiçoamento dessas conclusões;
c) Consequentemente, conceder nesta parte provimento ao recurso revogando o Acórdão de fls. 1193/1206, o qual deve ser reformado em conformidade com o juízo de inconstitucionalidade referido em b).
Lisboa, 11 de Março de 1997
José de Sousa e Brito Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra Messias Bento (vencido em parte. Entendi de facto, que as normas só são inconstitucionais, por limitarem intoleravelmente o direito ao recurso, quando interpretadas em termos de haver rejeição do recurso, sem prévio convite ao aperfeiçoamento) Luís Nunes de Almeida (com declaração idêntica à do Exmº Cons. Messias Bento)