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Processo n.º 228/03
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Por decisão sumária do relator, de 20 de Março de
2003, foi decidido não conhecer do objecto do presente recurso, por inadmissibilidade deste, não se condenando o recorrente em custas, com invocação do artigo 73.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, que dispõe que “os processos de extradição são gratuitos (...)”.
Notificados dessa decisão, vieram:
– o Ministério Público requerer a sua reforma quanto a custas, por entender que há lugar a condenação do recorrente em custas; e
– o recorrente reclamar para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), contra a decisão de não conhecimento do recurso.
2. A aludida decisão sumária é do seguinte teor:
“1. A. interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e i), 1.ª parte, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Fevereiro de 2003, que negou provimento ao recurso por ele deduzido contra o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de Dezembro de
2002, que autorizou a sua extradição para a Bélgica, «com vista ao novo julgamento pelos descritos crimes de homicídio e incêndio, eventualmente praticados em 22 de Janeiro de 1989, em De Panne».
No requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional aduz o recorrente:
«São fundamentos:
l – O douto acórdão ora proferido considera em síntese conclusiva pela improcedência da oposição à extradição referindo que fica assegurada a efectivação plena da garantia oferecida, in casu, pelo Estado requisitante
(Reino da Bélgica) – não aplicando ao recorrente a pena de prisão perpétua e que
“a decisão concedente da mesma extradição transporta, contida em si e como seu condimento, dela indissociável e a ela inerente, a condição resolutiva de que a sobredita garantia se pragmatizará nos moldes apontados, integralmente e sem qualquer desvio, sob cominação de, se isso não suceder, se tornar exigível a devolução do extraditando em Portugal”.
2 – Ora, analisando o douto acórdão proferido verifica-se, pois inconstitucionalidades (sic).
3 – O douto acórdão proferido vai contra o artigo 30.°, n.° 1, da CRP conjugado com os princípios da universalidade, igualdade e equiparação dos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal, em matéria de direitos, uma vez que é constitucionalmente vedada a extradição quando ao crime corresponda prisão perpétua.
4 – Salienta-se que a norma do artigo 6.°, n.º 1, alínea f), da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, é inconstitucional por violação do artigo citado do número anterior, quando interpretada de modo a não proibir a extradição por casos em que seja juridicamente possível a aplicação da pena de prisão perpétua, embora não seja previsível a sua aplicação, por terem sido dadas garantias nesse sentido pelo Estado requisitante, conforme acórdão do Tribunal Constitucional n.° 474/95, de 17 de Agosto de 1995 (Proc. n.º 518/94).
5 – Na interposição / motivação do recurso oportunamente interposto
(em 9 de Janeiro de 2003), o arguido, ora requerente, já havia suscitado a inconstitucionalidade de determinadas normas nos seguintes termos:
5.1. O douto tribunal faz, com o devido respeito, incorrecta e indevida interpretação / valoração da garantia concedida pelo Estado Belga, não se mostrando esta garantia concreta, vinculativa e irrevogável por parte dos
órgãos jurisdicionais, que são soberanos e independentes do Estado.
5.2. Importa realçar que o arguido, ora recorrente, após ser extraditado terá necessariamente que ser submetido a julgamento, e nesse contexto será apreciada a medida da pena a aplicar, que no caso em concreto será pena de prisão perpétua.
5.3. Faz o douto Tribunal, com o devido respeito, incorrecta e indevida interpretação no caso em apreço, por violação dos artigos 33.°, n.° 4,
32.°, n.º 1, 30.º, n.º 1, 26.º, n.º 1, da CRP e o artigo 13.° da Lei Fundamental.
5.4. Interpretado no sentido em que o foi pelo douto despacho recorrido, a oposição à extradição encontra-se ferida de verdadeira inconstitucionalidade material por violação, entre outros, dos artigos 33.°, n.° 4, 32.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, 26.°, n.° 1, e artigo 13.° da CRP.
6 – Deste modo, a legitimidade e oportunidade do requerente radica nas disposições conjugadas:
– do artigo 280.°, n..° 1, alínea b), da CRP;
– do artigo 280.°, n.°s 4 e 5, da CRP;
– dos artigos 70.°, n.° 1, alíneas b) e i), 1.ª parte, 71.º, n.º 1,
72.°, n.° 1, alínea b), e n.° 3, e artigo 75.°-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, e novamente alterada pela Lei n.º 88/95, de l de Setembro, e ainda pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.»
O recurso foi admitido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, decisão que, porém, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo
76.º, n.º 3, da LTC), e, efectivamente, entende-se que, no caso, o recurso é inadmissível, e, por isso, não se pode conhecer do seu objecto, o que possibilita a prolação de decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.
2. Como se relatou, o recorrente estriba a interposição do recurso na 1.ª parte da alínea i) e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
O primeiro fundamento é manifestamente improcedente: em parte algum do requerimento de interposição do recurso o recorrente refere qualquer recusa, por parte do tribunal recorrido, de aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, nem tal recusa ocorreu no acórdão impugnado.
Quando à invocação da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, é sabido que só podem constituir objecto do recurso de constitucionalidade questões de inconstitucionalidade normativa, isto é, objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional só pode ser a conformidade constitucional de normas ou de interpretações normativas e não a conformidade constitucional de decisões judiciais em si mesmas consideradas. E, tratando-se de recurso interposto ao abrigo da referida alínea b), importa ainda que a questão de inconstitucionalidade normativa haja sido suscitada durante o processo, esclarecendo o n.º 2 do artigo 72.º da LTC que tal recurso só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve “lapso manifesto” do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
Só assim não será nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Expostos estes critérios, fácil é demonstrar que o recurso interposto tem de ser rejeitado por falta de verificação dos apontados requisitos.
Na verdade, antes de proferido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça ora recorrido nunca o recorrente suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, antes imputou a violação da Constituição directamente ao próprio acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Para constatar esta evidência, basta ler as alegações do respectivo recurso, assim condensadas nas correspondentes conclusões:
“1.º – O ora recorrente é acusado na Bélgica de ter cometido um crime doloso de homicídio e de fogo posto por factos alegadamente cometidos pelo mesmo em 22 de Janeiro de 1989, crimes estes a que corresponde uma pena abstracta de prisão perpétua.
2.º – O recorrente foi considerado contumaz pelo Presidente do Tribunal Criminal de Bruges, tendo sido condenado, pelos magistrados do Tribunal Criminal, a uma pena de prisão de 25 anos.
3.º – No que respeita ao regime de contumácia existente no ordenamento jurídico belga esta condenação é apenas uma pena formal, em termos processuais, pois não visa a sua própria execução, uma vez que o recorrente, ao ser extraditado e apresentado às autoridades judiciárias belgas, será novamente julgado e condenado a pena de prisão perpétua.
4.º – Ainda que sejam apresentadas quaisquer circunstâncias atenuantes, as mesmas são dotadas de carácter facultativo pelo que serão sempre objecto da apreciação soberana do tribunal, podendo sempre o tribunal julgar pela aplicação da pena de prisão perpétua.
5.º – Pelo que, nos termos do disposto nos artigos 33.º, n.º 4, da CRP e 6.º, n.º 1, alínea f), e n.º 2, alínea b), da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, para que o tribunal português possa autorizar a extradição do ora recorrente é necessário que o Estado requisitante (Estado da Bélgica) ofereça garantias de que a pena de prisão perpétua não será aplicada ou executada.
6.º – Ora, o Governo Belga limita-se a apresentar a garantia de que o aqui recorrente, caso lhe seja aplicada, pelos tribunais, a pena de prisão perpétua, tem o direito de submeter o caso à apreciação da “commission de libération conditionnelle”, a qual poderá, ou não, decidir da concessão da liberdade condicional, após a atribuição da pena, após a atribuição efectiva da pena (sic).
7.º – Apresentando apenas alguns dados estatísticos, procurando com os mesmos aparentar uma falsa garantia de que a liberdade condicional será, eventualmente, concedida, a pedido do recorrente.
8.º – Sem dar, porém, quaisquer garantias de que a respectiva
“commission de libération conditionnelle” se pronunciará positivamente no sentido da concessão da liberdade condicional.
9.º – Ora, como se referiu relativamente ao comunicado da imprensa belga datado de 18 de Junho de 2002 (documento n.° 1), existem nas prisões belgas 246 detidos a cumprir pena de prisão perpétua, não se alcançando a duração da mesma.
10.º – Neste sentido, o Estado belga, efectivamente, não dá, como é exigido pela lei constitucional portuguesa, uma “garantia formal” de que não será, efectivamente, aplicada ao recorrente a pena de prisão perpétua.
11.º – Pois é de realçar que os pedidos de liberdade condicional recentemente efectuados têm sido recusados, tendo como exemplo os casos de Freddy Horion e Pierre Carette – vide documento n.° 1.
12.º – Não pode, pois, a declaração do Governo Belga constituir
“garantia segura de que o Estado da Bélgica não se desvinculará do compromisso assumido Estado a Estado”.
13.º – Pois nem sequer existe uma garantia do Estado da Bélgica no sentido da não aplicação da pena perpétua pelas autoridades judiciais como
órgãos de soberania encarregados da aplicação e da execução das penas.
14.º – Mais se adianta que, de modo algum, a pena de liberdade condicional poderá ser apresentada como um garantia alternativa à pena de prisão perpétua porque, na verdade, ela própria depende da aplicação da pena perpétua pelas autoridades judiciais com poder de decisão soberano, e, tendo na sua génese a pena de prisão perpétua, ela própria nunca deixará de ser vista como pena de prisão perpétua...
15.º – Nestes termos, e interpretando a “declaração de princípio” do Estado da Bélgica conforme aos dispositivos legais inscritos nos artigos
30.°, n° 6, da CRP e 6.°, n.° 1, alínea f), e n.° 2, alínea b), da Lei n.°
144/99, de 31 de Agosto, deverá ser revogado o douto acórdão em recurso e substituído por outro mais acertado e correcto, que, julgando procedente a oposição à extradição deduzida pelo ora apelante, não autorize a sua extradição para o Estado requisitante.»
Como se constata, nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa foi suscitada pelo recorrente – designadamente a da norma do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, mencionada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade –, antes de o Supremo Tribunal de Justiça ter proferido o acórdão agora recorrido, quando o devia e podia ter sido, em ordem a facultar a dedução de recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
3. Em face do exposto, decide-se, ao abrigo do n.º 1 do artigo
78.º-A da LCT, não conhecer do objecto do recurso, por inadmissibilidade do mesmo.
Sem custas (artigo 73.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).”
3. A reclamação do recorrente encontra-se formulada nos seguintes termos:
“1) O recorrente, aquando da interposição do recurso do tribunal de 1.ª Instância para o Tribunal da Relação, levantou a inconstitucionalidade do artigo 6.°, n.° 1, alínea f), cfr. cópia do recurso então interposto o qual se anexa (vide parágrafo 2 conjugado com parágrafo 6 das conclusões do referido recurso), doc. 1.
2) O recorrente, no recurso que interpôs do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, alegou de novo o problema da inconstitucionalidade conforme consta das alegações de recurso do qual se junta cópia. Ver, nomeadamente, o n.° 2, ponto 8 da parte dispositiva e conclusão n.° 5 conjugada com o n.° 15 das conclusões do referido recurso, doc. 2.
3) O aqui recorrente, apesar de ter conhecimento que existe um acordo entre o Estado Português e o Estado Belga, no sentido de extraditar cidadãos que tenham cometido crimes, cuja pena se efective em prisão perpétua ou pena de morte, não aceita a decisão deste Douto Tribunal em não reconhecer o objecto do recurso por a inconstitucionalidade não ter sido alegada, uma vez que, conforme se vê e compulsa nos documentos referidos, nos pontos 1 e 2 deste requerimento, a inconstitucionalidade foi levantada nos recursos, quer do tribunal de 1.ª Instância para o Tribunal da Relação, quer da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
4) O recorrente considera esta decisão insólita, porque decide abertamente pela não admissibilidade do recurso com base na falta de alegação da inconstitucionalidade. No entanto, como se verifica, a inconstitucionalidade foi levantada, pelo que existe uma contradição deste Douto Tribunal por não admitir o recurso.
Requer-se a V. Ex.as Srs. Conselheiros que substituam o despacho anteriormente proferido por outro que admita o recurso por a alegada inconstitucionalidade ter sido, de facto, invocada em todos os recursos antes do referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.”
Notificado desta reclamação, o representante do Ministério Público neste Tribunal Constitucional apresentou a resposta de fls.
350, na qual refere:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente, em nada abalando o teor e fundamento da douta decisão reclamada.
2 – Na verdade, ao contrário do que pretende o reclamante, não se mostra suscitada, em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para integrar o objecto do recurso de fiscalização concreta interposto.”
Contrariamente ao sustentado pelo ora reclamante, o mesmo nunca suscitou, antes de proferido o acórdão recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, nomeadamente a inconstitucionalidade da norma do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), da Lei n.º 144/99 ou de qualquer interpretação normativa deste preceito. Não o fez, designadamente, nos locais que, na sua reclamação, indica como sendo aqueles em que terá levantado tal questão.
Para constatar tal, basta reproduzir o que o reclamante efectivamente aduziu nesses locais. Assim, nas invocadas conclusões da alegação para o Tribunal da Relação, o que o reclamante referiu foi o seguinte:
“Dada esta dúvida, que é mais do que certa, no sentido de o arguido ser condenado a prisão perpétua, não deverá o mesmo ser extraditado para a Bélgica, nos termos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 6.º, n.º 1, alínea f), e n.º 2, alínea b), da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto).
(...)
Nestes termos, a extradição do detido para o seu país de origem não tem qualquer cabimento, para além de ser totalmente proibida, pelo que não pode o pedido de extradição ser deferido, ou o mesmo está ferido de inconstitucionalidade, nos termos do artigo 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa.”
E no ponto 2.8 e nas conclusões 5.ª e 15.ª das alegações para o Supremo Tribunal de Justiça refere o recorrente:
“2.8. Pelo que, nos termos do disposto nos artigos 33.º, n.º 4, da CRP e 6.º, n.º 1, alínea f), e n.º 2, alínea b), da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, para que o tribunal português possa autorizar a extradição do ora recorrente é necessário que o Estado requisitante (Estado da Bélgica) ofereça garantias de que a pena de prisão perpétua não será aplicada ou executada.
(...)
Conclusões:
(...)
5.º – Pelo que, nos termos do disposto nos artigos 33.º, n.º 4, da CRP e 6.º, n.º 1, alínea f), e n.º 2, alínea b), da Lei n.° 144/99, de 31 de Agosto, para que o tribunal português possa autorizar a extradição do ora recorrente é necessário que o Estado requisitante (Estado da Bélgica) ofereça garantias de que a pena de prisão perpétua não será aplicada ou executada.
(...)
15.º – Nestes termos, e interpretando a “declaração de princípio” do Estado da Bélgica conforme aos dispositivos legais inscritos nos artigos
30.°, n° 6, da CRP e 6.°, n.° 1, alínea f), e n.° 2, alínea b), da Lei n.°
144/99, de 31 de Agosto, deverá ser revogado o douto acórdão em recurso e substituído por outro mais acertado e correcto, que, julgando procedente a oposição à extradição deduzida pelo ora apelante, não autorize a sua extradição para o Estado requisitante.”
Das transcrições resulta manifesta a não suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pelo que a reclamação do recorrente não pode proceder.
4. A reclamação do Ministério Público quanto à não condenação em custas encontra-se assim fundamentada:
“1 – A decisão proferida não condenou o recorrente em custas, com fundamento na regra da gratuitidade do processo de extradição.
2 – A jurisprudência deste Tribunal tem, porém, considerado que tal isenção assume natureza objectiva, não valendo, consequentemente, face ao específico regime de custas em processo constitucional, que apenas considera relevantes, para tal efeito, as isenções subjectivas de custas (cfr., v. g., acórdãos n.°s
35/00 e 56/00).
3 – Sendo, aliás, prática reiterada a que se traduz em condenar em custas os recorrentes em processo de extradição, nas causas em que se mostram preenchidos os específicos pressupostos de que a Lei do Tribunal Constitucional faz depender tal condenação.
4 – Termos em que – de acordo com tal jurisprudência – se vem requerer a reforma da douta decisão proferida nos autos.”
Notificado o recorrente, apresentou a resposta de fls.
353, na qual, para além de invocar a disposição do artigo 73.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, refere não auferir rendimentos desde a data da sua detenção à ordem deste processo (4 de Outubro de 2002), pelo que não possui meios para custear as custas do processo.
Assiste razão ao reclamante. Com efeito, a questão suscitada já foi apreciada por este Tribunal, no Acórdão n.º 56/00, proferido em reclamação do recorrente (extraditando) contra a sua condenação em custas, e no qual se sustentou a tributação em custas dos recursos de constitucionalidade emergentes de processos de extradição, com a seguinte fundamentação:
“2. Sucede, porém, que o artigo 84.º da referida Lei n.º 28/82 não tem o conteúdo que o reclamante lhe atribui, desde as alterações introduzidas pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro. Com efeito, de acordo com o texto vigente do seu n.º 2, deve ser condenada em custas «a parte que decair, nos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º em que [o Tribunal] conheça do respectivo objecto»; e, segundo o n.º 3, igualmente será o recorrente condenado em custas quando o Tribunal «não tomar conhecimento do recurso, por não verificação de qualquer pressuposto da sua admissibilidade». Ora no presente recurso o Tribunal não conheceu de parte do objecto, por falta de pressupostos de admissibilidade (alíneas a), b) e c) da decisão) e julgou improcedente o recurso quanto ao restante (alínea d) da decisão). Tornava-se, assim, necessário condenar o recorrente em custas, que foram calculadas segundo os critérios fixados pelo Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (cfr. n.º 5 do citado artigo 84.º da Lei n.º 28/82).
3. Também não se pode deduzir qualquer isenção de custas do disposto no n.º 1 do artigo 73.º do Decreto-Lei n.º 43/91, segundo o qual «Os processos de extradição são gratuitos (...)». Com efeito, e independentemente da determinação do exacto alcance desta disposição, a verdade é que existe um regime especial de custas para os recursos no Tribunal Constitucional, e que apenas admite isenção de custas nos casos de «isenções subjectivas» previstas no artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, como dispõe, expressamente, o n.º 1 do artigo 4.º do citado Decreto-Lei n.º 303/98. Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão recorrida no que toca à condenação em custas.”
Entende-se ser de manter este entendimento, o que conduz ao deferimento da reclamação do Ministério Público.
Apenas se acrescentará que a alegada carência actual de meios para o recorrente pagar as custas, aduzida na sua resposta, somente poderá relevar em sede de eventual não instauração da execução por custas, mas não na determinação da responsabilidade do recorrente pelo seu pagamento.
5. Em face do exposto, acordam em: a) Indeferir a reclamação do recorrente, confirmando a decisão de não conhecimento do objecto do recurso; e b) Deferir a reclamação do Ministério Público, alterando a decisão sumária no sentido de se condenar o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) unidades de conta. b) Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 14 de Abril de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Luís Nunes de Almeida