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Proc. nº 725/99
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. C..., Lda., notificada da decisão sumária que, por não estarem verificados os pressupostos processuais exigidos no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, decidiu não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade por ela interposto, veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da mesma Lei.
Argumentou, em síntese, que:
'[...]
4. [...] a recorrente não discute que em devido tempo foi notificada para apresentar o rol de testemunhas e requerer outras provas, nos termos do disposto no CPC, que o despacho respectivo transitou em julgado e que, no prazo que lhe foi concedido e que decorre da lei, não apresentou qualquer rol de testemunhas.
5. O que a recorrente discute e quer ver apreciado em matéria de constitucionalidade é precisamente se poderia, ou não, embora não tendo apresentado o rol de testemunhas no primeiro prazo que lhe foi concedido, lançar mão da disposição contida no artº 512º-A, do CPC, pela qual as partes podem até
20 dias antes da audiência de julgamento alterar o rol apresentado.
[...]
7. [...] se se entendesse, como o faz a decisão reclamada, que não poderia conhecer-se de recurso para o Tribunal Constitucional nos casos em que a norma reputada de inconstitucionalidade, na concreta interpretação que dela fizeram as instâncias (como é o caso dos autos) não tivesse sido aplicada por virtude dessa mesma interpretação, restritiva, então, nestes casos nunca o Tribunal Constitucional poderia ser chamado a apreciar a inconstitucionalidade decorrente da interpretação que as instâncias pudessem fazer dessas normas, nos casos em que entendessem que as mesmas se não aplicavam concretamente à situação apresentada.
8. Ou seja, sempre que um Tribunal resolvesse que determinada norma se não aplicava ao caso concreto, defendendo uma das partes processuais o contrário e que a interpretação feita de não aplicação se traduzia numa inconstitucionalidade concreta, então nunca o Tribunal Constitucional poderia sindicar em matéria de constitucionalidade ou inconstitucionalidade a interpretação que esse Tribunal teria feito dessa mesma norma.
9. Abertas estariam, assim, as portas para furtar à apreciação do Tribunal Constitucional a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de todas as normas nas interpretações que os Tribunais concretamente delas fizessem, quando dessas interpretações resultasse a não aplicação por esses Tribunais dessas mesmas normas.
[...]
14. [...] a recorrente defende que a disposição contida no artº 512º-A, do CPC, tem de ser interpretada não no seu sentido literal, objectivo, mas lançando mão de uma interpretação subjectiva e conforme ao espirito do legislador, espírito este que foi o dar às partes a possibilidade de até 20 dias antes da audiência apresentarem novas provas, nomeadamente testemunhal, tudo com o objectivo de permitir ao julgador aplicar uma justiça mais material e menos formal.
[...]
17. É nesta impossibilidade de apresentação de um rol de testemunhas, ou seja, de novas provas testemunhais, quando não exista qualquer rol prévio, que a recorrente vê uma interpretação da norma que redunda numa inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, tal como melhor se explana nas respectivas alegações.
18. Assim, a não aplicação ao caso concreto da norma reputada de inconstitucional, na concreta interpretação que dela fizeram as instâncias e o Supremo, não pode servir para que o Tribunal Constitucional se demita do seu poder de apreciação em sede de inconstitucionalidade dessa norma, pois é da concreta interpretação que dela se fez, pela qual se concluiu pela sua não aplicação, que resulta a inconstitucionalidade invocada. '
2. Notificada para se pronunciar sobre a reclamação apresentada, a recorrida Mar-Ibérica – Sociedade de Produtos Alimentares, S.A. não respondeu.
3. Na decisão sumária notificada à recorrente, entendeu-se que a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que este Tribunal aprecie – a norma constante do artigo 512º-A do Código de Processo Civil – não havia sido aplicada, como fundamento da decisão, no acórdão recorrido.
Com efeito, lê-se nessa decisão sumária que 'o fundamento da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça [acórdão de 12 de Outubro de 1999, fls. 156 e seguintes] não pode ver-se na norma do artigo 512º-A do Código de Processo Civil, mas sim no princípio geral constante do artigo 677º do mesmo Código, nos termos do qual as decisões se consideram transitadas em julgado logo que não sejam susceptíveis de recurso ordinário ou de reclamação'.
Como a aplicação pelo tribunal a quo da norma cuja inconstitucionalidade se pretende submeter ao julgamento do Tribunal Constitucional constitui um dos pressupostos essenciais de admissibilidade do tipo de recurso interposto (o recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82), concluiu-se não estarem verificados os pressupostos processuais do presente recurso – designadamente, por não ter sido aplicada no julgamento da causa a norma cuja inconstitucionalidade se questiona –, não podendo, como tal, o Tribunal Constitucional dele tomar conhecimento.
4. O fundamento essencial da reclamação deduzida assenta na circunstância de que, se o Tribunal Constitucional não pudesse conhecer do objecto do recurso quando uma norma não tivesse sido aplicada ao caso concreto em virtude da sua interpretação restritiva, furtar-se-ia à apreciação desse Tribunal a inconstitucionalidade de todas as normas nas interpretações que os Tribunais concretamente delas fizessem, 'quando dessas interpretações resultasse a não aplicação por esses Tribunais dessas mesmas normas'.
Isto é: uma interpretação restritiva de uma norma da qual resulte a sua inaplicabilidade ao caso concreto deve ainda considerar-se aplicação dessa norma, para efeitos de fiscalização concreta de constitucionalidade, sob pena de tal norma, nessa interpretação, nunca poder ser sindicada à luz da Constituição.
5. A argumentação da reclamante convenceu a conferência. Deve considerar-se que a norma constante do artigo 512º-A do Código de Processo Civil, na interpretação que, para utilizar as palavras da reclamante, redunda na
'impossibilidade de apresentação de um rol de testemunhas, ou seja, de novas provas testemunhais, quando não exista qualquer rol prévio', foi ainda aplicada na decisão recorrida. Não pode, assim, manter-se a decisão sumária reclamada.
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide revogar a decisão reclamada, de 11 de Janeiro de 2000, e ordenar o prosseguimento do recurso.
Lisboa, 21 de Março de 2000 Maria Helena brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida