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Proc. nº 276/99
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Paredes, em que figuram como recorrente o Ministério Público e como recorrido A..., foi recusada aplicação ao disposto no artigo 18º, nº 1, alíneas b), c), d), e) e f), em conjugação com o art. 10º, todos da POSTURA SOBRE SISTEMA DE LIXO E HIGIENE PÚBLICA da Câmara Municipal de Paredes, com fundamento na sua inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da Constituição.
2. Já neste Tribunal foi o Ministério Público, recorrente, notificado para alegar, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'1º - Estando legalmente cometida às autarquias locais a gestão dos lixos ou resíduos urbanos, abrangendo os lixos domésticos e os resíduos semelhantes, resultantes do sector de serviços e estabelecimentos comerciais ou industriais, nada obsta a que possam repercutir sobre os munícipes respectivos os custos de tal actividade ou serviço público, revestindo a obrigação pecuniária correspondente a natureza de taxa.
2º - Dada a manifesta inviabilidade prática de proceder a uma efectiva e individualizada contagem, pesagem ou medição do volume de resíduos depositados por cada munícipe, não viola o princípio da igualdade, por não constituir solução jurídica arbitrária ou discricionária, o estabelecimento do montante da taxa ou tarifa a pagar em função de presunções, alicerçadas em factos notórios ou regras de experiência.
3º - De tais presunções decorre que, em regra, todos os munícipes serão produtores de lixos ou resíduos domésticos e equiparados, sendo maior o volume dos originados por actividades comerciais ou industriais e variando tal volume normalmente em função da dimensão física do estabelecimento.
4º - Não pode inferir-se do princípio constitucional da igualdade que os processos técnicos e a periodicidade da recolha dos lixos em toda a área do município tenham de ser estritamente idênticos.
5º - Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com o juízo de constitucionalidade da norma desaplicada'.
3. Igualmente notificado para alegar, querendo, o recorrido veio dizer, a concluir:
'a) as alegações do Ministério Público, embora doutas, ignoram completamente a matéria de facto provada, cuidadosamente vertida na sentença recorrida, desviando-se, assim, do cerne da questão; b) O Tribunal recorrido, julgando ilegal a postura e materialmente inconstitucional o seu art. 18º, alíneas b), c), d), e) e f), proferiu a decisão que no caso se impunha, pelos fundamentos muito bem alinhados e eloquentemente desenvolvidos pelo ilustre julgador; c) Como acima se disse, ainda que a Postura em referência houvesse de considerar-se legal, nem por isso a Câmara Municipal poderia fixar uma taxa ao arguido e condená-lo em coima pela respectiva contra-ordenação, devendo, antes, isentá-lo do pagamento de qualquer taxa, nos termos do nº 2 do seu art. 19º, atenta a matéria de facto provada; d) O armazém do arguido não é mais do que um local onde ele deposita os farrapos que compra, aí procedendo à sua selecção e escolha, separando-os por espécies e embalando-os, com aproveitamento de papel e dos recipientes da aquisição, com destino a ulterior venda. Estas operações, mesmo a episódica reciclagem dos trapos com mescla, que já não se faz, nunca originaram a produção de qualquer lixo, como vem alegado e ficou provado e, também por isso, não deve o arguido suportar qualquer encargo, por a sua actividade não se enquadrar seguramente no princípio da responsabilidade do produtor pelos resíduos que produza, de acordo com o estatuído no nº 3 do art. 24º da Lei nº 11/87, de 7/4 (Lei de Bases do Ambiente)'.
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A questão de constitucionalidade que agora vem colocada à consideração do Tribunal Constitucional não é nova, tendo sido objecto de decisão recente deste Tribunal e, inclusivamente, desta Secção. De facto, no Acórdão nº 22/2000 (Diário da República, II série, de 24 de Março de 2000), em que estava em causa uma questão em tudo idêntica à dos presentes autos, ponderou o Tribunal Constitucional:
' (...) Conforme parece depreender-se da decisão recorrida, o juízo de inconstitucionalidade assentou na verificação de que 'este normativo (o artigo
18º, com as suas diversas alíneas), conjugado com o artigo 10º que tinha como pressuposto do pagamento da tarifa a produção de lixo e, actualmente (desde
09-08-98) é obrigatório ‘independentemente da quantidade de lixo produzido e/ou depositado’, se afigura materialmente inconstitucional, por ofender o princípio da igualdade dos munícipes de Paredes, pela incidência coactiva e desproporcionada de uma tarifa (taxa) que é exigida pelo poder administrativo, principalmente aos industriais e comerciantes, em razão de um serviço público que não é prestado nem tributado de forma igualitária, mas discriminatória, ultrapassando o que seria proporcional e razoável, já que a tarifa passou a ser
‘independentemente da quantidade de lixo produzido e/ou depositado’ (cf. o nº 2 do artigo 10º da POSTURA), o que significa que a causalidade da tarifa (taxa) nada tem a ver directamente com o lixo, mas tão-somente, com a área dos estabelecimentos, sendo apelidado como um ‘imposto de superfície’ e não a contraprestação de um serviço público prestado com um mínimo de qualidade ao consumidor obrigado a pagá-lo, sob pena de procedimento contra-ordenacional'. Não figura no requerimento de interposição de recurso qualquer referência ao nº
2 do artigo 10º da Postura; não sendo admissível a ampliação do objecto do recurso nas alegações, não pode considerar-se a norma correspondente, não se apreciando, portanto, a questão da conformidade constitucional da imposição do pagamento da tarifa mas, tão somente, a definição do critério de cálculo do montante devido, para o lixo industrial. Também não serão analisadas as regras relativas às diversas formas de recolha do lixo (artigo 3º da Postura), como parecem sugerir as alegações do recorrente, ao referir os 'processos técnicos e a periodicidade de recolha dos lixos', por também excederem o objecto do presente recurso. Considera-se, finalmente, que a omissão da alínea d) no mesmo requerimento de interposição de recurso, que indica como 'norma cuja aplicação foi recusada e que deverá ser objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional: Artº 18º, nº
1 alíneas b); c); e) e f) da postura...' se deve a lapso de escrita evidente, detectado do confronto do requerimento de interposição de recurso, quer com a decisão recorrida, quer com as alegações, sendo certo que não teria qualquer sentido a interposição do presente recurso se não se pretendesse abranger a alínea d).
4. É o seguinte o teor do referido artigo 18º, na parte relevante: Artigo 18º
1. As tarifas previstas no artigo 10º são definidas nos seguintes termos:
(...) D) INDÚSTRIA, INDÚSTRIA HOTELEIRA e afins (designadamente CAFÉS, BARES, RESTAURANTES) OFICINAS DE REPARAÇÃO, HOSPITAIS, CENTROS DE SAÚDE, CLÍNICAS MÉDICAS E SUPERMERCADOS: a tarifa a pagar é determinada pela área em m2 correspondente a cada estabelecimento
(...)
– com área de 601 A 800 m2............................8.000$00
(...) O Tribunal Constitucional já por diversas vezes se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma constante do nº 2 do artigo 10º da Postura em questão, que determina a obrigação de pagamento de uma tarifa independentemente da 'quantidade de lixo produzida e/ou depositada'. Como se disse, esta norma não integra o objecto do presente recurso; é, todavia, conveniente recordar que, segundo jurisprudência constante, este Tribunal julgou que tal tarifa, não obstante incidir sobre todos os munícipes e não depender da quantidade de lixo efectivamente produzido, se traduz numa verdadeira taxa e não num imposto (cfr., entre outros, os acórdãos nºs 1139/96, 1140/96, 140/97 e
141/97 deste Tribunal). O Tribunal Constitucional considerou então não ser ilegítimo, do ponto de vista constitucional, fazer assentar numa presunção a determinação do índice para a definição do montante a cobrar, até por ser impossível a determinação individual do volume de lixo efectivo. Assim, no acórdão nº 1139/96, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Fevereiro de 1997, julgou-se que a imposição das tarifas à totalidade dos munícipes (e todos, seguramente, hão-de, em menor ou maior quantidade,
'produzir' lixo) não é algo que se configura como ilógico, aleatório, desproporcionado ou dependente de presunção irrealista, motivo pelo qual se não deverá deixar de concluir que a base, pressuposto ou índice da determinação dos sujeitos àquelas tarifas também não conduziria (...) a transmutar a natureza de taxa da tarifa em crise.' No acórdão nº1140/96, publicado também no Diário da República, II Série, de 10 de Fevereiro de 1997, afirmando-se embora que 'o montante da tarifa não se acha fixado nesse artigo 10º., nº.2, sim no artigo 18º., que não constitui objecto do recurso. Depois, os montantes constantes deste artigo 18º. – que, quanto aos lixos industriais e especiais, varia em função da área do estabelecimento – não se revelam excessivos. Finalmente, o próprio facto de o montante da tarifa exceder, eventualmente, o custo do serviço de recolha e destino do lixo não é, de per si, suficiente para que tal tributo deva ficar submetido ao regime dos impostos.
De facto, como se sublinhou no acórdão nº.640/95 (publicado no Diário da República, II série, de 20 de Janeiro de 1996), a propósito das portagens, a pagar pela utilização da Ponte sobre o Tejo, cujos montantes foram fixados pela Portaria nº.351/94, de 3 de Junho, as opções feitas pelo legislador (ou pela Administração) na fixação do montante das taxas são, em princípio, insindicáveis por este Tribunal, que, quando muito, poderá cassar as decisões legislativas (ou regulamentares), se, entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, houver uma desproporção intolerável - se a taxa for de montante manifestamente excessivo.'
Embora no presente recurso apenas esteja em causa o critério de definição do montante da tarifa a pagar, e não o âmbito subjectivo dessa obrigação, a verdade é que são transponíveis as razões apontadas.
Assim, tal como não é viável fazer funcionar um sistema municipal de recolha de lixo se houver, caso a caso, que determinar quem o produz e quem o não produz, justificando-se a presunção de que provém de todos os munícipes, também se não afigura viável determinar que quantidade de lixo resulta, em geral, de cada um. Note-se que há tarifas próprias para os 'lixos especiais', nos termos da al. F) do nº 1 do artigo 18º da Postura. Para além disso, e como se escreveu no acórdão nº 640/95, num trecho já atrás transcrito, cabe na liberdade do legislador (da Administração, mediante regulamento, no caso) a determinação do montante das taxas a cobrar, não competindo a este Tribunal a sua apreciação, a não ser que 'entre o montante do tributo e o custo do bem ou serviço prestado, [haja] uma desproporção intolerável - se a taxa for de montante manifestamente excessivo.' Não é, seguramente, o caso. Não se afigurando desrazoável nem arbitrário o índice escolhido – a área do estabelecimento industrial – nem de montante manifestamente excessivo o quantitativo definido para cada área, não pode haver-se como infringido o princípio da igualdade. Assim, decide-se não julgar inconstitucional a norma constante da alínea D) do nº 1 do artigo 18º da Postura sobre Sistema de Lixos e Higiene Pública, determinando-se, consequentemente, a reforma da decisão recorrida, no que toca à questão de constitucionalidade.
5. É esta jurisprudência que, por manter inteira validade, mais uma vez agora há que reiterar. III Decisão Pelo exposto, decide-se não julgar inconstitucional a norma constante da alínea d) do nº 1 do artigo 18º da Postura sobre Sistema de Lixos e Higiene Pública, da Câmara Municipal de Paredes, determinando-se, consequentemente, a reforma da decisão recorrida, no que toca à questão de constitucionalidade. Custas pelo recorrido, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 5 de Abril de 2000 José de Sousa e Brito Messias Bento Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida