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Proc. nº 621/99
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, foi julgada procedente a impugnação deduzida pela Empresa N... Lda. contra a liquidação da taxa de publicidade relativa aos anos de 1993, 1994 e 1995, efectuada pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, no valor de 7.236.900$00.
A liquidação havia sido feita com base no 'Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas e outras Receitas Municipais e respectiva Tabela', aprovado pela Assembleia Municipal em 15 de Dezembro de 1992, e alterado em 4 de Dezembro de 1995.
O Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto julgou formalmente inconstitucional o mencionado Regulamento, por não conter a indicação da lei habilitante, violando assim a exigência estabelecida pelo nº 7 do artigo 115º da Constituição da República Portuguesa, na versão vigente ao tempo em que tal Regulamento foi aprovado.
2. Desta sentença foi interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, 'relativamente à parte em que foi recusada, por inconstitucionalidade, a aplicação da norma, a qual parece ser, atenta a não indicação explícita de nenhuma ali, e por mero palpite, a do art. 6º e (ou) 8º da tabela anexa ao Regulamento de Taxas e outras Receitas do Município da Póvoa de Varzim'. O recurso foi admitido por despacho de fls. 143.
Notificado para aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, disse o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional:
'A norma regulamentar desaplicada na decisão recorrida, com base na sua inconstitucionalidade formal, decorrente de falta de indicação pelo regulamento em que se insere da lei habilitante, é a que se reporta à criação e definição do
âmbito da taxa municipal relativa a publicidade, mediante painéis, que, na
óptica de decisão recorrida, decorrerá dos artigos 1º e 2º do Regulamento de Taxas e Outras Receitas do Município da Póvoa de Varzim, conjugados com o artigo
8º – 3ª Secção – da Tabela anexa (cfr. fls. 123 e 127 dos autos).'.
3. Nas alegações que apresentou, o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:
'1º- Não constando do texto do Regulamento de Taxas e outras receitas municipais da Póvoa de Varzim, aprovado em 1995, qualquer menção ou referência à respectiva lei-habilitante, é o mesmo formalmente inconstitucional, por violação do nº 8 do actual artigo 112º da Constituição da República Portuguesa (correspondente ao nº
7 do anterior artigo 115º).
2º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida.'.
A Empresa N..., Lda., remetendo para as alegações do Ministério Público, reiterou aquelas conclusões.
II
4. O presente recurso tem por objecto a constitucionalidade das normas sobre a criação e definição do âmbito da taxa municipal relativa a publicidade mediante painéis, constantes do Regulamento de Taxas e outras Receitas do Município da Póvoa de Varzim, conjugadas com o artigo 8º, 3ª Secção, da Tabela anexa, que o Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto julgou formalmente inconstitucionais, por violação do artigo 115º, nº 7, da Constituição da República Portuguesa, e que, nos termos do artigo 204º da Constituição, se recusou a aplicar.
5. Dispunha o artigo 115º, nº 7, da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1989, vigente ao tempo em que o Regulamento foi aprovado (e alterado): 'Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão'.
Sobre o sentido e alcance do mencionado preceito constitucional
(cujo texto se mantém desde a Lei Constitucional nº 1/82 e que hoje consta do artigo 112º, nº 8), disse este Tribunal no acórdão nº 76/88 (Diário da República, I Série, nº 93, de 21 de Abril de 1988, p. 1547 ss):
'É, pois, claro, [...] que abrangidos pela regra bidireccional do nº 7 do artigo
115º da Constituição da República Portuguesa estão todos os regulamentos, nomeadamente os que provenham do Governo [...] e dos órgãos próprios das autarquias locais [...]. Todos esses regulamentos, de um ou de outro modo, estão umbilicalmente ligados a uma lei, à lei que necessariamente precede cada um deles, e que, por força do disposto no nº 7 do artigo 115º da Constituição da República Portuguesa, tem de ser obrigatoriamente citada no próprio regulamento. O papel dessa lei precedente – di-lo o nº 7 do artigo 115º – não é sempre o mesmo. Umas vezes a lei a referir é aquela que o regulamento visa regulamentar. Será esse o caso dos regulamentos de execução stricto sensu ou dos regulamentos complementares. Outras vezes a lei a indicar é a que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão. De facto, no exercício do poder regulamentar têm de ser respeitados diversos parâmetros, e assim é que «cada autoridade ou órgão só pode elaborar os regulamentos para cuja feitura a lei lhe confira competência, não podendo invadir a de outras autoridades ou órgãos (competência subjectiva)» e nessa «feitura deverá visar-se o fim determinante da atribuição do poder regulamentar (competência objectiva)» – Afonso Rodrigues Queiró, «Teoria dos regulamentos», Revista de Direito e Estudos Sociais, ano XXVII, nºs 1-2-3-4, p.
19. A necessidade de citação dessa lei definidora da competência, subjectiva e objectiva da autoridade ou órgão que emite o regulamento, verificar-se-á designadamente no caso dos regulamentos autónomos.'
Ora, o Regulamento de Taxas e outras Receitas do Município da Póvoa de Varzim
(cuja cópia integral consta de fls. 121 a 130 destes autos), que constitui um autêntico regulamento, não se refere nem directa nem indirectamente à lei que visa regulamentar ou que define a competência do órgão autárquico para a sua emissão.
É deste modo patente a inconstitucionalidade formal do Regulamento de Taxas e outras Receitas do Município da Póvoa de Varzim, por violação do disposto no artigo 115º, nº 7, da Constituição da República Portuguesa (versão de 1989).
Assim decidiu este Tribunal, também em relação a um regulamento de taxas municipais, no acórdão nº 509/99 (Diário da República, II Série, nº 65, de
17 de Março de 2000, p. 5173).
III
6. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que se refere ao julgamento de inconstitucionalidade. Lisboa, 21 de Março de 2000 Maria Helena Brito Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa