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Proc. Nº 605/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório Em autos de inquérito, pendentes no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, foi declarado encerrado o inquérito e determinado o seu arquivamento, por despacho proferido pelo Ministério Público, nos termos do artigo 227º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
As assistentes M... e L... requereram a abertura da instrução.
Foi, porém, proferida decisão judicial não pronunciando as arguidas e determinando o arquivamento dos autos. Nessa decisão, foi desaplicada por inconstitucionalidade a norma constante do artigo 83º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, com fundamento em que tal norma corresponde a uma gritante discriminação da vítima relativamente ao arguido que, mesmo no caso de não pronúncia, não seria tributado.
Para fundamentar tal decisão, o tribunal a quo exprimiu-se nos seguintes termos: O Art. 83º nº 2 do C.C.J. impunha a condenação da assistente em taxa de justiça no final da instrução Contudo, por se entender este Art. Inconstitucional não se aplicará. Com efeito, a condenação que pode ir até 10 Ucs. Da assistente ou do assistente que requereu a instrução e não obteve vencimento de causa contrasta flagrantemente e em violação do princípio de igualdade, com a inexistência de qualquer condenação em taxa de justiça no final da instrução requerida pelo arguido. O assistente, tal como o arguido, que requereu a abertura da instrução tem de pagar o preparo do artigo 83º, nº 1 do CCJ. Acontece, porém, que se o arguido não for pronunciado por todos ou alguns dos crimes constantes da acusação do assistente ou com que este se haja conformado, o assistente é condenado na taxa prevista no artigo 515º, nº 1, al. A) do CPP e no artigo 85º, nº 3 al. E) do novo CCJ. Mas mais: para alguns, essa taxa nada tem a ver com a fixada no artigo
83º, nº 2 do CCJ e é com ela cumulável, pelo que o assistente teria de suportar ambas (assim, Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais, 1997, p. 281 e
282)! Ou seja, a sanção do assistente no caso de não pronúncia (parcial ou total) podia elevar-se a 15 Ucs. Isto é, 210.000$00, e o arguido, no caso de pronúncia, não seria pura e simplesmente tributado!! Tão gritante discriminação vai totalmente ao arrepio da filosofia do Código Processo Penal, que atribui relevo especial à figura da vítima e ao exercício dos seus direitos no processo e não é minimamente justificada aos olhos da nova lei de custas que é movida pelo ‘princípio da causalidade’, isto é ‘as custas devem ser suportadas por quem ficou vencido na lide’, como consta do preâmbulo do novo CCJ. Assim, não aplico o art. 83º nº 2 do CCJ e declaro-o inconstitucional, razão pela qual não condeno a assistente em taxa de justiça.
Desta decisão foi interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, ao abrigo dos artigos 280º, n.º 1, alínea a), da Constituição e 70º, n.º 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma desaplicada.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação Tem o artigo 83º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, a seguinte redacção: Artigo 83º Taxa de justiça devida pela instrução
(...) Se o arguido não for pronunciado por todos ou alguns crimes constantes da acusação que haja deduzido ou com que se haja conformado, é devida taxa de justiça pelo assistente, fixada pelo juiz no final da instrução, entre 1 UC e 10 UC.
A questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos é a de uma eventual violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, por decorrer da norma desaplicada que o assistente que desencadeou a fase de instrução pague taxa de justiça no caso de da instrução não resultar a pronúncia do arguido, quando o arguido que requereu a instrução, mesmo no caso de pronúncia, não está sujeito a idêntico regime.
6. Ora, independentemente de no caso concreto poder ser discutível a aplicabilidade do artigo 83º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, já que o assistente não chegou a deduzir acusação, mas apenas suscitou a comprovação judicial da decisão de arquivamento do inquérito, e para além de quaisquer considerações teleológicas e de justiça na interpretação do direito ordinário, o certo é que o Tribunal recorrido entendeu desaplicar tal norma do Código das Custas e foi, portanto, a desaplicação de tal norma a ratio decidendi da decisão de não condenação das assistentes em taxa de justiça. Ora, a dimensão normativa do artigo 83º, nº 2, do Código das Custas implicada na decisão do Tribunal a quo não viola efectivamente a igualdade, não sendo discriminatória.
Com efeito, ela apenas exprime a preferência do legislador pelo princípio de correspondência entre as custas e a actividade processual dos sujeitos processuais vencidos, relativamente à protecção do direito de litigar em matéria criminal. O facto de o arguido requerente da instrução no caso de não pronúncia não Ter idêntico tratamento apenas se deve à preponderância constitucional do direito de defesa do arguido sobre tal princípio processual, perfeitamente justificada em face do artigo 32º da Constituição. Na verdade, a dimensão garantística do Processo Penal, dada a sua repercussão nos direitos e liberdades fundamentais do arguido, impede qualquer compreensão do Processo Penal como um processo de partes ou uma visão simétrica dos direitos do arguido e do assistente quanto aos modos de concretização das garantias de acesso à justiça.
Assim, também do ponto de vista do interesse público de relevância constitucional, a garantia de uma efectivação do direito de defesa, enquanto expressão de tutela do indivíduo contra potenciais abusos do poder punitivo, merece uma tutela mais intensa do que quaisquer garantias decorrentes da posição processual de assistente, em que não se tenha reflectido qualquer interesse punitivo da sociedade, como acontecerá nos casos de não pronúncia do arguido. Não há, aliás, em virtude das garantias de defesa uma verdadeira igualdade de armas entre a defesa e a acusação que atribua à acusação as mesmas condições para protecção da sua posição processual, sendo na configuração constitucional do Processo Penal português a estrutura acusatória ainda uma condição de plenitude das garantias de defesa do processo criminal [artigo 32º (epígrafe) e nº 5].
III Decisão Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 83º, nº 2, do Código das Custas Judiciais, concedendo provimento ao recurso e determinando, consequentemente, a reforma da decisão recorrida de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 28 de Março de 2000 Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa