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Procº nº 1082/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Tendo a Licª R... impugnado contenciosamente junto da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo o despacho do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, datado de 16 de Fevereiro de 1994 e que lhe negou o direito à passagem imediata à situação de aposentação voluntária bonificada, veio aquele Alto Tribunal, por acórdão de 21 de Novembro de 1995, negar provimento ao recurso.
Desse aresto interpôs a impugnante recurso para o Pleno daquela 1ª Secção, mas, como não procedeu ao pagamento das respectivas custas, por despacho de 28 de Maio de 1996, proferido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, foi tal recurso julgado deserto.
Notificada deste despacho, a recorrente fez juntar aos autos, em 18 de Junho de 1996, requerimento no qual disse que a sua notificação para proceder ao pagamento das custas não foi devida e regularmente efectuada, já que a mesma
'n[ã]o foi acompanhada das guias respectivas, como impõe o art. 222º, nº 1 do Código das Custas Judiciais', solicitando, por isso, a efectivação de nova notificação, com junção das 'necessárias guias para o efeito'.
Por despacho de 7 de Outubro de 1996, prolatado pelo mesmo Conselheiro Relator, por se entender que o anterior despacho de 28 de Maio estava transitado - já que o requerimento de 18 de Junho não revestia a natureza de uma reclamação para a conferência nem foi deduzido no prazo de cinco dias contados da notificação do assinalado despacho de 18 de Junho, o qual não era de perspectivar como um despacho de mero expediente - foi indeferido o solicitado.
Do assim decidido reclamou a Licª R... para a conferência que, por acórdão de 3 de Dezembro de 1996 (por lapso indica-se o ano de 1986), indeferiu a reclamação.
Desse acórdão recorreu a impugnante, para o Pleno da 1ª Secção, tendo, na alegação que produziu, dito, inter alia, e no que ora releva:-
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11. O Relator esqueceu que o conhecimento daquela nulidade lhe competia expressamente. Nulidade da qual se deveria ter apercebido, abstendo-se de decidir que a parte havia sido devidamente notificada. Quando o não foi! Recusando usar da competência que a lei expressamente confere ao Relator, este postergou um direito conferido a bem da justiça mas também no seu próprio interesse. Com efeito, o normativo da alínea i) do nº 1 do artigo 9º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, traduz-se na atribuição ao Relator do direito de, constatando a ocorrência de uma nulidade, ter a oportunidade de sanar essa nulidade processual e do seu próprio despacho. Evitando, deste modo, que o despacho nulo que proferiu, seja sindicado no Tribunal de recurso. Muito simplesmente: a lei confere ao Relator esta competência, dando-lhe a oportunidade de corrigir um erro que cometeu. Visto ainda de outra maneira, não faria sentido que o Relator estivesse impedido de conhecer e reparar um erro por si cometido, obrigando a parte a recorrer do despacho nulo, atolando os tribunais de recurso, obrigando-os a corrigir erros que estava na mão do próprio Relator corrigir.
12. Mas se de todo em todo o Digníssimo Relator entendesse que, ao caso, cabia reclamação para a Conferência, deveria então submeter o caso à Conferência, nos termos da alínea l) do nº 1 do artigo 9º e alínea f) do nº 1 do artigo 111º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e das disposições conjugadas dos artigos 687º e nº 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil, na sua redacção anterior. O douto acórdão em apreço violou assim a alínea i) e l) do nº 1 e nº 2 do artigo
9º e alínea f) do nº 1 do artigo 111º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
.......................................................................................................................................................................................................................................................................................... Na verdade, o conhecimento da nulidade dos actos processuais e dos próprios despachos integra-se nas questões previstas no normativo da alínea l) do nº 1 do artigo 9º e alínea f) do nº 1 do artigo 111º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos Decidindo assim, violou o douto acórdão em recurso o artigo 222º do Código das Custas Judiciais então em vigor, aplicável ex vi do artigo 28º da citada Tabela. Violou também o normativo do nº 1da alínea d) do artigo 668º do Código de Processo Civil. Só esta interpretação das normas da alínea i) e l) do nº 1 e nº 2 do artigo 9º e alínea c) e f) do nº 1 do nº 1 e nº 2 do artigo 111º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, é conforme ao princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais consagrados nos artigos 20º e 205º da Constituição da República Portuguesa. Concluindo:
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16ª Não está em causa saber se o despacho de fls. 179 é ou não de mero expediente, ou é um despacho que põe termo ao processo. O que está em causa é a arguida nulidade processual e do próprio despacho do Senhor Relator e se o conhecimento dessa nulidade é ou não da sua competência.
17ª Ora, tal competência é-lhe expressamente conferida na alínea i) do nº 1 do art. 9º e artigo 111º, nº 1, alínea c) da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
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23ª Arguida que foi a nulidade e constada pelo Senhor Relator - cfr. 39ª e 40ª conclusões - e se o Senhor Relator o considerasse justificado, dispunha este de competência para submeter a questão à Conferência, nos termos da alínea l) do nº
1 do artigo 9ª e da alínea f) do nº 1 do artigo 111º, ambos da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
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25ª O acórdão em recurso, decidindo assim, violou a alínea f) e a alínea l) do nº 1 do artigo 9º e a alínea f) do nº 1 do artigo 111º, ambos da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos.
26ª Só esta interpretação das normas da alínea i) e l) do nº 1 e nº 2 do artigo
9º e alínea c) e f) do nº 1 e nº 2 do artigo 111º da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos é conforme ao princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, consagrados nos artigos 20º e 205º da Constituição da República Portuguesa.
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O Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 21 de Maio de 1998, negou provimento ao recurso.
Para tanto, discreteou assim:-
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7. O despacho do Exmo Relator datado de 28-5-96 que julgou deserto o recurso interposto para o Pleno da Secção por falta de pagamento da conta de custas contadas e em dívida bem qualificado foi como não sendo de mero expediente, no sentido de que ‘nos despachos de mero expediente se compreendem os que se destinam a regular, em harmonia com a lei, os termos do processo’ segundo a definição vertida no nº 2 do artº 679º do CPC 67.
Não incidindo pois exclusivamente sobre a relação processual, e pondo, como [realmente] pôs, fim à controvérsia substantiva suscitada no seio do processo é tal despacho de qualificar como ‘despacho jurisdicional’, na esteira da jurisprudência corrente sobre esta matéria - ....
E como despacho de natureza jurisdicional que é, apenas seria atacável em sede de reclamação para a conferência, a deduzir ao abrigo do disposto nos artºs 9º nºs 1 al.) f) e nº 2 e 111º nº 1 al. f) da LPTA 85 e 700º nº 3 do CPC 67.
Ora o requerimento de fls 181 - de resto não intitulado ou qualificado como de reclamação para a conferência - e tendente tão-somente à
[obtenção] de um despacho favorável à repetição da operada notificação pela secretaria, agora com acompanhamento das correspondentes guias de pagamento, não reveste por isso a natureza técnico-processual de ‘reclamação para a conferência’ e ainda que tal revestisse, teria de ser deduzida no então prazo legal de 5 dias contemplado no artº 153º do CPC 67.
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Ainda a recorrente solicitou o esclarecimento e reforma daquele acórdão, o que veio a ser indeferido por aresto de 9 de Fevereiro de 1999.
2. Do Acórdão de 21 de Maio de 1998 recorreu Licª R... para o Tribunal Constitucional, por intermédio dessa impugnação pretendendo, conforme indicou após convite formulado pelo ora relator ao abrigo do nº 6 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e foi objecto de delimitação por parte de despacho do relator proferido tendo em atenção o estabelecido no nº 3 do artº 3º do Código de Processo Civil, a apreciação da inconstitucionalidade das normas
ínsitas nas alíneas i) e l) do nº 1 do artº 9º e nas alíneas c) e f) do nº 2 do artº 111º, ambos da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, na interpretação segundo a qual, sendo arguida uma nulidade de acto processual ou de um despacho proferido pelo relator, não tem este o poder/dever de conhecer dessa arguição ou, se e quando o considerar justificado, entender que tal arguição deve ser considerada como uma reclamação para a conferência.
Determinada a feitura de alegações, rematou a recorrente a por si produzida com as seguintes «conclusões»:-
'1ª Nos termos do nº. 1 dos artigos 9º e nº 2 da L.P.T.A.
‘1 - No Supremo Tribunal Administrativo compete ao relator sem prejuízo dos casos em que é especialmente previsto despacho seu ou acórdão do tribunal: l) conhecer das nulidades dos actos processuais e dos próprios despachos.
(...)
1) Submeter à Conferência quando o considerar justificado as questões previstas nas alíneas anteriores.
2 - É admissível reclamação para a conferência dos despachos do relator, com excepção dos de mero expediente e dos que recebam recursos de acórdãos do tribunal’.
2ª paralelamente, dispõe-se no nº. 1 e nº. 2 do artigo 111º da L.P.T.A.:
‘1 - Compete ao Relator sem prejuízo dos casos em que é especialmente exigido despacho seu ou acórdão do tribunal:
(...) c) Conhecer, na parte aplicável, das matérias previstas no artigo 9º;
(...) f) Submeter à conferência quando o considerar justificado as questões previstas nas alíneas b) e c) do nº. 1 do artigo 9º.
2 - É admissível reclamação para a conferência dos despachos do relator não exceptuados pelo nº. 2 do artigo 9º.’
3ª Nos termos das disposições citadas, competia claramente ao Relator conhecer da nulidade do acto processual e do próprio despacho, tal como lhe foi dado a conhecer pela recorrente:
- a nulidade do acto processual, consiste na ilegal notificação para o pagamento das custas, desacompanhada das guias respectivas, em violação do disposto no artigo 222º do Código das Custas Judiciais, à data em vigor:
- nulidade do despacho, que naquela assentou.
4ª Entendendo o Exmo. Relator que lhe não cabia conhecer daquela nulidade, nos termos do disposto nas alíneas l) do artigo 9º e c) do artigo 111º da L.P.T.A., dispunha ele de dois meios para efectivar o direito da recorrente: a) submeter à conferência a reclamação deduzida, nos termos do nº 2 dos dispositivos legais citados; b) submeter ele próprio a questão à conferencia, nos termos do disposto nas alíneas l) do artigo 9º e f) do artigo 111º da L.P.T.A...
5ª A interpretação perfilhada pelo Tribunal recorrido, segundo a qual o Relator não dispõe do poder/dever de conhecer da arguição de uma nulidade processual ou de um despacho proferido pelo Relator e ainda que lhe não compete levar a questão à conferência e ainda considerar como reclamação para a o«conferência a arguição apresentada, é incompatível com os princípios constitucionais dos artigos 20º e 205º da Constituição'
De seu lado, a entidade na «resposta» à alegação da recorrente, suscitou a questão prévia de não conhecimento do objecto do recurso ou, se assim tal não fosse entendido, negar-se provimento ao mesmo (por manifesto lapso escreveu-se em tal «resposta» 'dar provimento ao recurso') .
Pronunciando-se sobre a questão prévia, a recorrente disse que suscitou o problema da inconstitucionalidade da interpretação das alíneas f) e l) do nº 1 do artº 9º e da alínea f) do nº 1 do artº 111º, ambos da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos nas «conclusões» 25ª e 26º da alegação de recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, não obstando ao conhecimento do recurso que o Pleno se não tivesse debruçado sobre a questão suscitada.
Cumpre decidir.
II
1. Impõe-se, desde logo, o enfrentamento da questão prévia suscitada pela entidade recorrida.
Segundo a mesma, a ora recorrente, em nenhuma das suas intervenções processuais antecedentes à prolação do aresto impugnado, 'assacou a uma norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional e, designadamente, aos artigos 9º e 111º da L.P.T.A., ou a uma determinada forma de os interpretar, o vício de desconformidade com normas ou princípios constantes da Lei Fundamental', antes tendo sustentado que foi 'aquele acórdão em si que consubstanciou a violação de normas ou princípios constitucionais'.
Por último, e em síntese, acrescentou que 'o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo não se pronunciou, sequer de forma implícita, sobre qualquer questão de inconstitucionalidade, limitando-se a concluir que a Conferência não havia violado quaisquer normas (ordinárias)'.
A recorrente, por seu turno, notificada para se pronunciar sobre a questão prévia equacionada pela entidade recorrida, fê-lo do modo acima relatado.
2. Adianta-se desde já que a questão prévia suscitada pela entidade recorrida não tem razão de ser.
Na verdade, conforme deflui do relato supra efectuado, antes do acórdão ora sob censura tirado pelo Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, a recorrente conquanto defendesse que o aresto então impugnado tivesse violado determinadas alíneas do nº 1 do artº 9º e do nº 2 do artº 111º, um e outro da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, disse, logo a seguir, que uma tal violação consistiria numa interpretação dada por esse aresto
às alíneas i) e l) daqueles nº 1 do artº 9º e c) e f) do nº 2 do artº 111º que não seria conforme ao princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais consagrado nos artigos 20º e 205º da Constituição da República Portuguesa (cfr. as transcritas «conclusões» 23ª, 25ª e 26ª).
Significa isso que, embora de forma não totalmente correcta de um ponto de vista formal, o que o recorrente quis significar foi que uma interpretação e aplicação das normas constantes daquelas alíneas tais como levou a efeito o acórdão então impugnado perante o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo (tendo em atenção o que sustentou na «conclusão» 23ª), fá-las-ia padecer do vício de inconstitucionalidade.
2.1. E, por isso, o relator, ao abrigo do nº 3 do artº 3º do Código de Processo Civil, limitou o objecto do vertente recurso tão só às aludidas normas numa interpretação de harmonia com a qual sendo arguida uma nulidade de acto processual ou de um despacho proferido pelo relator, não tem este o poder/dever de conhecer dessa arguição ou, se e quando o considerar justificado, entender que tal arguição deve ser considerada como uma reclamação para a conferência, e não também àqueloutras indicadas na «conclusão» 25ª.
Improcede, desta arte, a questão prévia levantada pela entidade recorrida, pelo que deverá o Tribunal conhecer do objecto do recurso concernentemente às normas ínsitas alíneas i) e l) do nº 1 do artº 9º e nas alíneas c) e f) do nº 2 do artº 111º, ambos da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, na interpretação a que já se fez menção.
III
1. Dispõem do seguinte modo os preceitos incluídos nas normas sub iudicio (anteriormente à redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro):- Artigo 9.º
(Competência do relator)
1 - No Supremo Tribunal Administrativo compete ao relator, sem prejuízo dos casos em que é especialmente previsto despacho seu ou acórdão do tribunal:-
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i) Conhecer de nulidades dos actos processuais e dos próprios despachos;
..................................................................................................................................................................................................
f) Submeter à conferência, quando o considerar justificado, as questões previstas nas alíneas anteriores, com excepção das abrangidas pelas alíneas a) a j) e pela primeira parte da alínea h), bem como da deserção a que se refere a alínea f).
..................................................................................................................................................................................................
Artigo 111.º
(Competência do relator)
1 - Compete ao relator, sem prejuízo dos casos em que é especialmente exigido despacho seu ou acórdão do tribunal:-
..................................................................................................................................................................................................
c) Conhecer, na parte aplicável, das matérias previstas no artigo
9.º;
..................................................................................................................................................................................................
f) Submeter à conferência, quando o considerar justificado, as questões previstas nas alíneas b) e c), com excepção das ressalvadas na alínea l) do n.º 1 do artigo 9.º
2. Como transparece do acórdão em apreço, o mesmo considerou que o despacho proferido pelo Relator (e que, recorda-se, considerou como transitado um seu anterior despacho que julgara deserto, por falta de pagamento de custas, um recurso intentado interpor, pois que desse anterior despacho, que se não perspectivava como de mero expediente, a ora recorrente não reclamara para a conferência) era insusceptível de censura pelos motivos no mesmo expressos: ou seja, tratando-se de um despacho não qualificável como de mero expediente, o mesmo 'apenas seria atacável em sede de reclamação para a conferência, a deduzir ao abrigo do disposto nos artºs 9º nºs 1 al.) f) e nº 2 e
111º nº 1 al. f) da LPTA 85 e 700º nº 3 do CPC 67' e como, no caso, essa reclamação não tinha sido deduzida, a decisão nele ínsita teria de se considerar transitada em julgado.
Deve notar-se, desde logo, que é insindicável por este Tribunal a valoração levada a efeito pelo acórdão recorrido e de harmonia com a qual o
«requerimento» que a impugnante fez juntar aos autos em 18 de Junho de 1996 não podia se considerado como um requerimento por meio do qual a mesma veio arguir uma qualquer nulidade, seja do processado, seja do despacho do Relator proferido em 28 de Maio do mesmo ano.
Neste contexto, ressalta da postura assumida pelo acórdão em apreço que se haverá de entender que o Alto Tribunal a quo, ao fim e ao resto, porque entendeu que o requerimento apresentado pela recorrente não podia ser considerado como uma reclamação, veio a considerar, por um lado, que, por não ter havido reclamação por nulidades, quer de actos processuais, quer do próprio despacho então em causa, não aplicou o disposto na alínea i) do nº 1 do artº 9º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e, por outro, porque não houve reclamação para a conferência, não havia que se debruçar sobre o conteúdo do despacho de 28 de Maio de 1996, pelo que também não aplicou o nº 2 daquele artº
9º, bem como o nº 2 do artº 111º.
Sendo assim, o vertente recurso não poderá incidir sobre as normas constantes do artº 9º, nº 1, alínea i), e nº 2, e, bem assim, do artº 111º, nº
1, alínea c), e nº 2, uma vez que as mesmas não foram objecto de aplicação por banda da decisão sob censura.
O seu objecto delimitar-se-á, pois, ao que se contém na alínea l) do nº 1 do artº 9º e na alínea f) do nº 1 do artº 111º, numa interpretação segundo a qual sendo suscitada por uma «parte», em «requerimento», uma questão que eventualmente possa ser considerada como a arguição de nulidade de acto processual ou de um despacho proferido pelo relator, este não tem de entender que o que consta desse «requerimento» deve ser considerada como uma reclamação para a conferência e, em consequência, não tem de submeter tal questão ao conhecimento da mesma.
3. Na óptica da recorrente, uma tal interpretação é incompatível com
'os princípios constitucionais dos artigos 20º e 205º da Constituição'.
Não vislumbra este Tribunal que a dimensão normativa em apreciação seja contrária a quaisquer normas ou princípios constantes da Lei Fundamental, designadamente os preceitos constitucionais referidos pela impugnante.
Na verdade, em primeiro lugar, e partindo do princípio que a recorrente, ao invocar o artigo 205º da Constituição, se estava a reportar a versão anterior à operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro
(tendo em atenção a data em que foram proferidos os despachos exarados pelo Conselheiro Relator e foi tirado o acórdão de que foi interposto recurso para o Pleno), não se vê o que, com a interpretação em análise, vá brigar com o preceituado nos números 1, 3 e 4 daquele artigo.
E, quanto ao que se consagra no seu nº 2 - de acordo com o qual [n]a administração da justiça incumbe aos tribunais a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos - essa é uma questão que não deverá deixar de se equacionar relacionadamente com o direito de acesso ao direito e aos tribunais, tal como se estipulava no artigo 20º da versão constitucional vigente em 1996, ou do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, como se consagra na versão emergente da Revisão Constitucional de
1997.
3.1. Como assinalam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, 164), a 'garantia da via judiciária consiste no direito de recurso a um tribunal e de obter dele uma decisão jurídica sobre toda e qualquer questão juridicamente relevante', direito esse que, por entre o mais, pressupõe 'uma obrigação dos tribunais de conhecerem em tempo útil das questões que lhes sejam submetidas' e 'uma protecção judicial sem lacunas'.
De igual modo, este Tribunal tem sustentado que o direito de acesso aos tribunais 'é o direito a ver solucionados os conflitos, segundo o direito estabelecido, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência', direito esse que, 'ao fim e ao cabo, é ele próprio uma garantia geral de todos os restantes direitos e interesses legítimos' (palavras do Acórdão nº 211/93, publicado na 2ª Série do Diário da República de 28 de Maio de
1993).
E, designadamente no que respeita ao acesso à justiça administrativa, teve ocasião de salientar, após notar o reforço, no que ela tange, operado pela Revisão Constitucional de 1989:-
'........................................................................................................................................................................................................................................................................................ A garantia recebida no novo preceito constitucional abrange os mecanismos que sejam adequados à defesa e protecção dos direitos subjectivos e interesses legítimos dos cidadãos que sejam lesados por um qualquer acto ilegal da Administração. A tutela judicial não pode ser negada ou limitada a certas formas concretas de actuação da Administração, antes deve ser uma protecção plena, sem lacunas (cfr. M. Fernanda dos Santos Maçãs, ob. cit., p. 274). Compete, no entanto, ao legislador ordinário a disciplina dos aspectos fundamentais do direito constitucional ao recurso contencioso (artigo 268º, nº 4) e do direito constitucional de acesso à justiça administrativa (artigo 268º, nº 5).
Na modelação daqueles direitos, goza o legislador ordinário de uma ampla margem de liberdade, disciplinando aspectos como o do seu âmbito, legitimidade, prazos, poderes de cognição do tribunal, processo de execução das sentenças, etc.. A garantia constitucional do direito à tutela judicial efectiva não implica, como sublinha J.C. Vieira de Andrade (cfr. ob. cit., p. 76), porém,
‘que seja livre o acesso aos tribunais, tendo de aceitar-se, por razões de ordem pública, de justiça, de segurança e de eficiência, que a lei limite e discipline as formas pelas quais se processa o recurso dos interessados (mesmo dos administrados titulares desse direito processual funda- mental) à justiça administrativa’.
Ao legislador é apenas vedada a criação de obstáculos que dificultem ou prejudiquem, sem fundamento e de forma desproporcionada, o direito de acesso dos particulares aos tribunais em geral e à justiça administrativa em particular.
........................................................................................................................................................................................................................................................................................'
3.2. A interpretação ora questionada pressupõe que o conjunto normativo dela alvo não impõe que, perante um «requerimento» do qual não resulte expressis verbis que se trata de uma arguição de nulidade (processual ou de um despacho do relator) ou de reclamação para a conferência, o relator tenha de submeter a questão nesse «requerimento» colocada à decisão do órgão colegial.
Ora, uma tal interpretação, no entender deste Tribunal, não conflitua com o acesso à tutela jurisdicional efectiva, tal como ela resulta do posicionamento que acima se deixou feito.
Efectivamente, numa primeira linha, há que não passar em claro que é lícito ao legislador modelar os termos adjectivos concretizadores e disciplinadores do acesso àquela tutela, tendo, porém, de os gizar por forma a que esse acesso se não poste em termos de dificuldade desproporcionada ou irrazoável e, também, por forma a que do recurso aos mesmos não resulte uma dilação indevida e incompatível com a tomada de decisão em prazo razoável
(princípio que, não obstante estar hoje expressamente consagrado no nº 4 do artigo 20º, já era reconhecido como sendo postulado pelo nº 1 do mesmo artigo na versão da Constituição anterior à da Revisão Constitucional de 1997).
Depois, há que ponderar que a dimensão interpretativa em questão não obsta a que o interessado, não venha a obter uma decisão de um órgão colegial como a conferência. O que, de harmonia com aquela interpretação, seria exigido, era que o «requerimento», quer por invocação expressa, quer por apresentar um conteúdo inequívoco, apontasse no sentido de a questão decidida pelo Relator vir a ser objecto de pronúncia por parte do órgão colegial.
Isto significa, de um lado, que a interpretação ora sindicada, sem mais, não deixa de permitir ao interessado a obtenção de decisão de um órgão colegial como forma de reacção contra o decidido pelo Relator e, de outro, que a
«exigência» que dela decorre se não apresenta como algo revestido de dificuldade ou prejudicialidade infundamentada ou desproporcionada tendo em vista a defesa dos respectivos direitos ou interesses.
Sendo assim, afigura-se que tal interpretação não belisca o direito
à tutela jurisdicional efectiva nem diminui a tarefa de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos que o Diploma Básico comete aos tribunais.
IV
Em face do que se deixa dito, nega-se provimento ao recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em
10 unidades de conta. Lisboa, 22 de Março de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa