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Processo nº 523/98
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. J... com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de Março de 1997, 'ao abrigo do disposto no artº 70º nº 1 als. b) e f) da Lei nº
28/82, de 15-2, com as alterações introduzidas pela Lei nº 85/89, de 07-9', tendo 'por fundamento a ilegalidade e a inconstitucionalidade das seguintes normas: a) A interpretação restritiva dada na decisão sob recurso às normas legais contidas nos artºs 14º nº 3 e 20º do DL 427/89 e 51º do DL 223/87; b) Segundo a qual são inaplicáveis in casu as disposições do DL 64-A/89 que prevêem a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, designadamente nos artºs 2º, 12º, 13º 41º, nº 2, 44º e 47º, por ser alegadamente incompatível com o pensamento legislativo e a unidade do sistema jurídico em vigor; c) Por ser ilegal em virtude de não ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal tal como prescreve os art.s 8º a 11º do C.C.; e, d) Por ser materialmente inconstitucional em virtude de violar o princípio da igualdade e o princípio de que para trabalho igual salário igual e por violar os direitos fundamentais dos trabalhadores ao trabalho, à segurança e estabilidade no emprego e à realização pessoal. e) Estas questões foram suscitadas pela recorrente nas alegações do recurso de apelação de fls...dos autos'.
2. Nas suas alegações sustentou o recorrente que 'inexiste no DL 427/89 qualquer norma que expressamente impeça a aplicação in casu do regime geral de conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos sem termo nos termos previstos nos arts. 2º, 12º, 13º, 41º nº 2, 44º e 47º do DL 64-A/89, ao contrário do considerado na douta decisão sob recurso, nem podia existir sob pena de violar de forma intolerável e inadmissível os direitos fundamentais dos trabalhadores à igualdade de tratamento e à estabilidade e segurança no emprego consagrados nos arts. 13º, 18º nº 1, 47º, 53º, 58º nº 3 al. b) da CRP', concluindo apenas que
'deve o presente recurso ser julgado procedente, julgando ilegal e inconstitucional a normas legais contidas nos arts. 14º nº 3 e 20º da DL 427/89 e 51º do DL 223/87, com a interpretação restritiva dada na douta decisão sob recurso, com todas as legais consequências'.
3. O Ministério Público, em representação do Estado, veio apresentar contra-alegações, concluindo deste modo a peça processual:
'1º - A interpretação normativa do artigo l4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 427/89, traduzida em considerar que a aplicação subsidiária da lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo aos contratos dessa natureza celebrados ou mantidos irregularmente pela Administração - e nulos, nos termos do artigo 294º do Código Civil - envolve a própria convertibilidade de tais relações laborais, necessariamente precárias e provisórias, em permanentes, de modo a facultar a reintegração, sem qualquer limite temporal, do trabalhador no seu 'posto de trabalho' - admitindo-se, por esta via, a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública por uma forma não constante da enumeração taxativa que, a titulo claramente imperativo, consta dos artigos 3º e 14º do citado diploma legal - viola o principio constitucional do acesso igualitário e não discricionário à função pública e a regra do concurso (artigo 47º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).
2º - Na verdade, tal interpretação, ao criar inovatoriamente e contra lei expressa, uma via 'sucedânea' de acesso, a título tendencialmente perpétuo e definitivo, ao emprego na Administração Pública permitindo que pessoal irregularmente contratado, com base num processo de selecção precário e sumário, veja consolidada a relação de emprego, ao abrigo da 'convertibilidade' de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura propiciaria que, em verdadeira fraude à lei, os quadros de pessoal pudessem vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido.
3º - Não constitui violação do principio da igualdade, nem atenta contra o direito à segurança no emprego, a circunstância de estarem legalmente instituídos regimes específicos para os contratos de pessoal no âmbito da relação de emprego na Administração Pública, substancialmente diferenciados do regime geral vigente no direito laboral comum e adequados ao cumprimento das exigências formuladas pelo nº 2 do artigo 47º da Lei Fundamental.
4º - Termos em que deverá julgar-se improcedente o recurso, confirmando-se inteiramente a decisão recorrida'.
4. Tudo visto, cumpre decidir. O acórdão recorrido, confirmando a decisão da primeira instância, em 'acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo sumário', intentada pela recorrente contra o Ministério da Educação - ME e o Estado Português, e julgada 'improcedente e não provada', entendeu que 'in casu, estabelecidos os critérios de acesso à Função Pública, a admissibilidade de conversão dos contratos a termo em admitidos por tempo indeterminado constituiria uma desvantagem ilegítima relativamente a todos os cidadãos que acederam pela via selectiva dos concursos, provas públicas, curriculares, etc., ou que aguardam uma oportunidade de vinculação estável de acordo com as regras pré-estabelecidas pela Administração'. E, depois, seguiu o seguinte discurso argumentativo:
'A resposta à questão de saber se um contrato a termo, celebrado conforme o dos autos, se pode converter num contrato por tempo indeterminado é esta: tal contrato não pode , em nenhuma circunstância, converter-se em contrato sem prazo. O caso dos autos constitui mais uma das inúmeras situações irregulares que tem proliferado e se arrastam na Administração Pública, de que aliás, há muito, o legislador se tem dado conta, intervindo todavia com medidas de curto alcance
(vide o DL 81-A/96, de 21 de Junho). E tem ao menos reconhecido que a prática seguida é insustentável no plano da legalidade, da moral e da dignidade do Estado, enquanto empregador (cfr. considerações preambulares do citado DL). Impõe-se-nos, porém, apreender o real alcance, sentido e etiologia do DL 427/89, de 7 de Dezembro, com o qual se visou desenvolver e regulamentar os princípios a que deve obedece a relação jurídica de emprego na Administração Pública, aí se definindo como vínculos jurídicos possíveis a nomeação e o contrato, este desdobrado em dois subtipos: o contrato administrativo de provimento e o contrato de trabalho a termo certo. Sendo a nomeação a forma clássica de unilateralmente a Administração assegurar o exercício estável e profissionalizado de funções próprias do serviço público, pela via do contrato assegura-se a satisfação/cobertura de situações específicas, que se pretendem claramente definidas, com características de excepcionalidade e transitoriedade - cfr. o preâmbulo do DL 427/89. Há, assim, que considerar:
- Não se trata, in casu, de modalidade de contrato administrativo de provimento, reservado às situações previstas no art. 15º, nº 2;
- A lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo é regime supletivo;
- O contrato de trabalho a termo certo pode ser objecto de renovação, mas a sua duração nunca poderá exceder um ano...;
- O contrato em causa não confere sequer a qualidade de agente administrativo
(art. 14º, nº 3);
- Desde que não renovados expressamente, caducam no seu termo. Estas e outras especialidades conduzem-nos à conclusão de que a remissão, supletivamente, para o regime geral dos contratos a termo certo impõe a salvaguarda das disposições específicas do diploma'
5. Antes de mais, e como regista o Ministério Público recorrido, há que definir o objecto do presente recurso de constitucionalidade e considerá-lo
'circunscrito à interpretação normativa do artigo 14º, nº 3, do Decreto-Lei nº
427/89, já que se não vislumbra na decisão recorrida aplicação da norma constante do artigo 20º deste diploma legal, bem como do artigo 51º do Decreto-Lei nº 223/87, indicados pela recorrente' (e há também que afastar o fundamento da alínea f), por não ter aplicação in casu, como é notório). Ora, no recente acórdão nº 683/99, tirado em Plenário, e publicado no Diário da República, II Série, nº 28 de 3 de Fevereiro de 2000, foi decidido julgar inconstitucional, 'por violação do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, o artigo
14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo'. Tratando-se da mesma norma, que também é objecto do presente recurso, há apenas que aplicar aqui aquele julgamento de inconstitucionalidade, já transitado em julgado, e, em consequência, extrair o efeito do não provimento do recurso.
6. Termos em que, DECIDINDO, e em aplicação do julgamento de inconstitucionalidade constante do acórdão nº 683/99: a) julga-se inconstitucional, por violação do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo; b) em consequência, nega-se provimento ao recurso; c) e condena-se a recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em quinze unidades de conta. Lisboa, 28 de Março de 2000 Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa