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Proc. nº 137/98
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.1. - J..., médico, candidatou-se à vaga do lugar de chefe de serviço de urologia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, aberta por concurso interno de provimento, conforme aviso publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Setembro de 1988, nos termos do artigo 12º do Decreto-Lei nº
310/82, de 3 de Agosto, e do Regulamento aprovado pela Portaria nº 231/86, de 21 de Maio - Regulamento do Concurso de Habilitação para o Grau de Chefe de Serviço Hospitalar da Carreira Médica Hospitalar e dos Concursos de Provimento dos Lugares de Chefe de Serviço Hospitalar da referida carreira dos quadros ou mapas dos estabelecimentos dependentes do Ministério da Saúde, doravante designado Regulamento.
O júri do concurso deliberou, por unanimidade, em 20 de Março de 1989, admitir condicionalmente os candidatos JC... (que viria a desistir) e J..., e excluir os restantes seis candidatos, com base na interpretação do parecer da Procuradoria-Geral da República de 11 de Março de
1988 - proferido no processo nº 93/87 e publicado no Diário citado, II Série, de
27 de Setembro de 1988, homologado por despacho da Ministra da Saúde, de 14 de Julho desse ano -, e, ainda, com fundamento na circular nº 14/89, da Direcção-Geral dos Hospitais (a fls. 86 dos autos, encontrando-se a acta do júri do concurso a fls. 43 do processo instrutor apenso).
Em 28 de Abril de 1989, o júri deliberou admitir definitivamente os dois candidatos já admitidos provisoriamente (acta nº 2, a fls. 44 do mencionado processo instrutor), sendo afixada a lista definitiva
(fls. 45) e atribuída, em 12 de Maio seguinte, a respectiva classificação, circunscrita ao segundo dos mencionados candidatos, por desistência do primeiro, publicada no jornal oficial citado, II Série, de 4 de Agosto do mesmo ano, após homologação do Director-Geral dos Hospitais, por despacho de 6 de Julho.
1.2. - Os seis candidatos excluídos tinham obtido, em 7 de Agosto de 1987, o grau de chefe de serviço hospitalar em concurso aberto pela Secretaria Regional dos Assuntos Sociais da Região Autónoma dos Açores, segundo aviso publicado no Jornal Oficial dessa Região Autónoma, II Série, de 28 de Maio desse mesmo ano, nos termos do Regulamento dos Concursos de Habilitação para o Grau de Chefe de Serviço Hospitalar da Carreira Médica Hospitalar e dos Concursos de Provimento dos Lugares de Chefes de Serviço Hospitalar da Mesma Carreira dos Quadros dos Estabelecimentos Dependentes da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais (doravante designado Regulamento açoreano), publicado no Suplemento ao Diário da República, II Série, de 4 de Março de 1987 (aprovado por despacho conjunto dos Secretários Regionais dos Assuntos Sociais e da Administração Pública da Região Autónoma dos Açores).
A validade deste concurso suscitou, no entanto, dúvidas que originaram a consulta à Procuradoria-Geral da República e o subsequente e já aludido parecer onde, além do mais, se entendeu sofrer este Regulamento açoreano de inconstitucionalidade, por ofensa aos artigos 229º, alínea b), segunda parte, e 234º da Constituição da República (CR), na redacção então vigente, uma vez que procedeu à regulamentação do Decreto-Lei nº 310/82, na parte relativa aos concursos de habilitação e de provimento da carreira hospitalar.
No citado parecer, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República considerou que o Decreto-Lei nº 310/82, que estabeleceu o regime legal das carreiras médicas, constituía lei geral da República e, como tal, reservara para o Governo da República, que o emanara ao abrigo do artigo 201º, nº 1, alínea a), da CR, a regulamentação dos concursos de habilitação e de provimento relativos a essas carreiras (cfr. o nº 7 do artigo
12º), competindo, na Região Autónoma dos Açores, exclusivamente à respectiva Assembleia Legislativa Regional regulamentar nessa Região - em conformidade com o disposto nos artigos 229º, alínea b), segunda parte, e 234º da CR, e no artigo
26º, nº 1, alínea d), do Estatuto Político-Administrativo da Região, aprovado pela Lei nº 39/80, de 5 de Agosto [artigo 32º, nº 1, alínea i), da primeira revisão, realizada pela Lei nº 9/87, de 26 de Março] - as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania, não constituindo matéria de interesse específico regional os concursos de habilitação e de provimento na carreira médica hospitalar.
1.3. - Os candidatos excluídos recorreram hierarquicamente para o Ministro da Saúde da deliberação do júri que, ao aprovar a lista provisória de candidatos ao concurso, destes os excluiu, recurso a que, no entanto, foi negado provimento por despacho de 21 de Março de 1991 (a fls. 9 dos autos).
Inconformados, JR..., AR..., JS... e HC..., candidatos excluídos, recorreram, então, contenciosamente, tendo o Supremo Tribunal Administrativo (STA), por acórdão de 11 de Março de 1993, da sua 1ª Secção, concedido provimento ao recurso, anulando o despacho ministerial.
2.1. - Entretanto, na sequência do parecer do Conselho Consultivo, e por via de requerimento do Procurador-Geral da República, o Tribunal Constitucional, pelo acórdão nº 254/90 - publicado no Diário da República, I Série, de 6 de Setembro de 1990 -, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, das normas do Regulamento açoreano, quer na sua versão originária (despacho conjunto de 3 de Fevereiro de 1987, publicado no citado Diário, II Série, de 4 de Março de 1987 – Suplemento), quer na que resulta do despacho conjunto de 7 de Maio de 1987 (publicado no mesmo jornal oficial, II Série, de 20 desses mês e ano), por violação do disposto no artigo
229º, alínea b), da CR (versão da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro).
No entanto, tendo presente o disposto no artigo 282º, nº
4, da CR, e não obstante a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produzir, em princípio, efeitos desde a data da entrada em vigor da norma declarada inconstitucional, o Tribunal entendeu tornar-se manifestamente aconselhável, por razões de segurança jurídica, proceder a uma limitação de efeitos dessa declaração, 'por forma a proteger as situações concretas que se tenham constituído à sombra daquele bloco regulamentar, e isto independentemente de saber se tal protecção não decorreria já de um certo entendimento do que se dispõe no artigo 282º, nº 3, da Constituição'.
Em consequência, foram limitados os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, por forma a salvaguardar as situações constituídas ao abrigo do Regulamento açoreano, até à data da publicação do acórdão, sucedida em 6 de Setembro de 1990.
2.2. - Assim, o STA, quando proferiu o seu acórdão de 11 de Março de 1993, teve presente a mencionada declaração de inconstitucionalidade (tal como, de resto, o Ministro da Saúde, no seu despacho de 21 de Março de 1991) e decidiu entendendo não poder deixar de ser incluída, na salvaguarda de efeitos, a situação subjectiva dos recorrentes, cujo grau ou categoria de chefe de serviço fora obtido em 7 de Agosto de 1987, ao abrigo do Regulamento açoreano, situação essa que integra - em sua tese - o que o acórdão nº 254/90 teve como
'situação constituída'.
Como então se observou, o despacho do Director Regional de Saúde, de 7 de Agosto de 1987, que aprovou os recorrentes no concurso aberto para a obtenção do grau de chefe de serviço hospitalar, é um acto administrativo que definiu a relação jurídica concreta que aqueles estabeleceram com a Administração, no concurso, situação concreta 'no que toca a cada um deles e que foi ressalvada pelo Tribunal Constitucional'.
Decorre do exposto - escreveu-se - 'que os recorrentes possuíam o grau exigido para o concurso em causa, nos termos do nº 44 do Regulamento aprovado pela Portaria nº 231/86, de 21 de Maio, ao contrário do que o júri decidiu e o MS sancionou'.
Perante esta situação adquirida - acrescentou-se -
'tanto direito tem ao uso do «grau» quem já foi provido à data da publicação do acórdão como quem pretende vir a ser provido, desde que o «grau» tenha sido obtido e constituído na esfera jurídica do respectivo titular antes da publicação do acórdão'.
E ainda:
'O despacho de indeferimento do recurso hierárquico desrespeita a reserva decidida pelo Tribunal Constitucional. Tal acto, concordando com a informação nº 23/91 [da Direcção dos Serviços de Contencioso da Secretaria-Geral do Ministério] que por errada interpretação desse acórdão, restringe o seu alcance, errou nos pressupostos de facto e de direito, por via da errada interpretação e aplicação do acórdão do Tribunal Constitucional.'
Reconhecendo a procedência do vício, o aresto, repete-se, deu provimento ao recurso e anulou o despacho ministerial de 21 de Março de 1991.
3.1. - J... - e bem assim o Ministro da Saúde - recorreram, então, para o Pleno da Secção que, por acórdão de 28 de Março de 1996, negou provimento a ambos os recursos, seguindo o entendimento professado na anterior decisão, não obstante o recorrente, nas respectivas alegações, ter nomeadamente, invocado errada interpretação e aplicação do acórdão nº 254/90 e violação do disposto no nº 4 do artigo 268º da CR.
Na tese do Pleno - e tendo em consideração o diploma então vigente sobre carreiras médicas, o Decreto-Lei nº 310/82 - a atribuição, em concurso de habilitação, de graus da carreira médica investe os interessados na correspondente situação jurídica, que os hierarquiza na respectiva carreira, legitimando o exercício profissional e conferindo a expectativa de ocupação de cargos e lugares para que seja necessário título profissional. Ou seja, tal habilitação confere direitos, o que significa cair na qualificação de 'situação constituída', na acepção do acórdão nº 254/90, 'ficando consequentemente abrangida pela correspondente salvaguarda nos efeitos' da declarada inconstitucionalidade.
3.2. - De novo inconformado, o mesmo interessado atravessou requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, esclarecendo, após ter sido convidado para o efeito, que pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas do Regulamento açoreano, aplicadas contra o decidido no citado acórdão nº 254/90, do mesmo passo se tendo violado o disposto no nº 4 do artigo 282º da Lei Fundamental.
O requerimento mereceu do Conselheiro relator despacho de não admissão (a 18 de Junho de 1996), por entender já não estar em jogo a constitucionalidade das normas do Regulamento açoreano, questão essa apreciada, de modo definitivo, pelo Tribunal Constitucional que, assim, esgotou os seus poderes de cognição.
Escreveu-se, então, que está, e esteve, em jogo, no acórdão do Pleno, saber se a atribuição em concurso de habilitação de graus de carreira médica conferia ao respectivo interessado direito, por forma a qualificar tal como uma 'situação adquirida', ressalvada pela declaração de inconstitucionalidade - o que é uma qualificação legal, nela não se fazendo apelo a qualquer norma ou princípio constitucional.
3.3. - Desse despacho reclamou o ora recorrente, nos termos do nº
4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, reclamação essa que, após mudança de relator, por vencimento, culminou no acórdão nº 498/97 (publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Outubro de 1997), que julgou procedente a reclamação e revogou o despacho reclamado e o acórdão que o manteve, de modo a ser proferido novo despacho, a admitir o recurso.
Entendeu-se, em resumo, que o recorrente pôs à consideração do Pleno da Secção uma determinada questão de inconstitucionalidade normativa, ao sustentar que, na Subsecção do Contencioso Administrativo do STA, se aplicaram as normas do Regulamento açoreano, não obstante estas terem sido declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, 'por ter erradamente interpretado a limitação de efeitos determinados ao abrigo do artigo 282º, nº 4, da Constituição por este Tribunal'.
O Tribunal Constitucional - ponderou-se - ao operar uma limitação de efeitos de constitucionalidade, nos termos do nº 4 do artigo 282º da CR, manipula 'com certa amplitude' os efeitos das sentenças, no exercício de uma possibilidade, constitucionalmente conferida, 'de exercer poderes tendencialmente normativos, embora vinculados aos pressupostos objectivos constitucionalmente fixados (segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo)' - assim parafraseando Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 1042).
4. - Notificados, alegaram oportunamente J..., como recorrente, e, na qualidade de recorridos, JR..., AR..., JS... e HC....
O primeiro concluíu do seguinte modo as suas alegações:
'a) O acórdão recorrido interpretou incorrectamente e deu errada execução
(execução excessiva) à ressalva das situações concretas constituídas à sombra das normas do regulamento açoreano declarado inconstitucional, ressalva essa contida no Acórdão do Tribunal Constitucional de 12/7/90, com a consequência de ter aplicado efectivamente esses preceitos e de por isso ter incorrido na aplicação de norma inconstitucional. b) Com efeito, a posse do grau de chefe de serviço hospitalar não é uma situação jurídica consolidada e concreta a que corresponda algo de corpóreo no mundo do tráfico jurídico que mereça ser salvo por vénia do valor social da segurança jurídica, mas tão só uma mera expectativa que habilita à futura e virtual participação num concurso de provimento. c) Ainda que se admita o contrário, a execução do Acórdão do T.Constitucional terá de fazer-se pela restituição aos recorrentes do grau ilegalmente obtido, mas não já pela anulação e repetição do concurso de provimento de que foram
(bem) excluídos por causa da nulidade desse grau. d) Na realidade, a tolerância para com situações consumadas impõe tão só uma atitude de passiva complacência que só pode traduzir-se numa abstenção de interferir nos factos e situações passadas, estando completamente fora de causa que para contemporizar com situações constituídas se vá activamente fazer desencadear todo um conjunto de actos e operações de transformação do mundo jurídico e material envolvente, com a destruição de actos e efeitos jurídicos entretanto operados e a sua substituição por outros – do que se trata é de salvar situações, não de as inutilizar. e) Doutro modo, estar-se-ia a extravasar do limite ou horizonte temporal máximo admissível da repescagem de efeitos do acto nulo por inconstitucionalidade, levando sem se dar conta disso a que o acto nulo e como tal declarado pelo T.Constitucional fosse ainda ressuscitar e ditar efeitos e modificações jurídicas após a publicação do veredicto que sentenciou a sua inconciliável oposição ao diploma fundamental. f) É que o Ac. do T.C. não pode ser invocado nem a favor nem contra as situações constituídas ao abrigo das normas que declarou inconstitucionais. g) Assim, na interpretação correcta da limitação de efeitos contida no Ac. nº
254/90, não há que validar o grau obtido pelos médicos no concurso dos Açores, porque, à luz do respectivo tipo legal ele se resolve numa mera expectativa, numa situação paradigmaticamente abstracta e estática não recondutível à categoria de situação concreta constituída à sombra do regulamento declarado inconstitucional, e cujo apagamento em nada briga com os ditames da segurança jurídica. h) Noutra interpretação possível, mas que se tem como menos adequada, a limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade implicaria a restituição aos recorrentes do grau, conferindo-lhes a possibilidade de com base nele participarem de futuro em concursos de provimento, mas não o direito à repetição dos actos do concurso que entretanto se realizou, concluiu, consumou e executou, e do qual a Administração os afastou legalmente, pois o direito à participação nesse concurso nunca se havia radicado na sua esfera jurídica, nem faz sentido que possa agora ir enriquecê-la (ainda por cima à custa da sucção do direito do recorrido). i) O próprio valor jurídico da protecção das situações constituídas e da segurança jurídica, sob cuja invocação o Tribunal Constitucional decidiu passar uma esponja sobre os efeitos passados das normas inconstitucionais, converte num absurdo a repetição do concurso, pois ela teria de fazer-se à custa da evicção do lugar que o ora recorrente ocupa desde há oito anos , num regular exercício que compreende todo o núcleo legal de funções a tarefas concretas que lhe correspondem, naturalmente insusceptível de ser ameaçado sob a bandeira da segurança jurídica e da tutela das situações constituídas. j) A situação do recorrente nunca pode ser atingida por via da aplicação da cláusula limitativa do Ac. do T.Constitucional, pois é a única que se apresenta como substancial, corpórea e concreta – e verdadeiramente consolidada pelo tempo, dando-lhe a ele e só a ele o direito de transportar o estandarte da segurança jurídica. i) Não podia assim o STA ter proferido o julgado anulatório que in casu lhe era pedido, por ele ser à partida incompatível com os efeitos previstos e queridos pela decisão do Tribunal Constitucional que ao STA compete dar execução – e, afinal, inconciliável com a inconstitucionalização dos preceitos regulamentares em causa. m) Na realidade, o STA sabia de antemão que essa anulação (a anulação dum acto final de um concurso com fundamento em que certos concorrentes foram dele mal excluídos) não permite a revogação do acto, antes tem como efeito típico não só a repetição do concurso com a inclusão desses concorrentes, como além disso a anulação da nomeação do concorrente que tenha sido aprovado, enquanto acto consequente do acto contenciosamente anulado. n) Sabia, pois, que esse julgado encerrava um comando implícito à entidade recorrida para destruir o provimento do recorrido particular no lugar de chefe de serviço de urologia do Hospital de Sta. Maria. o) Logo, repete-se, não podia nunca proferir essa anulação contenciosa, pelo menos sob a invocação do Acórdão do Tribunal Constitucional – que é o que está agora em causa. p) Poderia talvez, e quando muito, anular o acto impugnado, mas apenas na parte em que reconhece a nulidade do título ou grau de habilitação dos recorrentes, ou seja, quanto aos efeitos declarativos do mesmo acto. q) Decidindo doutra forma, o STA fez errada interpretação e aplicação do Acórdão do Tribunal Constitucional, de cuja cláusula de limitação de efeitos fez uma leitura excessiva, e bem assim do preceito do art. 282º/4 da CRP e dos princípios jurídicos atrás invocados, com a consequência de esse seu entendimento fazer a aplicação de normas julgadas inconstitucionais com força obrigatória geral – desse modo se sujeitando à revogação que se espera seja o justo desfecho do presente recurso. Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se o Acórdão do STA e ordenando-se a sua reforma em conformidade com o julgado.'
Por seu turno, os recorridos concluiram assim:
'a) O acórdão recorrido interpretou correctamente e deu adequada execução à limitação dos efeitos da inconstitucionalidade declarada por este Tribunal Constitucional das normas do Regulamento dos Concursos de Habilitação para o Grau de Chefe de Serviço Hospitalar da Carreira Médica Hospitalar e dos Concursos de Provimento dos Lugares de Chefe de Serviço Hospitalar da mesma Carreira dos Quadros dos Estabelecimentos Dependentes da Secretaria regional dos Assuntos Sociais da Região Autónoma dos Açores, conforme Acórdão nº 254/90, publicado no DR, 1ª, nº 206, de 6/9/90. b) A habilitação com o grau de chefe de serviço obtida pelos ora recorridos em concurso aberto ao abrigo daquele Regulamento deve ser qualificada para todos os efeitos como ‘situação constituída’, de acordo com a alínea b) da parte decisória do Acórdão nº 254/90 deste Tribunal Constitucional. c) Não está em causa neste recurso qualquer execução do Acórdão nº 254/90 deste Tribunal mas tão somente julgar se o Supremo Tribunal Administrativo interpretou e aplicou correcta e adequadamente a limitação decretada quanto aos efeitos da inconstitucionalidade. d) Por isso não tem sentido invocar as consequências decorrentes da anulação do procedimento do concurso de habilitação que guindou o recorrente ilegalmente no cargo de chefe de serviço de urologia do Hospital de Santa Maria, consequências que naturalmente compete aos Tribunais Administrativos ajuizar. e) A reconstituição da ordem jurídica violada decorrente daquela anulação implica, como toda e qualquer execução de sentença administrativa, a reabertura do concurso de provimento com os candidatos anteriormente excluídos, ou seja, a prática de um acto de sentido contrário ao acto anulado reportado à mesma data deste último, pelo que nem explicita nem implicitamente se extravasará do limite temporal considerado para efeitos de limitação dos efeitos da inconstitucionalidade declarada por este Tribunal Constitucional. f) A decisão limitativa da inconstitucionalidade decretada constante do Acórdão nº 254/90 deste Tribunal não distingue entre as diversas situações ressalvadas, delimitando-as apenas no tempo ‘até à data da publicação do presente acórdão no Diário da República’. g) A atribuição de um grau ou categoria, nos termos da carreira médica hospitalar, cria no respectivo titular uma situação jurídica subjectiva constitutiva de direitos, de faculdades e de poderes, pelo que, no caso sujeito, tendo a mesma sido obtida de boa fé e na convicção de que se tratava de um concurso válido de âmbito nacional, muito antes de pela primeira vez se ter discutido a sua validade, não pode deixar de se considerar salvaguardada pela limitação decidida por este Tribunal Constitucional. h) A obtenção de um grau representa em termos de carreira médica o reconhecimento de uma especial qualificação científica, técnica e profissional que habilita o seu detentor e o legitima para ocupar determinados lugares e cargos dos estabelecimentos e serviços de saúde. i) Este Tribunal nada tem a ver com o concurso de provimento anulado nem com a eventual evicção do lugar que o recorrente ocupa há oito anos à custa da ilegalidade cometida pela Administração que consistiu em afastar na secretaria todos os seus concorrentes e opositores. j) A decisão de limitar os efeitos da inconstitucionalidade tomada por este Tribunal enquadra-se no princípio do Estado de direito e na tutela dos seus corolários da segurança jurídica e da confiança do cidadão. i) É unívoca a linha de pensamento da doutrina e da jurisprudência que procura garantir a estabilidade dos actos da Administração praticados para com os administrados, entendendo-se como constitutivos de direitos não apenas os que se referem a direitos subjectivos em sentido técnico mas a qualquer situação activa, num sentido amplo. m) No caso de limitação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade tudo se passa como se durante um certo tempo a norma - neste caso o Regulamento - não tivesse sido inconstitucional. n) O valor da segurança jurídica, invocado pelo recorrente em causa própria, nada tem a ver com o princípio que este Tribunal seguiu fundamentadamente para restringir os efeitos da inconstitucionalidade declarada, que visou proteger as situações constituídas à sombra daquele Regulamento e apenas estas. o) Com efeito, o ora recorrente só foi provido no lugar que actualmente ocupa em virtude de um concurso inquinado de ilegalidade, ilegalidade que consistiu precisamente no facto de os ora recorridos não terem sido admitidos como seus opositores no referido concurso, muito anteriormente ao julgado deste Tribunal Constitucional. p) Assim, o STA interpretou e aplicou em medida correcta e não excessiva a limitação de efeitos decorrente do Acórdão nº 254/90 deste Tribunal Constitucional. q) O acto anulado não pode ser qualificado de irrenovável em execução de sentença na medida em que a posição dos ora recorridos, enquanto candidatos, é aquela - e apenas aquela - que detinham à data em que foram excluídos do concurso em que o respectivo grau estava salvaguardado pela decisão deste Tribunal. r) Aliás não é a este Tribunal que compete destruir o que quer que seja relativamente à situação do recorrente, que á abrangida pela esfera de competência material dos Tribunais Administrativos. s) De qualquer modo, todas as observações do recorrente sobre a destruição ou manutenção de situação que adquiriu através do concurso inquinado, na sequência do julgado pelo Supremo Tribunal Administrativo, constituem matéria estranha à economia deste recurso que visa tão somente apreciar se a limitação dos efeitos da inconstitucionalidade do Regulamento foi interpretada e aplicada correctamente por aquele Supremo Tribunal, questão a que não pode deixar de ser dada resposta afirmativa por tudo quanto se deixou referido. Nestes termos deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o decidido no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.'
II
1. - O Tribunal Constitucional, no mencionado acórdão nº 254/90, do mesmo passo que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas do Regulamento açoreano, decidiu limitar os efeitos dessa declaração, por forma a salvaguardar as situações constituídas ao abrigo daquele diploma até à data da publicação do acórdão, ocorrida em 6 de Setembro de 1996.
Ponderou-se, a esse propósito, no texto do acórdão:
'[...] torna-se manifestamente aconselhável, ao abrigo daquela norma constitucional (artigo 282º, nº 4), por razões de segurança jurídica, proceder a uma limitação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, por forma a proteger as situações concretas que se tenham constituído à sombra daquele bloco regulamentar, e isto independentemente de saber se tal protecção não decorreria já de um certo entendimento do que se dispõe no artigo 282º, nº 3, da Constituição.'
Em consonância, limitaram-se na decisão os efeitos da inconstitucionalidade, 'por forma a salvaguardar as situações constituídas ao abrigo daquele Regulamento, até à data da publicação do presente acórdão no Diário da República'.
A 1ª Secção do STA considerou, a esta luz e como já se registou, não poder deixar de se incluir, na salvaguarda dos efeitos da inconstitucionalidade, a situação subjectiva dos então recorrentes, considerando-a como 'situação constituída', uma vez que o grau ou categoria de chefe de serviço destes foi obtido em 7 de Agosto de 1987, nos termos do Regulamento em causa – entendimento este que o acórdão proferido em Pleno manteve – não obstante, nas respectivas alegações o ora recorrente ter defendido já, nomeadamente, que a secção fez errada interpretação e aplicação da doutrina do acórdão nº 254/90 e do preceito do nº 4 do artigo 268º da CR (na versão vigente à data).
Com efeito, escreveu-se no acórdão da 1ª Secção, de 11 de Março de 1993, tendo presente a aludida ressalva de efeitos:
'Sendo assim, o grau ou categoria de chefe de serviço obtido pelo Rec. em 7-8-87 ao abrigo de tal Regulamento, como situação subjectiva que não pode deixar de se considerar salvaguardada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional. O despacho de 7-8-87 do Director Regional de Saúde que aprovou os Rec. no concurso aberto nos Açores, para a obtenção do grau de chefe de serviço hospitalar é acto administrativo que definiu a relação jurídica concreta que aqueles estabeleceram no concurso com a Administração – conferir-lhes tal grau que é elemento de vantagem no acesso da respectiva carreira e por isso foi integrar formalmente a sua esfera jurídica. Isso significa que esse acto administrativo definiu uma situação jurídica concreta no que toca a cada um dos Rec. que foi ressalvada pelo acórdão do Tribunal Constitucional. Decorre dos exposto que os Rec. possuíam o grau exigido para o concurso em causa, nos termos do nº 44 do Regulamento aprovado pela Portaria nº 231/86, de
21.5, ao contrário do que o júri decidiu e o MS sancionou. Deste modo o grau obtido pelos Rec., assim como a situação funcional concreta dele decorrente não podem deixar de ser entendidos como ‘situação constituída’ prevista na alínea b) da III parte do Acórdão do Tribunal Constitucional. Tanto direito tem ao uso do ‘grau’ quem já foi provido à data da publicação do acórdão como quem pretende vir a ser provido, desde que o ‘grau’ tenha sido obtido e constituído na esfera jurídica do respectivo titular antes da publicação do mesmo acórdão. O despacho de indeferimento do recurso hierárquico desrespeita a reserva decidida pelo Tribunal Constitucional. Tal acto, concordando com a informação nº 23/91 )p. 9 a 13) que por errada interpretação desse acórdão, restringe o seu alcance, errou nos pressupostos de facto e de direito, por via da errada interpretação e aplicação do acórdão do Tribunal Constitucional. A procedência deste visto, prejudica o conhecimento dos demais advogados. Neste termos e tudo considerando, dá-se provimento ao recurso e, em consequência anula-se o despacho do Ministro da Saúde de 21.3.91.'
O acórdão do Pleno, de 28 de Março de 1996, ao confirmar o da Secção, sustentou idêntico entendimento como melhor se verá, infra, no ponto III-3.
2. - Por sua vez, no acórdão nº 498/97, prolatado na reclamação deduzida ao abrigo do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82 (actualmente integrada nos presentes autos), o Tribunal Constitucional admitiu o recurso interposto com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º desse diploma legal, ao julgar verificados os pressupostos do recurso de constitucionalidade da decisão que interpretou o acórdão nº 254/90 em termos de limitação de efeitos cujo âmbito, da 'área', 'domínio' ou 'extensão' se discute.
O despacho que rejeitara o recurso de constitucionalidade baseara-se na consideração de que o Tribunal Constitucional, ao proferir o acórdão nº 254/90, esgotara os seus poderes de cognição, colocando-se ao STA uma questão de direito infra-constitucional, qual seja a de
'saber se a atribuição em concurso de habilitação de graus da carreira médica conferia ao respectivo interessado direito por forma a qualificar tal como uma situação adquirida, ressalvada pela declaração de inconstitucionalidade a seu tempo feita pelo Tribunal Constitucional' (cfr., fls. 111 e 111-v. destes autos). O que consubstanciaria uma questão de mera qualificação legal, sem convocação de norma ou princípio constitucional.
No entanto, no acórdão nº 498/97, e como já se frizou, entendeu-se estar em causa uma determinada questão de constitucionalidade normativa. Ao escrever-se, então, que o Tribunal Constitucional, ao operar uma limitação de efeitos de constitucionalidade, de acordo com o nº 4 do artigo 282º da CR, manipula, 'com certa amplitude', os efeitos das sentenças, no exercício da possibilidade, constitucionalmente reconhecida, 'de exercer poderes tendencialmente normativos, embora vinculados aos pressupostos objectivos constitucionalmente fixados (segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excepcional relevo)', citou-se, em abono desta tese, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in – Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 1042, e J.M. Cardoso da Costa, in A Jurisdição Constitucional em Portugal, 2ª ed., Coimbra, 1992, págs. 27, 28 e 59 e segs..
E ponderou-se que, não obstante os acórdãos contendo declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral se não confundam com as leis, nem tenham natureza idêntica, a verdade é que quanto a alguns efeitos lhes são semelhantes. Não podendo ser objecto de um pedido de declaração de inconstitucionalidade (ou de ilegalidade), nem ser revogados ou alterados pelo próprio Tribunal Constitucional, dado lhes faltar a auto-revisibilidade característica da função legislativa, o certo é que esses acórdãos geram a declaração de nulidade de normas jurídicas – e daí a possibilidade constitucionalmente reconhecida (nº 4 do artigo 282º da CR) do exercício de poderes tendencialmente normativos, embora vinculados aos pressupostos objectivos da segurança jurídica, de razões de equidade ou de interesse público de excepcional relevo.
3. - Independentemente da formulação de qualquer juízo sobre o significado e a extensão da intervenção activa do Tribunal Constitucional face à limitação de efeitos por si declarada, o certo é que o acórdão nº 498/97 envolve uma 'indicação categorizadora' – para seguirmos outro aresto deste Tribunal, o nº 272/86, publicado no Diário da República, I Série, de 18 de Setembro de 1986
– cujo conteúdo encerra e delimita, afinal, o objecto do presente recurso.
Na verdade, discute-se em que medida uma situação jurídica fundada em normas regulamentares declaradas inconstitucionais com limitação de efeitos é susceptível de se repercutir na validade de um concurso de provimento, do qual certos concorrentes, em momento anterior à prolação dessa declaração, foram administrativamente excluídos. Concretizando, cuida-se de saber em que medida a titularidade do grau de chefe de serviço de que beneficiavam certos concorrentes – os ora recorridos – à data do concurso, se repercute nesse mesmo concurso na sequência do qual o concorrente, hoje recorrente, havia sido provido.
Ou, ainda, em parâmetros jurídico-constitucionais, uma vez que conforme foi decidido precedentemente, a resolução da questão passa pela interpretação e aplicação de decidido no acórdão nº 254/90: se todas as situações constituídas ao abrigo do diploma declarado inconstitucional foram salvaguardadas; que situações constituídas estão abrangidas na ressalva.
Sendo este, por conseguinte, o objecto do presente recurso, subentende o mesmo a vinculatividade da ressalva, que, neste domínio, obriga os tribunais (incluindo o próprio Tribunal Constitucional: cfr., Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., págs. 1042 e segs.; Miguel Galvão Teles, 'A competência da competência do Tribunal Constitucional', in Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional, Coimbra, 1995, nota [20] a fls. 116; acórdão deste Tribunal nº 186/91 – inter alia – publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Setembro de 1991).
Não se está, evidentemente, perante uma forma de controlo do modo como o tribunal recorrido 'executou' a decisão do Tribunal Constitucional, na medida em que ressalvou efeitos da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, o que significaria um alargamento da competência deste Tribunal, ao qual não cabe um poder fiscalizador dessa dimensão (cfr. acórdão nº 261/95, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1995). Por sua vez, e como também já se considerou neste Tribunal, a questão do não acatamento de declarações de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, em decisões dos tribunais, com o preciso sentido e âmbito que nessas declarações foi fixado, reconduz-se ao tipo de recurso de constitucionalidade abrigado no nº 5 do artigo 280º da CR e na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 (cfr. acórdão, tirado em plenário, nº 528/96, publicado no Diário citado, II Série, de 18 de Julho de
1996).
O que está, agora, em causa tem a ver com a interpretação dada pelo tribunal recorrido ao sentido e alcance da decretada limitação de efeitos.
III
1. - O Decreto-Lei nº 310/82, de 3 de Agosto, que, ao tempo, disciplinava o regime legal das carreiras médicas, pretendeu alcançar a legitimação, a garantia e a organização do exercício da actividade médica nos serviços públicos de saúde com base em adequadas habilitações profissionais e sua evolução, em termos de formação permanente e prática profissional, atribuindo-lhes a natureza de carreiras profissionais, no reconhecimento - confessado no preâmbulo do diploma - da especificidade dessa actividade, directamente relacionada com a saúde e, como tal, com o bem-estar da população. Aconselhava-se, assim, não só a congregação dos princípios e normas procedimentais actualizados em diploma basicamente único, simultaneamente concedendo relativa flexibilidade, inerente a esta matéria.
Previu-se a realização de dois tipos de concurso - o de habilitação e o de provimento - para as carreiras médicas reconhecidas por esse texto legal - a de saúde pública, a de clínica geral e a hospitalar, de acordo com o nº 1 do seu artigo 13º.
Nos termos do nº 1 do artigo 14º, as carreiras estruturam-se em graus, ordenados em paralelo com a formação, dispondo o nº 2 do preceito que grau é o título que hierarquiza na carreira, legitima o exercício profissional e confere a expectativa de ocupação de lugares e cargos dos estabelecimentos e serviços de saúde, não vinculando, por si só, à função pública (talvez mais expressivamente, o Decreto-Lei nº 73/90, de 6 de Março, que viria a aprovar o novo regime legal das carreiras médicas, revogando o do Decreto-Lei nº 310/82, no nº 2 do seu artigo 6º, depois de, no nº 1 afirmar que a habilitação profissional dos médicos, para efeitos de carreira, é constituída por graus, definiria grau, 'para efeitos do presente diploma', como o título de habilitação profissional que é requisito de provimento em categorias de carreira, não conferindo, por si só, vinculação à função pública).
Na carreira médica hospitalar - única de que cuidaremos
- existiam, então, dois graus, o de assistente hospitalar e o de chefe de serviço hospitalar (artigo 24º, nº 1).
Sendo o grau de assistente hospitalar atribuído - sempre
à luz do diploma em causa - mediante aprovação no correspondente internato complementar e aproveitamento num ciclo de estudos especiais em áreas cujo conhecimento seja considerado obrigatório (nº 2), ao grau de chefe de serviço hospitalar - acrescenta o nº 3 do artigo 24º - 'podem candidatar-se, mediante concurso com prestação de provas, os assistentes hospitalares, com, pelo menos,
5 anos de exercício correspondente a este grau'.
2. - Dispondo o nº 7 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 310/82 que o regulamento dos concursos será aprovado por portaria do Ministro dos Assuntos Sociais, foi publicada a Portaria nº 1103/82, de 13 de Novembro, que, considerando particularmente urgente a regulamentação da carreira médica hospitalar, que possibilitará a imediata abertura de concursos 'numa área que, pela sua dinâmica, se pretende adaptar tão rápida quanto possível ao espírito da nova legislação', aprovou o 'Regulamento dos Concursos para os Graus e Lugares dos Quadros de Pessoal da Carreira Médica Hospitalar', cuja disciplina viria a ser modificada pontualmente pela Portaria nº 58/83, de 25 de Janeiro, ambos os textos sendo revogados parcialmente (mais precisamente, os capítulos III e IV da Portaria nº 1103/82 e os nºs. 7 e 8 da Portaria nº 58/83) pela Portaria nº
231/86, de 21 de Maio, que, no seu nº 1, aprovou o Regulamento aludido supra
(ponto I-1.1.), ao abrigo do qual o recorrente se candidatou à vaga de um lugar de chefe de serviço.
O Regulamento é constituído por dois capítulos - o I, sobre o concurso de habilitação e o II, sobre o concurso de provimento - em obediência ao disposto no nº 1 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 310/82, destinando-se os concursos de habilitação, a conceder graus de carreira, sendo realizados por meio de provas, consistindo exclusivamente na discussão pública do curriculum vitae (nº 2 do artigo 12º e nº 20 do Regulamento), e os concursos de provimento, 'normalmente documentais', destinados a recrutar os profissionais previamente habilitados com o respectivo grau para lugares dos quadros dos serviços, sendo condição especial para provimento em lugares de chefe de serviço hospitalar ter o grau de chefe de serviço hospitalar (nºs 3 e 4 do citado artigo
12º e nºs 27 e 44 do Regulamento).
O Regulamento açoreano, ao abrigo do qual os recorridos concorreram, decalca o aprovado pela Portaria nº 231/86: sublinha, a este propósito, o acórdão nº 254/90, 'a flagrante afinidade, formal e de conteúdo', que entre os dois se verifica.
3. - Decorre, do sumariamente exposto, que a carreira médica é definida como uma sequência de graus (ou categorias, no quadro actual), configurando-se os graus como patamares de diferenciação técnico-profissional obtidos através de períodos de formação, cursos, experiência e provas públicas de competência.
O grau, configura, assim, o título que hierarquiza na carreira, que legitima o exercício profissional e que confere a expectativa de ocupação de lugares e cargos dos estabelecimentos e serviços de saúde – para seguir de perto o nº 2 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 310/82 – se bem que, por si só, não implique vinculação à função pública.
Discute-se, neste quadro, se a atribuição de grau, concedida mercê de normas regulamentares declaradas inconstitucionais com ressalva, no entanto, das 'situações constituídas', protege os titulares desse grau à data, exceptuando-os dos efeitos naturais da declaração, ou se meramente se situa na 'direcção do direito subjectivo', sem a virtualidade de impedir o desapossamento do lugar, em consequência da anulação do concurso.
Ora, nos concursos de habilitação procura-se apurar quem está apto a ingressar em certa categoria para, seguidamente, ser provido nas vagas dos lugares ou cargos dessa natureza, assim se diferenciando dos concursos de provimento, destinados a recrutar quem previamente foi habilitado com o respectivo grau para os lugares dos quadros dos serviços (cfr., Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra, 9ª ed., reimpressão, 1980, pág. 664).
O acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, ao confirmar a decisão da Secção, pronunciou-se no sentido da inclusão de situações derivadas de concursos de habilitação no âmbito da ressalva dos efeitos.
Escreveu-se aí:
'[...] a atribuição em concurso da habilitação de graus da carreira médica, investe os interessados na correspondente situação jurídica, que os hierarquiza na respectiva carreira, legitimando o exercício profissional e conferindo a expectativa de ocupação de cargos e lugares para que haja título profissional necessário. Confere pois tal habilitação direitos. O que significa que a mesma cai manifestamente na qualificação de 'situação constituída' na acepção do já referido acórdão do Tribunal Constitucional [é o acórdão nº 254/90], ficando consequentemente abrangida pela correspondente ressalva quanto aos efeitos da aí declarada inconstitucionalidade.'
É certo que, numa acepção mais apertada, a posse de grau configuraria uma mera 'protecção virtual', tornando mais provável a aquisição do direito mas não ultrapassando, enquanto tal, os limites da mera expectativa – não resguardando, assim, as situações concretas constituídas na vigência do bloco regulamentar inconstitucionalizado.
Nesta perspectiva – que é a do recorrente – o objectivo da limitação de efeitos seria o de acautelar a situação dos médicos colocados por efeito dos concursos de provimento entretanto ocorridos, tendo-se em conta o período de cerca de três anos que medeou entre a publicação do resultado dos concursos de habilitação, a 27 de Agosto de 1987 (cfr., Jornal Oficial da Região Autónoma dos Açores, II Série, da mesma data) e a publicação do acórdão nº.
254/90, em 6 de Setembro de 1990.
No entanto, apelando-se à indicação categorizadora do acórdão, e, como tal, à 'cristalização' do influxo da norma (citado acórdão nº
272/86), deve entender-se, na esteira deste último aresto que segue, aliás, António Castanheira Neves (na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano
105, pág. 260, nota 80), uma conceituação de segurança jurídica que não se limita, apenas, à segurança do direito, à certeza do conteúdo do direito, englobando, também, a 'segurança através do direito', a segurança na vida social oferecida e garantida pelo Direito.
A esta luz, considera-se que o Tribunal Constitucional, ao 'reenviar' para os órgãos aplicadores do direito em geral a tarefa de decidir a restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade face às circunstâncias do concreto caso, utilizou um critério flexível que não só ressalvou as situações consolidadas como, ainda, restringiu a eficácia retroactiva da declaração de inconstitucionalidade de modo a, em obediência ao comando do nº 4 do artigo 282º da CR, acautelar a incerteza decorrente da inconstitucionalização nas situações concretas daí decorrentes, naquele objectivo de garantir segurança para o mundo do direito e para a vida social dele dependente.
A limitação de efeitos surge, assim, como um meio de atenuar os riscos da incerteza e insegurança que, em princípio, a declaração da inconstitucionalidade com força obrigatória geral comporta. É particularmente relevante, a este propósito, o facto de, no concreto caso – como, de resto, se registou oportunamente – à data da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral e da sua publicação, já a situação subjectiva dos ora recorridos ser a de titulares do grau na categoria de chefe de serviço, se bem que à luz do Regulamento açoreano, que viria a ser objecto daquela declaração.
Assim sendo, não é censurável, na óptica jurídico-constitucional, a interpretação dada pela decisão recorrida à limitação de efeitos decretada pelo Tribunal Constitucional.
IV
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso. Lisboa, 22 de Março de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida