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Procº nº 16/2000.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 25 de Janeiro de 2000 (fls. 531 a 540 dos presentes autos), o relator lavrou decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. Por sentença proferida em 13 de Novembro de 1997 pelo Juiz do Tribunal de comarca de Arraiolos foram H... e J... condenados, como co-autores de um crime continuado de abuso de confiança fiscal previsto e punível pelos números 1 e 5 do artº 24º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 394/93, de 14 de Novembro, para além do mais, na pena de um ano e seis meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de três anos.
Dessa sentença recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação de
Évora, tendo, na motivação de recurso, suscitado, inter alia, a questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 20-A/90, por isso que tal diploma, que foi aprovado ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei nº 89/89, de 11 de Setembro, somente foi promulgado, referendado e publicado depois de decorrido o prazo de noventa dias concedido por aquela Lei. À parte tal questão, nenhuma outra concernente à desconformidade com a Lei Fundamental por banda de normas jurídicas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional se descortina na aludida motivação.
Por acórdão de 1 de Junho de 1999, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso.
Desse acórdão foi solicitada uma «correcção», pretensão que foi atendida por intermédio de despacho de 17 de Junho de 1996.
Após, os arguidos fizeram juntar aos autos, em 21 de Junho de 1996, uma peça processual por intermédio da qual manifestaram a sua intenção de, do mencionado aresto, recorrerem para o Supremo Tribunal de Justiça, peça essa na qual também expuseram a motivação dessa intentada impugnação, motivação que remataram com as seguintes «conclusões»:-
‘1.Vem o presente Recurso ser interposto, do, aliás Douto Acordão, proferido a fls.___, que confirma a aliás Douta Sentença, que condenou os arguidos, pela prática do Crime de Abuso de Confiança Fiscal, crime esse que tem como moldura abstracta da pena o limite máximo de 5 anos;
2. Ora tal limite, impossibilita desde logo, a interposição de outro Recurso, não obstante tal limitação, no caso em concreto, tal possibilidade de Recurso, para um Tribunal Superior, uma vez que o objecto do mesmo reporta-se à apreciação de Nulidade Insanável, quer da Decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, quer da decisão do Tribunal Superior, é admitida;
3. Admissibilidade essa determinada pelo disposto no art. 410º, nº 3 do C.P.P., e largamente defendida pela Doutrina Nacional, tendo inclusivé já sido objecto de decisão por parte do Tribunal Constitucional;
4. Razão pela qual deve ser admitido e ser apreciadas Nulidades (insanáveis) invocadas no presente recurso; Assim, e desde logo;
5. Existe nulidade da sentença porquanto a decisão proferida pelo Tribunal ‘a quo’ não obedece aos requisitos essenciais impostos pela legislação processual
(Cfr. art. 374º/2 e 379º do Cód. Proc. Penal).
6. Ne verdade, a decisão proferida em 1ª instância é omissa quanto à factualidade que, supostamente, serviu de fundamento à suspensão da pena em causa. Traduzindo-se tal omissão na nulidade insanável e invocável a todo o tempo dessa parte da sentença.
7. No que ao douto acordão diz respeito, é o mesmo ferido da mesma nulidade insanável por falta de fundamentação a que alude o nº. 2 do art. 374º do C.P.C., por força da aplicação dos arts. 425º/4 que remete para o art. 379º do Cód. Proc. Penal. De facto,
8. O Tribunal da Relação de Évora deveria mencionar os factos provados e não provados, no entanto limitando-se a referir ‘os factos são os seguintes’, violando os preceitos normativos ora invocados, com a consequente nulidade insanável do douto Acordão. (Cfr. arts. 425º/4, 379º e 374º/2, todos do diploma ora em foco. Ainda,
9. A decisão do douto Tribunal de Recurso é omissa quanto aos motivos de facto e de direito que a deveriam fundamentar, apresentando-se como uma exposição genérica, vaga e social que em nada segue o dispositivo legal.
10. Razão pela qual a mesma não constitui qualquer fundamentação de facto e/ou de direito para a aplicação, em concreto, da pena a aplicar’.
Não tendo, por despacho de 2 de Setembro de 1999 prolatado pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora e em face do estatuído na alínea e) do nº 1 do artº 400º do Código de Processo Penal, sido admitido o recurso, vieram os arguidos, em 6 de Outubro seguinte (sendo certo que somente foram notificados do dito despacho em 21 de Setembro de 1999), juntar aos autos requerimento do seguinte teor:-
‘H... e J..., recorrentes nos autos de recurso à margem referenciados, notificados do mui douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, vêm interpor o competente RECURSO, o que fazem nos termos e ao abrigo da norma constante no art. 70º nº 1 al. b) e i) da Lei 28/82 de 15/11 (LTC); porquanto:
1. O acórdão ‘in casu’ aplicou determinados preceitos normativos, a saber: a) Art. 24º, do Dl 20-A/90 de 15/1 (adiante designado por RJIFNA) - onde se consagra a previsão e punibilidade pelo crime de abuso de confiança fiscal. b) Art. 11º/5 do RJIFNA - onde se estabelece que na sentença condenatória das pessoas singulares deverá ser fixada a prisão alternativa em caso de pagamento no prazo legal. c) Art. 84º/1 do CIVA - Na medida em que no caso em concreto os serviços do IVA podem, quando o contribuinte assim não o faça, liquidar o imposto com base em presunções ou métodos indiciários, esta indicando a seguir os elementos a ter em conta para tal liquidação.
2. Acontece que da aplicação dos sobreditos preceitos normativos, porque violadores de normas constitucionais, gera-se uma situação de inconstitucionalidade orgânica e material. porquanto: a) O próprio D.L. 20-A/90 de 15/1 padece de vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto nos arts.. 168º/1 al c) e do art. 201º, ambos da Constituição da República Portuguesa. Conforme suscitado em requerimento apresentado no início da Audiência de Julgamento, pelos ora recorrentes bem como em motivações de recurso para o Tribunal da Relação. b) Inconstitucionalidade material dos arts. 24º e 11º/5 do D.L. 20-A/90 de 15/1, na medida em que estabelece uma prisão por dívidas, o que constitui violação dos Princípios Constitucionais designadamente dos arts. 16º/2 e 13º da C.R. P. e dos próprios princípios de Direito Internacional Geral Ocidental; Cfr. o art. 1º do Processo Adicional nº 4 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 16.3.63
(art. 70º/1 al. i) LCT). c) Inconstitucionalidade, ainda, porque o art. 84º do CIVA (que permite as presunções e métodos indiciários) viola o Preceito Constitucional a que se refere o art. 104º/2 da C.R.P.
- Suscitado em requerimento de recurso de 21 de Junho de 1999.
3. Sendo com base na aplicação do RJIFNA e, em especial, dos arts. 24º, 11º/5 e
84º/1, que se determinou a pena concreta a aplicar, decerto a análise da
(in)constitucionalidade de tais preceitos normativos revela-se essencial para o decaimento do acórdão que estabelece a pena de prisão. Termos em que se requer a Vªs. Exªs. a admissibilidade do presente Recurso, nos termos legais e com as legais consequências’.
Também em 6 de Outubro de 1999 vieram os arguidos, na sequência do despacho proferido em 2 de Setembro de 1999 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora e acima aludido, apresentar reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, na qual formularam as seguintes
«conclusões»:-
‘1. Vem a presente Reclamação, da não admissão do recurso interposto a fls.___, para o Supremo Tribunal de Justiça, nos precisos temos da norma constante no art. 405º do C.P.P.;
2. E se no normativo constante no art. 410º/1, al. e), consigna a inadmissibilidade de Recurso ‘...dos Acordãos proferidos pelas Relações’, em crimes cuja moldura abstracta da pena fixe o limite máximo de 5 anos - como é o caso dos autos-;
3. A verdade é que a focada inadmissibilidade não será de considerar no recurso em tempo interposto pelos recorrentes, uma vez que o objecto do mesmo se reporta, tão só, à apreciação de vicios formais (Nulidades Insanáveis - falta de fundamentação), que da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, quer do Acordão do Tribunal Superior
4. Admissibilidade essa determinada pelo disposto no art. 410º nº 3 do C.P.P., e largamente defendida pela Doutrina Nacional, tendo inclusivé já sido objecto de decisão por parte do Tribunal Constitucional; vidé Acordão do Tribunal Constitucional de 19/11/996 in D.R. II Série de 14/03/1997;
5. E se existm Nulidades Insanáveis (falta de fundamentação), nos precisos termos supra expostos, e que ora se dão por integralmente reproduzidos, sempre seria de admitir o Recurso interposto a fls.___, porquanto não estamos perante uma reapreciação da matéria de facto e de direito mas tão só perante um pedido de declaração de invalidade dos Acodãos in focu, por falta de requisitos fomais que se reputam como essenciais nos termos da legislação aplicável.
6. Finalmente, se aos Recorrentes fosse vedado o acesso a um Tribunal Superior, para reapreciação dos supra mencionados Acordãos, de modo a ser decretada a invalidade dos mesmos, estariamos então perante uma clara violação aos Principios Constitucionalmente consagrados nos arts. 32º/1 e 20º/1 da Lei Fundamental’.
Por despacho de 22 de Novembro de 1999, exarado pelo Vice--Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi a reclamação indeferida em face do que se comanda na alínea e) do nº 1 do artº 400º do Código de Processo Penal.
Notificados desse despacho, os arguidos juntaram aos autos em 7 de Dezembro de 1999 novo requerimento, no qual se pode ler:-
‘Venerandos
Desembargadores do Tribunal
da Relação de Évora. H... e J..., recorrentes nos autos à margem referenciados, notificados do aliás Douto Despacho proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da reclamação, oportunamente apresentada para tal Tribunal, vem nos termos e ao abrigo do disposto no art. 70º nº 1 al. b) e i) da Lei 28/82 de 15/11 (LTC), reiterar o seu pedido de Recurso para o Tribunal Constitucional; porquanto:
1. O acordão ‘in casu’ aplicou determinados preceitos normativos, a saber: a) Art. 24º, do Dl 20-A/90 de 15/1 (adiante designado por RJIFNA) - onde se consagra a previsão e punibilidade pelo crime de abuso de confiança fiscal. b) Art. 11º/5 do RJIFNA - onde se estabelece que na sentença condenatória das pessoas singulares deverá ser fixada a prisão alternativa em caso de pagamento no prazo legal. c) Art. 84º/1 do CIVA - Na medida em que no caso em concreto os serviços do IVA podem, quando o contribuinte assim não o faça, liquidar o imposto com base em presunções ou métodos indiciários, esta indicando a seguir os elementos a ter em conta para tal liquidação.
2. Acontece que da aplicação dos sobreditos preceitos normativos, porque violadores de normas constitucionais, gera-se uma situação de inconstitucionalidade orgânica e material. porquanto: a) O próprio D.L. 20-A/90 de 15/1 padece de vício de inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto nos arts.. 168º/1 al c) e do art. 201º, ambos da Constituição da República Portuguesa. Conforme suscitado em requerimento apresentado no início da Audiência de Julgamento, pelos ora recorrentes bem como em motivações de recurso para o Tribunal da Relação. b) Inconstitucionalidade material dos arts. 24º e 11º/5 do D.L. 20-A/90 de 15/1, na medida em que estabelece uma prisão por dívidas, o que constitui violação dos Princípios Constitucionais designadamente dos arts. 16º/2 e 13º da C.R. P. e dos próprios princípios de Direito Internacional Geral Ocidental; Cfr. o art. 1º do Processo Adicional nº 4 à Convenção Europeia dos Direitos do Homem de 16.3.63
(art. 70º/1 al. i) LCT). c) Inconstitucionalidade, ainda, porque o art. 84º do CIVA (que permite as presunções e métodos indiciários) viola o Preceito Constitucional a que se refere o art. 104º/2 da C.R.P.
- Suscitado em requerimento de recurso de 21 de Junho de 1999.
3. Sendo com base na aplicação do RJIFNA e, em especial, dos arts. 24º, 11º/5 e
84º/1, que se determinou a pena concreta a aplicar, decerto a análise da
(in)constitucionalidade de tais preceitos normativos revela-se essencial para o decaimento do acórdão que estabelece a pena de prisão.
4. Inconstitucionalidade do art. 400º nº 1 al. E) do Código de Processo Penal por impossibilitar o duplo grau de jurisdição nos Recursos, violando assim o disposto no nº 1 do art. 3º da Constituição da República Portuguesa. Conforme suscitado em requerimento de reclamação de 06 de Outubro de 1999.
Termos em que se requer a Vªs. Exªs. a admissibilidade do presente Recurso, nos termos legais e com as legais consequências’.
Por despacho de 17 de Dezembro de 1999 do Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora foi admitido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa (cfr. nº 3 do artº
76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que a vertente impugnação não deveria ter sido admitida quanto a determinadas normas, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto do recurso no que se relaciona com essas mesmas normas.
E, como adiante melhor se verá, pelo que se reporta à questão de constitucionalidade de que não estaria vedado a este Tribunal conhecer, proferir-se-á também decisão sumária por força do indicado preceito, negando provimento ao recurso, vista a jurisprudência que tem sido seguida por este
órgão de administração de justiça quanto a tal questão.
2.1. Impõe-se, em primeiro lugar, curar do não conhecimento do objecto do recurso tocantemente a determinadas normas constantes do requerimento de interposição de recurso apresentado em 7 de Dezembro de 1999.
Como deflui da ampla explanação acima efectuada da vicissitude processual dos autos em apreço, os recorrentes, por intermédio do seu requerimento de 7 de Dezembro de 1999, dirigido aos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, intentaram circunscrever o objecto do recurso à seguinte corte de normas:-
- a) quanto à decisão ínsita no acórdão tirado em 1 de Junho de 1999 pelo Tribunal da Relação de Évora:
i) os artigos 11º, nº 5, e 24º, ambos do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, e isso porque, na óptica dos impugnantes, tais normas enfermariam, elas mesmas, de vícios de inconstitucionalidade material [recurso esteado nas alíneas b) e i) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82];
ii) o artº 84º, nº 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, por, também na dita óptica, padecer esta de inconstitucionalidade material [recurso fundado na alínea b) acima indicada];
iii) todo o normativo constante do Decreto-Lei nº 20-A/90, porquanto, na perspectiva dos recorrentes, o mesmo foi promulgado, referendado e publicado após ter decorrido o prazo de 90 dias concedido pela respectiva lei de autorização legislativa [recurso igualmente baseado na alínea b) do nº 1 do artº
70º];
- b) quanto à decisão consubstanciada no despacho proferido em 22 de Novembro de 1999 pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a norma da alínea e) do nº 1 do artº 400º do Código de Processo Penal.
2.2. Simplesmente, e no que concerne a esta última norma [alínea e) do nº 1 do artº 400º do Código de Processo Penal], é por demais evidente que o requerimento em que se manifestava a intenção de impugnação do despacho prolatado pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não podia ser dirigido que não ao autor desse despacho. Daí que, ao ser aquele requerimento dirigido aos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, o foi de modo erróneo.
E, por outro lado, ao ser admitido o recurso pelo Desembargador Relator do falado Tribunal de Relação, essa admissão não pode deixar de ser considerada como uma admissão a non domino (cfr, por entre outros, os Acórdãos deste Tribunal números 363/89, in Diário da República, 2ª Série, de 23 de Agosto de 1989, e 216/93, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 24º,
589 a 593).
Sequentemente, do recurso visando a norma vertida na alínea e) do nº
1 do artº 400º do Código de Processo Penal não conhecerá este Tribunal.
2.3. No que tange ao recurso visando as normas constantes dos artigos
11º, nº 5, e 24º, ambos do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, e do nº 1 do artº 84º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, decorre inquestionavelmente que os recorrentes, antes do proferimento do acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 1 de Junho de
1999, não cuidaram de suscitar a respectiva desconformidade, do ponto de vista material, com o Diploma Básico, pelo que, neste particular, não cumpriram o ónus imposto pela alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
De outra banda, é igualmente por demais claro que o recurso, quanto
àquelas duas primeiras normas, se não podia, por qualquer forma, estribar na alínea i) do nº 1 do referido artº 70º, e isso pela singela razão de harmonia com a qual se não assistiu, no aresto lavrado na Relação de Évora, a qualquer desaplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional ou a uma aplicação em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão por este Tribunal.
Em consequência, quanto aos indicados normativos, e por se não congregarem os cabidos requisitos, não se tomará conhecimento do objecto do recurso.
3. Por último, resta a pretendida apreciação da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 20-A/90.
Não se põe em causa que, aquando da motivação de recurso para o Tribunal da Relação de Évora, os impugnantes puseram em causa a validade constitucional, do ponto de vista orgânico, de um tal diploma, pois que, segundo sustentaram, o mesmo foi promulgado, referendado e publicado após se encontrar esgotado o prazo de noventa dias concedido pela Lei nº 89/89, de 11 de Setembro.
Isso significa, pois, que uma tal questão de inconstitucionalidade haverá que perspectivar-se como tendo sido suscitada adequadamente «durante o processo» para os efeitos do que se consigna na aludida alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
E, de outro lado, dúvidas se não suscitam em como o aresto pretendido colocar sob a censura do Tribunal Constitucional se fundou por entre o mais, para o seu juízo decisório, em que o Decreto-Lei nº 20-A/90 não enfermava do assacado vício, já que o prazo de uma autorização legislativa 'se conta não até
à publicação da lei autorizada, mas até à sua aprovação em Conselho [d]e Ministros', sendo 'que o que é verdadeiramente autorizado é o acto do Governo, na sua substância e não a publicação da lei no Diário da República, que não é elemento do acto legislativo' (palavras do próprio acórdão).
Todavia, a questão ora sub iudicio, tendo em conta a jurisprudência que, a seu respeito, foi já tomada por este órgão de administração de justiça, deve considerar-se como «simples» para os efeitos constantes do nº 1 do artº
78º-A da Lei nº 28/82 e, consequentemente, justificativa da prolação de decisão sumária.
Efectivamente, tem este Tribunal seguido uma jurisprudência impressiva segundo a qual o momento relevante do iter legislativo do diploma autorizado, para efeitos de se saber se o mesmo ocorreu antes ou depois de findo o prazo de caducidade da lei autorizante, é o da aprovação do diploma autorizado em Conselho de Ministros (cfr., por entre muitos outros, os Acórdãos números
150/92, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 28 de Julho de 1992,
265/93, idem, idem, de 10 de Agosto de 1983, 121/93, idem, idem, de 8 de Abril de 1993, 651/93, idem, idem, de 31 de Março de 1994, e 703/93, idem, idem, de 31 de Março de 1994).
Aliás, a questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº
20-A/90 foi já expressamente sujeita a análise por banda deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa. Tal análise efectivou-se por intermédio do Acórdão nº 507/96 (ainda inédito), no qual, a dado passo, se escreveu:-
‘.................................................................................................................................................................................................................................
5. A Lei nº 89/89, de 11 de Setembro, concedeu ao Governo ‘autorização legislativa para aprovar o regime jurídico das infracções fiscais, aplicável a todos os impostos, contribuições parafiscais e demais prestações tributárias, independentemente de quem for o credor tributário, bem como aos benefícios fiscais’ (art. 1º). De harmonia com o art. 6º desta lei, a autorização legislativa conferida caducava se não fosse utilizada dentro do prazo de 90 dias, excepto na parte que respeitava ao artigo 5º, a qual caducava no prazo de
180 dias.
Tratando-se, no caso sub judicio, da incriminação constante do art.
23º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 20-A/90, o prazo de caducidade da autorização era de 90 dias (cfr. art. 2º, nº 2, e 5º da Lei nº
89/89).
Ora, verifica-se que da parte final do Decreto-Lei nº 20-A/90 consta que o mesmo foi aprovado em Conselho de Ministros em 28 de Setembro de 1989, tendo sido promulgado em 12 de Janeiro de 1990 e referendado em 15 do mesmo mês e ano.
A autorização legislativa constante da Lei nº 89/89 tornou-se eficaz a partir do próprio dia da publicação ou, para quem entenda que se aplica às leis de autorização legislativa o prazo de vacatio legis de cinco dias, a partir de
16 de Setembro. O prazo de noventa dias terminou, pois, em 9 de Dezembro de 1989 ou em 14 do mesmo mês e ano.
6. Importa, por isso, averiguar qual o momento relevante do iter legislativo do diploma autorizado, para se saber se o mesmo ocorreu antes ou depois de findo o prazo de caducidade constante do art. 6º da Lei nº 89/89.
O Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência constante, que o momento relevante é o da aprovação do diploma autorizado em Conselho de Ministros, sendo irrelevante a circunstância de a promulgação, referenda e subsequente publicação do diploma ocorrerem após a caducidade da autorização legislativa (por todos, vejam-se os acórdãos nºs 150/92 e 265/93, provenientes da segunda e da primeira secções do Tribunal Constitucional, publicados no Diário da República, II Série, nº 172, de 28 de Julho de 1992, e nº 186, de 10 de Agosto de 1983, respectivamente).
Essa jurisprudência pacífica é agora mais uma vez reiterada, remetendo-se para a fundamentação dos indicados acórdãos (no caso nem sequer se suscita questão idêntica à apreciada pelo acórdão nº 574/95, ainda inédito, dada a relativa proximidade entre a data do termo da autorização legislativa e a data da promulgação)
.................................................................................................................................................................................................................................’
Em face da assinalada jurisprudência também aqui se conclui que não padece de inconstitucionalidade orgânica o Decreto-Lei nº 20-A/90, razão pela qual, neste ponto, improcede o recurso.
4. Pelo exposto, decide-se:-
a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso no que concerne às normas constantes dos artigos 11º, nº 5, e 24º, ambos do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, do nº 1 do artº 84º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e da alínea e) do nº 1 do artº 400º do Código de Processo Penal;
b) Não julgar organicamente inconstitucional o Decreto-Lei nº
20-A/90, em consequência se negando provimento ao recurso;
c) Condenar os recorrentes nas custas processuais, fixando em cinco unidades de conta a taxa de justiça'.
2. Da transcrita decisão reclamaram os recorrentes para a conferência, em síntese continuando a sustentar a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, por já ter sido, aquando da sua promulgação, referenda e publicação, ultrapassado o prazo concedido pelo diploma parlamentar de autorização legislativa consubstanciado na Lei nº 89/89, de 11 de Setembro, e a inconstitucionalidade material das normas vertidas nos artigos
11º, nº 5, e 24º, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, por delas resultar uma 'verdadeira prisão por dívidas'.
Quanto a estas últimas normas, defendem os ora reclamantes que o recurso deveria ser apreciado ao abrigo da alínea i) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, já que elas foram aplicadas '’em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional', para tanto citando os Acórdãos deste Tribunal números 440/87 e 663/98.
Ouvidos o Representante do Ministério Público junto deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa e a recorrida Maria Virginia Pinto Cidade Passos, veio o primeiro defender que a peça processual ora apresentada pelos recorrentes não pode traduzir 'uma reclamação para a conferência', antes consubstanciando uma alegação endereçada aos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, deste modo não representando 'o exercício do direito de impugnação contra a decisão sumária, traduzindo antes o antecipado e erróneo exercício do direito de produzir alegações num recurso de constitucionalidade que não atingiu sequer tal fase processual'.
Cumpre decidir.
3. Assinala-se, num primeiro passo, que aos presentes autos foi, pelo Tribunal da Relação de Évora, remetida a este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa uma peça processual subscrita pelo mandatário dos recorrentes e que, na verdade, representa uma alegação respeitante ao recurso que, pelo Desembargador Relator daquele Tribunal de 2ª Instância, foi admitido, mas de cujo objecto, em virtude da decisão sumária agora reclamada, se não conheceu.
A essa peça processual, obviamente, não deverá ser dado atendimento, por isso que, conforme deflui do prescrito no nº 1 do artº 79º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, as alegações dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade ou de ilegalidade são sempre produzidas no Tribunal Constitucional.
Todavia, em 8 de Fevereiro de 2000, foi junta ao vertente processo uma outra peça processual, também subscrita pelo mandatário dos recorrentes e a que acima se fez referência, peça essa que, indubitavelmente, é de perspectivar como uma reclamação da decisão sumária acima transcrita.
É, pois, essa reclamação que cumpre apreciar.
4. As razões aduzidas na vertente reclamação não logram abalar os juízos constantes da decisão sumária em crise, que agora não é questionada no tocante ao não conhecimento do objecto do recurso tocantemente às normas vertidas no nº 1 do artº 84º do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado e na alínea e) do nº 1 do artº 400º do Código de Processo Penal.
Na verdade, pelo que concerne ao não julgamento de inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 20-A/90, reitera-se o que naquela decisão sumária foi dito e que, aliás, se estriba na jurisprudência firmada por este Tribunal, consubstanciada na citação, a título exemplificativo, que ali se efectua.
Pelo que respeita à questão do não conhecimento do objecto do recurso referentemente à alegada inconstitucionalidade material das normas dos artigos 11º, nº 5, e 24º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, reafirma-se que a pretendida impugnação se não poderia fundar na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, em face do que também se deixou dito na decisão sumária reclamada.
Por outro lado, tendo por referência a alínea i) dos mesmos número e artigo (e agora somente releva o disposto na segunda parte dessa disposição legal, já que, quanto à primeira, não é a decisão sumária passível de censura) impõe-se referir que as normas de que ora nos ocupamos jamais foram objecto de análise por banda deste órgão de administração de justiça em termos de se ter, sobre elas, formulado um juízo de desconformidade com a Lei Fundamental por das mesmas resultar a prescrição de um ilícito criminal subsumível a uma «prisão por dívidas».
Efectivamente, os arestos deste Tribunal citados na reclamação em apreço, de todo em todo, não se debruçaram sobre as ditas normas, motivo pelo qual o recurso esteado na mencionada alínea i) nunca seria, in casu, cabido.
3. Em face do exposto, desatende-se a reclamação, assim confirmando os juízos de não tomada de conhecimento do objecto do recurso quanto às normas dos artigos 11º, nº 5, e 24º, ambos do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, e de improvimento do recurso quanto à alegada inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 20-A/90.
Custas pelos reclamantes, fixando-se em 15 unidades de conta a taxa de justiça. Lisboa, 22 de Março de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa