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Processo nº 224/99
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. No pedido de suspensão de eficácia devidamente identificado nos autos, foi rejeitada por extemporaneidade a resposta apresentada pelos contra-interessados L..., M... e outros, por despacho de 6 de Novembro de 1998 do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa. Inconformados, recorreram para o Tribunal Central Administrativo que, por acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, de fls. 107, confirmou a decisão recorrida, aplicando o disposto no nº 4 do artigo 78º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), segundo o qual o prazo para responder se conta da data da expedição da notificação do pedido de suspensão de eficácia. No entender do Tribunal Central Administrativo, 'a norma constante do artigo 78º nº 4 da LPTA tem plena aplicabilidade no ordenamento jurídico-administrativo, não violando qualquer princípio, constitucional – arts. 13º e 20º – ou não, mantendo-se a razão da sua existência – por via de estarmos perante um processo especialíssimo, como já se anotou–.' Recorreram então os referidos contra-interessados para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, 'com fundamento em inconstitucionalidade suscitada nas suas alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo) do nº 4 do artº 78º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, decorrente da violação do princípio da igualdade (artº 13º, nº 1 da CRP), do princípio do acesso ao direito (artº 20º, nº 1 da CRP) e do princípio fundamental da proibição do arbítrio.' O recurso foi admitido.
2. Notificadas para o efeito, os recorrentes apresentaram as suas alegações, juntando (de novo) o parecer de fls. 127, para o qual remetem 'integralmente, na parte em que se trata aí de inconstitucionalidade do nº 4 do artº 78º do Decreto-Lei nº 267/85', concluindo-as do seguinte modo:
'EM CONCLUSÃO a) O segmento normativo do nº 4 do artº 78º do Decreto-Lei nº 267/85 foi aí posto para o regime de contagem dos prazos processuais em dias úteis, que vigorava a essa data. b) Nesse regime, o facto de a expedição da notificação do pedido de suspensão de eficácia ser feito numa sexta-feira e recebida no segunda-feira seguinte – dado não se contarem aí o sábado e domingo intermédios – em nada prejudicava os interessados em termos de tempo e prazo para contestar, em face de outros contra-interessados para quem a mesma notificação tivesse sido expedida numa 2ª,
3ª, 4ª ou 5ª feira. c) No entanto, o actual regime de contagem corrida ou continuada de prazos processuais – introduzido pelo Decreto-Lei nº 329-A/95 – já o facto de o prazo começar a correr a partir da expedição da notificação pode influenciar de forma negativa a extensão do respectivo prazo processual. d) É que, diferentemente do que sucede nos casos em que a expedição da notificação é feita numa 2º; 3ª, 4ª ou 5ª feira (recebendo-a os contra-interessados no dia seguinte), no caso de a notificação ser expedida numa sexta-feira, como aconteceu na hipótese sub judice, já os contra-interessados só terão conhecimento dela na segunda-feira seguinte, ou seja, quando já decorreram
3 dias do prazo para apresentação da contestação, criando-se uma situação de profunda e injustificada desigualdade processual. e) Assim, no actual regime de contagem contínua dos prazos processuais, a norma do nº 4 do artº 78º do Decreto-Lei nº 267/85, na parte respeitante ao início da contagem do prazo da contestação, deve ser julgada inconstitucional, por violação dos artºs 13º, nº 1 e 20º, nº 1 da Constituição, bem como do princípio fundamental da proibição do arbítrio. f) É, portanto, tempestiva a apresentação da contestação dos ora Recorrentes – com invocação do nº 5 do artº 145º do CPC – no dia 5 de Novembro de 1998.' Os recorridos não contra-alegaram.
3. Não existindo obstáculos de natureza processual ao conhecimento do objecto do presente recurso, cabe começar por transcrever a norma que é impugnada, o nº 4 do artigo 78º do Decreto-Lei nº 267/85, na parte que respeita ao início da contagem do prazo da resposta, restrição que resulta das conclusões das alegações de recurso:
'4. Juntas as respostas ou decorrido o respectivo prazo, que se conta a partir da data da expedição das notificações...'. Com efeito, o prazo (de vinte dias, em consequência da conversão, determinada pelo nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, conjugado com o artigo 1º do Decreto-Lei nº 267/85, do prazo de catorze dias fixado no nº
2 do citado artigo 78º) para a apresentação da resposta da autoridade recorrida ou dos contra-interessados ao pedido de suspensão de eficácia do acto recorrido, no âmbito do contencioso administrativo, conta-se 'da data da expedição' das correspondentes notificações. Consideram os recorrentes que, a partir do momento em que, por aplicação subsidiária das regras de contagem dos prazos fixadas no Código de Processo Civil (nº 1 do seu artigo 144º, na redacção que lhe foi dada pelo referido Decreto-Lei nº 329-A/95), passou a valer a regra da continuidade também para o contencioso administrativo – e, em concreto, para a resposta aos pedidos de suspensão de eficácia –, se tornou inconstitucional 'a norma do nº 4 do artº 78º do Decreto-Lei nº 267/85, na parte respeitante ao início da contagem do prazo da contestação'. Essa inconstitucionalidade consistiria na violação dos princípios da igualdade, do acesso ao direito e da proibição do arbítrio, uma vez que, se a notificação for efectuada numa 6ª feira, como sucedeu no caso dos autos, os contra-interessados disporão de menos três dias para contestar do que outros que, em processos da mesma natureza, hajam sido destinatários de notificações para responder expedidas em qualquer outro dia (útil) da semana. O Tribunal Central Administrativo considerou não inconstitucional a norma impugnada, que se justificaria pela natureza 'especialíssima' do processo em causa. Essa mesma natureza explicaria, aliás, que 'a jurisprudência [seja] praticamente uniforme, no sentido de não ser possível no seu seio dar cumprimento ao disposto no art. 40º nº 1 da LPTA. Neste tribunal também já se entendeu a inaplicabilidade do artigo 289º do Código de Processo Civil, sem que tal facto violasse qualquer norma constitucional'.
4. Não se põe em causa, naturalmente, a natureza especialíssima do meio processual acessório regulado nos artigos 76º e seguintes da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, a suspensão de eficácia dos actos administrativos contenciosamente impugnados, quer por constituir um processamento especial, quer por ser urgente, em resultado da função específica que lhe cabe (artigo 6º da LPTA). Está, todavia, por demonstrar que essa natureza – ou qualquer outra razão – justifique o regime, claramente especialíssimo, definido para o início da contagem do prazo para responder, que não tem paralelo em nenhum outro processo, acessório ou não, urgente ou não.
5. As notificações, como se sabe, destinam-se a dar conhecimento de um facto ao seu destinatário, ou a convocá-lo para comparecer em juízo, marcando frequentemente o início da contagem de um prazo para a prática de um acto. No caso de que agora nos ocupamos, a lei (nº 2 do artigo 78º e nºs 1e 2 do artigo 10º, ambos da LPTA) manda efectuar a notificação da autoridade recorrida e dos contra-interessados, para responder, por via postal registada Não existindo a regra especialíssima contida no nº 4 do mesmo artigo 78º, valeria o regime geral, hoje constante do nº 2 do artigo 254º do Código de Processo Civil, segundo o qual a notificação se haveria por realizada no terceiro dia a contar do registo ou no primeiro dia útil posterior, se aquele o não for. E valeria igualmente a possibilidade de elidir a presunção óbvia em que esta solução assenta – a de que, em geral, o correio chega ao seu destinatário nos três dias posteriores ao respectivo envio –, demonstrando-se a não realização da notificação ou, para o que agora interessa, o seu não recebimento nesse prazo (nº 4 do artigo 254º do Código de Processo Civil). Este regime é, porém, afastado pelo nº 4 do artigo 78º, que considera relevante, para efeitos da contagem do prazo para a resposta, a data da expedição da notificação (a data do registo, naturalmente). Ou seja, a lei considera irrelevante, porque dele abstrai, o momento da chegada ao destino, efectiva ou presumida, da notificação, conduzindo a que a duração do prazo de resposta dependa de um facto totalmente estranho ao destinatário e por ele incontrolável: a maior ou menor rapidez do serviço de correios. Torna-se, assim, o prazo de que o destinatário dispõe para responder num prazo de duração efectiva incerta.
É claro que, ao definir como relevante o momento da expedição, o legislador há-de ter admitido que, normalmente, a notificação será recebida nos mesmos três dias; a verdade, todavia, é que a entrega posterior, eventualmente próxima do termo do prazo, não releva. Pense-se, por exemplo, na hipótese de o correio ser efectivamente entregue dentro do prazo dos vinte dias, mas perto do seu fim. Segundo a lei, o prazo termina, de qualquer modo, no vigésimo dia, ainda que o destinatário apenas tenha disposto, na realidade, de um tempo manifestamente insuficiente para elaborar a resposta, não lhe sendo possível lançar mão da elisão de qualquer presunção de entrega no momento normal, nomeadamente nos termos do nº 4 do já citado artigo 254º do Código de Processo Civil. Ora a incerteza da duração do prazo disponível para apresentar a resposta ao pedido de suspensão de eficácia é inaceitável, tornando inconstitucional a norma aqui impugnada, por infracção do princípio constitucional da igualdade, consagrado no nº 1 do artigo 13º da Constituição. Com efeito, ao marcar como início da contagem do prazo no momento da expedição da notificação do pedido, o nº 4 do artigo 78º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos faz variar os prazos de que dispõem diferentes contra-interessados (ou autoridades recorridas, naturalmente) em processos idênticos e para a prática do mesmo acto em função de um dado aleatório e injustificado: a maior ou menor rapidez do serviço de correios. Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, o princípio da igualdade impede distinções arbitrárias, não materialmente fundadas e irrazoáveis, como aqui ocorreria: cfr., nomeadamente, os acórdãos. 313/89 e
303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vols. 13º, II e 17º, pág. 917e segs. e pág. 65 e segs., respectivamente. Poder-se-á opor que também o regime geral – o de que o prazo se conta a partir do terceiro dia posterior à data do registo, ou do primeiro dia útil seguinte, se aquele o não for –, conduz a que seja incerto o tempo de que o destinatário da notificação dispõe para praticar o acto, já que o correio registado pode chegar ao destino antes da data em que se considera efectuada a notificação. Também aqui se verificaria a álea da maior ou menor rapidez na entrega. A verdade, todavia, é que se trata, então, de uma álea limitada (de três dias, no máximo) e justificada (pela necessidade de garantir que o interessado dispõe sempre do lapso de tempo que a lei considera adequado à prática do acto em questão). Para além disso, aqui a incerteza beneficia o notificando, pois que só pode traduzir-se num acréscimo de tempo. Igualmente se poderá objectar que a lei não faz depender em caso algum (nem sequer, aliás, quando impõe o aviso de recepção) o início da contagem do prazo do recebimento efectivo do acto pelo seu destinatário, uma vez que não exige que seja ele a assinar o aviso. Na realidade, desde que haja sido expedida para o local devido (para o domicílio ou para a sede do notificando, como se sabe), a notificação torna-se eficaz. A verdade, todavia, é que, nesta hipótese, será imputável em regra ao destinatário o não recebimento, ou o recebimento tardio.
6. Diga-se, finalmente, que não se encontra razão para que a natureza especialíssima do meio processual de que nos ocupamos justifique a norma que constitui o objecto deste recurso. Compreende-se, seguramente, que a sua natureza urgente e a sua dependência do recurso de anulação impliquem desvios às regras gerais de processamento; não se descortina, todavia, que possa ser sacrificado o princípio da igualdade nos termos descritos. E acrescente-se que este sacrifício tanto ocorre, quer valha, quer não valha, a regra da continuidade na contagem do prazo da resposta.
7. Concluindo-se pela violação do princípio da igualdade, torna-se desnecessário averiguar da eventual infracção de outros princípios constitucionais.
Assim, decide-se: a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, a norma constante do nº 4 do artigo 78º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, na parte em que manda contar o prazo para responder ao pedido de suspensão de eficácia a partir da data da expedição da notificação correspondente; b) Julgar procedente o recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa, 22 de Março de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida