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Processo nº 153/2000
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. AM... recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Supremo Tribunal Militar de 27 de Janeiro de 2000, de fls. 31, pretendendo que seja apreciada a inconstitucionalidade material ' a) (...) do[s] preceito[s]
193º, nº 1, alínea a)' e ' b) (...) 186º, nº 1, alínea a) do Código de Justiça Militar por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Lei Fundamental', ' c) a incompetência do Tribunal Militar para o julgamento dos ilícitos por que vem acusado o ora recorrente (artigo 213º da C.R.P. que actualiza o antigo 215º)' e ' d) a violação, pelo douto aresto recorrido, do princípio da economia processual e do princípio da celeridade na administração da justiça penal, consagrado no artigo 6º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ...'. O recurso não foi admitido, pelo despacho de fls. 48, por não terem sido aplicadas na decisão as normas cuja constitucionalidade questiona nas alíneas a) e b) do requerimento de interposição de recurso e por não caber no âmbito do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas a apreciação das questões suscitadas nas restantes alíneas.
2. Reclamou então AM... para o Tribunal Constitucional, pretendendo a admissão do recurso. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio sustentar a improcedência da reclamação, aderindo às razões apresentadas no despacho de não admissão e acrescentando que, no que toca às 'duas questões de inconstitucionalidade normativa, referenciadas ao disposto nos arts. 193º, nº 1, al. a) e 186º, nº 1, al. a) do CJM ', o acórdão recorrido se limitou 'a considerar vedada ao tribunal
‘a quo’ a apreciação das ‘questões prévias’ e ‘incidentais’ suscitadas pelo arguido, por ter entendido que formara caso julgado a decisão proferida precedentemente pelo juiz auditor, remetendo para ´decisão final’ a apreciação de tais matérias, e considerando ainda que a qualificação jurídica dos factos, constante do libelo, não podia ser alterada no decurso da audiência – e fundando-se, para tanto, na invocação (explícita) dos arts. 418º, nº 2, e 309º do CJM e – implicitamente – no disposto nos arts. 672º e 675º, nº 2, do CPC.'
3. Cabe começar, desde já, por excluir do âmbito possível do recurso a apreciação das questões suscitadas nas alíneas c) e d) do requerimento de interposição, por não ser questionada a constitucionalidade de nenhuma norma
(cfr. al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82).
4. Quanto à alegada inconstitucionalidade das normas indicadas nas alíneas a) e b) do mesmo requerimento, também dela não pode conhecer o Tribunal Constitucional, porque se trata de normas que não foram aplicadas na decisão recorrida. Como a lei exige (cfr. a citada al. b) do nº 1 do artigo 70º e o artigo 79º-C da Lei nº 28/82) e o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade interposto ao abrigo da citada alínea b) do nº 1 do artigo 70º destina-se a conhecer da alegada inconstitucionalidade de uma norma efectivamente aplicada pela decisão recorrida, como expressamente ali se refere ('Cabe recurso para o Tribunal Constitucional em secção, das decisões dos tribunais: b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.'). Ora o Supremo Tribunal Militar não aplicou, nem a norma constante da al. a) do nº 1 do artigo 193º (crime de peculato) nem a al. a) do nº 1 do artigo 186º
(crime de falsificação e uso de documento falsificado), ambos do Código de Justiça Militar.
5. O acórdão recorrido limitou-se, na verdade, a conceder provimento ao recurso perante ele interposto, 'determinando (...) o prosseguimento dos autos no tribunal a quo'. Para tanto, considerou transitada em julgado a decisão do tribunal de 1ª instância que deferiu para final o conhecimento da questão da competência dos tribunais militares, suscitada pelo réu, dando sem efeito a posterior decisão contraditória, nos termos do disposto no artigo 675º do Código de Processo Civil; e, invocando o disposto nos artigos 418º, nº 2 e 309º do Código de Justiça Militar, entendeu que, de qualquer forma, nunca o tribunal a quo se poderia ter pronunciado no sentido da incompetência, porque tal julgamento implicava uma alteração de qualificação dos factos constantes do libelo que nunca poderia ser feita na audiência.
'Em conclusão: o Tribunal, ao decidir já sobre a aludida excepção, como decidiu, decidiu mal; face à única qualificação jurídico-penal atendível e validamente existente nos autos, a única ilação a tirar é a de que, para já, o Tribunal é competente para o julgamento. Assim, decidiu mal por ter decidido já e por se ter julgado incompetente. Deverá, pois, reservar para final, de acordo, aliás, com a primeira decisão tomada no processo sobre a matéria, o conhecimento da excepção que se considerou ter sido suscitada pelo réu'. Assim, o Supremo Tribunal Militar recusou pronunciar-se sobre a eventual
'inconstitucionalidade dos segmentos normativos (estatuições) dos artºs 193º, nº
1, a), e 186º, nº 1, a), ambos do Código de Justiça Militar', considerando esse conhecimento extemporâneo, pois, no contexto, tomam a natureza de 'questões meramente teóricas sem utilidade prática actual na presente fase processual, nomeadamente para efeitos de conhecimento da excepção da incompetência em causa'. Deste modo, não tendo a disposição impugnada sido aplicada pela decisão recorrida, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso
(cfr., por exemplo, o acórdão nº 367/94, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1994). Nestes termos, indefere-se a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 28 de Março de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida