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Procº nº 797/99.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 10 de Janeiro de 2000 proferiu nestes autos (fls. 185 a 188) o relator decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. L... intentou pelo Tribunal de comarca da Golegã e contra P... e M... e marido, J..., acção, seguindo a forma de processo sumário, por intermédio da qual solicitou, por entre o mais, que lhe fosse reconhecido o direito a haver para si um prédio urbano sito na Rua de São Martinho, nº ..., na Golegã, da qual era arrendatária e que pertencera a F..., a qual o transmitiu a determinados herdeiros legítimos e testamentários, cujos quinhões hereditários foram comprados pelos ora réus.
Tendo, por sentença proferida em 21 de Março de 1997, sido a acção considerada improcedente e, consequentemente, sido os réus absolvidos dos pedidos nela formulados, da mesma recorreu a autora para o Tribunal da Relação de Évora.
Na alegação que então apresentou, pode ler-se nas respectivas
«conclusões» e para o que ora releva:-
‘........................................................................................................................................................................................................................................................................................3.12
- A sentença aceitando factos provadamente falsos como é o de os RR. Se intitularem sucessores da proprietária, violou o princípio do ‘due process of law’ princípio que decorre do artº 20 nº 1 da C.R.P. que prevê o acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais, através de um processo justo, correcto, de um processo devido em justiça e direito, que assegure a tutela efectiva dos direitos e interesses legítimos dos justiciáveis, processo não arbitrário mas garantístico.
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
3.16 - A sentença, sob censura, violou os artºs 510, designadamente o seu nº 2,
511 nº 3 alínea c), do C.P.Civil, artº 47 nº 1 do RAU, aprovado pelo Dec.-Lei nº
321-B/90, de 15 de Outubro, os artºs 8, 9, 16 e) e 69 nº 1 d), do C.R.Predial e o princípio geral do direito constitucional do ‘due process of law’ contido no artº 20 nº 1 da C.R.P.’.
Por acórdão de 23 de Setembro de 1999, o Tribunal da Relação de
Évora, negou provimento ao recurso, o que levou a impugnante a fazer juntar aos autos requerimento com o seguinte teor:-
‘L..., apelante no processo à margem indicado, tendo sido notificada do, aliás douto, acórdão que não concedeu provimento ao recurso e manteve a sentença da 1ª instância, vem dele recorrer para o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 1 do artº 70, alíneas b) e g) da Lei 28/82, de 15 de Novembro.
O douto acórdão violou o princípio geral de direito da observância de um ‘due process of law’ na resolução dos litígios imposto pelo artº 20 nº 1 da C.R.P. e, ainda, os artºs 8, 9, 16 alínea e) e 69 nº 1 alínea d), todos do Código do Registo Predial;
O recurso é processado subsidiariamente como recurso de apelação, tem efeito meramente devolutivo (artº 78 nº 2 da Lei 28/82) e sobe de imediato, nos próprios autos.
Por ser o próprio e estar em tempo, Requer-se a sua admissão seguindo-se os demais termos até final.’
Por despacho de 28 de Outubro de 1999, proferido pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Évora, foi admitido o recurso intentado interpor para este Tribunal.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa (cfr. nº 3 do artº
76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o vertente recurso não deveria ter sido admitido, efectua-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A daquela Lei, a presente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da impugnação sub specie.
Na verdade, no tocante à alínea g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, é por demais evidente que o mesmo não tem, in casu, qualquer cabimento. E não o tem justamente pela circunstância de este Tribunal não ter alguma vez julgado inconstitucional ou ilegal qualquer das normas indicadas pela recorrente no requerimento de interposição do recurso acima transcrito e, bem assim, da alegação de recurso que interpusera para o Tribunal da Relação de Évora.
Por outro lado, e pelo que tange ao recurso previsto na alínea b) dos aludidos número e artigo, é límpido que na citada alegação - aí se incluindo o respectivo «teor» e as formuladas «conclusões» -, nunca a recorrente assacou a qualquer norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional (ou a uma sua qualquer forma de interpretação) vício de desconformidade com o Diploma Básico.
Efectivamente, a única questão de desconformidade com a Constituição que se descortina dessa alegação é direccionada pela recorrente, não a uma qualquer norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional, mas sim à própria sentença então impugnada, o mesmo sucedendo, aliás, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, no qual é referido que foi o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, desejado colocar sob censura perante este órgão de administração de justiça, que violou, ele mesmo, ‘o princípio geral de direito da observância de um ‘due process of law’ na resolução dos litígios imposto pelo artº 20 nº 1 da C.R.P.’
Ora, como é sabido, e isso extrai-se do estatuído no nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e dos números 1 e 2 do artigo 280º da Lei Fundamental, assim tendo sido, desde sempre e sem discrepâncias, entendido pela jurisprudência deste Tribunal (por essa circunstância se dispensando de efectuar qualquer citação, ainda que a título exemplificativo, de arestos que a traduzam), objecto dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade ou legalidade são normas jurídicas e não outros actos do poder público como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
Isto conduz, pois, a que se conclua que, no caso sub iudicio, não houve, por banda da recorrente, o cumprimento de um indispensável ónus, qual fosse o do cumprimento de um dos requisitos exigidos pela alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/8, justamente aquele que consiste na suscitação, «durante o processo» (ou, mais concretamente, antes do proferimento da decisão intentada impugnar perante este Tribunal), da questão de inconstitucionalidade dirigida a uma dada norma jurídica (ou a uma sua determinada interpretação).
4. Perante o que se deixa exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
Da transcrita decisão reclamou para a conferência a recorrente L..., dizendo que:
'2 - Na verdade, tudo se resume à interpretação da norma que atribui o direito de preferência na aquisição do prédio exercido pela inquilina do mesmo prédio, prédio que é o único bem vendido a quem se diz herdeiro e adquiriu o quinhão hereditário. Por tal facto se requereu a nulidade do registo por não se encontrar realizado o trato sucessivo.
3 - Ora a lei não pode ser iníqua - dar como uma mão o que retira com a outra.
4 - No caso, a lei ao atribuir ao inquilino o direito a preferir na aquisição do prédio que habita no caso de compra e venda, não lho pode retirar quando, invocando-se qualidade que não possui, o comprador o faz seu afirmando ter adquirido o quinhão hereditário.
5 - Ora, o princípio ‘due process of law’ decorente do artº 20º nº 1 da C.R.P. abrange precisamente o caso dos autos'
Cumpre decidir.
2. A reclamação ora em apreço não tem a mínima razão de ser, pois que não abala, minimamente que seja, as considerações que conduziram ao juízo de não tomada de conhecimento do objecto do recurso constante da decisão sumária impugnada por inverificação dos pressupostos legais dos comandos normativos que possibilitam os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade fundados nas alíneas b) e g) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
E, justamente por isso, tais considerações são aqui reiteradas, de novo se sublinhando que objecto daqueles recursos são normas e não outros actos do poder público como, designadamente, as decisões judiciais tomadas enquanto tal, e que é por demais evidente que a ora reclamante nunca suscitou, anteriormente à prolação do acórdão tirado no Tribunal da Relação de Évora, qualquer questão de inconstitucionalidade reportada a norma ou normas ínsitas no ordenamento jurídico infra-constitucional.
Termos em que se indefere a vertente reclamação, não se tomando, desta sorte, conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 22 de Março de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa