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Processo nº 99/00
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (3ª Secção), proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1. M.., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional, 'ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro', do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (3ª Secção), de 11 de Novembro de 1999, que na parte que lhe toca, decidiu indeferir uma sua reclamação, nos seguintes termos:
'Quanto à reclamação do recorrente M..., há que dizer que não tem o mínimo cabimento, mantendo-se intocável o despacho reclamado quer no tocante à definitiva decisão sobre a extinção do procedimento criminal por prescrição, quer no tocante ao não complemento do prazo prescricional'.
2. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade invoca o recorrente o seguinte:
'b) A questão da inconstitucionalidade, foi alegada, na reclamação para a Conferência. c) Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade dos artºs 119ºnº 2; 117º nº 1 alínea b) do Cód. Penal de 1982, artº 118º nº 1 alínea b) do Cod.Penal de 19995 e artº 496º do Cód. Proc. Civil, na interpretação que lhe foi dada, pelo Tribunal 'a quo', no sentido em que violam o disposto, nº 1 do art. 32º da Const. Portuguesa, bem como, o nº 1 do artº 29º deste mesmo diploma. d) Que interpretação pretende estar em causa: A norma do art. 121º, nº 1, alínea a) do Cód. Penal de 1995, que atribui efeito interruptivo da prescrição do procedimento criminal, à constituição do arguido, não é aplicável a crimes praticados, antes de 1 de Outubro de 1995; Neste caso concreto, trata-se de crime praticado em Abril de 1984, portanto na vigência do Cód. Proc. Penal de 1929. Assim instaurado procedimento criminal, na vigência do Cód. Proc. Penal de 1929, por crime praticado em Abril de 1984 e constituído o Recorrente, como Réu, antes de 1 de Outubro de 1995, tal acto não tem eficácia interruptiva da prescrição do procedimento criminal por aplicação do disposto no art. 121, nº 1 alínea a) do Cód. Proc. Penal aprovado pelo Dec. Lei nº 48/95 de 15 de Março. Ora, O Tribunal 'a quo' não entende assim e por isso é, violado o disposto no nº 1 do art. 29º e nº 1 do artº 32º da Const. da Repª. Portuguesa pela interpretação dada aos artºs 36º, nº 2 do Dec.Lei nº 28/84 de 20/1; 117º, nº 1 alínea b);
118º, nº 2 alínea a); 119º nº 2, alínea a); 120º nº 1'.
3. Os autos revelam que o recorrente dirigiu ao 'Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça' um requerimento a invocar que 'o procedimento criminal, se extinguiu, por prescrição' e que esta 'é do conhecimento oficioso do Tribunal', terminando assim o requerimento:
'Nos termos expostos e face às disposições combinadas nos artºs 119º nº 2, 117º nº 1 alínea b) do Cód. Penal de 1982, art. 118º nº 1 alínea b) do Cód. Penal de
1995 e art. 496º do Cód. Proc. Civil, vem requerer (porque ainda não há transito em julgado) que V. Exa. se digne determinar pela extinção do procedimento criminal, por prescrição' Tal requerimento foi indeferido, por despacho de 15 de Julho de 1999, nestes termos:
'A questão da extinção do procedimento criminal por prescrição posta pelo requerente M... já foi decidida pelo acórdão da Relação de Lisboa em termos definitivos - v. fls. 1679 e vº - pois não foi objecto de recurso para este Supremo Tribunal. O acórdão da Relação, nessa parte, transitou em julgado passando a ter força obrigatória, nos termos do artº 671º, nº 1 do Cód, Proc. Civil, aplicável 'ex vi' do artº 1º, § único do C.P.P. de 1929. De resto, o que ali se decidiu mantém plena actualidade pelo menos em termos de prazo prescional que está ainda longe de se completar, face ao disposto nos artºs 36º, nº 2 do Dec.-Lei nº 28/84, de 20-1, 117º, nº 1, al. b), 118º, nº 2, al. a), 119º, nº 1, al. b) e nº 2 e 120º, nº 3 do Cód. Penal de 82 (cfr. artºs
118º, nº 1, al. b), 119º, nº 2, al. a), 120º, nº 1, al. b) e nº 2 e 121º, nº 3 do Cód. Penal de 1995 - 18 anos (10+5+3anos)'. O recorrente veio então impugnar esse despacho, 'RECLAMANDO PARA A CONFERÊNCIA, nos termos do art. 700, nº 3 do Cód. Proc. Civil, aqui aplicável, 'ex vi' dos artºs 649º do Cód. Proc. Penal de 1929, 762º nº 1 e artº 749º daquele primeiro diploma', concluindo assim a reclamação:
'a) - Já decorreram 15 anos e 6 meses sobre a prática dos factos pelos quais o R. foi condenado. b) - O procedimento criminal foi instaurado na vigência do Cód. Proc. Penal de
1929. c) - Nos termos das disposições combinadas nos artºs 119º, nº 2, 117º nº 1, alínea b) do Cód. Proc. Penal de 1982, artº 118º, nº 1, alínea b) do Cód. Penal de 1995 e artº 496º do Cód. Proc. Civil, o procedimento criminal dever-se-à julgar extinto por prescrição. d) - A não se entender assim, é violado o disposto no nº 1 do artº 29º e nº 1 do artº 32º da Const. da Repª Portuguesa, dada a interpretação dos artº 36º nº 2 do Dec. Lei nº 28/84 de 20/1; 117º nº 1 alínea b); 118º, nº 2 alínea a) 119º nº 1 alínea b) e nº 2 e 120º nº 3 do Cód. Penal de 1982, bem como o artº 118º nº 1, alínea b) 119º nº 2 alínea a) 120º nº 1 alínea b) e nº 2 e 121º nº 3 do Cod. Penal de 1995. e) Assim deverá em conferência o despacho ora em reclamação ser revogado determinando-se pela extinção do procedimento criminal, por prescrição'. A reclamação foi indeferida no acórdão recorrido, conforme ficou já transcrito.
4. É fácil de ver que a essência do julgado nesse acórdão e no despacho de 15 de Julho de 1999 radica na consideração de que a 'a questão da extinção do procedimento criminal por prescrição posta pelo requerente M... já foi decidida pelo acórdão da Relação de Lisboa em termos definitivos - v. fls. 1679 e vº - pois não foi objecto de recurso para este Supremo Tribunal' e esse acórdão, nessa parte, transitou em julgado. O acrescentamento ('De resto, o que ali se decidiu mantém plena actualidade pelo menos em termos de prazo prescional que está ainda longe de se completar, face ao disposto nos artºs 36º, nº 2 do Dec.-Lei nº 28/84, de 20-1, 117º, nº 1, al. b), 118º, nº 2, al. a), 119º, nº 1, al. b) e nº 2 e 120º, nº 3 do Cód. Penal de
82 (cfr. artºs 118º, nº 1, al. b), 1119º, nº 2, al. a), 120º, nº 1, al. b) e nº
2 e 121º, nº 3 do Cód. Penal de 1995 - 18 anos (10+5+3anos)') de que o decidido no tribunal de relação 'mantém plena actualidade, pelo menos, em termos de prazo prescional', seguindo-se a indicação dos preceitos legais, não retira o efeito daquela primeira consideração e, aliás, é remissivo para tal decisão. Daqui resulta que, qualquer que seja o juízo de (in)constitucionalidade a que se possa agora e aqui chegar, sempre se manterá o entendimento de que é intocável o despacho reclamado 'no tocante à definitiva decisão sobre a extinção do procedimento criminal por prescrição', e este ponto não vem controvertido pelo recorrente, numa qualquer óptica jurídico-constitucional. Ora, sendo instrumental o recurso de constitucionalidade, como é sabido, importa que haja utilidade prática no seu julgamento, de modo a reflectir-se no julgado nas instâncias. Ora, é esta falta de utilidade prática que decorre do que fica dito, pois o Supremo Tribunal de Justiça sempre entenderá, mesmo confrontado com um hipotético juízo de inconstitucionalidade, que a questão controvertida da extinção do procedimento criminal por prescrição está já definitivamente decidida no tribunal de relação. Deste modo, não é de tomar conhecimento do presente recurso.
5. Termos em que, DECIDINDO, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº
85/89, de 7 de Setembro, e na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta'. B. Dessa Decisão Sumária veio o recorrente 'nos termos do disposto no nº 3 do artº 78 - A da LTC RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA', assentando o seu discurso na ideia nuclear de que o 'STJ, recusando a apreciação da prescrição, sem transito em julgado, recusa-se a apreciar a requerimento do Reclamante a Lei mais favorável, quando, até, o deveria fazer oficiosamente' e concluindo a reclamação deste modo:
'1ª - Assiste ao Reclamante o direito de interpôr recurso para o TC, uma vez que, no respectivo requerimento satisfaz os requisitos do nº 1 do art. 75-A da LTC.
2ª - O processo ainda não transitou em julgado, daí que, a prescrição, deva ser apreciada, no STJ por requerimento, ou até mesmo oficiosamente, como dispõe o art. 496º do Cód. Proc. Civil, por remissão do art. 4º do Cód. Proc. Penal.
3ª - Porque ainda não se verificou trânsito em julgado, não pode o STJ e a decisão sumária remeterem para o Ac. da Rel. de Lisboa, admitindo que a prescrição se interrompe com a constituição de arguido e com os autos de declaração colhidos por agentes da P.J.
4ª - Deve pois, ao Reclamante ser concedida a procedência da presente reclamação, com a concessão de prazo para Alegações nos termos dos artºs 78º-A, nº 4 e nº 1 do artº 79º da LTC, uma vez que, pretende ver apreciada a inconstitucionalidade de interpretação e aplicação da Lei, aqui referidas'. C. Respondeu à reclamação o 'representante do Ministério Público junto deste Tribunal', nos termos seguintes:
'1 – É manifesto que a 'ratio decidendi' em que assentou o acórdão recorrido consistiu na conclusão de que teria transitado em ulgado o acórdão proferido pela Relação, considerando inverificada a pretendida prescrição do procedimento criminal.
2 – Sucede que, ao delimitar o objecto do recurso de fiscalização concreta interposto, a fls. 2054, o recorrente apenas tratou de reportar a questão da inconstitucionalidade suscitada à interpretação normativa, acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça, dos preceitos do processo penal que atribuem 'efeito interruptivo da prescrição do procedimento criminal à constituição de arguido', relativamente a crimes praticados antes de 1 de Outubro de 1995 – não conferindo qualquer relevo, numa perspectiva jurídico-constitucional, ao referido argumento do 'trânsito em julgado' do decidido pela Relação.
3 – Deste modo, o recurso de fiscalização concreta interposto só teria utilidade se, ao delimitar o respectivo objecto, o recorrente tivesse também questionado a constitucionalidade da dita interpretação normativa de que decorre a preclusão da possibilidade de reapreciação pelo Supremo da prescrição do procedimento criminal, já 'definitivamente' resolvida por decisão interlocutória da Relação.
4 – Ora, não tendo o recorrente especificado ou enunciado tal questão no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – que delimita irremediavelmente o respectivo objecto – não lhe é possível ampliá-lo no âmbito desta reclamação para a conferência, nela inserindo questão nova, relativamente
à especificada oportunamente no requerimento de fls. 2054.
5 – Termos em que deverá confirmar-se a decisão sumária proferida nos autos'.
D. Vêm os autos à conferência, para decidir. A transcrita Decisão Sumária não sai minimamente beliscada na reclamação apresentada pelo recorrente, pois o que ficou dito, face ao carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, é que o 'Supremo Tribunal de Justiça sempre entenderá, mesmo confrontado com um hipotético juízo de inconstitucionalidade, que a questão controvertida da extinção do procedimento criminal por prescrição está já definitivamente decidida no tribunal de relação', não importando entrar na discussão de saber se se verificou ou não o trânsito em julgado daquela decisão nos presentes autos, que é o tema preferencialmente acolhido pelo reclamante. Este, por consequência, não consegue abalar o posicionamento do Supremo Tribunal de Justiça quanto a estar 'decidida pelo acórdão da Relação de Lisboa em termos definitivos' a dita questão da extinção do procedimento criminal por prescrição, e não é tal posicionamento questionado pelo reclamante no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, numa óptica jurídico-constitucional (basta a sua leitura, para se chegar a esta conclusão). Como acertadamente diz o Ministério Público, 'o recurso de fiscalização concreta interposto só teria utilidade se, ao delimitar o respectivo objecto, o recorrente tivesse também questionado a constitucionalidade da dita interpretação normativa de que decorre a preclusão da possibilidade de reapreciação pelo Supremo da prescrição do procedimento criminal, já
'definitivamente' resolvida por decisão interlocutória da Relação'. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta Lisboa, 22 de Março de 2000 Guilherme da Fonseca. Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa