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Proc. nº 56/00 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - M..., com os sinais dos autos, foi por força de despacho judicial de fls. 153, preso preventivamente.
Desse despacho recorreu para a Relação de Lisboa que, por acórdão de fls. 192 e segs., negou provimento ao recurso.
Na motivação do recurso então interposto alegou o recorrente, no essencial, a falta de fundamentação do despacho impugnado, arguindo ainda a inconstitucionalidade das normas que regulam o regime das nulidades em processo penal (artigos 118º a 122º do CPP) por violação de vários preceitos constitucionais, no ponto em que permitissem que a falta de fundamentação pudesse ser objecto de sanação ou constituir mera irregularidade (sendo aqui invocada a norma do artigo 123º do CPP).
Ouvido sobre parecer emitido pelo Magistrado do MP junto da Relação, o recorrente invocou, ainda, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 97º nº. 4 e 194º nº. 3, ambos do CPP, quando interpretadas no sentido de que elas autorizam a simples remissão para as razões invocadas pelo MP noutro momento processual anterior achando-se com ela preenchido o dever constitucional de fundamentação das decisões que decretam a prisão preventiva.
No já citado acórdão de fls. 192 e segs. que negou provimento ao recurso, entendeu-se, entre o mais, que o despacho impugnado, encontrando-se embora fundamentado, enfermava de uma 'deficiência formal' na medida em que fizera suas, reportando-se a elas mas sem contudo as reproduzir, razões constantes de outras peças processuais; tal constituiria uma mera irregularidade que, por não ter sido arguida no próprio acto, se encontraria sanada nos termos do artigo 123º do CPP; não atingindo aquela deficiência a substância do despacho, violado não seria nenhum dos princípios constitucionais que norteiam o citado artigo 205º nº. 1 da Constituição'.
Requereu, ainda, o recorrente a aclaração deste aresto, aproveitando a oportunidade para pedir a apreciação da constitucionalidade do artigo 202º nº.
1 do CPP, se, aclarado o sentido em que fora aplicado, este fosse o de que os
'fortes indícios de prática de crime doloso, que justificam a prisão preventiva, pudesse ter assento na 'convicção pessoal' da entidade policial'.
Indeferido o pedido de aclaração interpôs, então, o recorrente recurso para o Tribunal Constitucional, através do requerimento de fls. 212 e segs. que se transcreve na íntegra:
M..., recorrente nos autos em epígrafe, não se conformando, salvo o devido respeito. com o douto acórdão que negou provimento ao recurso, vem respeitosamente através deste requerimento interpor recurso para o Tribunal Constitucional, fazendo-o ao abrigo da alínea 'b' do nº 1 do artigo 70°, da Lei na 18/82, de 15 de Novembro, razão porque passa a expor e requerer igualmente o seguinte:
1. O douto acórdão de fls., que negou provimento ao recurso interposto pelo recorrente, interpretou e aplicou os artigos 97º, nº 4 e 194º, nº 3, do CPP, no sentido de que autorizam a simples remissão para outra manifestação processual anterior, como suficiente para a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva.
2. Contudo, salvo o devido respeito, o recorrente destaca para fins do n° 2 do artigo 75°-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, que desde logo na peça processual de resposta à manifestação do Ministério Público, efectuada perante o Tribunal da Relação, suscitou a inconstitucionalidade dos citados artigos 97º, nº. 4 e
194°, n° 3, ambos do CPP, na interpretação e aplicação promovidas pelo douto acórdão, no sentido de autorizarem a referida remissão.
3. E isto, salvo sempre o devido respeito, por considerar que tal interpretação e aplicação causam a inconstitucionalidade material dos referidos artigos, por violação dos artigos 1º,2º, 9º, al. b), 12º, nº 1, 17º, 18º, nº. 1, 20º, nº 1,
2, 4 e 5, 27º, 28º, 32º, nº 1, 205º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa, bem ainda do artigo 6º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, ainda, dos artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
4. E o douto acórdão interpretou e aplicou os artigos 118º, 119º, 121º, 122º e
123º, todos do CPP, no sentido de que 'a deficiência formal da fundamentação implica simples irregularidade da decisão, passível de sanação'.
5. O recorrente suscitou, salvo sempre o devido respeito, a inconstitucionalidade de tal interpretação e aplicação dos referidos artigos, na peça processual de interposição de recurso do despacho que decretou sua prisão preventiva, o que igualmente destaca para fins do nº 2 do artigo 75º-A, da Lei
28/82, de 15 de Novembro.
6. O douto acórdão de fls., salvo o devido respeito, aplicou e interpretou o artigo 202º, nº 1, do CPP, no sentido de que 'os fortes indícios de prática de crime doloso, que justificam a prisão preventiva, podem ter assento na convicção pessoal de entidade policial' (o que decorre cIaramente de sua afirmação, no sentido de que '...é manifesto que o Meritíssimo Juiz acolheu, implicitamente, no seu despacho, as razões de facto e de direito que aí constam...', sendo que de tal manifestação da entidade policial, que teria acolhido o MM. Juiz, consta a afirmação de que '... no caso, é nossa forte convicção...').
7. Contudo, o recorrente destaca igualmente para fins do n° 2, do artigo 75º-A da Lei 28/82, de 15 de Novembro, que também suscitou a inconstitucionalidade de tal disposição, no apontado sentido em que veio interpretada e aplicada pelo douto acórdão, na peça processual de pedido de correcção, uma vez que não podia tê-lo feito antes por, salvo o devido respeito, não ser previsível tal interpretação e aplicação, que não apenas contrariam desde logo os próprios termos do douto acórdão recorrido, como tiveram assento em manifestação cujo conhecimento não foi dado ao recorrente, em virtude do segredo de justiça.
8. E, salvo igualmente o devido respeito, entende o recorrente que o referido artigo 202º, nº 1, do CPP, na referida interpretação e aplicação promovidas pelo douto acórdão, encontra-se ferido de material inconstitucionalidade, por violação dos artigos 1º, 2º, 9º, al. b), 12º, nº 1, 17º, 18º, nº 1, 20º, nºs. 1,
2, 4 e 5, 27º,28º,32º, nº 1, 205º, nº 1, todos da Constituição da República Portuguesa, bem ainda do artigo 6º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, ainda, dos artigos 8º e 11º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
9. Pretende o recorrente, que as referidas inconstitucionalidades sejam apreciadas pelo Venerando Tribunal Constitucional.
10. Salvo mais douto entendimento. o recurso tem efeito e regime de subida indicados no nº 3, do artigo 78º, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Nestes termos, aguardando a legal oportunidade para a apresentação de suas alegações, requer respeitosamente seja admitido em seus legais efeitos e regime de subida, o recurso que se interpõe ao abrigo da citada alínea 'b', do n° 1, do artigo 70º, da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, seguindo-se os respectivos termos legais, com o encaminhamento para o Venerando Tribunal Constitucional, para que venham a ser apreciadas e reconhecidas as inconstitucionalidades das referidas normas interpretadas e aplicadas pelo douto acórdão. Pelo despacho de fls. 218, o relator determinou que se procedesse a alegações, desde logo limitando o objecto do recurso. Transcreve-se na íntegra o referido despacho:
'Nos presentes autos de recurso, o recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade das normas contidas nos seguintes preceitos legais, todos do Código de Processo Penal: Artigos 97º nº 4 e 194º nº 3 Artigos 118º, 119º, 121º, 122º e 123º Artigo 202º nº 1 Entende-se, contudo, que a questão normativa a apreciar, na perspectiva da constitucionalidade da norma ou normas aplicadas na decisão recorrida, é apenas a de saber se é conforme à CRP considerara como mera irregularidade, nos termos do artigo 123º do CPP, sanável por falta de impugnação, a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva, por remissão para as razões – que faz suas – de outras peças processuais.
É este, de facto, o sentido do acórdão recorrido, ao declarar 'sanada a irregularidade consistente na deficiência formal do despacho recorrido ', deficiência que residiria na circunstância deste despacho remeter, sem as especificar, para as razões expostas na promoção do Ministério Público. Para tanto, a norma concretamente aplicada é a do artigo 123º do CPP, que no entanto só poderá ser entendida convocando o regime estabelecido no CPP sobre nulidades – e neste sentido se admite, pois, que as normas pertinentes a esse regime constituam objecto do presente recurso (não constando expressamente das nulidades previstas aquele tipo de fundamentação, a questão é equacionada no
âmbito das irregularidades). No que concerne à norma do artigo 202º nº 1do CPP o recorrente entende que este preceito legal '(...) foi interpretado e aplicado no sentido de que os 'fortes indícios de prática de crime doloso, que justificam a prisão preventiva, podem ter assento na 'convicção pessoal' de 'entidade policial', violando, também por essa via, o dever de fundamentação das decisões judiciais' Contudo, em vão se procura no acórdão recorrido a aplicação de tal dispositivo, pelo que, nesta parte, não pode este Tribunal tomar conhecimento do recurso por manifesta inobservância dos pertinentes pressupostos processuais, a saber: aplicação efectiva da norma impugnada pela decisão recorrida como ratio decidendi. Mesmo que assim se não entendesse, a verdade é que o recorrente só suscitou a questão de inconstitucionalidade no pedido de aclaração do acórdão recorrido, podendo – e devendo – fazê-lo, ao menos na fase em que respondeu ao parecer do Ministério Público em 2ª instância que 'já mantinha as razões expostas a fls.
125 a 127'; era então, enquanto admitia – como de resto admitiu na referida resposta – que tivesse havido tal remissão, que o recorrente deveria suscitar a questão de inconstitucionalidade no sentido de que seria inconstitucional a norma do artigo 202º nº 1 do CPP com a interpretação de que 'os fortes indícios de prática de crime doloso, que justificam a prisão preventiva podem ter assento na convicção pessoal de entidade policial' Não poderá, pois, conhecer-se do objecto do recurso no que concerne à norma do artigo 202º nº 1 do CPP. Definido, assim, o objecto do recurso – o que se faz para o recorrente não ser surpreendido com uma decisão com o mesmo sentido – determino se proceda a alegações, fixando-se o prazo para o efeito em dez dias (artigos 43º e 79º nº 2 da LTC).' O recorrente produziu alegações, apontando as seguintes conclusões:
'1. O douto acórdão recorrido entendeu que a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva, por remissão para razões constantes de outras peças processuais, configura mera irregularidade, sanável por falta de impugnação, nos termos do artigo 123° do CPP, interpretação e aplicação que a seu ver seriam compatíveis com as disposições da CRP .
2. Contudo, salvo o devido respeito, a Revisão Constitucional de 1997 implicou em um reforço do dever de fundamentação das decisões dos tribunais, ao consignar no texto do nº 1 do artigo 205º da CRP, que '...As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei...'
(destacamos).
3. Desta forma, verifica-se que a CRP só conhece dois tipos de decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente: as que são fundamentadas na forma prevista na Lei, ou as que não são fundamentadas na forma prevista na Lei.
4. Assim, a CRP não deixa espaço para o reconhecimento de um terceiro género, qual seja: o das decisões 'quase fundamentadas na forma da lei', ou das decisões
'não tão bem fundamentadas na forma da lei'.
5. Pelo que do ponto de vista constitucional, ou a decisão respeita a forma legal, para ter-se por fundamentada, ou não respeita tal forma, razão porque há de ser considerada não fundamentada, sob pena de criar-se tal terceiro género não admitido pela CRP.
6. No caso presente, sempre com o devido respeito, o Recorrente destaca um facto fundamental que não se pode perder de vista: está em causa o alcance do dever de fundamentação de um despacho que decreta a prisão preventiva.
7. E como tal despacho não é de mero expediente, a CRP determina que a sua fundamentação seja feita na forma prevista na lei, que em obediência ao dever constitucional, virá a ser estabelecida pelo legislador .
8. A forma de tal despacho que decreta a prisão preventiva veio introduzida pela recente Lei nº 59/98 de 25 de Agosto, que deu nova redacção ao artigo 194º do CPP, introduzindo em seu texto o nº 3, com a seguinte disposição:
'Artigo 194º
1...
2...
3 - O despacho referido no nº 1 é notificado ao arguido e DELE CONSTAM a enunciação dos motivos de facto da decisão e a advertência das consequências do incumprimento das obrigações impostas. Em caso de prisão preventiva, o despacho
é, com consentimento do arguido, de imediato comunicado a parente, a pessoa da sua confiança ou ao defensor indicado pelo arguido.
4...'(destacamos)
9. Desta forma verifica-se que, em obediência a tal comando Constitucional, o legislador fez consignar a obrigatoriedade de que os motivos de facto do despacho que decreta a prisão preventiva, devem constar expressamente DESTE MESMO DESPACHO ('DELE CONSTAM'), não autorizando que tais motivos possam ser os constantes de outras manifestações processuais, para as quais se remete, através de remissão não admitida pela forma legal.
10. A expressão 'DELE CONSTAM' denota claramente a exigência de afastar-se qualquer possibilidade de remissão, no que se refere ao despacho que decreta a prisão preventiva.
11. E note-se que tal expresso veto à remissão, no tocante ao dever de fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva, guarda correspondência não apenas com o reforço do dever de fundamentação consagrado no novo nº 1 do artigo 205º da CRP, como respeita igualmente à garantia constante do artigo 27º da CRP, que em seu nº 4 estabelece:
'Artigo 27º
1...
2...
3...
4 - Toda pessoa privada de sua liberdade deve ser informada imediatamente e de FORMA COMPREENSÍVEL das razões de sua prisão ou detenção e dos seus direitos'
(destacamos)
12. Salvo o devido respeito, dúvida não há de que a vedada remissão necessariamente não presta atendimento ao referido comando constitucional, na medida em que dificulta a informação IMEDIATA E DE FORMA COMPREENSÍVEL exigida pela CRP.
13. Isto porque o cidadão preso não pode ser compelido a 'procurar nos autos' em poucos segundos as razões de sua prisão, constantes de manifestações anteriores para as quais se remete, ainda mais quando estes autos acham-se sob segredo de justiça, o que não apenas dificulta mas inviabiliza por completo o necessário conhecimento imediato e compreensível das razões de sua prisão (destaque-se que o referido despacho há de ser expressamente notificado ao cidadão, nos termos do artigo 113º, nº 7, do CPP, que também visa prestar obediência ao referido comando constitucional).
14. Aliás, tal dificuldade de compreensão vem desde logo posta em relevo pelo próprio douto acórdão recorrido, quando este refere:
'... Há contudo que ter em conta que este tipo de despachos - subsequentes ao primeiro interrogatório de arguido detido - como é prática corrente, é proferido verbalmente e reproduzido em auto (artigo 96°. n° 4, do CPP). Por isso, muitas vezes não tem, compreensivelmente, o apuro formal e mesmo de substância que é exigível a um despacho escrito...'(destacamos)
15. Salvo o devido respeito, se o próprio douto acórdão refere que um Juiz de Direito, especializado e experiente no exercício de sua função jurisdicional, muitas vezes compreensivelmente não consegue proferir oralmente um despacho que de forma clara aponte os motivos da prisão preventiva de um cidadão, como pretender que este mesmo cidadão consiga compreender tais razões, quando desde logo não lhe são expostas de forma compreensível, no modo exigido pela CRP ?
16. E isto sem nem mesmo atentarmos para o caso presente, onde o douto despacho que decretou a prisão preventiva do recorrente teria feito uma 'remissão para uma outra remissão que teria sido feita pelo Ministério Público' para considerações de autoridade policial cujo conhecimento não foi dado ao Recorrente, em razão do segredo de justiça.
17. Mas não é só, uma vez que a pura e simples 'remissão para a remissão' para uma manifestação anterior da entidade policial, coberta pelo segredo de justiça, toma completamente inútil a previsão contida no artigo 28º, nº 1, da CRP, no tocante a exigência do interrogatório e oportunidade de defesa, pois subtrai do próprio douto despacho que decreta a prisão preventiva o necessário exame crítico fundamentado do quanto alegado pelo arguido em sua defesa, que acaba por
'cair no vazio', restando completamente não apreciado.
18. Igualmente cumpre ressaltar, que a 'remissão para a remissão' para uma manifestação coberta pelo segredo de justiça igualmente inviabiliza o exercício da garantia do contraditório e o direito de defesa e de recurso, consagrados no artigo 32º da CRP, pois não se conhece (como de facto não se conheceram) as razões efectivas que determinaram a aplicação da medida de coacção extrema.
19. É incontroverso que o próprio douto acórdão recorrido reconheceu expressamente que o despacho que decretou a prisão preventiva do recorrente não teria observado a forma prevista na lei, sendo a este respeito significativa esta sua seguinte passagem:
'...Ora, é verdade que o despacho em apreço, na sua letra, não explicita os factos indiciariamente imputados ao arguido; não faz o enquadramento jurídico dos factos; explica sucintamente – aludindo ao receio de fuga e perigo de continuação da actividade criminosa - a necessidade de aplicação de uma medida de coacção; e não indica as razões da opção pela prisão preventiva. Mas é também verdade que, quanto ao segundo ponto (o enquadramento jurídico dos factos) remete para a promoção do Ministério Público, onde tal enquadramento se encontra perfeitamente realizado. A promoção do Ministério Público faz, por sua vez, para justificar a prisão preventiva, remissão para fls. 125 e 127, que contém o despacho do Inspector da Polícia Judiciária...'(destacamos).
20. O próprio douto acórdão recorrido afirma que tal 'remissão para a remissão' compreenderia apenas o 'segundo ponto' referido em sua enunciação.
21. E buscando encontrar as consequências de tal 'deficiência formal' na fundamentação, deparou-se com o facto de que o regime de nulidades do CPP não previu expressamente qualquer nulidade para a violação da forma legal do despacho que decreta a prisão preventiva ( o que aliás não poderia causar qualquer surpresa, uma vez que tal regime é anterior a Revisão constitucional de
1997, bem como anterior a forma estabelecida para tal despacho, pela Lei n°
59/98, de 25 de Agosto, antes referida).
22. E em sua análise conclui que o despacho recorrido apresentava uma
'deficiência formal, na medida em que faz suas, reportando-se a elas mas sem contudo as reproduzir, razões constantes de outras peças processuais'.
23. 'Deficiência formal' esta que 'não atinge a substância do despacho', razão porque configuraria apenas mera 'irregularidade sanável', que deveria ser 'ser enquadrada no regime próprio das irregularidades processuais, ou seja, das 'bagatelas' sem influência na decisão da causa'.
24. Salvo sempre o devido respeito pelo referido no douto acórdão, entende o Recorrente que tal 'remissão para remissão' para peça coberta pelo segredo de justiça, promovida pelo douto despacho que decretou a sua prisão preventiva encerra violação extremamente grave das já referidas disposições constitucionais.
25. Desta forma, salvo sempre o devido respeito, a EXPRESSAMENTE PROIBIDA remissão promovida pelo douto despacho que decretou a prisão preventiva do Recorrente, longe de poder inserir-se no regime das irregularidades próprio das
'bagatelas', como entendeu o douto acórdão recorrido, implica necessariamente em significativa afronta à dignidade constitucional do dever de fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva.
26. Bem como outra coisa não significa, salvo o devido respeito, do que consagrar-se o terceiro género não admitido pela CRP, conforme antes referido: o das 'decisões não tão perfeitamente fundamentadas'.
27. E quando a própria CRP estabelece em seu artigo 18º, a força jurídica dos preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, afirmando que estes só podem ser restringidos nos casos expressamente previstos na Constituição, bem ainda tão somente para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, coloca-se ainda mais em relevo a inconstitucionalidade referida.
28. Isto porque certamente não é constitucionalmente protegida a 'fundamentação por remissão' das decisões dos tribunais (muito menos daquela que decreta a prisão preventiva), antes pelo contrário, salvo sempre o devido respeito.
29. E o dever de observância de fundamentação na forma da lei, do despacho que decreta a prisão preventiva, que guarda expressa e necessária correspondência com os outros direitos, liberdades e garantias fundamentais antes referidos, não pode ser posto de lado para que se consagre, salvo o devido respeito, o proibido uso de remissão que, aliás, pelo próprio douto acórdão recorrido não apenas seria desde logo 'censurável no âmbito de uma boa prática judiciária', como não
é admitido nem mesmo no âmbito do processo civil (artigo 158º do CPC), que nem mesmo trata da limitação cautelar da liberdade dos cidadãos ( que envolve restrição de direito fundamental consagrado na CRP).
30. Sempre com o devido respeito, admitir-se como conforme com as referidas disposições da Constituição da República, a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva por remissão (para remissão), não apenas seria impor uma incompatível 'marcha atrás' ao pretendido reforço do dever de fundamentação das decisões dos tribunais, consagrado na última Revisão Constitucional, como implicaria em admitir-se uma situação que, dentro em breve, fará com que os tribunais de recurso sejam indevidamente onerados com a necessidade de decidir não apenas do mérito da decisão que decreta tal medida extrema de coacção, como seria de rigor, mas também se tal remissão operou-se ou não de modo a prejudicar os já referidos direitos dos cidadãos, bem ainda o de acesso à tutela jurisdicional efectiva e em tempo útil, consagrado no artigo 20º da CRP que obviamente busca privilegiar as decisões de mérito, em detrimento das decisões de forma).
31. E como decorre naturalmente de tal condição, os artigos 118º, 119º, 121º,
122º e 123º do CPP, são materialmente inconstitucionais, por violação das referidas disposições da CRP, na parte em que aplicados e interpretados no sentido de que 'a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva, por remissão para razões - que faz suas - de outras peças processuais, configura mera irregularidade, nos termos do artigo 123º do CPP', tal como constou da decisão recorrida.
32. Inconstitucionalidade que o Recorrente pede seja reconhecida por este Venerando Tribunal Constitucional, que poderia talvez até ser qualificada de manifesta, pelo simples facto de que o sistema de nulidades do CPP veio estabelecido anteriormente à nova realidade Constitucional, razão porque não poderia dar integral solução a questões que anteriormente não se colocavam.
33. E também por todas estas mesmas razões referidas em '1' a '32' destas conclusões (que aqui se dão por reproduzidas, como se novamente transcritas), o Recorrente pede seja reconhecida por este Venerando Tribunal Constitucional a inconstitucionalidade dos artigos 97º, nº. 4 e 194º, nº. 3, ambos do CPP, na interpretação e aplicação promovidas pelo douto acórdão recorrido, no sentido de que autorizam a simples remissão para outra manifestação processual anterior, como suficiente para a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva, uma vez que tais dispositivos não autorizam a referida remissão, em obediência ao estabelecido nas apontadas disposições constitucionais, especialmente as constantes do artigo 205º, nº 1, 27º, nº. 4, 28º e 32º da CRP.
34. Aliás o douto acórdão, salvo sempre o devido respeito, interpretou e aplicou o artigo 202º, nº. 1, do CPP, no sentido de que 'os fortes indícios de prática de crime doloso, que justificam a prisão preventiva, podem ter assento na convicção pessoal de entidade policial'.
35. E tais interpretação e aplicação são causadoras da inconstitucionalidade material da referida disposição do CPP, por violação do disposto nos artigos
27º, nº 3, alínea 'b' (que exige a indicação de tais fortes indícios), 205º, nº
1 e 32º (presunção de inocência) todos da CRP, que não autorizam tenham tais indícios assento na 'forte convicção' da autoridade policial.
36. E o Recorrente suscitou tal inconstitucionalidade em seu pedido de correcção, pois somente com a transcrição promovida pelo douto acórdão é que teve conhecimento do conteúdo de fls. 125 e 127, em razão do segredo de justiça. NESTES TERMOS, pede o Recorrente sejam reconhecidas por este Venerando Tribunal Constitucional a material inconstitucionalidade dos artigos 118º, 119º, 121º,
122º e 123°, todos do CPP, na forma em que vieram interpretados e aplicados pelo douto acórdão recorrido, no sentido de se 'considerar como mera irregularidade, nos termos do artigo 123º do CPP, sanável por falta de impugnação, a fundamentação do despacho, que decreta a prisão preventiva, por remissão para razões - que faz suas - de outras peças processuais'; a material inconstitucionalidade dos artigos 97º, nº 4 e 194º, nº. 3, ambos do CPP, na forma em que vieram interpretados e aplicados no sentido de que 'autorizam a simples remissão para outra manifestação processual anterior, como suficiente para a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva'; e a material inconstitucionalidade do artigo 202º, nº 1, do CPP, na apontada forma em que veio interpretado e aplicado pelo douto acórdão recorrido, no sentido de que 'os fortes indícios de crime doloso, que justificam a prisão preventiva, podem ter assento na convicção pessoal de entidade policial.' Contra-alegando, concluiu o Exmo. Magistrado do MP:
1 – A circunstância de a lei de processo penal vigente cominar ao arguido e respectivo defensor o ónus de arguição dos vícios procedimentais que integram, quer as nulidades dependentes de arguição dos interessados, quer as meras irregularidades que ocorram em acto em que intervenham, até ao momento em que tal acto esteja terminado, não implica violação do princípio constitucional das garantias de defesa.
2 – O princípio constitucional da fundamentação de decisões judiciais não envolve a consideração do vício decorrente de insuficiente ou deficiente fundamentação de certo despacho do juiz como nulidade insanável, nada obstando à cominação ao arguido e seu defensor do ónus de tempestiva suscitação do vício procedimental que considere ter ocorrido no decurso de acto processual a que assistam.
3 – Termos em que deverá improceder o recurso. Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – Questão prévia e delimitação do objecto do recurso
Como se deixou relatado, no despacho que ordenou a produção de alegações, o relator definiu o objecto do recurso, dele afastando a questão de constitucionalidade reportada ao artigo 202º nº 1 do CPP.
Por outro lado, sintetizou a questão central que deveria ser apreciada pelo Tribunal, essencialmente respeitante à norma do artigo 123º nº 1 do CPP, podendo para este efeito, ser convocado todo o regime de nulidades estabelecido nos artigos 118º a 122º do mesmo Código.
No que concerne às normas do artigo 97º nº 4 e 194º nº 3, consagrando o primeiro o princípio geral de fundamentação dos actos decisórios e o segundo a regra de fundamentação dos despachos que decretam medidas de coacção e de garantia patrimonial, a delimitação do objecto do recurso nos termos em que foi feita no referido despacho tinha implícito que a questão central - reportada, como se disse, ao artigo 123º nº 1 do CPP – consumia a que se suscitava a propósito daquelas normas.
Sucede que as alegações do recorrente negligenciaram, por completo, o decidido, sem deduzirem qualquer oposição, faculdade que o despacho proporcionava, na estrita observância do princípio do contraditório.
Nesta conformidade, não há mais que confirmar aqui o teor do mesmo despacho, cumprindo ao Tribunal apreciar a questão de saber se é conforme à CRP a norma do artigo 123º nº 1 do CPP, interpretada no sentido de se considerar como mera irregularidade, sanável por falta de impugnação, o despacho que decreta a prisão preventiva fundamentado por remissão para as razões – que faz suas – de outras peças processuais.
3 – Fundamentação Escreveram G. Canotilho e V. Moreira ('Constituição da República Portuguesa Anotada', 3 ed. pág. 798)
'(...) há de entender-se que o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio Estado de direito democrático (cfr. Artº 2º) ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo'.
Este dever de fundamentação mereceu consagração constitucional no artigo 205º nº 1 da CRP, provindo já da revisão de 82 (artigo 210º nº 1) e mantido na revisão de 89 (artigo 208º nº 1). De notar que a revisão de 89, que deu lugar à actual redacção do artigo 205º nº 1 imprimiu contornos mais precisos ao dever de fundamentação, pois, onde a Constituição remetia para a lei os
'casos' em que a fundamentação era exigível, passou a concretizar-se que ela se impõe em todas as decisões 'que não sejam de mero expediente', mantendo-se apenas a remissão para a lei quanto à 'forma' que ela deve revestir.
Este aprofundamento do dever de fundamentação das decisões judiciais reforça os direitos dos cidadãos a um processo justo e equitativo, assegurando a melhor ponderação dos juízos que afectam as partes, do mesmo passo que a elas permite um controle mais perfeito da legalidade desses juízos com vista, designadamente, à adopção, com melhor ciência, das estratégias de impugnação que julguem adequadas.
De todo o modo, a persistência daquela remessa para a lei faz com que o mandado constitucional de fundamentação continue a ser um mandado aberto à actuação constitutiva do legislador, a quem incumbirá definir a 'forma' em que a fundamentação se deve traduzir, sem que, contudo, ele possa esvaziar o sentido
útil daquele mandado (cfr. Acórdão nº 59/97 in DR, II Série, nº 65 de 18/3/97 )
– qualquer que seja essa forma, ela terá sempre que permitir o conhecimento das razões que motivam a decisão.
No mesmo plano constitucional, deve ainda salientar-se que o dever de fundamentação, como elemento essencial de todas as decisões que contendem com a esfera jurídica dos cidadãos, é extensivo – e com os mesmos fins – aos actos administrativos que 'carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos' (artigo 268º nº 3 da CRP). Aqui – e a divergência foi já salientada por G. Canotilho e V. Moreira (ob. cit. pág. 799) – a imposição constitucional é ainda mais exigente, no ponto em que obriga à fundamentação expressa e acessível, porventura justificável, quanto a esta última imposição, por, em geral, a comunicação dos actos ser feita, directamente, ao interessado.
Mas se a relevância da fundamentação das decisões judiciais é incontestável como garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, ela assume, no domínio do processo penal, uma função estruturante das garantias de defesa dos arguidos, muito embora o texto constitucional não contenha qualquer norma que disponha especificamente sobre a fundamentação das decisões judicias naquele domínio.
O Código de Processo Penal vigente expressa no artigo 97º nº 4, na redacção dada pela Lei nº 59/98, o princípio geral que vigora sobre a fundamentação dos actos decisórios: 'os actos decisórios são sempre fundamentados devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão' (sublinhado nosso).
Consagrado este princípio geral, o mesmo Código não deixou de o reiterar relativamente a actos que afectam ou podem afectar os direitos dos arguidos. Assim, o artigo 194º nº 3 impõe que do despacho judicial que decrete medidas de coacção e de garantia patrimonial constem 'a enunciação dos motivos de facto da decisão'.
Num momento em que o CPP era omisso nesta matéria escrevia já Germano Marques da Silva ('Curso de Processo Penal' II, 1993, pág. 225) que os requisitos de fundamentação daquele despacho deveriam ser 'todos os necessários para convencer da sua legalidade'.
E acrescentava:
'Sobretudo na fase do inquérito, a cuidada fundamentação é absolutamente essencial para garantir o recurso. É que o arguido não tem acesso aos autos do processo e, por isso, para que o recurso possa ter eficácia importa que seja possível que o tribunal que o há-de apreciar possa tomar conhecimento das razões de facto e de direito que justificaram a aplicação da medida pelo tribunal 'a quo'
Mas, apesar do cuidado do legislador infra-constitucional na exigência de que o referido despacho decisório enuncie as razões de facto do decretamento da medida coactiva, já, ao estabelecer o regime das nulidades em processo criminal, o incumprimento do dever lhe não mereceu particular rigor sancionatório.
Na verdade, vigorando em processo penal, nesta matéria, o princípio da tipicidade ou da legalidade, desde logo afirmado no artigo 118º nº 1 do CPP
('a violação ou infracção das leis de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei'), não consta daquele regime que a falta ou deficiência de fundamentação constitua vício gerador de nulidade insanável (artigo 119º) ou de nulidade dependente de arguição (artigo 120º), ficando elas, deste modo, relegadas para o plano das irregularidades nos termos dos artigos 118º nº 2 e 123º do CPP.
Ora, se mesmo tendo em conta o necessário compromisso entre interesses que justificam um formalismo rigoroso e os que aconselham uma minimização desse formalismo, subjacente ao regime de nulidades instituído, se poderia questionar a conformidade constitucional deste regime em caso de incumprimento de formalidades que, essencialmente, visam tutelar direitos fundamentais dos arguidos (e seria, porventura, o caso da falta absoluta de fundamentação), importa, desde já, salientar que, no caso em apreço, a questão se coloca noutros termos.
Com efeito, aceitando, como o tribunal 'a quo' decidiu, que a enunciação dos motivos de facto exigida pelo artigo 194º nº 3 do CPP, impõe, em rigor, que o despacho contenha, ele mesmo, literalmente, esses factos, constituindo, porém, a sua expressão, através de remissão para outras peças processuais, tão só uma 'deficiência formal' do acto decisório, a questão a decidir é unicamente a de saber se o seu sancionamento – não de uma falta absoluta de fundamentação, mas dessa deficiência formal - como mera irregularidade, sanável se não impugnada no próprio acto (estando presente o arguido e o seu defensor), por força do artigo 123º nº 1 do CPP, viola o dever de fundamentação das decisões judiciais consagrado no artigo 205º nº 1 da CRP; ou seja, por outras palavras, se este comando constitucional vinculava o legislador infra-constitucional a solução mais radical (nulidade insanável) perante actos decisórios fundamentados de facto por remissão.
Ora, disse-se já que o artigo 205º nº 1 da CRP deixa ao legislador ordinário a conformação da matéria relativa à forma da fundamentação, dispondo aquele de uma margem de determinação apenas condicionada pelo respeito do núcleo essencial do dever de fundamentação.
O que a fundamentação visa – disse-se já também – é assegurar a ponderação do juízo decisório e permitir às partes – no caso, ao arguido – o perfeito conhecimento das razões de facto e de direito por que foi tomada uma decisão e não outra, em ordem a facultar-lhes a opção reactiva (impugnatória ou não) adequada à defesa dos seus direitos.
Não se vê que a Constituição, no caso de decretamento de prisão preventiva, vá para além dessa exigência; quer a informação imediata e de forma compreensível das razões da prisão que a Constituição impõe que seja prestada à pessoa privada da liberdade (artigo 27º nº 4), quer a comunicação do juiz ao arguido das causas que determinaram a detenção, quando se procede ao interrogatório (artigo 28º nº 1), quer, por fim, a comunicação a parente ou pessoa de confiança do detido, por esta indicada, da decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação de liberdade (artigo 28º nº 3) são comandos que nada têm a ver com a fundamentação do acto judicial que decreta a medida de coacção.
Mas se isto é assim, não é o facto de, na sua fundamentação, o despacho judicial remeter para as razões expressas noutras peças processuais que, só por si, põe em causa a razão de ser da imposição constitucional. Sucede, apenas, que a leitura do despacho em causa não é directa e imediata, como o seria se o acto decisório contivesse, ele mesmo, as razões do decidido; ela só se completa com o conhecimento das outras peças processuais para que o despacho remete, o que, de todo, não compromete as garantias de defesa do arguido.
No limite, poderia, apenas, suscitar dúvidas a constitucionalidade da norma em causa, nos casos em que, pelo facto da remissão, a acessibilidade dos fundamentos se tornasse labiríntica ou particularmente complexa. Mas não é o caso.
E nem poderá argumentar-se com a falta de conhecimento da peça para que, por sua vez, a promoção do Ministério Público, em parte também remetia – a questão seria aqui, como bem se acentua no acórdão recorrido, de validade do acto de notificação, mas não da fundamentação do acto decisório.
O que se deixa dito e que poderá justificar a conformidade constitucional de uma norma que expressamente permitisse a fundamentação por remissão não nos desvia da questão concreta de constitucionalidade agora em causa.
É que a 'deficiência formal' da fundamentação por remissão, na interpretação dada no acórdão recorrido ao regime das nulidades em processo penal e, em especial, do citado artigo 123º, geraria, ainda, a irregularidade do despacho que dela enfermasse. E isto significa que se abre sempre a possibilidade de o arguido, no próprio acto, com a assistência do seu defensor, invocar essa irregularidade; só não o fazendo, a irregularidade fica sanada.
Ora, concluindo que a Constituição não obsta à fundamentação por remissão e não impõe, por isso, que a ela corresponda a nulidade do acto decisório, por maioria de razão se convirá que a não violará a sujeição do despacho que ordena a prisão preventiva, proferido com tal forma de fundamentação, ao regime das irregularidades em processo penal, por força das normas do Título V do Livro II, em particular do artigo 123º nº 1, do CPP
O erro do recorrente parece aqui residir no facto de entender, por um lado, que as exigências de fundamentação expressas no CPP, porventura impeditivas da fundamentação por remissão, se convertem em exigências constitucionais e, por outro, que a nulidade é o único nível de desvalor admissível para qualquer tipo de deficiência sem que se deva ter em conta se ela atinge, e em que grau, a razão de ser e o fim último da imposição constitucional.
A norma do artigo 123º nº 1 do CPP não viola, pois, o artigo 205º nº
1 da CRP nem qualquer outra que assegure os direitos de defesa do arguido.
4 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs
Lisboa, 21 de Março de 2000 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida Vítor Nunes de Almeida (votei a decisão apenas por que a Relação entendeu existir uma 'deficiência formal' ,- matéria que escapa ao conhecimento do Tribunal, mas discordando, no caso, quanto à forma da fundamentação por remissão). Maria Helena Brito (vencida nos termos da declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa
Declaração de voto Votei vencida o presente acórdão, por entender que nele se devia ter unicamente apreciado a questão da conformidade do artigo 123º, n.º 1, do Código de Processo Penal, com o artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, no sentido atribuído àquele preceito na decisão recorrida, e por entender que a resposta a tal questão devia ser negativa, isto é, que o artigo 123º, n.º 1, do Código de Processo Penal, aplicado nesse sentido, é inconstitucional. Por despacho transitado de fls. 218, foi delimitado o objecto do recurso à questão de 'saber se é conforme à CRP considerar como mera irregularidade, nos termos do artigo 123º do CPP, sanável por falta de impugnação, a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva, por remissão para as razões – que faz suas – de outras peças processuais', arredando-se concomitantemente a apreciação da conformidade constitucional das normas constantes dos artigos 97º, n.º 4, e 194º, n.º 3, do mesmo Código (que consagram, respectivamente, o princípio geral da fundamentação dos actos decisórios e a regra da fundamentação dos despachos que decretam medidas de coacção). Tendo-se assim delimitado o objecto do recurso, não cabia discutir, no presente acórdão, se o artigo 205º, n.º 1, da Constituição, ao impor um dever de fundamentação das decisões judiciais, vincula o legislador ordinário a adoptar a solução da nulidade insanável quando se esteja perante um despacho que apresente deficiente fundamentação. Nem cabia discutir se um despacho que decrete a prisão preventiva por remissão para razões constantes de outras peças processuais atinge o núcleo essencial do dever de fundamentação, configurando falta de fundamentação ou, diversamente, deficiente fundamentação. Só faria sentido discutir tais questões se constituísse objecto do presente recurso a apreciação da conformidade constitucional das normas constantes dos artigos 97º, n.º 4, e/ou 194º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o que ficou prejudicado pelo teor do mencionado despacho de fls. 218. Deste modo, apenas importava discutir se as garantias da defesa a que alude o artigo 32º, n.º 1, da Constituição resultam violadas quando, como se fez na decisão recorrida, se interpretou o artigo 123º, n.º 1, do Código de Processo Penal, no sentido de que o vício consistente na deficiente fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva (por o mesmo remeter para a promoção do Ministério Público, a qual, por sua vez, remetia para as razões constantes de um despacho do inspector da Polícia Judiciária) deve ser arguido no próprio acto da leitura desse despacho, quando o interessado a ele assista. O artigo 205º, n.º
1, da Constituição, manifestamente, nada esclarece quanto a este ponto, dado que não regula o tratamento processual dos actos processuais viciados por falta ou deficiência de fundamentação. Entendo que a aplicação do artigo 123º, n.º 1, do Código de Processo Penal a um tal vício de conteúdo de um despacho – que, como é o caso do despacho que decreta a prisão preventiva, é particularmente gravoso para o arguido –, redunda numa injustificada restrição das garantias da defesa, entre as quais se situa a garantia da impugnação de decisões judiciais. Com efeito, essa aplicação exige que, perante um despacho a cuja leitura assista, o interessado imediatamente detecte e argua o vício de que aquele padece, sob pena da sua sanação, sem se vislumbrar qualquer razão justificativa de tão drástico encurtamento do prazo para impugnar, com base na sua deficiente fundamentação, a decisão que lhe é prejudicial. Esse encurtamento afigura-se tanto mais injustificado quanto é certo que, no processo civil, não se exige a imediata arguição do vício de um despacho, sob pena da sua sanação (artigos 668º e 666º, n.º 3, do Código de Processo Civil, para os vícios específicos das sentenças e dos despachos; artigos 201º e 205º deste mesmo Código, para os vícios dos actos processuais em geral). Nestes termos, concluo que 'considerar como mera irregularidade, nos termos do artigo 123º do Código de Processo Penal, sanável por falta de impugnação, a fundamentação do despacho que decreta a prisão preventiva, por remissão para as razões – que faz suas - de outras peças processuais', viola as garantias da defesa e, consequentemente, a norma constante do artigo 32º, n.º 1, da Constituição.
Maria Helena Brito