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Proc. Nº 762/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório B..., Lda., deduziu, junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, impugnação judicial parcial contra a liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas respeitante ao exercício de 1992 e respectiva derrama.
O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, por sentença de 18 de Junho de 1997, julgou a impugnação improcedente. Para tanto, fez aplicação do artigo 41º, nº 1, alínea a), do CIRC, na redacção do artigo 28º da Lei nº
10-B/96, de 23 de Março (que, nos termos do nº 7 do mesmo artigo, tem natureza interpretativa), considerando, consequentemente, que a derrama não deve ser considerada como custo para efeitos de IRC. Nessa decisão, afirma-se o seguinte: Nestas circunstâncias seríamos levados a aderir à leitura interpretativa que o STA fez do artigo 41º do CIRC no ac. de 01.02.95, recusando uma interpretação extensiva ou analógica do mesmo, não fosse a Lei do Orçamento de Estado para
1996 - Lei nº 10-B/96, de 23/03, a qual através do seu artigo 28º veio dar nova redacção , entre outros, à alínea a) do artigo 41º do CIRC, onde hoje se lê: 'O imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros'. (sublinhado nosso). A mesma lei aditou ao Código do IRC através do seu artigo 28º, nº 2 um novo preceito - o artigo 39º-A em cujo nº 7 se pode ler 'interpretativa.' A redacção dada nos termos do nº 1 à alínea a) do nº 1 do artigo 41º do CIRC tem natureza interpretava' (sublinhado nosso).
É pois perante tais alterações legislativas, que não podem deixar de ser consideradas, que a sorte da presente acção se decide, necessariamente contra as pretensões da impugnante, e do Digno Magistrado do Ministério Público, pois que a natureza interpretativa atribuída à alteração introduzida ao nº 1 do artigo
41º do CIRC, faz com que tenhamos de considerar que já na data da auto-liquidação a que se referem os presentes autos, as derramas não eram elegíveis como custo dedutível para apuramento da matéria colectável de IRC.
B..., Lda., interpôs recurso da sentença de 18 de Junho de 1997 para o Supremo Tribunal Administrativo. Nas respectivas alegações, a recorrente propugnou a aplicação da versão originária do artigo 41º, nº 1, alínea a), do CIRC, que permitia que as derramas fossem consideradas custos para efeitos de IRC, sustentando que, caso se considerasse aplicável à situação dos autos aquele preceito na redacção conferida pelo artigo 28º da Lei nº 10-B/96, de 23 de Março
(como se entendeu na sentença recorrida), o mesmo seria inconstitucional, por violação do princípio da não retroactividade das leis fiscais.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 20 de Maio de
1998, negou provimento ao recurso, fazendo aplicação do artigo 41º, nº 1, alínea a), do CIRC, na redacção dada pelo artigo 28º da Lei nº 10-B/96, de 23 de Março,
à qual, como se referiu, é conferida natureza interpretativa pelo nº 7 desse mesmo preceito. Nesse aresto, explicitou-se a fundamentação nestes termos: Se na redacção inicial do art º 41º do CIRC (o qual se reporta aos encargos não dedutíveis para efeitos fiscais e dentre estes aos impostos que não podem ser deduzidos) apenas se referia o IRC e não a derrama por força da Lei orçamental
10-B/96, de 23 -3, passou a estabelecer que não podiam ser deduzidos 'quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros'. Nestes passou a estar incluída a derrama já que tem a natureza de imposto sobre o rendimento conforme se sustenta no acórdão que vimos acompanhando e lugares aí citados. A referida Lei orçamental acrescentou, ainda, no art º 28º7 que 'a redacção dada nos termos do nº 1 à alínea a) do nº 1 do artº 41º do CIRC tem natureza interpretativa.' Por força deste preceito legal estamos perante uma interpretação autêntica feita pela própria lei a qual assume uma das orientações interpretativas assumida pela jurisprudência no sentido de que a derrama não era custo fiscal (STA 23-9-92 Rec. 14.380) contrariamente à que entendia que a mesma era custo fiscal (STA
1-2-95, CTF 379/308) (para uma leitura mais desenvolvida pode consultar-se o Ac. deste Tribunal de 4-12-96, Rec. 20.773 e de -5-1997, AD 427º 887). E tal interpretação jurídica é a que melhor se coaduna com a natureza económica e financeira da derrama já que esta bem como o IRC não se tornaram indispensáveis para gerar receitas ou proveitos ou para produzirem aquelas ou estes uma vez que se traduzem, como no acórdão que vimos acompanhando se escreveu, 'numa extracção de uma fatia do próprio rendimento' ou na expressão do Ac. de 14-5-97, referido, 'numa real amputação do rendimento, da riqueza que se quer deixar disponível e isso só é plenamente alcançado com a não dedução do imposto sobre o rendimento a ele próprio'. Integrando-se a lei interpretativa (de 1996) na lei interpretada, por força do artº 13º do Ccivil, e produzindo os seus efeitos desde a data da entrada em vigor do CIRC temos de concluir que em 1993 não era dedutível à matéria colectável a derrama a que se referem os presentes autos.
B..., Lda., interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 20 de Maio de
1998, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 28º, nº 7, da Lei nº
10-B/96, de 23 de Março. A recorrente entende que tal norma, ao conferir natureza interpretativa (com eficácia ex tunc) à nova redacção do artigo 41º, nº
1, alínea a), do CIRC, é inconstitucional, por violação do artigo 103º, nº 3, da Constituição (no texto da 4ª Revisão).
Junto do Tribunal Constitucional, a recorrente alegou, tendo tirado as seguintes conclusões:
1 - A alteração introduzido na alínea a) do nº 1 do Artº 41º do CIRC pelo Dec. Lei nº 10-B/96, de 23/03, somente produz efeitos a partir da sua entrada entrada em vigor. Por quanto,
2 - Ainda que contendo uma norma de natureza interpretativa, aquele diploma, segundo os princípios gerais de Direito Fiscal, só pode aplicar-se a partir da sua publicação, o que significa que a derrama só não poderá aceitar-se como custo a partir do exercício de 1996. ( sublinhado nosso). Assim sendo,
3 - E em conformidade com o princípio da não retroactividade das leis tributárias valendo a alteração introduzida na alínea a) do nº 1 do Art. 41º do CIRC pelo citado Dec. Lei nº 10-B/96 de 23/03, somente para o futuro, no exercício de 1992 ainda terá que se aceitar como custo desses exercício a derrama. Uma vez que,
4 - De acordo com o supracitado princípio 'a obrigação tributária só pode ser regulada, na sua substância, pela Lei vigente à data em que ocorrem os factos nela previstoS' ( vide Prof. Dr. Vítor Faveiro, in obra citada, pág.315). Pelo que,
5 - No caso dos autos ainda se aplica a primitiva redacção da alínea a) do nº 1 do Art. 41º do CIRC e, consequentemente, terá que se aceitar como custo do exercício de 1992 a quantia paga a título de derrama. Ora,
6 - Salvo melhor opinião, o prescrito no nº 7 do Art. 28º da Lei nº 10-B/96, de
23/03, é inconstitucional, na medida em que, contraria frontalmente o princípio da não retroactividade das leis fiscais, consagrado expressamente no nº 3 do Art. 103º da nossa Constituição da República Portuguesa. Pelo que,
7 - Deverá esse Venerando Tribunal declarar a inconstitucionalidade de tal preceito da Lei do Orçamento, por violação do princípio da não rectroactividade das leis fiscais.
8 - 'O Art. 13º do Código Civil bem como a natureza interpretativa das leis aí consagrada se têm aplicação noutros ramos do Direito, no Direito Fiscal não se aplica de certeza. Porquanto,
9 - Tal lhe é vedado pela citada norma Constitucional da nossa Lei Fundamental e, portanto, esta prevalece sobre todas as outras normas hierárquica e materialmente inferiores, como é o caso da mencionada norma contida no nº 7 do Art. 28º da Lei nº l0-B/96, de 23/03. Assim,
10 - O entendimento do douto Acordão recorrido quando se afirma que integrando-se a lei interpretativa (de 1996 na lei interpretada, por força do Art. 13º do Código Civil, e produzindo os seus efeitos desde a data da entrada em vigor do CIRS viola a C.R.P., uma vez que a mencionada alteração legislativa' só poderá ser aplicável àquelas situações em que a determinação da matéria colectável e a liquidação ocorram posteriormente à vigência da citada norma da lei do Orçamento que deu nova redacção ao Art. 41º, nº 1, alínea a) do CIRC. Isto porque,
11 - Apesar da cláusula de retroactividade contida no nº 7 do Art. 28º da Lei nº
10-B/96, de 23/03, tal preceito não poderá nunca aplicar-se à situação dos autos, sob pena de violação do princípio da não retroactividade das leis fiscais. De modo que,
12 - O douto acordão recorrido, bem como a tese nele consagrada, no que respeita
à invocada alteração legislativa apenas deverão Ter aplicação posteriormente à sua vigência e não também, ao caso dos autos. Pois,
13 - Quanto aos presentes autos, deverá aplicar-se a tese que mereceu acolhimento do douto Acórdão de 01/02/95 desse Venerado Tribunal porquanto e, salvo melhor opinião em contrário, continua a ser aquela que se revela mais consentânea com a natureza da derrama. Acresce que,
14 - Até à referida alteração legislativa derrama é, sem dúvida, um encargo fiscal para efeitos da determinação da matéria colectável em IRC. Porquanto
15 - Para determinação da matéria colectável em IRC a regra é a da dedutibilidade de todos os encargos fiscais como custos, - Art. 23º alínea f) do CIRC. E,
16 - Anteriormente à redacção introduzido na alínea a) do nº do Art. 41º do CIRC
(norma de excepção) somente o IRC não era dedutível. Aliás,
17 - Se assim não fosse, o Legislador não teria sentido necessidade de proceder
à referida alteração daquele normativo legal de natureza excepcional. Além disso,
18 - A derrama não cabe dentro do conceito de IRC. Pelo contrário,
19 - IRC e DERRAMA são conceitos perfeitamente distintos, nomeadamente, quanto ao destino da receita, à normalidade ou excepcionalidade da incidência e aos seus sujeitos tributário activos. Motivo pelo qual,
20 - Na matéria colectável sujeita a IRC respeitante ao exercício de 1992 deverá ainda considerar-se como custo dedutível a derrama no valor de Esc.
14.569.411$00. Assim, sendo,
2l - Deverá ser declarada a inconstitucionalidade da norma contida no nº 7 do Art. 28º da Lei nº 10-B/96 de 23/03. Na medida em que,
22 - Viola o princípio fundamental da nossa Constituição em matéria fiscal - o Art. 103º - ou seja, o princípio da não retroactividade das leis fiscais. E, em consequência,
23 - Declarada a inaplicabilidade da mencionada alteração legislativa introduzido pelo Art. 28º da da Lei nº 10-B/96, de 23/03 à derrama referente a
1992, de modo a ser anulada a liquidação nos termos em que foi impugnada e a Recorrente reembolsada da quantia de Esc. 14.569.411$00.
Por seu turno, a Fazenda Pública contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
11. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação A Delimitação do objecto do recurso A questão de constitucionalidade suscitada traduz-se na eventual contrariedade ao artigo 103º, nº 3, da Constituição, do artigo 28º, nº 7, da Lei nº 10-B/96, norma que realiza a interpretação autêntica do artigo 41º, nº 1, alínea a), do CIRC, prevendo a aplicabilidade daquela interpretação a factos anteriores ao momento da sua publicação.
A pertinência da questão de constitucionalidade deriva de a ratio decidendi da decisão recorrida Ter sido a própria força vinculativa para os factos passados da norma interpretativa. Com efeito, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre um recurso cujo objecto foi exactamente a discussão da vinculatividade da norma interpretativa sub judicio em face do artigo 103º, nº 3, da Constituição. Essa questão constituiu, na realidade, o objecto do recurso. O tribunal de primeira instância decidiu a questão controvertida da dedutibilidade como custos no I.R.C. das derramas em sentido negativo com fundamento no artigo 28º, nº 7, da Lei nº 10-B/96, reconhecendo, todavia, como acertada a interpretação contrária à resultante da lei interpretativa, propugnada por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de
1 de Fevereiro de 1995.
Deste modo, não estará em causa a validade constitucional da interpretação que exclui as derramas dos custos dedutíveis no I.R.C., em si mesma, mas sim a validade da sua vinculatividade, nos termos da lei interpretativa, única razão da decisão de primeira instância recorrida e ratio decidendi do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Tudo o que foi referido pelo Supremo Tribunal Administrativo acerca da melhor interpretação do artigo
41º, nº 1, alínea a), do CIRC não é mais do que obter dictum, na medida em que ainda se compagina como uma apreciação da bondade da solução legal, não interferindo com o fundamento da decisão e não constituindo, de modo assumido, fundamento alternativo da mesma.
Tem, assim, utilidade o presente recurso de constitucionalidade, porque um eventual julgamento de inconstitucionalidade esvaziaria de fundamentação o acórdão recorrido.
B A delimitação da questão de constitucionalidade A questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente refere-se à eventual violação da proibição de retroactividade em matéria fiscal (consagrada pelo nº 3 do artigo 103º da Constituição, no texto que resultou da 4ª Revisão Constitucional) pelo artigo 28º, nº 7, da Lei nº 10-B/96, de 23 de Março, norma que conferiu natureza interpretativa à nova redacção por ela consagrada do artigo 41º, nº 1 alínea a), do CIRC, e segundo a qual daquele preceito resultaria que as derramas não devem ser considerados custos para efeitos de IRC. O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre esta norma em anteriores Acórdãos, nomeadamente no Acórdão nº 275/98, D.R., II Série, de 24 de Novembro de 1998. Todavia, nesses casos a decisão recorrida fez aplicação de tal norma em momento anterior à 4ª Revisão Constitucional. Entendeu-se, por isso, que não estaria em causa, como parâmetro constitucional, o actual artigo 103º, nº 3, da Constituição que prevê explicitamente e sem restrições a proibição da retroactividade em matéria fiscal.
No aresto referido, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma sub judicio por entender que a versão da Constituição com que tal norma deveria ser confrontada não impunha qualquer generalizada proibição da retroactividade em função da matéria fiscal, mas apenas a imporia quando a retroactividade ofendesse, de modo inadmissível, a confiança e a segurança jurídicas.
Na decorrência de tais pressupostos o Tribunal Constitucional veio a pronunciar-se no sentido da não inconstitucionalidade da norma contida no artigo
28º, nº 7, da Lei nº 10-B/96.
Nos presentes autos o contexto de aplicação no tempo da lei constitucional é diverso do que se verificava nos anteriores arestos do Tribunal Constitucional. Com efeito, embora a decisão da primeira instância date de 18 de Junho de 1997 e, por isso, seja anterior à entrada em vigor do texto da 4ª Revisão Constitucional, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de que foi interposto recurso de constitucionalidade foi proferido em 20 de Maio de 1998, quando já estava plenamente em vigor a 4ª Revisão Constitucional.
Não será, assim, possível deixar de utilizar como parâmetro do juízo de constitucionalidade o texto da última revisão constitucional, confrontando a norma sub judicio com o nº 3 do artigo 103º da versão agora vigente da Constituição. Na verdade, embora as novas versões da Constituição não possam ser, em princípio, critério do julgamento de constitucionalidade de normas já aplicadas anteriormente, salvaguardando-se, geralmente, o caso julgado quanto à aplicação do Direito infraconstitucional, no caso sub judicio a decisão recorrida aplicou a norma em crise após a entrada em vigor do novo texto constitucional. O facto de estar em vigor o novo texto constitucional no momento da aplicação da norma implica, obviamente, a necessidade de o tribunal que a aplica se subordinar aos princípios e critérios vigentes consagrados no texto constitucional, não devendo aplicar lei inconstitucional (cf. artigo 204º. No sentido de que o parâmetro de constitucionalidade após uma revisão constitucional é o texto constitucional vigente ao tempo da aplicação de norma que é questionada, cf. Acórdão nº 408/89, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º vol., t. II, pp. 1147 e ss.).
Não estaria, deste modo, excluída genericamente a aceitação de inconstitucionalidade superveniente de normas retroactivas. Sendo o texto decorrente da 4ª Revisão Constitucional o parâmetro pelo qual se há-de aferir a constitucionalidade da norma sub judicio, verificar-se-à, efectivamente, uma violação da proibição de retroactividade em matéria fiscal?
Contra uma resposta afirmativa, poderia ser sustentado que a norma que agora se julga não é retroactiva por ser meramente interpretativa de lei anteriormente vigente, explicitando apenas o sentido daquela e integrando-se consequentemente no seu texto. Todavia, poderá opor-se a este argumento que, sendo a lei interpretativa vinculativa de uma determinada interpretação e excludente de outras possíveis e já realizadas pelos tribunais, ela se tornará o critério jurídico decisivo da consagração da interpretação propugnada pela lei interpretativa, implicando, necessariamente, uma aplicação retroactiva da lei
(sobre a questão da retroactividade das leis interpretativas, cf. Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 10ª ed., 1997, p. 562 e ss. E Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 1989, p. 245 e ss.).
Nos Acórdãos do Tribunal Constitucional anteriormente citados, foi aceita a natureza retroactiva do nº 7 do artigo 28º, nº 1, da Lei nº 10-B/96, de
23 de Março. O Tribunal não chegaria a discutir se a retroactividade da lei interpretativa está proibida pelo novo texto constitucional, por não ser esse texto o parâmetro de constitucionalidade no caso concreto.
Admitia-se, assim, implicitamente, algum espaço de discussão para a constitucionalidade da retroactividade das leis interpretativas em face da proibição constitucional da retroactividade em matéria fiscal. Por outras palavras, o Tribunal Constitucional admitia, implicitamente, como questão pertinente, a questão de saber se a proibição de retroactividade em matéria fiscal abrangeria as leis interpretativas que vinculassem retroactivamente, embora não se pronunciasse sobre ela, por ser irrelevante no caso então julgado.
Deste modo, a questão que a jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional sugere é a de saber se a proibição constitucional de retroactividade em matéria fiscal se refere apenas a uma retroactividade material, lesiva da confiança, e não admitirá, ainda, uma retroactividade que não viole em concreto a confiança protegida dos destinatários das normas.
De todo este enquadramento da questão de constitucionalidade, relativa à proibição de retroactividade em matéria fiscal, em confronto com as leis interpretativas, resulta, desde logo, que qualquer controvérsia doutrinária sobre a natureza verdadeiramente ou apenas aparente retroactiva das leis interpretativas não protagoniza a questão de constitucionalidade que aqui se formula.
Com efeito, o cerne da questão de constitucionalidade aqui suscitada consiste, antes, no saber se as leis interpretativas que vinculem retroactivamente o intérprete contendem com a retroactividade proibida na Constituição.
Ora, os fundamentos de proibição da retroactividade respeitam à segurança dos cidadãos. Assim, tal segurança é afectada perante alterações legislativas que, no momento da prática ou ocorrência dos factos que os envolvem, nem poderiam ser previstas nem tinham que o ser. Mas tal segurança também é afectada onde o seja a vinculação do Estado pelo Direito que criou, através de alteração de situações já instituídas ou resolvidas anteriormente.
Desta sorte, se é verdade que as leis autenticamente interpretativas, não abalam, verdadeiramente, as expectativas concretas anteriores dos destinatários das mesmas, no caso de a interpretação tornada vinculativa já ser conhecida e tiver sido mesmo aplicada (cf. sobre essa natureza das leis autenticamente interpretativas, Baptista Machado, ob.cit., p.
247), todavia, mesmo nesses casos, a vinculação interpretativa que tais leis comportam, ao tornar-se critério jurídico exclusivo da aplicação do texto anterior da lei, modifica a relação do Estado, emitente de normas, com os seus destinatários. A exclusão pela lei interpretativa de outras interpretações propugnadas e já aplicadas noutros casos (como acontece na situação presente) leva a que o Estado possa a posteriori impedir que o Direito que criou funcione através da sua lógica intrínseca comunicável aos destinatários das normas, permitindo que interfira na interpretação jurídica um poder imperativo e imediato que altera o quadro dos elementos relevantes da interpretação jurídica.
Nesta medida, poder-se-à entender que a lei interpretativa, ainda que autêntica, ao pretender vigorar para o período anterior à sua emissão, nos termos do artigo 13º do Código Civil, altera o contexto de auto-vinculação dos
órgãos de aplicação do Direito ao Direito e, consequentemente, afecta a segurança dos destinatários das normas protegida por uma proibição
(constitucional) de retroactividade. Haverá, consequentemente, nesta última situação, uma garantia de segurança mais forte inerente à proibição de retroactividade. Ora, a proibição constitucional explícita de retroactividade em matéria fiscal não pode ser interpretada de modo que exclua o sentido forte anteriormente referido de protecção da segurança, ou seja restritivamente em termos semelhantes à jurisprudência anterior do Tribunal, como se não tivesse sido alterado o texto constitucional e apenas resultasse dos princípios gerais. Na expressa proibição de retroactividade não pode deixar de estar ínsita uma garantia forte de objectividade e auto-vinculação do Estado pelo Direito.
Deste modo, no caso sub judicio, ter-se-á que concluir pela violação da proibição da retroactividade em matéria fiscal (artigo 103º, nº 3, da Constituição) pela norma interpretativa que a si mesma confere eficácia relativamente a factos anteriores à sua entrada em vigor - o questionado artigo
28º, nº 7, da Lei nº 10-B/96, de 23 de Março.
III Decisão Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucional o artigo 28º, nº 7, da Lei nº 10-B/96, de 23 de Março, por violação do artigo
103º, nº 3, da Constituição, determinando, consequentemente a reforma da decisão recorrida de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 22 de Março de 2000 Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra (vencido, nos termos da declaração de voto aposta pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente) José Manuel Cardoso da Costa (vencido, conforme declaração de voto que junto).