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Processo n.º 2/99
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. J..., juiz desembargador em funções na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, interpôs, por meio de requerimento que deu entrada na Secretaria do Conselho Superior da Magistratura em 21 de Janeiro de 1998, recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça do Acórdão, proferido em processo disciplinar pelo plenário do referido Conselho Superior da Magistratura, tirado no dia 9 de Dezembro de 1997, pelo qual se deliberou
'sancionar o Exmo. Desembargador José Manuel Simões Ribeiro com a pena de catorze (14) meses de inactividade, a qual se suspende em sua execução pelo período de três (3) anos, suspensão que fica sujeita à especial condição de, no prazo de dez (10) meses, demonstrar ter posto termo a todos os processos que tinha pendentes à data de 4 de Abril de 1997.'
2. Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, foi em 9 de Março de 1998 proferido despacho com o seguinte teor:
'[...] Tal acórdão, datado de 9 de Dezembro de 1997, foi notificado ao recorrido por carta registada com AR expedida em 11/12/97, que o Exmo. destinatário recebeu em 15/12/97 (vide fls. 167 do processo disciplinar apenso, encontrando-se o aviso de recepção correspondente ao registo agrafado na contra-capa desse processo). Acontece que, como pertinente e fundadamente aponta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, o prazo para a interposição do recurso é de trinta dias (art.º 169º, n.º 1 e 2, al. c) do Estatuto dos Magistrados Judiciais), e como são aplicáveis aos recursos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura, subsidiariamente, as normas que regem os trâmites processuais que regem os recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo (art.º 178º daquele Estatuto), há que aplicar, na contagem do prazo de interposição, a regra do n.º 2 do art.º 28º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Dec-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho). Dispondo-se naquele n.º 2 do art.º 28º que os prazos de interposição de recurso contencioso de actos anuláveis ‘contam-se nos termos do artigo 279º do Código Civil...’, segue-se concluir que o recurso foi interposto para além do prazo legalmente fixado, pelo que não é de conhecer dele.' Ouvidos o recorrente e o Ministério Público sobre a questão prévia suscitada, este último ofereceu o merecimento dos autos, ao passo que o primeiro, sustentando a inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 169º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação que dela fez o Exm.º Procurador-Geral adjunto, se opôs à procedência da questão prévia da extemporaneidade do recurso. Por Acórdão proferido em 17 de Junho de 1998, a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça decidiu não conhecer do recurso, dada a sua intempestividade, transcrevendo-se de seguida o essencial da respectiva fundamentação:
'Dispondo o art.º 178º do EMJ que são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo e não se contendo naquele Estatuto norma que directamente determine o modo de contagem dos prazos para recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça das deliberações do Conselho Superior da Magistratura, julgamos que, forçosamente, há que fazer aplicação do n.º 2 do art.º 28º da LPTA, que manda contar os prazos estabelecidos no n.º 1, de interposição dos recursos contenciosos de actos anuláveis, nos termos do art.º 279º do Cód. Civil. Datando a LPTA de 16 de Julho de 1985, Dec-Lei n.º 267/85, não podia escapar ao legislador, ao publicar o EMJ, Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, que por força do estatuído no art.º 178º deste diploma os recorrentes de deliberações do plenário do CSM ficariam sujeitos ao que estava consagrado no n.º 2 do art.º 28º da LPTA, irrelevando que até então fosse maioritário na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que os prazos para recorrer contenciosamente deveriam ser contados como revestindo natureza processual. Aliás, porque havia divergências na contagem desses prazos, o legislador, com a regra do n.º 2 do art.º 28º da LPTA, quis tornar certo o modo como os prazos deviam ser contados, como terão sido propósitos de uniformidade de disciplina, abarcando esse e outros domínios, que levou ao estabelecimento da norma do art.º
178º do EMJ. Não vemos, assim, que valha argumentar com um anterior entendimento doutrinal e jurisprudencial, firmado na ausência de norma sobre a matéria, para levar à aceitação de que legislador da Lei n.º 21/85 quis acolher aquele entendimento e postergar o que, diverso, constava do n.º 2 do art.º 28º da LPTA e tinha data próxima de começo de vigência, 1 de Outubro de 1985 (art.º 136º deste diploma). Portanto, ao fazer-se aplicação do art.º 28º, n.º 2 da LPTA aos recursos interpostos para o STJ de deliberações do plenário do CSM, não se pode afirmar, como diz o recorrente, que se está a alterar o n.º 1 do art.º 169º do EMJ através de norma que constitucionalmente não tem força para determinar uma tal alteração, como não se pode dizer que se opera um encurtamento real do prazo – se o legislador quis que 30 dias fossem 30 dias de calendário, há que acatar a sua determinação. E nem o facto de o prazo da reclamação ser, efectivamente, maior do que o concedido para o recurso é argumento que impressione: enquanto a reclamação corporiza e esgota toda a oposição que o reclamante deduz contra o acto reclamado, tal não acontece com o requerimento de interposição de recurso (art.º
172º do EMJ), sendo numa fase ulterior da tramitação deste que o recorrente terá de oferecer a sua alegação (art.º 176º). Concluindo: é aplicável o n.º 2 do art.º 28º da LPTA, pelo que o recurso foi interposto quando, 21/1/98, estavam decorridos mais de trinta dias contados da notificação do Exmo. Desembargador recorrente, 15/12/97.'
3. Inconformado com a decisão tomada em 15 de Julho de 1998 que, com fundamento em incompetência, considerou inadmissível o recurso interposto do transcrito Acórdão para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça, dela reclamou o recorrente para a conferência, reclamação esta que foi desatendida por Acórdão de 25 de Novembro de 1998, no qual, remetendo para a jurisprudência deste Tribunal constante do Acórdão n.º 336/95 (publicado no Diário da República, II Série, de
31 de Julho de 1995), se decidiu:
'Entende a conferência que, pelas razões expostas a fls. 66 e v.º, que reafirma, não há lugar a recurso para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos proferidos pela Secção de Contencioso deste Tribunal. Repete-se que o especial regime dos recursos interpostos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura (art.ºs 168º a 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, Lei n.º 21/85, de 30 de Julho) está definido em termos de a Secção de Contencioso, que dele conhece e tem a composição referida no n.º 2 daquele art.º 168º, funcionar como instância única de recurso. A querer que fosse de outro modo, o legislador, atendendo além do mais à composição do STJ, necessariamente teria previsto e regulado o recurso para o plenário.'
4. O recorrente interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(Lei do Tribunal Constitucional),
'em ordem à apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do art.º
169º, 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, por violação do estatuído no art.º 168º, 1, q), da Constituição, vigente aquando da aplicação e entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais e da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos [actualmente, art.º 165º, 1, p)], na interpretação dela feita pelo referido acórdão de fls. , proferido no recurso contencioso referenciado supra, e segundo a qual ‘o prazo de trinta dias fixado no art.º 169º, n.ºs 1 e 2 al. c) da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho’ (Estatuto dos Magistrados Judiciais) é
‘um prazo de natureza substantiva, a contar nos termos do art.º 279º do Cód. Civil por força do disposto no art.º 28º, n.º 2 do Dec-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, subsidiariamente aplicável nos termos do art.º 178º da Lei n.º 21/85’ – recurso, esse, no qual, em resposta
(fls. 29 a 46) ao despacho de fls. 26 e segs., do Senhor Juiz-Conselheiro Relator, a inconstitucionalidade foi expressamente suscitada pelo recorrente.' Nas alegações apresentadas neste Tribunal, concluiu o recorrente:
'1ª Por acórdão do Conselho Superior da Magistratura (Plenário), de 9 de Dezembro de
1997, notificado ao recorrente por correspondência por ele recebida em 12 seguinte, foi deliberado: Considerar o recorrente ‘autor da infracção disciplinar p. e p. pelo art.º 95º, n.º 1, al. a) do E. M. J., mas usar da faculdade de atenuação especial prevista no art.º 97º do mesmo diploma e aplicar-lhe a pena imediatamente inferior a que se alude no seu art.º 94º, n.º 1.
‘Sancionar o’ recorrente ‘com a pena de catorze (l4) meses de inactividade’, suspendendo a ‘sua execução pelo período de três (3) anos, suspensão que’ ficou
‘sujeita à especial condição de no prazo de dez (10) meses, (o recorrente) demonstrar ter posto termo a todos os processos que tinha pendentes à data de 4 de Abril de 1997’.
2ª Inconformado com esse acórdão, o recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sob a égide e nos termos do disposto nos art.ºs 168º, 1 e
5, 169, 1, e 171º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
3ª Por acórdão do Supremo Tribunal de justiça (4ª Secção), de 17 de Junho de l998, foi decidido que, sendo ‘Subsidiariamente aplicáveis’ aos recursos das deliberações do Conselho Superior da Magistratura ‘as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo’ (art.º 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho) e, por conseguinte, a norma do art.º 28º, 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
(aprovada pelo Decreto--Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), quando o recorrente interpôs recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça - em 21 de Janeiro de l998 -, ‘estavam decorridos mais de trinta dias contados da (sua) notificação’ em 15 de Dezembro de l997 (sublinhado da citação, nosso).
4ª O art.º 28º, 2, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos é, quanto à matéria sobre que versa, um preceito inovador: nele se regula, pela primeira vez, expressamente, o modo de contagem dos prazos de interposição dos recursos contenciosos administrativos.
5ª Anteriormente à sua entrada em vigor, era tese dominante, na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, a de que os prazos de interposição dos recursos contenciosos administrativos eram processuais, devendo contar-se nos termos do preceituado no art.º 144º, 2 e 3, do Código de Processo Civil (cfr., neste sentido: *PROF. MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo II (9ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, l980) 1367 e l368; *acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno), de 22 de Junho de l983 (recurso n.º 15757), in ACÓRDÃOS DOUTRINAIS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 266/225 e segs.; e
*acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo), de 29 de Março de l990 (recurso n.º 18844), in BMJ 395/371).).
6ª O Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho) entrou ‘em vigor no dia imediato ao da sua publicação’ (art.º 189º, 1, do próprio diploma), isto é, em 31 de Julho de l 985. A Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-lei n.º 267/85, de 16 de Julho) entrou em vigor no dia l de Outubro de 1985 (art.º 136º do próprio diploma; destaque nosso). Neste contexto, aquando da elaboração e publicação da Lei n.º 21/85, de 30 de Julho - Estatuto dos Magistrados judiciais - e no início da sua vigência, até l de Outubro de l995, ‘as normas que’, regiam ‘os trâmites processuais do recurso de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo’ eram as constantes do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo; à luz delas, o prazo de interposição do recurso contencioso era havido como processual. Assim, não pode invocar-se para a interpretação do art.º 169º do Estatuto dos Magistrados Judiciais a estatuição que só em l de Outubro de 1985 - dois meses depois da sua entrada em vigor - se assumiu como tal, no art.º 28º, 2 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos.
7ª O art.º 169º, 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho), ao estabelecer que ‘o prazo para interposição de recurso é de trinta
(...) dias (...) contados da notificação (...) da deliberação (...)’, incorpora as normas que, com o conteúdo, sentido e alcance apontados, regiam a situação nele contemplada aquando da sua publicação e entrada em vigor, ou seja, as constantes do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, interpretadas de acordo com a doutrina e a jurisprudência então pacíficas.
8ª A remissão constante do art.º 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais respeita ao regime concretamente existente à data em que foi feita, em termos de as alterações posteriores à entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais não se repercutirem na regulação da situação a que se refere a norma do art.º 178º do mesmo Estatuto. A regulamentação posterior à vigente aquando da entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais não modificou o conteúdo da devolução inicialmente operada, continuando a disciplina dos ‘trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo’ a ser a vigente na data da entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
9ª Na interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, a norma vazada no art.º 169º,
1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho) veio a ser modificada, quanto à duração do prazo nela estabelecido, por via da alteração do modo de contagem desse mesmo prazo, por actuação de um diploma - a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho) que nada tem a ver com o Estatuto dos Magistrados Judiciais.
10ª Nos termos do disposto no art.º 168º, 1, q), da Constituição, vigente aquando da publicação e entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais e da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos [actualmente, art.º 165º, 1, p)], ‘é da exclusiva competência da Assembleia da República (...), salvo autorização ao Governo’, legislar sobre a ‘organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados’.
11ª O prazo do recurso contencioso, estabelecido no art.º 169º, 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, constitui, no quadro dos requisitos e pressupostos processuais desse mesmo recurso, um elemento fundamental da via entendida pelo legislador como adequada ao direito de defesa dos magistrados judiciais ante o Conselho Superior da Magistratura e contra os actos deste, ao direito de protecção deles, através do Supremo Tribunal de Justiça, em ordem a salvaguardarem-se da violação dos seus direitos pelo mesmo Conselho, e ao direito de eles, magistrados judiciais, exigirem essa protecção.
12ª A Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho), inovando ‘os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo’, não podia alterar o Estatuto dos Magistrados Judiciais (Lei n.º 21/85, de 30 de Julho), sequer no seu art.º 169º, 1, pela Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
(Decreto-lei n.. 267/85, de 16 de Julho), sob pena de se precipitar a ofensa do disposto no art.º 168º, 1, q) [actualmente, art.º 165º, 1, p)] da Constituição e, por efeito dela, a inconstitucionalidade orgânica da norma do art.º 169º, 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação que dela fez o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Junho de l998.
13ª A norma do art.º 169º, 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na interpretação que lhe foi conferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso n.º 99/98 (4ª Secção), ofende o disposto no art.º 168º, 1, q)
[actualmente, art.º 165º, 1, p)] da Constituição da República Portuguesa.'
5. Notificado para se pronunciar, veio o Conselho Superior da Magistratura oferecer o merecimento dos autos. Corridos os vistos, cumpre decidir. II. Fundamentos
6. No requerimento de interposição do recurso, prima facie, circunscreveu-se o objecto do recurso à apreciação da constitucionalidade de uma única norma, uma vez que era interposto 'em ordem à apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do art. 169º, 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais, por violação do estatuído no art. 168º, 1, q) da Constituição'. Mas, ao precisar o sentido em que tal norma era impugnada, tornava-se patente que eram várias as normas convocadas – 'na interpretação dela feita pelo referido acórdão (...) e segundo a qual ‘o prazo de trinta dias fixado no art. 169º, n.ºs 1 e 2 al. c) da Lei’ n.º 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais) é ‘um prazo de natureza substantiva, a contar nos termos do art. 279º do Cód. Civil por força do disposto no art. 28º n.º 2 do Dec.-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho, Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, subsidiariamente aplicável nos termos do art. 178º da Lei n. 21/85’ '. Em rigor, nem é verdadeiramente o conteúdo directamente preceptivo da norma do artigo 169º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais – que fixa um prazo de trinta dias, contado desde a notificação da deliberação do Conselho Superior da Magistratura, para dela interpor recurso – que está em causa, mas sim a forma de contagem do prazo aí previsto – tendo o recorrente entendido que, sendo um prazo processual, lhe era aplicável o disposto no artigo 144º n.ºs 2 e 3 do Código de Processo Civil, na redacção anterior à revisão operada pelo Decreto-Lei n.º
329-A/95, de 12 de Dezembro, suspendendo-se, portanto, durante as férias, sábados, domingos e feriados; e tendo as instâncias considerado, diversamente, que se tratava de prazo de natureza substantiva, sendo aplicável o disposto no artigo 279º do Código Civil e contando-se, pois, por remissão expressa do n.º 2 do artigo 28º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, tal prazo, continuamente. Não compete a este Tribunal sopesar, para além do controlo da constitucionalidade do resultado normativo a que se chegar, os argumentos esgrimidos a favor de uma ou outra interpretação, e de que se deu (parcial) conta no relatório. Cfr. vg., os Acórdãos n.ºs 44/85, 21/87, 339/87 e 279/92, publicados, o primeiro, em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 5, 1985, págs. 403-409, e os restantes no Diário da República, II Série, de 31 de Março de 1987, de 19 de Setembro de 1987 e de 23 de Novembro de 1992, respectivamente
– naquele primeiro aresto escreveu-se, designadamente, que 'para o Tribunal Constitucional a norma de direito infra-constitucional que vem questionada no recurso é um dado (...) Saber se essa norma era ou não aplicável ao caso, se foi ou não bem aplicada –, isso é da competência dos tribunais comuns, e não do Tribunal Constitucional. Em princípio, o Tribunal Constitucional não pode censurar o modo como os restantes tribunais aplicam o direito infra-constitucional; apenas lhes compete controlar o modo como eles aplicam (ou não) o direito constitucional.' E acrescentou-se: 'Em matéria de fiscalização concreta da constitucionalidade – repita-se – o dado normativo a ser submetido ao parâmetro constitucional chega já definido ao Tribunal Constitucional, não lhe cabendo pô-lo em causa.' O que compete a este Tribunal esclarecer é, pois, tão só se a interpretação, melhor ou pior, adoptada pelas instâncias, formulada na decisão recorrida e identificada pelo recorrente como objecto de recurso, padece da inconstitucionalidade que lhe foi imputada – ou, eventualmente, de outra (cfr. artigo 79º-C da Lei do Tribunal Constitucional – Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro).
7. Diga-se, desde já, que, no caso, não se vislumbra, porém, outro potencial fundamento de inconstitucionalidade que não o que vem alegado pelo recorrente. Segundo este, a aplicação do artigo 279º do Código Civil à contagem do prazo em causa é tida como consequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/85, de
16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), cujo artigo 28º, n.º 2, o determina expressamente para os prazos de recurso contencioso
'estabelecidos no número anterior' – e que passou a integrar o conjunto de
'normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo', que o artigo
178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais manda aplicar; isto, em substituição da regra anteriormente aceita, na ausência de previsão para a forma de contagem dos prazos de recurso contencioso no Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo. A inconstitucionalidade estaria, pois, na alteração de uma solução resultante do Estatuto dos Magistrados Judiciais – que, nas palavras do recorrente, 'constitui, no quadro dos requisitos e pressupostos processuais desse mesmo recurso, um elemento fundamental da via entendida pelo legislador como adequada ao direito de defesa dos magistrados judiciais ante o Conselho Superior da Magistratura e contra os actos deste, ao direito de protecção deles, através do Supremo Tribunal de Justiça, em ordem a salvaguardarem-se da violação dos seus direitos pelo mesmo Conselho, e ao direito de eles, magistrados judiciais, exigirem essa protecção' – alteração, essa, efectuada através de um decreto-lei não credenciado por autorização legislativa.
8. Assim configurada, a questão da constitucionalidade pode resolver-se com a determinação do sentido da norma remissiva do artigo 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, segundo a qual aos recursos das decisões do Conselho Superior da Magistratura 'são subsidiariamente aplicáveis as normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo'. Interpretar tal norma remissiva como contendo uma remissão 'para o conteúdo' das normas vigentes à altura da entrada em vigor do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que regiam todos os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo (remissão
'estática'), teria sem dúvida como resultado 'cristalizar' tal regime, até sobrevir uma alteração de tal Estatuto – alteração necessariamente aprovada por lei ou decreto-lei autorizado, sob pena de inconstitucionalidade orgânica. Ao passo que interpretar tal remissão como uma remissão para as normas que em cada momento relevante disciplinam a matéria nela referida (remissão 'dinâmica') corresponde a permitir a actualização do regime dos recursos das decisões do Conselho Superior da Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça, em função das alterações que vão ocorrendo naquele lugar paralelo da legislação administrativa destino da remissão, isto é, para o qual o legislador do Estatuto dos Magistrados Judiciais (devidamente habilitado para tal) pretendeu justamente remeter (isto, naturalmente, com as exigências formais requeridas estritamente para a intervenção naquela matéria para cuja disciplina se remete). Ora, note-se, não só o recorrente pretende que a primeira hipótese é a mais adequada do ponto de vista sistemático, histórico e teleológico, como entende que a segunda alternativa acarretaria inconstitucionalidade orgânica.
9. Como se disse, não cabe a este Tribunal deliberar sobre as virtualidades de interpretações concorrentes, em quanto não contendam com a Lei Fundamental. Pelo que não lhe compete pronunciar-se sobre o mérito relativo das duas interpretações da norma remissiva do artigo 178º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, mas apenas sobre se a segunda é constitucionalmente inviável. Para que assim fosse seria, porém, condição necessária que o regime em causa se incluísse na área de reserva da Assembleia da República. Ora, a alínea q) do n.º
1 do artigo 168º da Constituição (alínea p) do n.º1 do actual artigo 165º) só abrange a 'organização e competência dos tribunais (...) e estatuto dos respectivos magistrados (...)'. Parece, assim, falhar logo o requisito mais elementar: o de que a determinação da forma de contagem dos prazos de recurso das decisões do Conselho Superior da Magistratura seja matéria de reserva legislativa da Assembleia da República. Comentando aquela norma constitucional, escrevem aliás Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 167, anotação XVIII ao artigo 168º, que 'no âmbito da reserva caberão as modificações de competência judiciárias (...) que não tenham carácter meramente processual' (itálico aditado). Ora, no caso, a única coisa que está em causa é a forma de contagem de um prazo
(de trinta dias) para a apresentação de recurso – o que fica manifestamente fora do âmbito da reserva. Logo por isto, não poderia considerar-se procedente a alegação de inconstitucionalidade orgânica.
10. Acresce, ainda, que é manifesto que foi opção do legislador parlamentar do Estatuto dos Magistrados Judiciais, no artigo 178º, equiparar a situação especial dos recursos das decisões do Conselho Superior de Magistratura para o Supremo Tribunal de Justiça ao regime-regra dos recursos contenciosos para o Supremo Tribunal Administrativo, cuja alteração foi, aliás, quase contemporânea
– quando o Estatuto dos Magistrados Judiciais foi publicado, em 31 de Julho de
1985 (e entrou em vigor, em 1 de Agosto de 1985), já a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos estava publicada (foi-o a 16 de Julho de 1985) embora só tivesse entrado em vigor depois (a 1 de Outubro de 1985 nos termos do seu artigo 136º). Assim, a remissão que se faz para as normas identificadas pela matéria regulada e não para normas, ou secções, especificadas da legislação em vigor à altura da sua aprovação, ou para o diploma então vigente – o que, em qualquer caso, poderia igualmente configurar opção legítima do legislador parlamentar mesmo em matéria da sua competência reservada. Estamos, pois, perante, uma pura norma de remissão de um regime para outro, sendo este último determinado pela matéria objecto de regulamentação, sem se distinguir entre regime presente e futuro. Não procede, assim, a alegação de que uma alteração na regulamentação que é destino da remissão equivalha a uma alteração que carece de autorização legislativa – nem a uma alteração da norma remissiva, nem do regime determinado por remissão. A remissão de regime permanece e o regime da forma de contagem de prazos continua, pois, a ser o previsto pelo legislador do Estatuto dos Magistrados Judiciais através dessa remissão, ou seja, o regime das 'normas que regem os trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo' (artigo 178º, citado). Assim se reforça, pois, a conclusão de não inconstitucionalidade da norma complexa identificada, à luz da invocada alínea do artigo 168º n.º 1 da Constituição da República, não sendo visível, como preliminarmente se advertiu, qualquer outro enquadramento constitucional de que pudesse resultar inconstitucionalidade.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a. não julgar inconstitucional a norma do artigo 169º, n.º 1, da Lei n.º
21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais), na interpretação impugnada, ou seja, segundo a qual o prazo de trinta dias aí fixado é um prazo de natureza substantiva, a contar nos termos do artigo 279º do Código Civil, por força do artigo 28º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), subsidiariamente aplicável por força do artigo 178º da referida Lei n.º 21/85; b. por conseguinte, confirmar a decisão recorrida no que concerne à questão da constitucionalidade; c. condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 15
(quinze) unidades de conta. Lisboa, 28 de Março de 2000 Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa