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Proc. nº 200/97
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório.
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente A. L. e como recorrido o Banco P...,SA, foi decidido negar a revista interposta, entre outros, pelo agora recorrente, do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que havia confirmado a sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras que, por sua vez, havia julgado procedente a acção de impugnação pauliana interposta pelo Banco P....,SA e, em consequência, havia condenado dois dos réus a restituirem aos outros dois co-réus (entre os quais o ora recorrente) a fracção alienada (identificada nos autos) para satisfação do crédito do autor.
2. Inconformado com o teor do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça o ora recorrente pretendeu recorrer para o Pleno daquele Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 763º do Código de Processo Civil, com fundamento em oposição de julgados, recurso que, por despacho do Relator de 25 de Novembro de 96, não foi recebido com fundamento em que 'os artigos 763º a 770º do CPC foram revogados pelo DL nº 329º-A/95, de 12 de Dezembro, artºs 3º e 17º, nº 1'.
3. Ainda inconformado o ora recorrente veio de novo aos autos, desta vez para requerer, ao abrigo do disposto no artigo 700º, nº 3 do CPC, que sobre aquele despacho recaísse um acórdão, requerimento que fundamentou nos seguintes termos:
'1º - O ora requerente interpôs recurso para o Pleno desse Venerando Tribunal ao abrigo e nos termos do artigo 763º do CPC, alegando a respectiva oposição com o Acórdão desse mesmo Tribunal proferido no processo 79704 – Revista.
2º - Veio agora, pelo douto despacho referenciado, a ser negado o recebimento ao recurso com fundamento na revogação dos artigos 763º e 770º do CPC pelos artigos
3º e 17º, nº 1 do Decreto-lei nº 329º-A/95, de 12/12.
3º - Não sendo despicienda a questão da aplicabilidade de tal disposição, já que o DL nº 329º-A/95 tem visto a sua entrada em vigor ser sucessivamente adiada através da alteração do respectivo art. 16º pelas leis nº 5/96 de 29/2 e 28/96 de 2/8.
4º - Já que não está a respectiva previsão contida entre aquelas que o art. 16º no seu nº 2 refere.
5º - E revelando-se pelo menos de deficiente técnica legislativa a introdução nas disposições transitórias de uma estipulação definitiva deste teor.
6º - E parecendo a qualquer luz redundante a estipulação de uma entrada em vigor no concreto violada.
7º - É, pelo menos, esdrúxula a entrada em vigor de um regime quanto a matéria de recursos no quadro de um diploma de aplicabilidade adiada.
8º - O que em qualquer caso afecta a aplicação do art. 17º. Porém,
9º - O que sucede, a proceder outro entendimento, é que terá sempre o referido art. 17º que se considerar ferido de flagrante inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 18º, nº 3 e 20º da Constituição.
10º - Configurando a alteração do quadro legal dos recursos e a sua aplicação a pleitos pendentes e em curso, neste caso, no que toca a posição da parte, uma afectação extraordinariamente excessiva, onerosa e desnecessária dos direitos da parte face aos interesses da boa administração da justiça.
11º - Estando como tal a esse Venerando Tribunal vedada a respectiva aplicação
(Cfr. art. 207º da Constituição).
12º - Nesta conformidade, violou o douto despacho antecedente ora em reclamação as supra referidas disposições legais e constitucionais.
(...)'.
4. Sobre este requerimento veio a recair um acórdão que lhe negou provimento e manteve o despacho reclamado. Sobre a alegada inconstitucionalidade do artigo
17º, nº 1 do Decreto-Lei nº 329º-A/95, disse o Supremo Tribunal de Justiça:
'O art. 18º, nº 3 da CR prescreve que as leis restritivas de direitos liberdades e garantias não podem ter efeito retroactivo. O art. 20º, nº 1 preceitua que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos... Há muito que se defende que, segundo os princípios gerais de aplicação das leis no tempo, em relação às decisões que venham a ser proferidas no futuro em acções pendentes, a nova lei é imediatamente aplicável, quer admita recurso onde anteriormente o não havia, quer negue recurso em relação a decisões anteriormente recorríveis.
«As expectativas criadas pelas partes ao abrigo da legislação anterior já não tinham razão de ser na altura capital em que a decisão foi proferida e por isso já não justificam o retardamento da aplicação da nova lei» - A.Varela, J.M. Bezerra e S. e Nora, in Manual de Processo Civil, 1984, 54. Assim tem decidido este Tribunal – vide acórdãos de 5-3-87, in BMJ 365, 558, que merece o apoio de Eridano de Abreu, in ROA, Dez. de 88, pp. 883, de 20-3-91, in BMJ 405, pp. 420. Não se vê que esse entendimento contrarie as normas citadas da Lei Fundamental. Nem será provável que o Tribunal Constitucional tenha posição diferente da que ora se assume. Em matéria bem mais sensível sob este aspecto (direito criminal), entendeu já aquele Tribunal que nada na CR proíbe a aplicação em processo pendente de norma retirando o direito ao recurso de determinado tipo de decisões, até aí recorríveis – vide acórdão nº 259/88, de 9-11-88, in Acórdãos do TC, 12º vol., pp. 735'.
5. É deste acórdão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende o recorrente ver apreciada a questão da constitucionalidade da citada norma do artigo 17º, nº 1 do Decreto-Lei nº 329º-A/95, de 12 de Dezembro (por lapso refere-se no requerimento de interposição do recurso o art. 15º), por entender que tal norma é violadora do disposto nos artigos 18º, nº 3 e 20º da Constituição da República Portuguesa.
6. Admitido o recurso foi a recorrente notificada para apresentar alegações, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'1. O que está em causa no presente recurso é o facto de, admitindo-se uma interpretação não restritiva do artigo 17º do DL nº 329º-A/95, se retirar às partes uma instância de recurso, um grau de apreciação do seu pedido, para mais no quadro e com as consequências que se prefiguram para a certeza e segurança dos direitos.
2. Não é nem a questão da aplicabilidade imediata da lei, nem a possibilidade de tornar irrecorríveis decisões que antes o eram, nem uma simples alteração da tramitação.
3. É antes, para mais no quadro de uma regulamentação de entrada em vigor sucessivamente adiada, uma ruptura com uma arquitectura processual historicamente enraizada no direito processual português.
4. Feito para mais com o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na súbita alteração que fez ao quadro em que as partes se movem e litigam.
5. A única interpretação constitucional do art. 17º, nº 1 citado, e suportado pelo seu final, é a restritiva: manter em vigor os preceitos do art. 763º e 770º do CPC durante o período de vacatio da reforma, exceptuados os efeitos dos assentos, que perdem a sua força obrigatória geral.
6. Ora o presente recurso foi interposto em 14.11.96 e não foi recebido em
25.11.96, como tal caindo dentro deste período. Pelo que deveria ter sido recebido. Assim não se decidindo, violou o douto acórdão recorrido os artigos 18º-3 e 20º da Constituição da República Portuguesa.
7. Notificado para responder, querendo, às alegações da recorrente, o recorrido veio dizer, a concluir, que 'o recurso deve ser rejeitado por pôr em causa não normas, mas uma decisão judicial. A não ser assim deve ser confirmado a jurisprudência deste Tribunal – hoje confirmada pelo próprio legislador – no sentido da inconstitucionalidade dos assentos'.
8. Notificado para responder à questão prévia suscitada pelo recorrido o recorrente veio dizer, em síntese, que o recurso tem como base a alegação da inconstitucionalidade de uma norma jurídica e não, como pretende o recorrido, de uma decisão judicial.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação.
9. Importa, antes de mais, dar resposta à questão prévia suscitada pelo recorrido, uma vez que se for de concluir que o recorrente não imputa o juízo de inconstitucionalidade a uma norma jurídica – ou a uma interpretação normativa – mas à própria decisão recorrida, não é efectivamente de conhecer do objecto do recurso por falta de um dos seus pressupostos processuais; a saber: ter o recorrente suscitado, durante o processo, a questão de constitucionalidade normativa que agora pretende ver apreciada. Vejamos então: Inconformado com a decisão do Relator do processo no S.T.J. que não lhe admitiu o recurso que pretendeu interpor para o Pleno daquele Tribunal o ora recorrente requereu, ao abrigo do disposto no artigo 700º, nº 3 do CPC, que sobre aquele despacho recaísse um acórdão, tendo dito aí, designadamente, o seguinte:
'(...) 9º - O que sucede, a proceder outro entendimento, é que terá sempre o referido art. 17º que se considerar ferido de flagrante inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 18º, nº 3 e 20º da Constituição.
10º - Configurando a alteração do quadro legal dos recursos e a sua aplicação a pleitos pendentes e em curso, neste caso, no que toca a posição da parte, uma afectação extraordinariamente excessiva, onerosa e desnecessária dos direitos da parte face aos interesses da boa administração da justiça.
11º - Estando como tal a esse Venerando Tribunal vedada a respectiva aplicação
(Cfr. art. 207º da Constituição).
12º - Nesta conformidade, violou o douto despacho antecedente ora em reclamação as supra referidas disposições legais e constitucionais (...)'.
É certo, como alega o recorrido, que o recorrente a certa altura imputa a violação do disposto nos artigos 18º, nº 3 e 20º da Constituição ao despacho do relator do processo que não lhe admitiu o recurso que pretendeu interpor para o Pleno do STJ. Nesse sentido refere-se no ponto 12º supra citado 'Nesta conformidade, violou o douto despacho antecedente ora em reclamação as supra referidas disposições legais e constitucionais (...)'. Porém, antes, havia já feito recair o juízo de constitucionalidade sobre uma determinada interpretação normativa do artigo 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95 - ao referir que 'a proceder outro entendimento, é que terá sempre o referido art.
17º que se considerar ferido de flagrante inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 18º, nº 3 e 20º da Constituição' (nº 9) – e, nessa medida, deve efectivamente considerar-se verificado o pressuposto processual de admissibilidade do recurso ora em discussão, improcedendo por isso a questão prévia suscitada pelo recorrido. Passamos, por isso, ao conhecimento do objecto do recurso.
10. É o seguinte o teor dos preceitos do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, de que se extrai a norma cuja constitucionalidade vem questionada pelo recorrente. Artigo 3º São revogados os artigos (...) 763º a 770º (...). Artigo 17º
1. É imediatamente aplicável a revogação dos artigos 763º a 770º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2. (...).
3. (...). Entende o recorrente que a interpretação normativa daqueles preceitos por que optou o Supremo Tribunal de Justiça - no sentido de que a revogação do disposto nos artigos 763º a 770º do Código de Processo Civil, que previam o recurso para o Tribunal Pleno, entrava em vigor imediatamente, com efeitos nos próprios processos em curso em que ainda não tivesse sido proferida a decisão de que, ao abrigo daquelas normas, tal recurso seria possível - é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 18º, nº 3 e 20º da Constituição.
11. A questão de constitucionalidade que agora vem colocada à nossa consideração foi já objecto de várias decisões do Tribunal, nas quais se decidiu que o artigo
17º do Decreto-Lei nº 329-A/95, enquanto determina a imediata aplicação às acções pendentes da revogação dos artigos 763º a 770º do Código de Processo Civil, que regulavam o recurso para o Tribunal Pleno, não viola nem o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, nem o direito de acesso aos tribunais constante do artigo 20º da Constituição nem ainda o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito democrático - artigo 2º da Constituição. Referimo-nos, concretamente, aos Acórdãos nºs 574/98, 575/98 (Diário da República, II Série, de 13 de Maio e 26 de Fevereiro de 1999, respectivamente),
576/98 (estes tirados em Plenário) e 701/98, 649/98 e 27/99 (ainda inéditos).
É, pois, esta jurisprudência, firmada em Plenário, que agora mais uma vez há que aplicar.
III – Decisão.
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso. Lisboa, 22 de Fevereiro de 2000 José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Luís Nunes de Almeida