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Proc. nº 106/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figura como recorrente A. R. e como recorrida T...- Sociedade Corretora de Seguros,Lda., o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão, datado de 5 de Novembro de 1997, confirmando a decisão do Tribunal do Trabalho de Lisboa, de 3 de Fevereiro de 1997, que julgou improcedente a acção em que a ora recorrente impugnou o seu despedimento. Para tanto, remeteu para o fundamento da decisão proferida em primeira instância, nos termos do artigo
713º, nº 5, do Código de Processo Civil.
A. R. arguiu a nulidade do acórdão de 5 de Novembro, invocando a inconstitucionalidade da norma do artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, por violação do disposto n artigo 20º, nº 1, da Constituição.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 18 de Março de 1998, indeferiu a reclamação.
A. R. interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de
17 de Abril de 1998.
A. R. reclamou do despacho de não admissão do recurso, ao abrigo do nº 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional, reclamação que foi deferida pelo Acórdão nº 709/98, de 16 de Dezembro.
2. Junto do Tribunal Constitucional, a recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo: A. O dever de fundamentar as sentenças constitui uma garantia do exercício efectivo do direito de acção, que se inclui no direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva dos direitos; B. A norma do nº 5 do artº 713º do Cód. de Proc. Civil dispensa a Relação de fundamentar as suas decisões, que sobre a matéria decidida em 1ª Instância, que sobre o mérito da sentença recorrida, que constitui, ela também, objecto do recurso; C. A fundamentação por remissão para os fundamentos da decisão recorrida não satisfaz os requisitos de fundamentação das sentenças, por ausência de segurança quanto ao exame ponderado da causa e por permitir a não fundamentação de parte da matéria recorrida - a própria sentença da 1ª Instância, D. A norma do nº 5 do artº 713º do Cód. de Proc. Civil viola, assim, o nº 1 do artº 20º da Constituição da República.
Por seu turno, a recorrida contra-alegou, concluindo o seguinte:
1. A norma do artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, não dispensa a Relação de fundamentar as suas decisões, apenas permite que, verificados os estritos pressupostos ali consagrados, a Relação remeta para todos e cada um dos fundamentos aduzidos na sentença.
2. Por outras palavras, apenas se permite, tal como relevado no relatório do citado Decreto-Lei nº 329-A/95, uma simplificação ou aligeiramento na forma - exactamente porque se entende, e bem, que a substância, isto é, a necessidade de fundamentar uma decisão jurisdicional, está devidamente assegurada pela fundamentação expendida na 1ª Instância.
3. Revelando-se, assim, adequado a manter todas as garantias inerentes ao reconhecimento do efectivo acesso ao direito e aos tribunais, designadamente ao direito a obter decisão justa, fundamentada, não arbitrária, susceptível de convencer e esclarecer as partes envolvidas, garantindo a paz social, o preceito do artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil não se encontra ferido de inconstitucionalidade por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição.
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
4. A norma impugnada tem a seguinte redacção: Artigo 713º Elaboração do acórdão
(...)
5 - Quando a Relação confirmar inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado em 1ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos, pode o acórdão limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão impugnada.
(...)
A recorrente sustenta que tal norma é inconstitucional, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição, uma vez que a faculdade dada ao julgador de não enunciar os fundamentos da decisão, esvaziando de sentido e conteúdo útil a decisão jurisdicional, viola o direito de acesso aos Tribunais para defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos. A recorrente afirma também que a remissão para os fundamentos da decisão recorrida não é fundamentação, uma vez que permite 'que sobre a própria matéria recorrida, que não é apenas a discutida na instância recorrida, mas a própria decisão, seja proferida uma decisão não fundamentada', verificando-se, assim, uma violação do direito ao recurso. A recorrente invoca ainda a violação do direito de acção, dado não existir a garantia do efectivo julgamento das causas, pois os juízes estão, por força do preceito impugnado, dispensados de fundamentar a decisão.
5. A conformidade à Constituição da norma que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade já foi apreciado pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 151/99, de 9 de Março (DR, II Série, de 5 de Agosto de 1999).
Com efeito, confrontando a norma em apreço com o disposto no artigo
205º, nº 1, da Constituição, o Tribunal Constitucional considerou que a exigência constitucional em matéria de fundamentação das decisões judiciais
'limita-se a devolver ao legislador ordinário o encargo de definir o âmbito e a extensão do dever de fundamentar, conferindo-lhe ampla margem de liberdade constitutiva', não podendo, porém, tal 'significar, evidentemente, discricionariedade legislativa susceptível de afastar o dever de fundamentar as decisões'.
De seguida, o Tribunal entendeu que a norma questionada não elimina a fundamentação judicial, 'porquanto o que se passa é que o tribunal superior recebe ou perfilha os fundamentos indicados pelo tribunal inferior', consagrando-se, assim, 'uma forma célere e simplificada de apreciação, fundamentação e decisão dos recursos'.
Em consequência, o Tribunal Constitucional concluiu pela não inconstitucio-nalidade da norma em apreciação.
6. Nos presentes autos seguir-se-á a linha decisória do aresto mencionado (remetendo-se para a respectiva fundamentação). A recorrente sustenta, porém, a violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição. Contudo, as alegadas violações do direito de acesso aos tribunais, do direito ao recurso e do direito de acção decorrem, na perspectiva da recorrente, de não existir uma verdadeira e efectiva fundamentação da decisão judicial, por força do artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil. Com efeito, a recorrente sustenta que o direito de acesso aos tribunais é afectado, por o julgador ter a faculdade de não enunciar os fundamentos da decisão; que o direito ao recurso é violado, por não ser proferida uma decisão fundamentada; e que o direito à acção
é negado, por os juízes se encontrarem dispensados de fundamentar as suas decisões (podendo, nessa medida, não julgar a causa).
Ora, considerando, na linha argumentativa do Acórdão nº 151/99, que o artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, não impede uma efectiva fundamentação, improcedem as considerações da recorrente. Na verdade, a decisão proferida é fundamentada (uma vez que acolhe os fundamentos da decisão recorrida) e contém uma apreciação efectiva da decisão sob recurso, apreciação essa que termina conclusivamente numa total concordância com o conteúdo desta. Também não se verifica, por outro lado, qualquer negação de garantia de julgamento da causa, o que aliás a recorrente expressamente reconhece no ponto VI das suas alegações. A decisão judicial proferida em sede de recurso ao abrigo da norma impugnada tem assim, e ao contrário do que sustenta a recorrente, um conteúdo útil e um sentido que não se podem considerar afectados pela circunstância de aquela se traduzir, após o necessário e efectivo julgamento, numa confirmação da decisão então recorrida.
Não se verificam, deste modo, as alegadas violações do direito ao acesso aos tribunais, do direito ao recurso e do direito à acção, consagrados no artigo 20º, nº1, da Constituição.
7. Conclui-se, pois, pela improcedência do presente recurso de constitucionalidade.
III
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 713º, nº 5, do Código de Processo Civil, confirmando consequentemente a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 23 de Fevereiro de 2000 Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa