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Processo n.º 216/98 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. J... interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de Novembro de 1997, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto do acórdão da mesma secção, de 28 de Novembro de 1991, pedindo se aprecie a constitucionalidade das normas dos artigos 1º, nºs 1 e 3, da Lei n.º 10/83, de 13 de Agosto, e 26º e 28º do Estatuto Disciplinar. Este acórdão da Secção de Contencioso Administrativo, de 28 de Novembro de 1991, tinha negado provimento ao recurso contencioso de anulação apresentado contra o despacho do MINISTRO DA AGRICULTURA, PESCAS E ALIMENTAÇÃO, de 7 de Maio de 1990, que, em processo disciplinar, aplicou ao recorrente a pena de aposentação compulsiva, ao abrigo do disposto no artigo 26º, nºs 1 e 2, alínea h), do respectivo Estatuto Disciplinar.
O recorrente concluiu do modo que segue as alegações que apresentou neste Tribunal:
1 – O regime disciplinar faz parte integrante da noção de legislação do trabalho, e de harmonia com o art. 57º, nº 2, a), da Constituição (na versão que para os presentes efeitos releva, e que é a resultante da revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro), constitui 'direito' das associações sindicais participar na elaboração da legislação do trabalho.
2 – As leis de autorização legislativa inserem-se no conceito de 'legislação do trabalho'.
3 – Na elaboração da Lei nº 10/83, de 13 de Agosto (como se apura do respectivo preâmbulo) não foi permitida/assegurada a participação das associações sindicais representativas dos trabalhadores dela destinatários.
4 – Deste modo, por 'vício in procedendo', a Lei nº 13/83, de 13 de Agosto está ferida de inconstitucionalidade formal, originária, e, assim, resultou afectado, de modo constitucionalmente irremissível, o procedimento legislativo que produziu o decreto-lei nº 24/84, de 16 de Janeiro (que aprovou, como sua parte integrante, o Estatuto Disciplinar).
5 – É certo que as associações sindicais que representam interesses dos trabalhadores da Administração Pública participaram na elaboração do projecto que este na base do decreto-lei nº 24/84, de 16 de Janeiro.
6 – Porém, na nossa arquitectura constitucional toda a decisão legislativa (que aqui passa por um procedimento complexo, em dois graus) tem que ser participada activamente pelas associações sindicais, e, pois, a cada passo da concretização da norma haverá que corresponder um momento participativo (ou, se assim melhor se preferir, dupla audição, a ser realizada directa e autonomamente perante cada um dos órgãos autores da norma).
7 - Aliás, e salvo o merecido respeito, esta conclusão que já se extraía dos textos, tem hoje consagração legal expressa (cfr. art.º 10º, nº 1, i), da Lei nº
23/98, de 26 de Maio, e o que promana da Separata do 'Diário da Assembleia da República' nº 59/VII, de 27/Julho/98, quando coloca à apreciação pública ad
'Propostas de Lei ' do Governo nºs 187/VII e 190/VII, designadamente).
8 – Assim, e salvo o merecido respeito, o douto acórdão recorrido, quando não considerou verificada a assacada inconstitucionalidade não fez boa interpretação e aplicação do direito, e, pois, não fez bom julgamento. Nestes termos, e nos mais de direito que forem doutamente supridos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com todas as suas legais consequências, como é de direito e da melhor justiça.
O Ministro da Agricultura formulou as seguintes conclusões na alegação que apresentou:
1. Como é jurisprudência unânime do Supremo Tribunal Administrativo só será exigível a convocação das associações sindicais para a elaboração de uma lei de autorização legislativa se esta lei contiver normas que concretamente interfiram no regime geral ou especial da função pública e cuja elaboração tivesse requerido, para seu aperfeiçoamento, a participação das associações sindicais.
2. No caso dos autos, a Lei 10/83 não contém esse tipo de normas pelo que se não justificava a participação das associações sindicais na sua elaboração.
3. Ao não julgar verificada a inconstitucionalidade alegada pelo recorrente, o douto acórdão recorrido fez boa interpretação e aplicação do direito pelo que não merece censura. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso com as legais consequências.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. O objecto do recurso:
3.1. Sustenta recorrente que a Lei n.º 10/83, de 13 de Agosto [ artigo 1º, nºs
1, alínea b), e 3] , é inconstitucional, 'por vício in procedendo, consistente no não respeito do artigo 57º, n.º 2, alínea a), da Constituição (na versão para aqui relevante)', já que, sendo legislação de trabalho, as associações sindicais não participaram na sua elaboração. E acrescenta que esta inconstitucionalidade da lei afectou, de forma irremissível, o procedimento legislativo que culminou com a edição do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, o qual é também, a esse mesmo título, inconstitucional.
A Lei n.º 10/83, de 13 de Agosto, autorizou o Governo a legislar, entre o mais, sobre o regime disciplinar da função pública. Para o que aqui importa, o artigo 1º, nºs 1 e 3, desta Lei n.º 10/83, aqui sub iudicio, dispõe como segue: Artigo 1º (Objecto, sentido e extensão)
1. O Governo é autorizado a legislar: b). Em matéria de regime disciplinar da função pública.
3. O regime a instituir nos termos da alínea b) do n.º 1 visa introduzir alterações ao Decreto-Lei n.º 191-D/79, de 25 de Junho, por forma a redefinir os factos ilícitos ou a definir novas formas de ilícito de corrupção passíveis de sanção disciplinar, a corrigir a dosimetria das penas em vigor e ainda a ultrapassar dificuldades de execução e a integrar lacunas do Estatuto Disciplinar.
3.2. O Governo, no uso desta autorização legislativa, aprovou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, editando o Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro.
Deste Estatuto interessa aqui considerar especialmente os artigos 26º, nºs 1 e
2, alínea h), e 28º. De facto, são estas normas, 'na interpretação e aplicação que delas foi feita', que o recorrente considera inconstitucionais, 'por colisão com o que promana dos normativos constitucionais que consagram o direito à segurança no emprego e fixam o princípio da proporcionalidade (artigos 53º e 266º, n.º 2, conjugadamente com os artigos 277º, n.º 1, e 290º, n.º 2, da Constituição, na versão para aqui relevante)'.
Tais normas dispõem como segue: Artigo 26º (Aposentação compulsiva e demissão)
1. As penas de aposentação compulsiva e de demissão serão aplicáveis em geral às infracções que inviabilizarem a manutenção da relação funcional.
2. As penas referidas no número anterior serão aplicáveis aos funcionários e agentes que, nomeadamente: h). Dentro do mesmo ano civil derem cinco faltas seguidas ou dez interpoladas sem justificação.
Artigo 28º (Medida e graduação das penas) Na aplicação das penas atender-se-á aos critérios gerais enunciados nos artigos
22º a 27º, à natureza do serviço, à categoria do funcionário ou agente, ao grau de culpa, à sua personalidade e a todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida que militem contra ou a favor do arguido.
A respeito destas normas, o recorrente precisou que, 'em obediência aos normativos constitucionais que consagram o direito à segurança no emprego e fixam o princípio da proporcionalidade (artigos 53º e 266º, n.º 2, conjugadamente com os artigos 277º, n.º 1, e 290º, n.º 2), os artigos 26º e 28º do Estatuto Disciplinar têm de ser interpretados e aplicados com o sentido de que a existência, só por si, de qualquer dos comportamentos referidos no artigo
26º não é suficiente para se concluir pela inviabilização da relação funcional - ou, dizendo de outra forma, só se justifica o recurso a uma sanção de natureza expulsiva quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou correctivas da relação jurídica de emprego'. E concluiu: 'A esta luz [ ...] os citados normativos do Estatuto Disciplinar, na interpretação e aplicação que deles fez o douto acórdão recorrido são inconstitucionais'.
A tal propósito, o acórdão sub iudicio recordou que ao recorrente foi aplicada a pena de aposentação compulsiva, num quadro fáctico em que às várias condutas por ele praticadas correspondiam as penas de inactividade, de suspensão e de demissão ou aposentação compulsiva. Acrescentou que tais condutas 'patenteiam a impossibilidade imediata de subsistência da respectiva relação de trabalho, integrando o condicionalismo exigido pela alínea h) do n.º 2 do artigo 26º do Estatuto Disciplinar'. E concluiu que os artigos 26º, nºs 1 e 2, alínea h), e
28º do Estatuto Disciplinar não são inconstitucionais. Além disso, ponderou o seguinte:
É certo que só por si qualquer dos comportamentos referidos no artigo 26º do Estatuto Disciplinar não é suficiente para se concluir pela inviabilização da relação funcional. Mas, no caso em apreço, como resulta dos factos especificados, não foi apenas e tão-só a falta de assiduidade ao serviço que determinou a pena de aposentação compulsiva, mas ainda terem aquelas faltas um carácter de tal maneira grave que inviabilizava a manutenção da relação funcional, de maneira a justificar aquela sanção e não outra de carácter conservatório ou correctivo.
Pois bem: se, como acentua o acórdão recorrido, não foi 'apenas e tão-só a falta de assiduidade ao serviço que determinou a pena de aposentação compulsiva, mas ainda terem aquelas faltas um carácter de tal maneira grave que inviabilizava a manutenção da relação funcional', então, a conclusão a extrair é a de que os artigos 26º e 28º do Estatuto Disciplinar foram 'interpretados e aplicados' do modo que o recorrente considera correcto. Ou seja: foram 'interpretados e aplicados com o sentido de que a existência, só por si, de qualquer dos comportamentos referidos no artigo 26º não é suficiente para se concluir pela inviabilização da relação funcional'. Mas dizer isto é concluir que, afinal, o acórdão recorrido não aplicou aqueles normativos com o sentido que o recorrente tem por inconstitucional. Ou seja: não decidiu que, para que a um funcionário se aplique a pena de aposentação compulsiva, basta que, 'dentro do mesmo ano civil', ele dê 'cinco faltas seguidas ou dez interpoladas sem justificação'.
Ora, sendo isto assim, ao recurso, enquanto tem por objecto a inconstitucionalidade material das referidas normas, faltaria um pressuposto: o pressuposto da aplicação dessas normas pela decisão recorrida, com a interpretação que o recorrente considera inconstitucional. A falta desse pressuposto haveria de conduzir ao não conhecimento dessa questão de constitucionalidade. O recorrente, com aquela afirmação, pode, no entanto, pretender significar que os factos apurados no processo disciplinar não consentem a conclusão que deles extraiu o acórdão recorrido. Ou seja: pode pretender que, contrariamente ao que foi decidido na decisão sob recurso, as faltas por si cometidas não têm 'um carácter de tal maneira grave que inviabilize a manutenção da relação funcional'. Só que, se fosse essa a questão que o recorrente colocou no recurso, o Tribunal não poderia dela conhecer.
É que, não se estaria aí perante uma questão de inconstitucionalidade normativa
- única que este Tribunal pode conhecer -, mas do acerto (ou do desacerto) de uma conclusão que o tribunal recorrido extraiu da matéria de facto - o que, nesta sede, é insindicável.
Pode, no entanto, entender-se que, com o apelo ao princípio da proporcionalidade, o que o recorrente, em direitas contas, questiona é a constitucionalidade das referidas normas, enquanto nelas se prevê que um funcionário que, dentro do mesmo ano civil, dê cinco faltas seguidas ou dez interpoladas sem justificação, pode ser punido com a pena de aposentação compulsiva, desde que, atenta a natureza do serviço, a categoria do funcionário ou agente, o grau de culpa, a sua personalidade e todas as circunstâncias em que a infracção tiver sido cometida, seja de concluir que o facto de ter dado essas faltas inviabiliza a manutenção da respectiva relação funcional.
Sendo este um entendimento possível da questão que o recorrente coloca a respeito dos artigos 26º, nºs 1 e 2, alínea h), e 28º do Estatuto Disciplinar, também adiante se analisará esta questão de constitucionalidade.
4. A questão da inconstitucionalidade, por falta de audição das associações sindicais:
4.1. Importa, então, começar por saber o que deve entender-se por legislação do trabalho para os fins da alínea a) do n.º 2 do artigo 57º da Constituição, na versão de 1982, em vigor à data da emissão da Lei n.º 10/83 - correspondente à alínea a) do n.º 2 do artigo 56º, após as revisões constitucionais de 1989 e de
1997 -, a qual prescreve que constituem direitos das associações sindicais
'participar na elaboração da legislação do trabalho'.
Este Tribunal tem entendido que constitui legislação do trabalho a que visa regular as relações individuais e colectivas de trabalho e, bem assim, os direitos dos trabalhadores enquanto tais e os das respectivas organizações - ou seja, a legislação que visa regulamentar os direitos fundamentais dos trabalhadores [ cf., entre outros, os acórdãos nºs 31/84, 451/87, 15/88, 107/88,
185/89, 218/89 e 201/90 (publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, volumes 2º, 10º, 11º, 13º-I e 16º, páginas 123, 161, 153, 7, 229, 237 e 493, respectivamente); n.º 61/91 (publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º
405, páginas 91); nºs 355/91 e 93/92 (publicados nos Acórdãos citados, volumes
19º e 21º, páginas 585 e 91, respectivamente); n.º 124/93 (publicado no Diário da República, I-A, de 3 de Março de 1993); n.º 430/93 (publicado no Boletim citado n.º 429, páginas 140); nºs 229/94 e 362/94 (publicados no Diário da República, I-A, de 23 de Abril e de 15 de Junho, de 1994); e n.º 238/95
(publicado no Diário da República, II, de 28 de Junho de 1995)] . No que respeita à função pública, especificou-se no citado acórdão n.º 362/94 que constitui legislação do trabalho 'o que se estatui em matéria de regime geral e especial dessa espécie de vinculo de trabalho subordinado, condições de trabalho, vencimentos e demais prestações de carácter remuneratório, regime de aposentação ou de reforma e regalias de acção social e de acção social complementar'.
4.2. É óbvio que a Lei n.º 10/83, de 13 de Agosto, deverá (ou não) qualificar-se como legislação do trabalho, para o efeito de ser necessário que a sua edição seja precedida da audição das associações sindicais, consoante se entenda deverem (ou não) merecer esse qualificativo as leis de autorização legislativa que versem matéria laboral, que é o que sucede com ela.
Não pode, na verdade, deixar de entender-se que esta lei, ao autorizar o Governo a legislar sobre o regime disciplinar da função pública, versa sobre matéria laboral. Trata-se, com efeito, de matéria que, para além de integrar o regime da função pública, respeita à regulamentação de direitos fundamentais dos cidadãos: desde logo, o direito de acesso à função pública (consagrado no artigo 47º, n.º
2, da Constituição) e o direito à segurança no emprego (consagrado no artigo 53º da Constituição).
Pois bem: o Tribunal tem entendido, mas com vozes discordantes (entre elas, a do ora relator), que 'as leis de autorização legislativa relativas a legislação laboral se devem qualificar, elas também, como legislação do trabalho, para efeitos de assegurar a audição das organizações de trabalhadores, pressuposto da sua participação na elaboração de tais leis' [ cf. o citado acórdão n.º 107/88 e o acórdão n.º 64/91 (publicado nos Acórdãos citados, volume 18º, páginas 67)] No entendimento, porém, de outros juízes (entre eles o ora relator), as leis de autorização legislativa ainda não são legislação do trabalho: sendo, embora, verdadeiras e próprias leis, elas distanciam-se de outras leis sob o ponto de vista da sua eficácia jurídica, pois que 'não produzem efeitos jurídico-materiais no domínio social sobre que o Governo pretende legislar', mas apenas 'efeitos instrumentais, criando condições para que possa verificar-se uma mudança do direito material aí vigente levada a efeito pelo Governo' - para se usar a terminologia da declaração de voto do Conselheiro Alves Correia, aposta ao acórdão n.º 64/91. Tais leis assumem, por isso, a natureza de normas de competência (cf. a declaração de voto aposta ao acórdão n.º 107/88, subscrita pelo Conselheiro Cardoso da Costa e pelo ora relator).
Claro é que, quando se entenda que as leis de autorização legislativa sobre matéria laboral se devem qualificar como legislação do trabalho para os fins da alínea a) do n.º 2 do artigo 57º da Constituição (versão de 1982), haverá de concluir-se que impende sobre a Assembleia da República - e não apenas sobre o Governo - o dever de ouvir as associações sindicais (e, quando for o caso, as comissões de trabalhadores). Ou seja: concluir-se-á que a Assembleia deve cumprir esse dever antes de aprovar a lei de autorização legislativa, não bastando que, antes de aprovar o decreto-lei autorizado, o Governo promova a participação daquelas organizações. Quem, porém, como o ora relator, sustenta que as leis de autorização legislativa ainda não são legislação do trabalho - entendimento que aqui se reitera - concluirá (em palavras da citada declaração de voto do Conselheiro Alves Correia) que 'não se apresenta como constitucionalmente adequado exigir a participação das organizações de trabalhadores na sua elaboração'. Tal participação - acrescenta-se - será muito mais útil e eficaz se incidir sobre o projecto de decreto-lei que o Governo elaborar no uso da autorização legislativa.
4.3. No presente caso e para o efeito agora considerado (o da necessidade de audição das associações sindicais), é, no entanto, irrelevante que a Lei 10/83, de 13 de Agosto, deva ou não ser havida como legislação do trabalho. E, por isso, não tem aqui que decidir-se essa questão.
É que, como foi o mencionado Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, e não a Lei n.º 10/83, o corpo de normas que o acórdão recorrido aplicou no julgamento do caso; e como o Governo, antes de aprovar esse decreto-lei, promoveu a audição das associações sindicais, perde todo o sentido o facto de a Assembleia da República não ter promovido essa mesma audição antes de aprovar a Lei n.º 10/83: a audição promovida a respeito do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, consumiu a falta de audição relativamente à lei autorizadora, como este Tribunal decidiu no acórdão n.º 257/97 (publicado no Diário da República, II série, de 2 de Outubro de 1998). [ Cf. também os acórdãos nºs 477/98 e 478/98 (ambos por publicar)] .
4.4. No que toca ao Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro - que constitui, obviamente, legislação do trabalho, como decorre do que já se disse a tal respeito -, a sua edição foi, como se disse e consta do próprio preâmbulo, precedida da audição das associações sindicais. Por isso, as normas deste decreto-lei, que constituem objecto do recurso, não padecem de inconstitucionalidade, por violação da alínea a) do n.º 2 do artigo
57º da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1982 - correspondente
à alínea a) do nº 2 do artigo 56º, na versão actual.
5. A questão da inconstitucionalidade, por violação do direito à segurança no emprego e do princípio da proporcionalidade:
5.1. O artigo 53º da Constituição garante aos trabalhadores a segurança no emprego. Dispõe como segue: Artigo 53º (Segurança no emprego)
É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. Os funcionários ou agentes da Administração Pública, como quaisquer outros trabalhadores, gozam do direito à segurança no emprego [cf., neste sentido, os acórdãos nºs 154/86, 285/92 e 233/97 (publicados no Diário da República, II série, de 12 de Junho de 1986, 17 de Agosto de 1992 e 12 de Maio de 1997, respectivamente)].
Este direito à segurança no emprego garante a estabilidade da relação jurídica de emprego, pois que este (o emprego) é, para o trabalhador, 'não apenas um instrumento de angariação de meios para ele prover ao seu sustento e ao da sua família, como também uma ocasião capaz de lhe permitir a sua realização pessoal através do trabalho' (cf. o citado acórdão n.º 233/97). A estabilidade no emprego, que vai implicada na garantia da segurança no emprego, compreende, obviamente, o direito à manutenção do lugar. O funcionário goza, na verdade, do direito ao lugar, só podendo ser privado dele, em princípio, por sentença penal ou mediante processo disciplinar. A prática de infracção disciplinar, apurada em processo próprio, constitui, assim, justa causa de despedimento - é dizer que pode importar a perda do lugar, sem que isso seja constitucionalmente censurável.
É, pois, manifesto que o facto de as normas legais aqui sub iudicio preverem a possibilidade de aplicação da pena de aposentação compulsiva ao funcionário que pratique uma infracção disciplinar capaz de inviabilizar a manutenção da relação jurídica de emprego, é, em si mesmo, insusceptível de violar o direito à segurança no emprego, garantido pelo artigo 53º da Constituição da República.
5.2. A eventual inconstitucionalidade de tais normas (das normas constantes dos artigos 26º, nºs 1 e 2, alínea h), e 28º do citado Estatuto Disciplinar) só pode, por isso, resultar de aquela sanção (a pena de aposentação compulsiva) se mostrar desnecessária, inadequada ou excessiva para punir o facto previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 26º do Estatuto Disciplinar - facto que
(recorda-se) consiste em, no mesmo ano civil, um funcionário dar cinco faltas seguidas ou dez interpoladas sem justificação, quando se imponha concluir que, em consequência dessas faltas, atenta a natureza do serviço, a categoria do funcionário ou agente, o grau de culpa, a sua personalidade e todas as circunstâncias em que as mesmas foram dadas, a manutenção da relação funcional ficou inviabilizada. Nesse quadro factual, se a aplicação da pena de aposentação compulsiva dever considerar-se desajustada à falta cometida, por se mostrar desnecessária ou inadequada, ou por exceder a justa medida, as normas em causa violarão, obviamente, o princípio da proporcionalidade (consagrado no artigo 18º, n.º 2, da Constituição). E, desse modo, infringirão a garantia da segurança no emprego
(consagrada no artigo 53º da Constituição).
Tal não sucede, porém.
Não pode, na verdade, considerar-se desproporcionada a aplicação da pena de aposentação compulsiva a uma falta que inviabiliza a manutenção da relação jurídica de emprego, pois, tornando-se impossível a relação laboral, a solução só pode ser o despedimento. Nessa situação, é, de facto, impensável o recurso a medidas de carácter correctivo ou conservatório.
Por último - e seguindo na esteira do que este Tribunal ponderou a propósito de decisões legislativas de criminalização de certas condutas (cf. os acórdãos nºs
634/93 e 83/95, publicados no Diário da República, II série, de 31 de Março de
1994 e 14 de Junho de 1995, respectivamente) -, há que sublinhar que o juízo sobre a escolha das penas disciplinares aplicáveis às infracções respectivas cabe, em primeira linha, ao legislador, a quem, por isso, não pode deixar de reconhecer-se, também nesta matéria, uma larga margem de discricionariedade. Neste domínio, a liberdade de conformação do legislador, o seu poder constitutivo, só pode limitar-se, quando a pena disciplinar correspondente a determinada infracção se apresente como manifestamente excessiva relativamente à respectiva falta de serviço. Fora esses casos limites, as opções do legislador são insindicáveis sub specie constitutionis. Repete-se aqui o que GOMES CANOTILLHO escreveu a propósito das decisões do legislador em matéria penal (cf. 'Teoria da Legislação Geral e Teoria da Legislação Penal', in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, I, número especial, Coimbra, 1984, página 855): há que confiar na sabedoria do legislador.
5.3. Conclusão: As normas constantes dos artigos 26º, nºs 1 e 2, alínea h), e 28º do citado Estatuto Disciplinar não violam, pois, o direito à segurança no emprego considerado isoladamente, nem tal direito conjugado com o princípio da proporcionalidade.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
(a). negar provimento ao recurso, confirmando o julgamento da questão de constitucionalidade constante do acórdão recorrido;
(b). condenar o recorrente nas custas, com unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 16 de Dezembro de 199 8 Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Beleza Luis Nunes de Almeida