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Processo nº 539/97
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.1. - Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A...., neles identificado, e são recorridos o Vereador do Pelouro de Pessoal e o Presidente da Câmara Municipal de Sintra, o primeiro recorreu para o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo
(STA) do acórdão da 1ª Sub-Secção, de 9 de Fevereiro de 1993, e do que sobre ele recaíu, a 30 de Novembro seguinte, relativo à matéria de arguição de nulidades do primeiro, invocando o fundamento de oposição de acórdãos, concretamente com o de 24 de Maio de 1973, de que juntou fotocópia.
O Pleno, por aresto de 16 de Abril de 1997, entendeu inexistir, in casu, pronúncia expressa dos acórdãos recorridos em sentido contrário ao da questão abordada no acórdão fundamento, nos termos do qual o não conhecimento pelo tribunal a quo de uma questão levantada pelo recorrente constitui nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil (CPC), devendo os autos baixar ao tribunal recorrido para conhecer da referida questão, não sendo de aplicar o disposto no artigo 715º do CPC (conhecimento imediato do objecto do recurso).
Assim, deu-se por findo o recurso, por bastar a inexistência de pronúncia expressa de uma das decisões para não haver oposição de julgados.
Notificado, veio o recorrente pedir a reforma do acórdão do Pleno, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 669º do CPC, dado entender, em suma, que este 'viola lei expressa e contraria os documentos/elementos constantes do processo, balanceando, incorrectamente, a realidade processual, a ponto de enfermar de deficit intelectual e abundar em fantasias conceituais' (sic).
O Pleno, por acórdão de 10 de Julho seguinte, além de ordenar o envio de certidão de várias peças processuais à Ordem dos Advogados,
'para os efeitos tidos por convenientes', indeferiu a requerida reforma e condenou o requerente em taxa de justiça.
Para o efeito, entendeu aquele Tribunal ser inaplicável ao caso vertente o disposto no citado nº 2 do artigo 669º, resultante das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, uma vez que a decisão de que o recorrente reage foi proferida antes de 1 de Janeiro de
1997 - mais precisamente, a 9 de Fevereiro de 1993 - e que o nº 2 daquele artigo
669º constituiria uma das excepções à aplicação imediata do novo regime (cfr. artigo 25º do Decreto-Lei nº 329-A/95, na redacção do Decreto-Lei nº 180/96, de
25 de Setembro).
1.2. - Inconformado, interpôs o interessado recurso para o Tribunal Constitucional dos acórdãos do Pleno da 1ª Secção do STA, de 16 de Abril e de 10 de Julho de 1997, na medida em que, além de 'omitirem pronúncia sobre a problemática de outras inconstitucionalidades/ilegalidades oportunamente invocadas', recusam a aplicação da 'norma inovadora do artigo 669º - 2 – a) e b) do CPC', decisão surpresa que constitui violação do artigo 18º, nºs. 2 e 3, da Constituição da República (CR).
O recurso vem interposto ao abrigo das alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro e o Conselheiro relator admitiu-o em nome do princípio da economia processual, se bem que não abdicasse de observar parecer-lhe não haver fundamento sério para o mesmo, tratando-se de medida com o único objectivo de protelar o trânsito em julgado da decisão recorrida (despacho de fls. 732).
Já no Tribunal Constitucional - e até porque a decisão que admite o recurso não vincula, nos termos do nº 3 do artigo 76º da Lei nº
28/82 - proferiu-se despacho ao abrigo dos nºs. 1, 2 e 5 do artigo 75º-A do mesmo diploma, considerando a necessidade de se indicarem devidamente os requisitos do requerimento de interposição do recurso com vista à clarificação dos pressupostos do recurso de constitucionalidade, após o que, mediante a reacção do recorrente, teve-se por assente:
- quanto às invocadas alíneas b) e f) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82:
a) recorre-se dos acórdãos de 16 de Abril e de 10 de Julho de 1997;
b) estes acórdãos, 'na sua globalidade' (ou seja,
'conjuntamente com os acórdãos recorridos de 9/2/93 e de 30/11/93'), aplicaram
'a norma do artigo 52º da LPTA em conjugação com o artigo 715º do CPC, substituindo-se ao Tribunal recorrido, privando o recorrente de um grau de jurisdição e conhecendo da matéria sobre a qual não se tinha alegado definitivamente nem para o TAC Lx, nem para o STA, o que constitui uma interpretação inconstitucional das referidas normas, com violação expressa dos artigos 18º e 20º da Constituição' (sublinhados originais);
c) ocorreu, também, 'violação do princípio legal' segundo o qual 'o STA só pode conhecer de toda a matéria da impugnação do acto administrativo, desde que tivesse sido conhecida na sentença do TAC Lx.'.
- quanto à convocada alínea c) do nº 1 do artigo 70º, o STA, afirma-se, 'recusou-se a aplicar a norma inovadora do artigo 669º - 2 – a) e b) do CPC, o que consubstancia violação do artigo 18º - 2 – 3 da Lei Fundamental', recusa que 'não é equitativa e viola os direitos e garantias individuais do Advogado recorrente'.
2. - O relator entendeu, na altura, mandar notificar o recorrente para apresentar alegações, o que este fez, formulando as seguintes conclusões:
'Primeira Deverá julgar-se inconstitucional a norma do artº 52º da LPTA em conjugação com o artº 715º do CPC, na interpretação que lhe foi dada pelos Acórdãos recorridos, ou seja, que o STA Lx pode substituir-se ao TAC Lx, privando o recorrente de um grau de jurisdição e conhecendo de matéria sobre a qual não se tinha alegado definitivamente nas Instâncias, ao abrigo de tais disposições, por violação expressa dos artigos 18º e 20º/1/ da Constituição, isto é, com infracção dos princípios constitucionais do acesso à Justiça, da legalidade processual e do contraditório.
Segunda Deverá julgar-se inconstitucional a recusa por parte do STA Lx de aplicar a norma inovadora do artigo 669º/2/a/b/ do CPC ao Acórdão proferido em 16/4/97, por violação do disposto no artº 25º/1 do DL 329/A/95, aditado pelo artº 6º do DL 180/96, e no artº 18º/2/3 da lei Fundamental.
Terceira Consequentemente, deverá conceder-se provimento ao recurso e revogar os Acórdãos recorridos, que devem ser reformados de acordo com as decisões de inconstitucionalidade a proferir.'
Por sua vez, os recorridos Vereador do Pelouro do Pessoal e Presidente da Câmara Municipal de Sintra contra-alegaram, rematando do seguinte modo:
'1. Mesmo que se entenda que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas do artº 52º da LPTA em conjugação com o artigo
715º do CPC, na interpretação que lhe foi dada pelos acórdãos recorridos, por violação expressa dos artigos 18º e 20º1 da Constituição, não se vislumbra qualquer tipo de inconstitucionalidade.
Atendo o teor das normas constantes dos arts. 18º e 20º/1 da Constituição torna-se manifesto que o citado preceito da LPTA (art. 52º) e 715º do CPC se não pode perspectivar como podendo ferir aqueles normativos constitucionais.
2. Quanto à questão da inconstitucionalidade suscitado pelo recorrente, de
«recusa por parte do STA de aplicar a norma inovadora do art. 669º/2, a), b) do CPC, ao acórdão proferido em 16/4/97, por violação do disposto no artº 25º/1 do D.L. 329/A/95, aditado pelo art. 6º do D.L. nº 180/96, e no art. 18º/2/3 da Lei Fundamental», também não apresenta qualquer fundamento sério , visando tão-só o recorrente, com este recurso, como reconhecido no douto despacho que o admitiu, protelar o trânsito em julgado da decisão.'
Para os recorridos, não deverá conhecer-se do recurso, negando-se-lhe provimento se assim não for entendido.
Ouvido sobre a questão prévia do eventual não conhecimento do objecto do recurso - por falta de suscitação da questão de constitucionalidade das normas dos artigos 52º da LPTA e 715º do CPC e a não configuração destas como decisivas para o tribunal, a admitir-se que este as aplicou - o recorrente reitera o seu entendimento de que o recurso deve ser conhecido e provido.
Cumpre apreciar e decidir. II
1.1. - O recorrente, inconformado com o acórdão do STA, de 9 de Fevereiro de 1993, e com o que sobre este recaíu, relativo à arguição de nulidades do mesmo, de 30 de Novembro seguinte, recorreu para o Pleno com fundamento em oposição de acórdãos. No entanto - e como já se deixou registado - pelo acórdão de 16 de Abril de 1997 o tribunal pronunciou-se no sentido de dar por findo o recurso, dele não tomando conhecimento, por considerar inexistir oposição de julgados, dado não ter havido pronúncia expressa em sentido contrário sobre a mesma questão de direito.
Na tese do Pleno, para que haja oposição, torna-se necessário que os arestos invocados em oposição perfilhem expressamente solução contrária sobre a mesma questão fundamental de direito, não bastando sequer uma decisão implícita - de acordo com a jurisprudência pacífica, seja desse Pleno, como o ilustra o acórdão de 27 de Junho de 1995, publicado nos Acórdãos Doutrinais, nº 409, págs. 72 e segs., seja do Supremo Tribunal de Justiça, caso do acórdão de 11 de Novembro de 1988, no Boletim do Ministério da Justiça, nº
381, págs. 575 e segs.
Ora, não há, nos arestos recorridos - segundo o acórdão do Pleno - 'qualquer decisão expressa sobre se o não conhecimento pelo tribunal recorrido de determinada questão invocada pelo recorrente constitui ou não omissão de pronúncia, assim como não há nos mesmos decisão expressa quanto à aplicação do disposto no artigo 715º do CPC', não sendo exacta a afirmação do recorrente segundo a qual os acórdãos recorridos 'defendem uma tese precisamente contrária, aplicando conjuntamente os artigo 52º da LPTA e 715º do CPC'.
A esta luz, estando em causa a junção aos autos, por iniciativa do tribunal, de um determinado documento, sem que se tivesse notificado o ora recorrente para, querendo, apresentar as alegações complementares a que o artigo 52º da LPTA se refere, nos acórdãos de 1993 considerou-se não se estar perante uma hipótese de omissão de pronúncia, integrativa da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º CPC - 'pois não deixou o tribunal de se pronunciar sobre qualquer questão [...] submetida à sua apreciação, sendo certo que não deve o tribunal apreciar aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras' - encontrando-se esgotado o poder jurisdicional, assim como o interessado não concretizou factualmente a relevância a que alude o artigo 52º da LPTA que, assim, não foi desrespeitado. No acórdão fundamento, por sua vez, decidiu-se que o não conhecimento pelo tribunal a quo de uma invocada questão pelo recorrente constitui a nulidade, por omissão de pronúncia, prevista naquele artigo 668º, nº 1, alínea d), do CPC, devendo, em tal caso, baixar os autos àquele tribunal para conhecer da referida questão, não sendo de aplicar o disposto no artigo 715º do mesmo Código
(conhecimento imediato do objecto do recurso).
Perante este quadro, sustenta o recorrente que os acórdãos ora recorridos - de 1997 - constituem, conjuntamente com os de 1993, um bloco negativo que o contraria, adiantando que o STA, ao não admitir a oposição de acórdãos para efeitos de recurso, procedeu a uma aplicação da norma do artigo
52º da LPTA em conjugação com a do artigo 715º do CPC que privou o recorrente de um grau de jurisdição e conheceu de matéria sobre a qual não se tinha alegado definitivamente, assim violando o disposto nos artigos 18º e 20º da CR.
1.2. - Não assiste razão ao impugnante, neste ponto específico em que fundamenta o seu recurso na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82.
Respeitando esse fundamento ao controlo de decisões aplicativas de normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, e, por sua vez, tomando por bom estar em causa o complexo normativo constituído pelos artigos 52º da LPTA e 715º do CPC, na interpretação que lhe foi dada, há que concluir não se vislumbrar ofensa do disposto nos preceitos constitucionais dos artigos 20º e 18º, nem outros se vislumbrando como convocáveis.
Na verdade, o acórdão recorrido - o de 16 de Abril de
1997 - unicamente se pronunciou sobre a questão de natureza processual relativa ao fundamento do recurso de oposição de julgados, de indispensável verificação para viabilizar a marcha do recurso para o tribunal pleno. E, a este propósito, escreveu-se concludente e inequivocamente nesse aresto bastar a inexistência de pronúncia expressa de um dos arestos - o que se deu por assente - para que não haja oposição de julgados, assim acordando os juízes em dar por findo o recurso.
Assim, uma vez que, nesse aresto, o Pleno se limitou a apreciar, no plano meramente adjectivo, a questão preliminar relativa à verificação de oposição de julgados, não pode conhecer-se do recurso por inverificação de um dos indispensáveis pressupostos de admissibilidade do recurso - o da aplicação da norma impugnada na decisão recorrida como sua causa decidendi.
2.1. - Sustenta ainda o recorrente, em segundo momento, que o tribunal a quo, no acórdão de 10 de Julho de 1997, recusou aplicar a norma do artigo 669º do CPC, na sua nova redacção, ao caso vertente, não obstante ter sido requerida a reforma dos autos ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 2 desse normativo.
A seu ver, semelhante decisão configura, por um lado, o fundamento de recurso enunciado na alínea c) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - recusa de aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado - e, por outro lado, o fundamento da alínea f) do nº 1 do mesmo preceito - aplicação de norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com base naquela alínea c).
2.2. - É manifestamente infundada esta alegação - independentemente do que poderia ser observado em matéria de pressupostos de admissibilidade do recurso.
Com efeito, pressupõe essa tese uma lei com valor reforçado que, mesmo na leitura do texto constitucional à luz da última revisão, não se descortina. Não só não está em causa nenhuma das leis como tais elencadas nesse texto, como a natureza adjectiva das normas impugnadas e os diplomas em que se inserem perfilam-se equiordenadamente, neles não se surpreendendo a matriz de valor reforçado.
III
Em face do exposto, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do recurso. Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Beleza Messias Bento José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida