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Proc. nº 644/99
1ª Secção Relator: Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam no Tribunal Constitucional:
1. - A Câmara Municipal de Vila Franca do Campo vem reclamar para a conferência da decisão sumária do relator, proferida neste Tribunal, em 3 de Novembro de
1999, que decidiu não admitir o recurso de constitucionalidade que interpusera da decisão do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo de 6 de Julho do mesmo ano. Por esta última decisão foi indeferida reclamação contra despacho de não admissão de recurso jurisdicional que aquela Câmara Municipal pretendera interpor para o STA, proferido pelo Sr. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, em processo em que aquela Câmara era entidade recorrida. Concluindo os articulados da reclamação que apresenta, a Câmara Municipal vem dizer o seguinte: a. O Tribunal Constitucional deve conhecer o presente recurso; b. Não falta ao presente recurso o pressuposto processual na medida em que a decisão do Tribunal Constitucional é útil para boa decisão nos autos; c. O artigo 4º do Decreto-Lei nº 134/98, de 15 de Maio não estende o regime da urgência aos recursos jurisdicionais, os quais seguem a tramitação prevista na LPTA; d. Mas ainda que assim não fosse, os recursos jurisdicionais apenas teriam carácter urgente por força do disposto no artigo 4º do Decreto-Lei nº 134/98, de
15 de Maio, cuja constitucionalidade é posta em crise no presente recurso; e. Pelo que a douta decisão que decidiu não conhecer do recurso utilizou como fundamento para a falta de interesse processual precisamente norma do diploma cuja constitucionalidade é posta em crise; f. A qual e só a qual atribui carácter urgente ao recurso.'
2. – Importa analisar os termos da reclamação apresentada em ordem a decidir se a decisão é ou não de manter, mas desde já se refira que a mesma não poderá proceder se vier a verificar-se que se pretende indicar como objecto do recurso, pela primeira vez, determinada norma, anteriormente não questionada. Na verdade, da leitura das alíneas d) e e) das conclusões da reclamação, retira-se agora com alguma segurança que a recorrente pretende ver apreciada a conformidade com a Constituição do nº 4 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 134/98, de 15 de Maio, na medida em que o mesmo qualifica como urgentes os recursos em causa. Inserida em diploma governativo que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro, sobre procedimentos a adoptar em matéria de recursos no âmbito da celebração de contratos de direito público de obras, de prestação de serviços e de fornecimento de bens, depois de no nº 1 do artigo ter sido mandado aplicar a esses recursos o disposto no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e na Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, a norma constante do nº 4 estabelece que os mesmos recursos 'têm carácter urgente...', fixando-se depois na alínea c) o prazo de cinco dias, como regra geral para os actos não especificados nas duas alíneas anteriores. Nas alegações para a 1ª Secção do STA, a recorrente referira que 'a douta decisão objecto do presente recurso aplicou norma organicamente inconstitucional', reportando porém o desenvolvimento da sua argumentação ao Decreto-Lei na sua globalidade, conforme se torna patente nas conclusões 5 e 6 – regulando matéria relativa aos direitos liberdades e garantias, o diploma editado pelo Governo sem invocação de autorização legislativa violaria a alínea b) do nº 1 do artigo 165º da Constituição. Na segunda linha de argumentação que adoptou visou sustentar a não aplicabilidade do mesmo Decreto-Lei aos recursos jurisdicionais. Nem nas conclusões nem nos desenvolvimentos prévios, distribuídos por duas epígrafes, 'II – DA APLICAÇÃO DE NORMA ORGANICAMENTE INCONSTITUCIONAL' e 'III – DA NÃO APLICABILIDADE DO DECRETO-LEI Nº 134/98 AOS RECURSOS JURISDICIONAIS' em que mencionou uma ou outra disposição do diploma, apontou o referido nº 4 do artigo 4º, nem muito menos evidenciou ou questionou o seu conteúdo normativo, como lhe era exigível que o tivesse feito. A decisão recorrida do Presidente do STA movimentou-se dentro dos parâmetros assim definidos pelos termos da interposição do recurso. Isto é, apreciou a tempestividade do recurso, que não fora admitido por ter sido julgado deserto por falta de alegações, em resultado do decurso do prazo legalmente fixado, e não teve de curar da qualificação do mesmo como «urgente» porque a mesma não tinha sido suscitada, nem muito menos da questão da constitucionalidade da norma qualificadora. A decisão centrou-se assim na 'questão de saber se os prazos previstos nas alíneas a) a c) do nº 4 do artigo 4º desse diploma são ou não aplicáveis, também, aos recursos jurisdicionais nos processos urgentes.'. Apoiando-se em jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de que o nº 4 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 134/98 não alterara, quanto aos recursos jurisdicionais, as regras processuais da LPTA relativas aos processos urgentes, daí retirou que 'o prazo para a interposição dese recurso será então, não de cinco, mas de dez dias'e, a final, concluiu da seguinte forma: 'quer se entenda como aplicável ao referenciado recurso jurisdicional o regime de prazos do DL nº 134/98, de 15 de Maio, quer se conclua pelo referido regime previsto na LPTA, tal requerimento de interposição de recurso sempre seria extemporâneo'.
3. - Neste Tribunal, para decidir como decidiu, e face aos elementos trazidos aos autos, entendeu o relator que 'a decisão recorrida assentou claramente em dois fundamentos, ou mais exactamente, num fundamento alternativo: quer se entenda aplicável o prazo fixado no diploma de 98 quer se considere que deve ser aplicado o regime da LPTA, a conclusão seria sempre a mesma, segundo a decisão recorrida – o requerimento do recurso é intempestivo'; e, logo depois: 'sendo assim, é manifesto que o recurso de constitucionalidade, atento o carácter instrumental deste recurso, é inútil, pois qualquer que seja a decisão sobre a questão de constitucionalidade, a decisão proferida não será alterada, uma vez que sempre se manterá o seu fundamento alternativo. ....falta o pressuposto da existência de interesse processual, pelo que não se pode conhecer do presente recurso...'. Ora bem, resulta da descrição a que se procedeu que 'durante o processo', conforme exigência da alínea b) do nº 1 do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, não foi posta em causa a qualificação como urgente do recurso, nem foi minimamente questionada a constitucionalidade da norma que procedeu a essa qualificação. O despacho reclamado, tendo assumido como objecto o conteúdo decisório da decisão recorrida, não incorre em censura, aliás nem sequer é atacado na sua substância. A recorrente só na presente reclamação individualiza e identifica, uma questão de constitucionalidade reportada a uma concreta norma. O que procura com a reclamação é a admissão do recurso de constitucionalidade com um fundamento e objecto que define demasiado tarde, tendo tido oportunidade de proceder atempadamente. É de recordar que desde sempre o Tribunal Constitucional, em jurisprudência uniforme, vem entendendo que a questão de constitucionalidade, salvo situações excepcionais que aqui não se verificaram, não pode ser suscitada no momento da interposição do recurso nem ainda menos em momento posterior. Uma outra observação a respeito da alínea c) das conclusões da reclamação: não cabe nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional sindicar as decisões dos outros tribunais quanto à determinação do direito aplicável, designadamente, não lhe competirá dizer se o regime de urgência dos recursos do artigo 4º do Decreto-Lei nº 134/98 é ou não o da LPTA, isto para além de se tratar de problema que, como resulta dos termos da decisão recorrida, é irrelevante para efeitos de admissibilidade do recurso jurisdicional, isto é, de recurso de decisão do Tribunal de Círculo para o Supremo Tribunal Administrativo.
4. - Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação. Lisboa, 23 de Fevereiro de 2000 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida