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Procº nº 257/99.
2ª Secção. Relator: BRAVO SERRA
I
1. Por despacho de 7 de Março de 1997, proferido pelo Juiz do 5º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, não foram, por entre outros, pronunciados os arguidos Licª R. P., Licª N. P., Licª M. R. e Licº M. G., relativamente à indicária prática de factos que, por acusação que contra os mesmos foi formulada pelo Ministério Público, foi subsumida ao cometimento, em co-autoria, de um crime previsto e punível pelos números 1 e 2 do artº 270º do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 29 de Setembro, atenta a sua versão originária.
Dessa decisão recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa o Ministério Público e as assistentes M. A. e M. C..
Na resposta às motivações dos recursos, as arguidas Licª M. R., Licª N. P. e Licª R. P. não suscitaram qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por parte de norma ou normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional.
2. A dada altura, e quando o processo já corria os «vistos» dos Desembargadores Adjuntos, uma outra arguida, F. C., fez juntar aos autos um requerimento por intermédio do qual solicitou que viesse a ser declarado prescrito o procedimento criminal contra si instaurado.
Nesse requerimento, pode ler-se, em dados passos, após terem sido citados os acórdãos de uniformização de jurisprudência proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em 20 de Julho e 12 de Novembro de 1998 e as datas da indiciária ocorrência dos factos imputados:-
'.......................................................................................................................................................................................................................................... Ora, tendo em conta o douto Assento do ST de 12.11.98, não ocorreu, até à presente data, qualquer interrupção do prazo da prescrição do procedimento criminal, das previstas no artigo 120º do Código Penal em vigor até à entrada em vigor das alterações ao Código Penal introduzidas pelo D.L. Nº 48/95, de 15 de Março.
6. E não se objecte que a requerente foi ouvida pelo Exmº juiz de Instrução em
28.11.96, 09.12.96 e 16.12.96. Tal objecção não teria o mínimo fundamento, por três razões, qualquer delas decisiva: em primeiro lugar, tais declarações tiveram lugar na vigência da actual redacção do artº 120º do C. Penal, que não contempla as declarações dos arguidos, nem a notificação para declarações como causas de interrupção do procedimento criminal; em segundo lugar, na própria vigência da lei anterior, o facto interruptivo era
‘a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução preparatória’. Ora, a actual ‘Instrução’ não é a ‘Instrução Preparatória’ referida no preceito. Nem existe qualquer analogia entre a ‘Instrução Preparatória’ prevista no Código de Processo Penal anterior a 1987 com a actual ‘Instrução’. A primeira era o equivalente ao actual Inquérito, embora presidida pelo juiz de Instrução; a actual ‘Instrução’ é o equivalente à anterior Instrução Contraditória. A aplicação ao presente caso do disposto na alínea a) do Nº 1 do artº 120º, na redacção anterior a 1995, seria, em qualquer caso, vedada pelo artº 1º do Código Penal e seria inconstitucional por violação do disposto no artº 29º Nº 1 da C.R.P.
............................................................................................................................................................................................................................................
7. A eventual aplicação, à notificação para declarações e a tomada de declarações dos arguidos na fase da Instrução, actualmente prevista no Código de Processo Penal do disposto na alínea a) do Nº 1 do artº 120º do Código Penal anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Dec-Lei Nº 48/95, tornaria o preceito aplicado inconstitucional, por violação do princípio da tipicidade, decorrente do princípio da legalidade, exigências do Estado de Direito e, designadamente, por violação dos artigos 2º, 3º Nº 2, 9º alínea b),
27º Nº 1 e 29º Nº 1, todos da C.R.P.
..........................................................................................................................................................................................................................................'
3. Na Relação de Lisboa, por acórdão de 18 de Novembro de 1998, foi decidido, no que agora importa, que o despacho de não pronúncia fosse substituído por outro que, recebendo o requerimento de acusação formulado pelo Ministério Público, pronunciasse os arguidos (relevam, no vertente recurso, tão só os acima indicados e que figuram como recorrentes no presente processo pendente por este Tribunal).
Nesse aresto foi, em determinado ponto e sob o ponto de vista de questão prévia a decidir suscitada oficiosamente, concluído que - muito embora se devesse entender que 'a notificação do arguido para as primeiras declarações no inquérito, em processo comum, não produz o efeito de interromper a contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, nos termos do artº 120º, nº 1, al. a) do C. Penal de 82, versão original', não sendo, pois, 'possível equiparar-se a instrução preparatória (CPP de 1992) ao inquérito (CPP de 1987),
- 'numa interpretação actualista deste preceito, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução, visto esta fase processual ser dirigida por um Juiz', razão pela qual, tendo em conta que os factos cujo cometimento era assacado aos arguidos se situavam entre 18 de Junho de 1986 e 24 de Fevereiro de 1987 (ao que tudo indica, por lapso, no acórdão refere-se '24.2.97') e que os denunciados foram constituídos arguidos e interrogados em instrução entre 26 de Abril de 1995 e 25 de Novembro de 1996, foi decidido que o respectivo procedimento criminal se não encontrava prescrito.
4. Do acórdão de 18 de Novembro de 1998 recorreram para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, fundados na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, os arguidos Licª M. R., Licª N. P., Licª R. P., Licª M. T. e Licº M. G..
Os primeira, segunda, terceira e quinto arguidos circunscreveram o objecto dos seus recursos à norma constante da alínea a) do nº 1 do artº 120º da versão originária do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, na interpretação perfilhada no acórdão recorrido.
Os recursos atinentes a estes impugnantes foram, por despacho de 2 de Fevereiro de 1999 e sem que, quanto a eles, se fizessem quaisquer considerações, admitidos pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa.
A quarta arguida - Licª M. T. -, por seu turno, elegeu como objecto da pretendida impugnação as seguintes normas, todas do Código de Processo Penal:-
- artigos 416º e 417º, 'com a interpretação com que foi implicitamente aplicada na decisão recorrida';
- artº 308º, números 1 e 2, este último conjugado com o nº 2 do artº
283º, 'segundo a interpretação que foi dada a estas normas pela decisão recorrida';
- artigos 399º, 402º, nº 1, 428º, nº 1, e 97º, nº 4, º, 'segundo a interpretação que foi dada a estas normas pela decisão recorrida'.
O recurso por si interposto foi igualmente admitido pelo despacho acima referido, conquanto a admissão fosse acompanhada por determinada corte de considerações.
4.1. Os arguidos Licª M. R., Licª N. P., Licº M. G., e Licª R. P., invocaram, em síntese, que, conquanto não tivessem, antes da prolação do acórdão ora impugnado, suscitado a desconformidade constitucional da norma constante da alínea a) do nº 1 do artº 120º do Código Penal na dimensão interpretativa que lhe foi dada naquele aresto, o que era certo é que com essa interpretação não deveriam ter contado, motivo pelo qual a mesma se lhes apresenta como inesperada, surpreendente ou imprevisível.
E, a mais dessa invocação, ainda as arguidas Licª M. R. e Licª R. P. defenderam que, como uma outra arguida, a já mencionada F. C., tinha, previamente à prolação do acórdão da Relação de Lisboa, suscitado a questão de inconstitucionalidade da alínea a) do nº 1 do artº 120º do Código Penal, quando interpretada no sentido como o foi naquele aresto, haver-se- -ia de entender que, como o recurso por esta interposto aproveitava aos demais interessados, nada obstaria ao conhecimento, por este Tribunal, de tal questão.
Por despacho do relator de 21 de Maio de 1999 (fls. 18.678 a
18.689), foi determinado que os arguidos Licª M. R., Licª N. P., Licª R. P. e Licº M. G. efectuassem a produção de alegações.
Para tanto, invocou-se, a dado passo, nesse despacho:-
'..........................................................................................................................................................................................................................................
Para além desta invocação, que em síntese, acima se referiu, as arguidas Licª M. R. e Licª R. P. ainda sustentaram que, como uma outra arguida, a já mencionada Licª F. C., tinha, previamente ao proferimento do acórdão sub specie, suscitado a questão de inconstitucionalidade da norma em apreço, quando interpretada no sentido como o foi naquele aresto, sempre se poderia defender que, como o recurso por esta interposto aproveita aos demais interessados, nada obstaria ao conhecimento, por este Tribunal, de tal questão.
Tocantemente a este particular, torna-se claro não poder essa sustentação lograr acolhimento.
Na verdade, a arguida Licª F. C. não figura como impugnante para o Tribunal Constitucional do acórdão tirado na Relação de Lisboa e, logo por aí, não seria cabível a aplicação do que se prescreve no nº 3 do artº 74º da Lei nº
28/82 (note-se que, no Acórdão deste Tribunal nº 184/98, publicado na 2ª Série do Diário da República de 21 de Maio de 1996, a situação se apresentava em moldes muito diversos, porquanto quem - de harmonia com o entendimento deste
órgão de administração de justiça - logrou, antes da prolação da decisão judicial então recorrida, suscitar, de modo claro e adequado, a questão de inconstitucionalidade, assumiu também a posição de recorrente para o Tribunal Constitucional, de onde se ter concluído que essa sua impugnação aproveitava aos restantes recorrentes que, porventura, não efectivaram ou a suscitação ou, ao menos, a suscitação naqueles moldes).
5.1.1. Afastado este fundamento de justificação da interposição do recurso, não obstante não ter sido anteriormente equacionada a inconstitucionalidade da norma em causa, impor-se-á saber se, in casu, esse ónus seria dispensável.
A resposta a uma tal questão deverá perspectivar-se como afirmativa.
Na verdade, é necessário não olvidar que o recurso do despacho de não pronúncia - despacho esse favorável aos que ali figuravam como arguidos e aqui se postam como recorrentes - foi interposto pelo Ministério Público e pelos assistentes, não tendo sido por estes, na motivação do recurso, dado qualquer enfoque à questão de uma eventual prescrição do procedimento criminal.
Por seu turno, em face da favorabilidade que para si representava o despacho que, na ocasião, foi impugnado pelos representante da acusação e auxiliares deste, não se afigura que, de um ponto de vista de estratégia de defesa, fosse exigível aos arguidos, para além de contraditarem os pontos de vista dos então recorrentes, o equacionamento de qualquer outra questão, designadamente tercendo armas pela ocorrência da prescrição do procedimento criminal que contra si foi instaurado.
Colocando-se a questão nestes termos, há, ainda, que não olvidar que a matéria em apreço - tocante à questão de saber se teria, ou não, operado a prescrição - foi, no acórdão sub iudicio, tratada na óptica de uma questão prévia de conhecimento ou suscitação oficiosa. E, justamente, a propósito desse tratamento, foi, como deflui da transcrição supra efectuada, concluído que o procedimento criminal dos então arguidos não tinha ocorrido, conclusão que se arrimou numa interpretação da norma contida na alínea a) do nº 1 do artº 120º da versão originária do Código Penal de 1982 que, agora, é questionada, do ponto de vista da sua compatibilidade com o Diploma Básico, pelos recorrentes Licª M. R., Licª N. P., Licº M. G. e Licª R. P..
Anote-se, ainda, que aquela interpretação é algo que não tem sido liquidamente sufragado pela jurisprudência dos nossos tribunais da ordem dos tribunais judiciais, pelo sempre se poderá dizer que a mesma não constitui um dado com que os operadores jurídicos, inequivocamente, contem.
Neste contexto, e não passando em claro a jurisprudência que, no ponto, tem sido seguida por este Tribunal - e que, por consabida, se tornaria dispiciendo estar aqui a citar, ainda que a título exemplificativo -, é de aceitar que, na vertente situação, é dispensável a exigência, dirigida aos recorrentes imediatamente acima referenciados, do ónus da prévia suscitação da inconstitucionalidade da norma ínsita na alínea a) do nº 1 do artº 120º da versão originária do Código Penal, quando interpretada no sentido de que se interrompe o prazo prescricional a partir da notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução prevista no Código de Processo Penal de 1987, sendo de notar que, de harmonia com o que se dispõe nas combinadas disposições do nº 3 do artº 74º da Lei nº 28/82 e 402º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Penal, o recurso tocante a tal norma aproveitará à arguida Licª M. T..
5.1.2. Esta dimensão interpretativa, nos exactos termos acima indicados, ainda não foi objecto de apreciação por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, já que o preceito em questão - a alínea a) do nº 1 do artº 120º do Código Penal - foi, isso sim, sujeito a análise por banda deste Tribunal, mas numa outra interpretação, qual seja a de que a interrupção do prazo prescricional se verifica a partir da notificação para as primeiras declarações do arguido na fase do inquérito (cfr. Acórdãos números 205/99 e 285/99, nos quais esta última dimensão interpretativa foi julgado inconstitucional por violação dos números 1 e 3 do artigo 29º da Lei Fundamental).
De onde, e independentemente de saber agora se os argumentos carreados aos citados Acórdãos se poderiam, ou não, sem mais, transpor para o analisando problema, se não justificar, lançando mão do prescrito no nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, a prolação de decisão sumária, com base, precisamente, nas decisões tiradas por aqueles Acórdãos.
Impõe-se, em consequência, determinar, como se determina, a notificação dos recorrentes Licª M. R., Licª N. P., Licº M. G. e Licª R. P. e dos recorridos Ministério Público e assistentes M. A. e M. C., para a produção de alegações.
.........................................................................................................................................................................................................................................'
4.2. No que concerne ao recurso da Licª M. T., por despacho do relator datado de 21 de Junho de 1999 (fls. 18.719 a 18.726), foi decidido não se tomar conhecimento dessa impugnação, decisão que foi reclamada nos termos do disposto no nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, sendo que tal reclamação veio a ser indeferida por intermédio do Acórdão nº 612/99.
5. Curar-se-á, assim, no vertente aresto, dos recursos da Licª M. R., da Licª N. P., do Licº M. G. e da Licª R. P. que, como se viu, têm por objecto aferir da conformidade constitucional da norma que se contem na alínea a) do nº 1 do artº 120º da versão originária do Código Penal, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se interrompe com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução.
Remataram os indicados recorrentes as suas alegações do seguinte modo:-
A recorrente Licª M. R.:
'...a interpretação e aplicação efectuada pelo aliás Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, à notificação para as declarações e a tomada de declarações da arguida (Recorrente) na fase de Instrução, actualmente prevista no Código de Processo Penal, do disposto na alínea a) do nº 1 do artº 120º do Código Penal anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Dec-Lei nº 49/95 torna o indicado preceito legal inconstitucional por violação do princípio da «tipicidade», decorrente do princípio da legalidade, basilar do Estado de Direito, e nomeadamente pela violação dos artºs 2º, 3º, nº 2, 9º alínea b), 27 nº 1 e 29 nº 1 todos da Constituição da Republica Portuguesa.
Assim como a aplicação às notificações dos arguidos para prestarem declarações em Instrução, ocorridas em 1996, da norma do artº 121º do Cód. Penal, revogada pelo Dec-Lei nº 48/95, em vez da norma em vigor à data dessas notificações, torna o preceito aplicado inconstitucional, por clara violação dos nºs 1 e 4 do artº 29º do mesmo diploma fundamental'.
A recorrente Licª N. P.:
'1ª. O douto acórdão recorrido, aplicando e interpretando, como fez, o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 120º do Código Penal de 1982, no sentido de considerar a instrução preparatória como equivalente à actual instrução, fez aplicação inconstitucional de tal preceito, por violação do disposto nos artigos 2º, 3º, nº 2, 9º, alínea b), e 29º, nºs 1 e 3, todos da Constituição da República Portuguesa;
2ª. Deve, em consequência, ser julgada inconstitucional, por violação dos artigos 2º, 3º, nº 2, 9º, alínea b), e 29º, nºs 1 e 3, todos da Constituição da República Portuguesa, a norma ínsita na alínea a) do nº 1 do artigo 120º da versão originária do Código Penal, quando interpretada no sentido em que o fez o acórdão recorrido, isto é, no sentido de que se interrompe o prazo prescricional a partir da notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução prevista no Código de Processo Penal de 1987'.
O recorrente Licº M. G.:
'1ª O Tribunal da Relação de Lisboa, apreciando oficiosamente a questão da prescrição do procedimento criminal, interpretou a norma constante do art. 120º, n.º 1, al. a) do CP/1982, qualificando tal interpretação como actualista, fixando-lhe os seguintes sentido e alcance: ‘(...) a prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução, visto esta fase processual ser dirigida por um Juiz (art. 288º do CPP).’.
2ª Do mesmo passo, veio a aplicar tal norma, com o assinalado sentido interpretativo, a factos ocorridos já após a cessação da vigência desta (o interrogatório dos arguidos em instrução), negando a aplicação do regime constante do CP/1995, a essa data vigente, por entender ser este concretamente desfavorável e insusceptível de aplicação retroactiva.
3ª Concluindo, assim, pela não verificação da prescrição do procedimento criminal.
4ª A questão de constitucionalidade colocada ao Tribunal reveste-se de duas vertentes: a norma do 120º, n.º 1 al. a) do CP/1982, na interpretação que dela é feita no Aresto recorrido, na sua conformidade com o art. 29º, nrs. 1 e 3 da CRP; por outro lado, a conjugação daquela norma com o art. 2º, n.º 4,
(parte final) do CP, com o sentido interpretativo que lhes é conferido, na sua conformidade com o art. 29, n.º 4 (parte final) da CRP.
5ª A questão suscitada, em ambas as vertentes, configura-se como verdadeira e própria questão de constitucionalidade normativa, submetida ao controlo do Tribunal Constitucional.
6ª Sendo diverso o sentido interpretativo da norma ora em apreciação, a questão de constitucionalidade que a mesma importa é análoga, nos seus pressupostos e fundamentos, às questões já apreciadas e decididas nos Acordãos nrs. 205/99 e 222/98 do Tribunal Constitucional.
7ª O problema traduzir-se-á em saber se a interpretação propugnada na decisão recorrida se circunscreve, ou não, ao teor literal da norma em causa, encarado na máxima extensão das suas possibilidades interpretativas;
8ª ou se, pelo contrário, tal interpretação não constituirá ‘uma dimensão normativa que pressupõe uma ponderação constitutiva de soluções jurídicas, pelo intérprete, com implicação na configuração das consequências jurídicas do crime’ (cfr. Acordão n.º 205/99, p. 14), violando, nestes termos, o art. 29º, nrs. 1 e 3 da CRP.
9ª Não é possível equiparar-se a actual instrução à instrução preparatória consagrada no pretérito processo criminal. Esta fase corresponderia, na sua natureza e finalidades, ao actual inquérito.
10ª Sendo presentemente sempre de carácter facultativo, a instrução, quando requerida pelo arguido, assume dimensão garantística, integrando-se nos direitos de defesa legal e constitucionalmente consagrados.
11ª Por esta razão, sempre constituirá uma incongruência valorativa pretender atribuir a actos que ocorram nesta fase processual eficácia interruptiva da prescrição.
12ª A interpretação do art. 120º, n.º 1, al. a) do CP/1982, propugnada na decisão recorrida, exorbita o máximo sentido admitido pelo teor literal daquela norma, incorrendo, ademais, na referida incongruência valorativa, pelo que, forçoso será considerar aquela interpretação inconstitucional, por violação do art. 29º, nrs. 1 e da CRP.
13ª A decisão recorrida, interpretando o art. 2º, n.º 4, (2ª parte), em conjugação com o art. 120º, n.º 1, al. a), do CP/1982, aplicou esta última norma a factos ocorridos após a cessação da sua vigência (os interrogatórios dos arguidos em instrução).
14ª Um tal critério decisório teve como consequência a consideração de factos interruptivos da prescrição que, no momento em que se verificaram, não eram já como tal qualificados pela lei vigente (CP/1995).
15ª Esse resultado sempre será de considerar inconstitucional, por violação do art. 29º, n.º 4 da CRP, que consagra em matéria de sucessão de leis penais o princípio do tratamento mais favorável ao arguido'.
A recorrente Licª R. P.:
'1 - Nos termos do disposto no artigo 29º/4 da Constituição da República Portuguesa, deve aplicar-se retroactivamente a lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido;
2 - O que impede, outrossim, a aplicação de leis penais que, à data dos factos, já se não encontrem em vigor, excepto, precisamente, se forem de conteúdo mais favorável ao arguido, confrontados os regimes em causa (Vd. artigo 29º/1 da C.R.P.);
3 - No caso vertente foi aplicada à recorrente e aos restantes arguidos, o regime jurídico de interrupção da prescrição, constante da redacção originária do Código Penal de 1982, ‘maxime’ o disposto no artigo 120/1a);
4 - Por isso se considerou como facto interruptivo da contagem do prazo prescricional, a prestação de declarações por parte da recorrente, e dos restantes arguidos, na fase de instrução; Porém:
5 - Quando a recorrente e os restantes arguidos prestaram essas declarações, já havia sido revogada a norma citada (artigo 120º/1/1) do C.P., face á entrada em vigor, em 1 de Outubro de 1995, da nova redacção dessa diploma, emergente da Lei nº 48/95, de 15 de Março;
6 - A aplicação dessa norma, nos termos em que foi efectuada pelo douto Tribunal da Relação de Lisboa, quando já se encontrava revogada, viola o disposto nos números 1 e 4, do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa;
7 - À data da prestação dessas declarações, já as mesmas não se consideravam como causa interruptiva da contagem do prazo prescricional. Aliás:
8 - Como se deixou exposto, em caso algum as declarações prestadas em sede de instrução, poderiam interromper a prescrição, face à ausência de paralelismo entre a instrução actual e a instrução preparatória.
9 - As leis penais incriminadoras, e outras de conteúdo substantivo, não admitem interpretação extensiva, ou analógica.
10 - Face à sucessão das leis no tempo, só relativamente aos factos ocorridos a partir de 1 de Outubro de 1995 se pode proceder à confrontação dos dois regimes jurídicos, que prevêm a interrupção da prescrição'.
De seu lado, o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu a sua alegação dizendo:-
'1º - Ao aplicar, na situação dos autos, a norma constante do artigo
120º, nº 1, alínea a) do Código Penal de 1982 - interpretada como conferindo virtualidade interruptiva da prescrição do procedimento criminal ao interrogatório do arguido pelo juiz, no âmbito da actual fase de instrução - ponderou expressamente o Tribunal que tal regime é mais favorável aos arguidos, por lhes ser obviamente mais desfavorável a aplicação do regime estabelecido em
1995, para a interrupção da prescrição, e que veio conferir eficácia interruptiva a actos que necessariamente precedem o interrogatório no decurso da instrução, pelo que manifestamente não ocorreu violação do princípio consignado no artigo 29º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa.
2º - A interpretação feita na decisão recorrida - e que se traduziu em abandonar ou ‘deixar cair’ - considerando-o precludido em consequência da tramitação do processo penal - o qualificativo de ‘preparatória’, que o Código Penal de 1982 utilizava para referenciar a instrução que precedia a acusação, não traduz interpretação inovatóriamente actualizante da lei, baseada em raciocínios analógicos, susceptíveis de implicarem opções constitutivas reservadas ao legislador.
3º - Na verdade, não existe entre a antiga ‘instrução preparatória’ e a actual ‘instrução’ - apesar das diferentes funções procedimentais cometidas a uma e outra - qualquer essencial e estrutural diversidade ou heterogeneidade, que impeça o intérprete de proceder a uma determinação do sentido actual de tal conceito, sem que tal implique conversão de conceitos por natureza irredutíveis.
4º - Como se infere do disposto no artigo 32º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, existe uma essencial e estrutural diferenciação entre toda e qualquer instrução (seja qual for a modalidade e função procedimental por ela desempenhada) e as restantes fases ‘preliminares’ do processo penal
(‘maxime’ o inquérito), assentando o núcleo essencial do conceito de instrução na entidade competente para a dirigir e realizar, por estar a mesma imperativamente submetida à direcção de um órgão jurisdicional (o que, desde logo, lhe confere, em todos os casos, uma evidente dimensão garantística).
5º - Se o interrogatório, realizado pelo juiz no âmbito da instrução preparatória, se configurava como idóneo para interromper o prazo prescricional em curso, é evidente que, por maioria de razão, deve tal interrogatório - do arguido/acusado - levado a cabo no decurso da actual fase de instrução, ter - pela sua relevância acrescida, face aos valores e interesses subjacentes ao instituto da prescrição do procedimento criminal - idoneidade para produzir efeito interruptivo, por tal acto ocorrer numa fase mais avançada do processo, em que estão já concretizadas as suspeitas do cometimento da infracção e exercida a acção penal pelo órgão competente.
6º - Termos em que deverão ser julgados improcedentes os recursos interpostos, confirmando-se inteiramente o juízo de não inconstitucionalidade da interpretação normativa realizada na decisão recorrida'.
As assistentes M. C. e M. A. finalizaram a sua alegação escrevendo:
'1 - A decisão recorrida está jurídico-constitucionalmente correcta.
2 - A finalidade com que o arguido requer a instrução não é desvirtuada pelo facto de a sua audição pelo JIC ter eficácia interruptiva do prazo prescricional.
3 - A prescrição do procedimento criminal traduz, não um direito do arguido mas a renúncia do Estado ao seu ius puniendi, face ao decurso do tempo.
4 - No processo em causa tiveram lugar acontecimentos processuais que nos indicam seguramente que o Estado não renunciou ao seu ius puniendi, não se desinteressou do exercício da acção penal, afirmando a sua pretensão punitiva e gerando a interrupção do prazo prescricional.
5 - Com a notificação do despacho de pronúncia aos arguidos em 29/9/95, interrompeu-se a prescrição do procedimento criminal, tendo tal interrupção efeito de natureza substantiva, que perdura no tempo com o único limite do nº 3 do artº 120º do CP82.
6 - A caducidade dos efeitos da pronúncia, quando haja lugar a instrução, compreende apenas os efeitos processuais decorrentes daquela, mas não os de natureza substantiva como a interrupção da prescrição resultante da notificação da pronúncia. Como se tira, entre outros, do Ac. da Rel de Lisboa, de 14/2/90, in C.J., Ano XV, t. I, pag. 186.
7 - Além de que, há que atender-se que ao crime dos autos é um crime de perigo não sendo a produção de certo resultado integrativa do tipo penal. A contaminação, a passagem de seropositividade assintomática a seropositividade sintomática, a morte por Sida, compõem resultado relevante mas não compreendido no tipo legal de crime em concreto.
8 - Quando a produção de certo resultado não faz parte do tipo objectivo de crime, o prazo de prescrição só corre a partir do dia em o resultado se verifique. Como se alcança face ao normativo insíto no nº 4 do artº 118º do CP82/119º/4CP95.
9 - Assim, o procedimento criminal não estaria, ainda, prescrito quer face ao CP original quer face ao CP revisto.
10 - Inquérito e instrução preparatória não se equiparam, porquanto - isso, muito embora representasse uma interpretação actualista do artº 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal de 1982 -, tal interpretação seria inconstitucional em função do artigo 32º, nº 4, do diploma fundamental.
11 - Sendo que a instrução preparatória, para efeitos de interrupção do prazo prescricional do procedimento criminal corresponde necessáriamente à instrução do CPP, dado que quer numa, como na outra, quem preside é o Juiz,...
12 - O disposto na alínea a) do nº 1 do artº 120ºCP/82 deve ser interpretado no sentido de que a notificação para as primeiras declarações , comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução dirigida pelo juiz, tem eficácia interruptiva da prescrição do procedimento criminal. Como se alcança do Ac. de 12/2/97, STJ.
13 - O Colectivo recorrido aplicou a lei adequada ao caso, isto é a lei vigente
à data dos factos de que os arguidos são acusados, seja, o CP82, cuja aplicação só não teria lugar se a lei revista que lhe sucedeu fosse, em bloco e concretamente, mais favorável aqueles.
14 - Por conseguinte, a notificação para declarações dos arguidos perante o JIC interrompeu a prescrição do procedimento criminal e,
15 - Logo, o procedimento criminal não se encontra prescrito.
16 - A prescrição do procedimento criminal só ocorrerá quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, tal como se tira dos termos legais'.
Cumpre decidir.
II
1. Sublinhando-se, desde logo, que não compete a este Tribunal, atentos os seus poderes cognitivos, curar de saber se, atentas as circunstâncias rodeadoras do caso, está, ou não prescrito o procedimento criminal (como parece pretender-se da alegação das assistentes), impõe-se, atento o objecto dos presentes recursos, tal como acima se encontra delimitado (cfr. I 5.), saber se
é ou não conflituante com a Constituição a interpretação normativa levada a efeito pelo acórdão ora em crise.
E nem se diga que no caso em apreciação nos situamos perante uma situação que, verdadeiramente, não traduz uma questão de inconstitucionalidade normativa, mas sim uma questão de inconstitucionalidade da própria decisão sob censura, tendo por parâmetro o princípio da legalidade penal, ou seja, que está antes em causa a subsunção jurídica da norma em apreço ao caso concreto e em que não há nenhum sentido possível dessa norma confrontadamente com a Lei Fundamental (cfr., por entre outros, o Acórdão nº 682/95, ainda inédito).
É que o Tribunal da Relação de Lisboa, no aresto de que se cura veio, expressamente (e assim o disse), lançar mão de uma interpretação, que qualificou de actualista, do artº 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal, e isso porque a letra do correspondente preceito não cobria as circunstâncias do caso para efeitos de se concluir, como nesse acórdão se concluiu, que a prescrição não tinha ocorrido, sendo certo que, aquando desse raciocínio, ainda referiu não seria permitida uma interpretação de harmonia com a qual o interrogatório do arguido pelo Ministério Púbico em inquérito tinha por virtualidade interromper a prescrição, e isso porque uma tal interpretação conflituaria com a Constituição
[escrevendo-se, neste particular que não estava 'autorizada (um)a interpretação dita actualista que não é mais do que a institucionalização de um
(inconstitucional) regime (mais) desfavorável para o agente - (e tod)o arguido encontra-se a coberto da proibição da aplicação retroactiva da norma penal desfavorável - artºs 18º, nºs 2 e 3, 29º, nº 4, 2ª parte, 282º, nº 3, 2ª parte, todos da C.R.P. e artº 2º, nº 4 do C.P.)'].
Significa isso que se não pode dizer que houve tão somente uma mera subsunção ou inserção do caso a apreciar e decidir ao direito, ainda que, para tanto, tivesse de haver uma utilização pontual e implícita de regras interpretativas; antes, e pelo contrário, se assistiu no acórdão à opção por uma formulação de sentido da norma entre os vários possíveis, vindo, depois de atingido esse sentido, a aplicar-se o mesmo ao decidendo caso, não se deixando, ainda, de fazer alusão a correntes jurisprudenciais divergentes que já tinham sido tomadas relativamente a um daqueles sentidos, optando-se, afinal, por um deles.
E, a mais do que isso, ainda o Tribunal a quo, de entre alguns dos possíveis sentidos interpretativos que viessem a ser atribuídos ao preceito em causa, rejeitou desde logo um deles, porque, em seu entender, seria contrário ao Diploma Básico, pelo que daí se pode inferir que o outro sentido, que veio a adoptar, já não padecia de tal vício.
Sendo isto assim, nada obsta a que se conheça da questão de inconstitucionalidade, tal como acima se delineou.
2. Por intermédio dos seus Acórdãos números 205/99 e 285/99
(publicados na 2ª Série do Diário da República de, respectivamente, 5 de Novembro e 21 de Outubro de 1999) este Tribunal teve já ocasião de julgar inconstitucional a norma constante da alínea a) do nº 1 do artº 120º do Código Penal quando interpretada no sentido de que a interrupção do prazo prescricional se verifica a partir da notificação para as primeiras declarações do arguido na fase de inquérito, por violação do artigo 29º, números 1 e 3, da Lei Fundamental.
E, talqualmente se fez nesses citados arestos, também aqui se entende que a matéria em análise consubstancia uma verdadeira questão de constitucionalidade normativa, passível de cognição por este órgão de administração de justiça, dado que, como ali se afirmou, não só os recorrentes submeteram à consideração deste Tribunal a interpretação normativa ora em apreço, como também o processo normativo que presidiu à decisão ora impugnada foi, ele mesmo, como resulta da transcrição supra efectuada, tomado de modo abstracto, não resultando, desta sorte, de uma mera aplicação tão só visando o caso concreto que o tribunal a quo tinha, então, de decidir.
3. O acórdão em crise, ao aplicar a norma em apreciação à situação que tinha que decidir, conferiu-lhe um sentido, para tanto usando de um raciocínio que, como se disse, qualificou como «actualista», de harmonia com o qual, tendo em conta a redacção inicial do preceito vertido na alínea a) do nº 1 do artº 120º da versão originária do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº
400/82, de 29 de Setembro - que determinava que a prescrição do procedimento criminal se interrompia com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução preparatória
-, entendeu que, após a entrada em vigor do Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro - que deixou de contemplar a fase processual de recolha de indícios da prática do ilícito e da determinação do respectivo agente, fase essa denominada instrução preparatória -, haveria de interpretar-se tal normativo de molde a fazer corresponder a aludida notificação
àqueloutra visando as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução.
E, para tanto, baseou-se, primordialmente, na circunstância de que, sendo certo que se não poderia equiparar a instrução preparatória ao inquérito, já tal equiparação poderia ser efectuada reportadamente à fase da instrução consagrada no Código de Processo Penal, visto que esta, talqualmente sucedia com a instrução preparatória, era presidida por um juiz.
E, ao qualificar de «actualista» a interpretação que sufragou, nem por isso se pode, sem mais, dizer que, com o entendimento que prosseguiu, o aresto sub specie veio, afinal, a fazer, por via desse entendimento, uma interpretação normativa que postergou o princípio, aliás de consagração constitucional, de aplicação da norma penal de conteúdo mais favorável ao arguido.
Ao que tudo indica, a posição do Ministério Público, na alegação que aqui formulou, não deixa de «navegar» em águas idênticas às que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa trilhou.
Na verdade, o Representante do Ministério Público junto deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade parte de uma óptica segundo a qual, no vertente caso, se colocariam 'diferenças abissais' reportadamente às situações tratadas nos Acórdãos números 205/99 e 285/99, já que a ali descortinada 'diversidade e heterogeneidade' entre as fases da instrução e do inquérito, que teria conduzido a uma interpretação actualizante da norma sindicada e, assim, a uma interpretação que, ao fim e ao resto, implicava uma opção constitutiva efectuada em matéria subordinada a reserva de lei, radicaria na própria letra do artigo 32º, nº 4, da Constituição, que impõe que toda a instrução seja da competência de um juiz.
3.1. Esta visão das coisas não é, contudo, a que corresponde à perspectiva que veio a ser seguida nos aludidos Acórdãos.
Efectivamente, e para uma melhor inteligência do presente aresto, convém efectuar transcrição de parte do Acórdão nº 205/99.
De facto, disse-se aí, a dada altura:-
'..........................................................................................................................................................................................................................................
Com efeito, a análise das questões referidas impõe-se porque a matéria da prescrição do procedimento criminal é habitualmente sujeita pela doutrina aos vários crivos limitativos da interpretação jurídica e aplicação da lei no tempo vigentes no Direito Penal por imposição constitucional (sobre a natureza do instituto da prescrição em geral e as suas relações com o princípio da legalidade, cf. Eduardo Correia, ‘Actos processuais que interrompem a prescrição’, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 94, p. 353, e ano
108, p. 361 e ss.; Figueiredo Dias, Consequências jurídicas do crime, 1993, p.
698 e ss.). A sujeição da prescrição às decorrências do princípio da legalidade tem sido problematizada em função da sua qualificação como instituto de Direito Penal substantivo ou adjectivo, persistindo a primeira qualificação. Mas, independentemente do tratamento das relações entre a prescrição e o princípio da legalidade num plano classificatório, uma construção dogmática implantada nos fundamentos específicos da prescrição independentemente da sua natureza penal ou processual penal justifica o instituto por razões de necessidade da pena em conjugação com uma lógica de controlo do poder punitivo do Estado (cf. Fernanda Palma, ‘Princípio da aplicação retroactiva da lei (penal) mais favorável e alteração de prazos prescricionais no direito de mera ordenação social’, em Revista Fisco, nº 34, 1991). Com efeito, não é só a desnecessidade da pena que o decurso do tempo implica, quando o facto já foi assimilado ou esquecido pela sociedade, mas também uma responsabilização do Estado pela inércia ou incapacidade para realizar a aplicação do Direito no caso concreto (cf. acerca desta dimensão de uma garantia de objectividade como inerente à legalidade e à proibição de retroactividade, Jakobs, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 2ª ed., p.95 e ss.) Na interrupção da prescrição, repercute-se aquela fundamentação, na medida em que o recomeço da contagem do prazo prescricional se justifica por ter havido uma actuação dos órgãos titulares do poder punitivo, ilustrativa objectivamente de uma efectiva possibilidade de se vir a aplicar o Direito Penal no caso concreto.
A prescrição é, com efeito, um instituto que revela uma lógica de relação punitiva pela qual é reclamado do Estado, titular do poder de punir, uma actuação célere e eficaz na definição e aplicação do Direito ao caso concreto. A interrupção da prescrição explica-se pela demonstração da capacidade e vontade de, justificadamente, actuar os meios conducentes ao exercício ou continuidade no exercício de acção penal, não podendo, assim, ser bastante qualquer actividade investigatória não reveladora daquela capacidade para interromper a prescrição.
8. Apesar de a proibição da analogia quanto à matéria da prescrição não estar, de modo literal, incluída na proibição da analogia quanto às normas incriminadoras e ser questionável a existência de um verdadeiro direito do agente a que a inércia do Estado na prossecução penal o beneficie, a proibição da analogia em matéria prescricional, nomeadamente quanto às causas de interrupção da prescrição, está sem dúvida justificada pelo referido controlo do poder punitivo do Estado através do Direito que criou, de modo que sem a verificação de factos previstos em lei penal (objecto de reserva de lei e inerente controlo democrático) como indiciadores de uma efectiva e sustentada vontade e capacidade punitiva do próprio Estado não será possível estabelecer causas interruptivas da prescrição.
Assim, mesmo que a garantia da previsibilidade para os reais ou hipotéticos agentes dos crimes dos prazos prescricionais não baste para justificar a proibição da analogia, ela será imposta pelo menos pela segurança democrática, relativamente ao controlo do exercício do poder punitivo, o qual não pode ser exercido sem limites objectivos democraticamente estipulados. Pelo menos neste sentido, a proibição da analogia das normas relativas à prescrição partilha dos fundamentos da proibição da analogia relativamente aos fundamentos da incriminação e insere-se no objecto de reserva relativamente à definição de crimes e penas, prevista no artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição.
9. Ter-se-á procedido a uma verdadeira integração de lacunas por analogia na aplicação do artigo 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal? Ao retirar-se daquele preceito uma dimensão normativa não constante explicitamente do seu elemento literal - a de que a interrupção da prescrição (que já não podia ocorrer com a notificação para a instrução preparatória por a instrução preparatória ter deixado de figurar no sistema) seria determinada pelo primeiro interrogatório do arguido no inquérito, de acordo com o sistema instituído pelo Código de Processo Penal de 1987 - estar-se-ia a preencher uma lacuna de regulamentação’? Em certos termos, perguntar-se-á se, após a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, que suprimiu o sistema em que se inseria a instrução preparatória, terá correspondido à vontade legislativa uma substituição daquela pelo primeiro interrogatório do arguido no inquérito, sustentada ainda pelo elemento literal da primitiva redacção do artigo 120º, nº
1, alínea a), do Código Penal.
A resposta a esta questão será, sem dúvida, positiva, se aceitarmos como válida uma interpretação actualista do referido preceito, segundo a qual a vontade legislativa subjacente à não alteração do conteúdo do artigo 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal, após a supressão da instrução preparatória pelo Código de Processo Penal de 1987, consistiria nessa compatibilização daquele preceito com o sistema do Código de Processo Penal de 1987. A manutenção do artigo 120º, nº 1, alínea a), teria tido, segundo esta interpretação, o sentido de revelar uma intenção legislativa de substituição da notificação do arguido para a instrução preparatória pela notificação para o primeiro interrogatório no inquérito. Tal intenção não seria, no entanto, dedutível da letra do artigo 120º, nº 1, alínea a), por si só, mas apenas da conjugação desta letra com o sentido da situação gerada pela não articulação da reforma processual penal com o preceituado no Código Penal. O sentido da letra da norma penal seria então determinado pelo significado da própria inércia legislativa. Como tal raciocínio resultaria de uma interpretação da inércia legislativa quanto à reformulação do artigo 120º, nº 1, alínea a), ele conduziria a uma interpretação actualista do seu texto. Seria, no entanto, ainda o texto da lei - o texto mantido - que conduzia à identificação do critério correspondente fornecido pelo Código de Processo Penal de 1987.
É este, pois, um quadro de entendimento da invocada interpretação actualista.
10. Impõe-se, então, saber se a referida interpretação actualista do artigo 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal de 1982, não corresponde, na realidade, a uma encapotada analogia, pela qual se estaria a colmatar uma
‘lacuna de regulamentação’ gerada pela reforma do Processo Penal. A citada interpretação actualista, que converte a referência contida no artigo
120º, nº 1, alínea a), do Código Penal de 1982 ao conteúdo de normas do Código Processual Penal de 1929 no conteúdo mais próximo ou semelhante no novo sistema processual penal, ultrapassa, na verdade, uma mera determinação do sentido actual das palavras. Uma determinação do sentido actual das palavras pode acontecer, por exemplo, quando se verifica uma evolução no campo abrangido por um conceito, por se virem a integrar nele realidades anteriormente não pensáveis, como, por exemplo, ao integrar-se no conceito de arma, primitivamente pensado para meios mecânicos, as armas químicas (cf., sobre este exemplo, Arthur Kaufmann, Analogie und Natur der Sache, 1982, p. 70). A actualização do sentido do texto que agora se analisa implica, diferentemente, uma conversão dos conceitos integrantes do campo normativo primitivo em conceitos de um sistema diverso. Essa diversidade dos sistemas abrange o sentido e função das fases processuais, revelando-se, desde logo, no facto de a direcção do inquérito caber ao Ministério Público que formula a acusação, enquanto a direcção da instrução preparatória pertencia ao juiz de instrução. Por outro lado, a constituição de arguido, que no sistema antigo não se verificava num momento formalmente estabelecido nem tinha uma dimensão garantística, detém neste sistema essa dimensão, podendo ser decorrente de um acto de vontade do próprio agente (artigo
59º, nº 2, do Código de Processo Penal). A conversão operada pela interpretação realizada não é, deste modo, uma conversão necessária ou a única alternativa em face da manutenção do texto legal. Com efeito, há quem discuta se a transposição da instrução preparatória para o inquérito abrangerá todos os actos do inquérito ou apenas os de natureza instrutória levados a cabo nessa fase em que intervenha um juiz, ou ainda, se a dimensão garantística da constituição de arguido que se instaurou em 1987 poderia acarretar, em todos os casos, a interrupção da prescrição, estando-lhe sempre associado um momento processual revelador da expressão de vontade punitiva do Estado.
Perante as dificuldades a que obstaria uma conversão natural de um sistema no outro, é necessário concluir que os raciocínios analógicos que permitiram ao intérprete, no acórdão recorrido, manter a aplicação do artigo
120º, nº 1, alínea a), através de uma interpretação actualista partem de opções sobre a compatibilização do Código Penal com o Código de Processo Penal que não são livremente disponíveis pelo intérprete, mas que pela sua repercussão em direitos fundamentais são objecto necessário de reserva de lei [artigos 164º, alíneas b) e c), da Constituição].
Deste modo, conclui-se que o artigo 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na dimensão normativa que realiza a conversão da notificação para a instrução preparatória na notificação para o primeiro interrogatório do arguido no inquérito, embora não tenha que ser necessariamente qualificado como uma norma criada por analogia, no sentido clássico da distinção entre analogia e interpretação, é pelo menos o resultado de uma interpretação actualista da lei baseada em raciocínios analógicos, que implicam opções constitutivas de um regime, as quais pertencem à reserva de lei da Assembleia da República prevista nos artigos 164º, alíneas b) e c) da Constituição.
Poder-se-á, assim, concluir para quem perfilhe a concepção dogmática mais clássica sobre a interpretação e analogia que estaremos necessariamente perante um resultado interpretativo que ultrapassa o sentido possível das palavras e que, por isso, já não tem fundamento no pensamento legislativo.
Mesmo que assim não se entenda, admitindo-se que seja discutível que se tenha procedido a uma integração de lacunas por analogia, na medida em que há um critério jurídico que o intérprete retirou ainda do texto legal através da sua conversão na linguagem do novo sistema processual penal, pelo menos sempre concluirá que há uma colisão entre as possibilidades interpretativas utilizadas no caso e as autorizadas ao intérprete pela reserva de lei, violando-se o artigo
29º, nºs 1 e 3 [entre nós com a concretização qualificada do artigo 164º, alíneas b) e c), da Constituição]. Em suma, para esta última linha de pensamento, a interpretação realizada do artigo 120º, nº 1, alínea a), independentemente da sua qualificação enquanto espécie de interpretação, confere ao referido artigo 120º, nº 1, alínea a), do Código Penal de 1982 uma dimensão normativa que pressupõe uma ponderação constitutiva de soluções jurídicas, pelo intérprete, com implicação na configuração das consequências do crime, tarefa da competência da Assembleia da República [artigo 164º, nº 1, alíneas b) e c)] e que, por isso, também não está contida na intenção legislativa.
11. Adoptado este entendimento, por qualquer das vias enunciadas, pode o Tribunal deixar de enfrentar as questões da qualificação como interpretação extensiva ou analogia do sentido normativo sub judicio do artigo
120º, nº 1, alínea a), do Código Penal de 1982 e, consequentemente, não terá que referir-se à questão de uma eventual proibição constitucional da interpretação extensiva no Direito Penal. Com efeito, nem é consensual na doutrina a validade construtiva do conceito de interpretação extensiva, como conceito limítrofe da analogia (cf. Castanheira Neves, O princípio da legalidade criminal, em Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Correia, I, 1984, p. 308 e ss.) nem muito menos há consenso na doutrina portuguesa sobre a não proibição constitucional de tal figura no Direito Penal (cf., entre outros, com opiniões divergentes entre si, Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, I, 1992, p. 64; Sousa e Brito, Lei Penal na Constituição, em Estudos sobre a Constituição, 2º vol., 1978, p. 253; Teresa Beleza, Direito Penal, 2ª ed., 1985, p. 491 e ss.; e Fernanda Palma, Direito Penal - Parte Geral, 1994, p. 94 e ss.).
............................................................................................................................................................................................................................................
13. Finalmente, a invocada violação do artigo 32º, nº 4, da Constituição pelo artigo 120º, nº 1, alínea a), na dimensão normativa conferida pela citada interpretação actualista, na medida em que tal interpretação normativa remeteria para todo um sistema de direcção do inquérito pelo Ministério Público inconstitucional, refere uma questão já amplamente debatida neste Tribunal. O Tribunal Constitucional, porém, nunca considerou tal regime instituído pelo Código de Processo Penal de 1987 inconstitucional (cf., entre outros, o Acórdão nº 7/87, D.R., I Série, de 9 de Fevereiro de 1987). Seguir-se-á também aqui essa jurisprudência, pelo que não procede o argumento de que a interpretação actualista do artigo 120º, nº 1, alínea a), remete para um regime inconstitucional. Por essa razão não se afirmará a violação do artigo
32º, nº 4, da Constituição.
..........................................................................................................................................................................................................................................'
3.2. Da longa transcrição acima efectuada crê-se que ressalta com alguma evidência que não foi pela circunstância de o inquérito ser dirigido pelo Ministério Público e de, quer a instrução preparatória, quer a actual instrução, serem presididas por um juiz, que levou ao juízo de inconstitucionalidade formulado, com esteio na consideração de estas duas últimas fases processuais se revestirem de um maior garantismo.
Aliás, uma tal postura foi, se se ler atentamente o último transcrito parágrafo, arredada como suporte argumentativo de um eventual juízo de inconstitucionalidade nela baseado.
Pode-se, desta arte, concluir, que no Acórdão nº 205/99, a razão de ser do juízo que aí se levou a cabo residiu, essencial e sumuladamentre, nas seguintes ordens de razões:-
- a matéria tocante à prescrição do procedimento criminal não pode deixar de estar condicionada pelos limites de interpretação jurídica e de aplicação de leis no tempo que, no domínio do direito penal, são postulados pela normação constitucional;
- a justificação do instituto da prescrição do procedimento criminal, independentemente de ser qualificado como instituto de direito penal substantivo ou objectivo, repousa não só na não necessidade de imposição da pena em face do tempo decorrido, como ainda numa forma de responsabilização do Estado pela sua inacção na aplicação do direito penal, pelo que é justificada a figura da interrupção da prescrição na medida em que se surpreenda a prática, por parte do Estado, de actos tais que, de forma objectiva e inequívoca, demonstram a sua vontade direccionada para tal aplicação, não bastando, por isso, qualquer uma actividade investigatória para consubstanciar aquela demonstração de vontade;
- porque o poder punitivo do Estado tem, em nome da segurança democrática, de ser objecto de controlo, e como, no tocante às normas incriminatórias, é proibida a analogia, também esta haverá de considerar-se vedada relativamente às normas que regem o instituto da prescrição;
- uma interpretação, mesmo dita actualista, sempre se haverá de considerar como uma forma de dação de sentido a uma norma que ultrapassa a letra actual do preceito em que aquela se verte, convertendo conceitos, que pertenciam a um anterior ordenamento, aos constantes de um novo, conversão essa rodeada de dificuldades, sendo que, porque essa dação não seria a única possível perante a letra do preceito, haverá que concluir que, para se atingir o sentido da norma através da dita interpretação actualista, sempre o intérprete/aplicador do direito se teve de socorrer de raciocínios analógicos conducentes à compatibilização ou conversão conceptual acima aludida;
- todavia, uma tal forma de raciocínios, independentemente da questão de saber se os mesmos podem ser conceptualizados como um método de integração de lacunas por analogia ou por interpretação extensiva, porque implicam a tomada de opções consubstanciada naquela conversão, não está na livre disponibilidade do intérprete, visto que, havendo uma eventual colisão entre os diferentes sentidos interpretativos e estando em causa matéria repercutível em direitos fundamentais, a opção por dado sentido sempre se há-de repousar, e só, na vontade do legislador.
Concluiu-se, assim, no Acórdão 205/99, como acima se transcreveu e, igualmente, outrotanto se fez no Acórdão nº 285/99 (que aquele cita), que uma interpretação da norma vertida na alínea a) do nº do artº 120º do Código Penal que ultrapasse 'o sentido possível das palavras e que, por isso, não tem já fundamento no pensamento legislativo' ou que adopte 'um critério jurídico que o intérprete retirou ainda do texto legal através da sua conversão na linguagem do novo sistema processual penal', viola o artigo 29º, números 1 e 3, da Constituição.
4. Sendo este o cerne da argumentação carreada aos indicados Acórdãos, é bom de ver que não foi com base na circunstância de a interpretação da norma ali analisada conduzir a uma solução que, por si, se afiguraria menos garantística do que aqueloutra a que os presentes autos se reportam, que se fulminou a primeira com um juízo de inconstitucionalidade.
O que se tornou decisivo foi o entendimento segundo o qual aquele normativo constitucional não consentia ao intérprete, em matéria de reserva de lei, como é o caso das disposições penais ou processuais penais, a realização de raciocínios que permitissem, de entre as várias opções que se afiguravam possíveis (in casu de «conversão» para um novo sistema adjectivo criminal), perfilhar uma delas, pois que essa opção, que tem necessariamente repercussão nas consequências do ilícito, haveria que caber unicamente ao legislador.
Consequentemente, a fundamentação dos falados arestos também é, mutatis mutandis, cabida quanto à norma que aqui se coloca em apreço e, por isso, ela se adopta.
Vale isto por dizer, pois, que uma interpretação normativa como a sub iudicio, que conduziu à «conversão» de uma dada expressão literal que era a adequada a um certo sistema processual por forma a faze-la corresponder a um novo sistema, de figurino acentuadamente diverso, é algo representativo de uma opção que não pode repousar em critérios formulados pelo intérprete ou pelo aplicador do direito, justamente porque estando em causa matéria ligada a direitos fundamentais, tal opção só pode ser realizada pelo órgão constitucional ao qual é cometida a tarefa de emissão legislativa consubstanciadora de alterações ou modificações pertinentes a essa matéria.
4.1. Por outro lado, também não se diga que uma interpretação da norma em crise traduzida num abandono ou por via da qual tão só se «deixou cair» ou precludiu o qualificativo de «preparatória» utilizado no seu teor quanto à instrução precedente da acusação, a fim de assim se efectuar uma harmonização com a nova designação do Código de Processo Penal de 1987, não significa uma
'interpretação inovatóriamente actualizante da lei, baseada em raciocínios analógicos'.
É que, como bem se sabe, o sistema decorrente do Código de Processo Penal de 1987 é profundamente diverso.
Neste, a instrução não é uma fase processual que antecede a acusação e destinada a colher elementos que a permitam deduzir, antes visando comprovar judicialmente uma acusação já formulada, sendo, como no caso aconteceu, inclusivamente requerida pelos próprios arguidos.
Esta dissemelhança entre o sistema do Código de Processo Penal de
1929, ao qual expressamente apela a norma sindicada, e o sistema do Código de Processo Penal de 1987, não pode deixar, para se atingir a interpretação perfilhada no acórdão recorrido, de repousar em raciocínios analógicos e de traduzir uma opção que, talqualmente acima se viu, está unicamente reservada ao competente legislador.
III
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação dos números 1 e 3 do artigo
29º da Lei Fundamental, a norma constante da alínea a) do nº 1 do artº 120º da versão originária do Código Penal, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se interrompe com a notificação para as primeiras declarações para comparência ou interrogatório do agente, como arguido, na instrução;
b) Sequentemente, conceder provimento aos recursos dos impugnantes Licª M. R., Licª N. P., Licº M. G. e Licª R. P., determinando a revogação do acórdão recorrido, a fim de o mesmo ser reformado de harmonia com o ora decidido quanto à questão de inconstitucionalidade;
c) Condenar as recorridas assistentes, M. A. e M. C., nas custas processuais, fixando em 15 unidades de conta a taxa de justiça. Lisboa, 23 de Fevereiro de 2000 Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa ( vencido quanto ao conhecimento do recurso, contrariamente ao que se entendeu no nº II-1 do acórdão - e tal como, do mesmo modo, entendi com declaração de voto aposta ao Acórdão nº 205/99. Continuando a não poder expor agora, alargadamente, a razão de ser do meu entendimento, limitar-me-ei, como ali, a dizer que, em situações como a sub judicio, já não está em causa uma inconstitucionalidade 'normativa', pelo que a questão extravasa o âmbito da competência e do poder cognitivo deste Tribunal. Do meu ponto de vista, a situação não é 'estruturalmente' diversa, sob esse ponto de vista, da versada nos Acórdãos nºs 682/95 e 221/95, ou, mais recentemente, no Acórdão nº 674/99, numa das suas partes).