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Processo n.º 886/98 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. O MAGISTRADO DO MINISTÉRIO PÚBLICO interpõe o presente recurso, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, da sentença do Juiz do Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto, de 1 de Outubro de 1997. Pretende o recorrente que este Tribunal aprecie a constitucionalidade das normas constantes do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro, e da Portaria n.º 238/93, de 27 de Fevereiro, cuja aplicação foi recusada pela dita sentença, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
A referida sentença julgou procedente a impugnação apresentada pela empresa S..., LDª - e, consequentemente, anulou o acto impugnado (a saber: a liquidação de direitos compensadores e taxas emolumentares, no montante de 1.680.001$00, incidentes sobre a aquisição de batata a um fornecedor francês).
Neste Tribunal, alegou o Procurador-Geral Adjunto, que formulou as seguintes conclusões:
1ª. A norma constante da alínea f) do artigo 30º da Lei n.º 2-B/85, de 28 de Fevereiro, define, em termos bastantes, o sentido e a extensão da autorização legislativa nela contida, relativamente à matéria de estabelecimento de direitos de compensação, pelo que não é organicamente inconstitucional o Decreto-Lei n.º
512/85, de 31 de Dezembro, editado na sua sequência.
2ª. A circunstância de o valor a pagar, a título de direitos de compensação, pela importação de certo produto depender da diferença entre um preço de referência (fixado por regulamento) e o preço (real) de importação, calculado essencialmente em função do preço CIF, corrigido com certos encargos, traduz estabelecimento de uma taxa 'ad valorem', legalmente definida nos seus contornos essenciais, mas a concretizar em função de variáveis económicas, uma delas definida por acto regulamentar.
3ª. A Portaria n.º 238/93, de 27 de Fevereiro, ao estabelecer o preço mínimo de entrada da batata de consumo, em função de uma ponderação de variáveis de natureza económica, que afectam os mercados interno e externo, não define, em termos inovatórios e genéricos, a 'taxa' da referida imposição, limitando-se a concretizar o montante a pagar pelo contribuinte, regulando, deste modo, matéria estranha à 'Constituição Fiscal'.
4ª. Termos em que deverá proceder o presente recurso, em consonância com um juízo de constitucionalidade das normas desaplicadas na decisão recorrida.
A recorrida formulou as seguintes conclusões:
1 - Decorre do princípio da especialidade das autorizações legislativas a proibição das autorizações genéricas: a autorização constante da Lei nº 2-B/95, no seu art. 30º, f), é contrária ao prescrito no art. 168º, nº 2 da CRP, porque demasiado vaga, imprecisa, genérica e indeterminada, não permitindo a determinação das linhas de força que nortearão o exercício dos poderes delegados
(vidé Ac. TC nº 107/88);
2 – A inconstitucionalidade do art. 30º, f), da citada Lei nº 2-B/95 determina a inconstitucionalidade reflexa ou consequente do DL 512/85, de 31/12, editado ao seu abrigo;
3 – O direito compensador ora em causa reveste, inequivocamente, todas as características de um imposto;
4 – O DL 512/85, no seu art. 10º, é violador da Lei Fundamental: a matéria aí versada insere-se na reserva relativa de competência da Assembleia da República
(art. 168º, i) e 103º, 2 da CRP), salvo autorização ao Governo. Ora, a lei de autorização não habilita o Governo a utilizar um Decreto-Lei para remeter a disciplina ou aspectos de concretização ao poder regulamentar – a reserva de que a Assembleia dispõe é uma 'reserva de diploma legislativo' e, como tal, formal;
5 – A Portaria nº 238/93, de 27/2, ao fixar o preço mínimo de entrada da batata está a fixar um elemento da variável da taxa do imposto, utilizando o poder regulamentar em exercício de autorização legislativa 'formal', inquinando a Portaria nº 238/93 de inconstitucionalidade orgânica e formal, inconstitucionalidade que já resultava reflexamente do DL 512/85, art. 10º, ao abrigo do qual foi elaborada a portaria;
6 – O art. 10º do DL 512/85, conjugado com a Portaria nº 238/93, violam o princípio da legalidade fiscal – art. 103º, nº 2 da CRP – que impõe que a lei contenha a disciplina completa da matéria reservada, no que se inclui a criação de impostos e respectivas incidências e taxa.
7 – Bem esteve a douta decisão recorrida ao julgar inconstitucionais as questões em causa. Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto, confirmando-se o juízo de inconstitucionalidade constante da douta decisão recorrida.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. Identificação da questão de constitucionalidade: Constituem objecto do recurso a norma constante do artigo 10º do Decreto-Lei n.º
512/85, de 31 de Dezembro (este diploma contém normas relativas à organização nacional do mercado da batata), e a da Portaria n.º 238/93, de 27 de Fevereiro
(editada ao abrigo dos nºs 2 e 3 daquele artigo 10º).
Pois bem: o artigo 10º do Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro - que a sentença recorrida se recusou a aplicar, com fundamento em que ele era inconstitucional, uma vez que 'a lei de autorização legislativa invocada não alude sequer à possibilidade de criação de um imposto pelo decreto-lei elaborado ao seu abrigo' e, não obstante, o mesmo 'criou o direito de compensação que é um verdadeiro imposto', desse modo 'invadindo a esfera de competência da Assembleia da República' - dispõe assim: Artigo 10º. 1. A importação de produtos abrangidos por este diploma está sujeita
à apresentação na estância aduaneira competente de um documento de importação, que é requerido, nos termos legais, pelo interessado à entidade competente para este efeito.
2. Antes do início de cada subcampanha é fixado, por portaria conjunta dos ministros com competência nas áreas da agricultura e do comércio, um preço mínimo de entrada da batata de consumo, de forma a assegurar que o seu preço na fronteira se situe a um nível que garanta o escoamento da produção nacional em condições normais de concorrência.
3. O preço mínimo de entrada poderá ser alterado, no decurso de cada subcampanha, sempre que as condições do mercado assim o exijam.
4. Quando o preço de importação for inferior ao preço mínimo de entrada, será cobrado um direito de compensação igual à diferença entre os dois preços.
5. O preço de importação referido no número anterior é calculado tendo em conta o preço CIF adicionado das despesas de cais, direitos aduaneiros e outras imposições cobradas à entrada.
6. O direito de compensação será cobrado pelas alfândegas, aquando da importação, e constituirá receita do Fundo de Abastecimento.
7. É aplicado à batata de semente a importar, com excepção da destinada exclusivamente à produção de batata de semente nacional, um diferencial, a fixar por portaria conjunta dos ministros com competência nas áreas das finanças e da agricultura e do comércio, nos termos do disposto nas Portarias nºs 20.854, de
20 de Outubro de 1964, e 890/85, de 22 de Novembro.
8. Para permitir competitividade na exploração dos produtos visados no artigo 1º deste diploma, poderá ser atribuída, a pedido dos interessados, uma restituição
à exportação correspondente à diferença entre os preços destes produtos no mercado interno e no mercado de destino.
9. As modalidades de aplicação das restituições serão fixadas por portaria conjunta dos ministros com competência nas áreas da agricultura e do comércio.
Este Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro, foi editado no uso da autorização legislativa conferida pela alínea f) do artigo 30º da Lei n.º
2-B/85, de 28 de Fevereiro (Lei do Orçamento do Estado para 1985), que preceitua como segue: Artigo 30º. No âmbito aduaneiro fica o Governo autorizado a: f). Adaptar a legislação aduaneira às técnicas implementadas na União Aduaneira do Mercado Comum, tendo em vista a próxima adesão à CEE.
A Portaria n.º 238/93, de 27 de Fevereiro, cuja aplicação também foi recusada pela sentença, com fundamento em idêntico vício de inconstitucionalidade, foi editada ao abrigo do mencionado artigo 10º do Decreto Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro. Dispõe nos termos seguintes: A Portaria n.º 238/93, de 27 de Fevereiro, dispõe como segue:
1º. O preço mínimo de entrada aplicável à batata de consumo é de 17$50/kg.
2º. A presente portaria entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
De conformidade com o que preceitua o citado artigo 10º, sempre que o preço de importação da batata for inferior ao preço mínimo de entrada, fixado por portaria, cobra-se um direito de compensação, cujo montante é igual à diferença entre esse preço mínimo de entrada, fixado por portaria, e o preço real de importação, que se determina tendo em conta o preço CIF, adicionado das despesas de cais, dos direitos aduaneiros e de outras imposições cobradas à entrada. O preço mínimo de entrada, que serve de parâmetro ou referência para a fixação do valor a cobrar, a título de direito de compensação, fixa-o a portaria - sublinha o Ministério Público - 'em função de variáveis económicas que afectam o mercado nacional'. Tal resulta, de resto, do preâmbulo da Portaria n.º 238/93, que reza assim: Na presente campanha de produção da batata de consumo verificou-se uma acentuada sobreoferta, resultante de condições climáticas anormais, o que, tendo sido uma situação comum aos países produtores europeus, originou o desequilíbrio do mercado com a consequente depreciação dos preços ao produtor. Como primeira medida de regularização do mercado, pela Portaria n.º 795/92, de
17 de Agosto, foi instituída uma ajuda à armazenagem privada ou à exportação de batata para países terceiros. Subsistindo a enorme pressão da oferta externa, a preço inferior ao verificado nos mercados grossistas dos países de origem, impõe-se a adopção de um preço mínimo de entrada que assegure o equilíbrio entre a oferta e a procura de batata no mercado nacional a um nível de preço aceitável para os produtores, nos termos previstos na organização nacional do mercado da batata, instituída pelo Decreto-lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro. Interessa, então, saber se, como defende o Ministério Público, o Governo, ao editar o Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro, se achava parlamentarmente autorizado a fazê-lo pela alínea f) do artigo 30º da Lei n.º 2-B/85, de 28 de Fevereiro, ou se, como sustenta a sentença, com a edição desse diploma legal, invadiu a reserva parlamentar atinente à criação de impostos e sistema fiscal.
Isto, claro é, dando mesmo de barato que o direito de compensação que aqui está em causa constitui um imposto, pois, não o sendo, a questão da necessidade de autorização legislativa nem sequer se coloca. Tal direito de compensação - recorda-se - é o que foi criado pelo citado artigo
10º. A sua taxa é fixada através de um diferencial entre dois preços e igual a
100% dessa diferença: o valor a pagar é, na verdade, o equivalente à diferença entre o preço mínimo de entrada, fixado pela Portaria nº 238/93, e o preço real de importação (preço CIF, adicionado das despesas de cais, dos direitos aduaneiros e de outras despesas cobradas à entrada).
Vejamos, então:
4. A questão de constitucionalidade:
4.1. O artigo 10º do Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro:
4.1.1. Como se viu, a alínea f) do artigo 30º da Lei n.º 2-B/85, de 28 de Fevereiro, autorizou o Governo a 'adaptar a legislação aduaneira às técnicas implementadas na União Aduaneira do Mercado Comum, tendo em vista a próxima adesão à CEE.' O seu sentido e a sua extensão obtêm-se, pois - como se sublinhou no acórdão n.º 194/92 (publicado no Diário da República, II série, de 25 de Agosto de 1992) -, 'através da remissão feita para as técnicas implementadas na União Aduaneira do Mercado Comum, ou seja, de forma indirecta ou mediata para a regulamentação constante do Acto de Adesão, dos Tratados que instituem as Comunidades e para a própria legislação comunitária'. A referida autorização legislativa, conquanto não seja um modelo de precisão, define, porém, o seu objecto, o seu sentido e a sua extensão em termos constitucionalmente suficientes. Ou seja: cumpre as exigências feitas pelo nº 2 do artigo 168º da Constituição (versão de 1982), como este Tribunal também decidira no acórdão n.º 70/92 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Agosto de 1992). Ela constitui, por isso, credencial parlamentar para a edição do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro.
Assim sendo, o Governo, ao editar o Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro - diploma a que pertence o mencionado artigo 10º -, não invadiu a reserva parlamentar atinente à 'criação de impostos e sistema fiscal' [ alínea i) do n.º
1 do artigo 168º, na versão de 1982), pois que se achava habilitado para tanto pela Assembleia da República.
Por isso, o artigo 10º do Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro, mesmo que tenha criado um verdadeiro imposto - o que é tudo menos líquido, como se acentuou no acórdão n.º 258/98 (publicado no Diário da República, II série, de 7 de Novembro de 1998), que assimilou o direito de compensação aqui em causa aos diferenciais de preços dos cereais, a que se refere acórdão n.º 7/84 (publicado no Diário da República, II série, de 3 de Maio de 1984) e aos direitos niveladores, de que este Tribunal tratou no já citado acórdão n.º 70/92 [ cf. também o acórdão n.º 359/98 (publicado no Diário da República, II série, de 17 de Julho de 1998)] -, não é organicamente inconstitucional.
4.1.2. Embora a sentença recorrida não aponte outros motivos de inconstitucionalidade, sempre se dirá que o artigo 10º aqui sub iudicio também não é inconstitucional pelo facto de a taxa do direito de compensação que instituiu ser fixada pelo recurso a um diferencial entre dois preços: o preço mínimo de entrada, fixado por portaria, e o preço real de importação (preço CIF, adicionado das despesas de cais, dos direitos aduaneiros e de outras despesas cobradas à entrada).
As razões por que assim se conclui são as que levaram este Tribunal, no acórdão n.º 229/97 (publicado no Diário da República, II série, de 30 de Junho de 1997), a concluir pela não inconstitucionalidade do artigo 15º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 503/85, de 12 de Dezembro, que criou um direito de compensação, a cobrar pela importação de bananas. Conclusão que, depois, repetiu nos citados acórdãos nºs 258/98 e 359/98. De facto, o direito de compensação devido pela importação de bananas, criado pelo artigo 15º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 503/85, de 12 de Dezembro, é em tudo idêntico ao direito de compensação, em causa neste recurso, criado pelo artigo
10º do Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro, para a importação de batata de consumo, pois que o valor a cobrar é, em ambos os casos, igual à diferença entre dois preços: o preço de referência ou preço mínimo de entrada, fixado por portaria, e o preço real de importação.
No citado acórdão n.º 229/97, sublinhou-se que a exigência constitucional de a taxa do imposto dever ser determinada por lei ('Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes' - prescreve o artigo 103º, n.º 2, da Constituição, na sua actual redacção), 'não implica que do preceito legal tenha de resultar directamente o valor da prestação que cada contribuinte deve pagar por força da aplicação da norma de incidência'. E, nesse aresto, acrescentou-se: Na verdade, o valor exacto da prestação a favor do Estado há-de resultar da aplicação de um critério prefixado (a taxa do imposto) referido a um factor variável (base tributável), sem que tal mecanismo de apuramento do quantum do imposto represente uma violação do princípio da tipicidade tributária. Assim, existem várias modalidades de taxas (taxas constantes, progressivas, específicas, ad valorem), que, em função da sua aplicação a factores mais ou menos variáveis, levam à determinação do montante que o contribuinte terá de entregar ao Estado. O critério a utilizar (que, por via de regra, se reconduz a um valor percentual - 'taxa') tem de estar genérica e abstractamente previsto na lei; os valores das variáveis a que se referem, em concreto, tais critérios, dos quais resultará o montante específico da prestação devida, já não estarão - nem podiam estar, por natureza - sujeitos ao princípio da legalidade. E, passando à análise do caso concreto que então havia que julgar, o acórdão acentuou: Neste caso, trata-se de uma taxa ad valorem (na verdade, uma taxa de 100% relativamente à diferença de montante entre o preço de referência e o preço de entrada, própria de uma espécie tributária que incide sobre um acréscimo patrimonial repercutido sobre o consumo e destinada a proteger o mercado. A lei prevê o critério pelo qual se determina o montante a entregar ao Estado por força da cobrança de direitos compensadores na importação de bananas. O valor a pagar resultará da diferença entre o preço de referência (fixado por portaria) e o preço de entrada (...), sempre que este for inferior àquele. Este critério está genérica e abstractamente consagrado na lei (artigo 15º, n.º
1, do Decreto-Lei n.º 503/85), tendo sido objecto da devida publicidade (...). O que resulta do funcionamento das leis do mercado não é a taxa do imposto devido
(...), mas sim o valor de uma das variáveis (preço de entrada) que irá determinar a prestação devida à luz do princípio da igualdade tributária. Está-se já no momento da concretização do valor da obrigação de imposto, e não no da fixação da respectiva taxa. O critério objectivo que conduz à determinação do montante está na lei. Da aplicação desse critério aos valores variáveis (o que pressupõe, naturalmente, a concretização destes) resulta a fixação do valor a pagar, e não o valor da taxa a aplicar. A determinação do preço de entrada enquadra-se, pois, na fase de fixação do montante a pagar pelo contribuinte, não consubstanciando a fixação de qualquer 'taxa' do imposto.
4.2. As normas da Portaria n.º 238/93, de 27 de Fevereiro: Recorda-se que a Portaria veio estabelecer preço mínimo de entrada, a fim de assegurar 'o equilíbrio entre a oferta e a procura de batata no mercado nacional a um nível de preço aceitável para os produtores, nos termos previstos na organização nacional do mercado da batata, instituída pelo Decreto-lei n.º
512/85, de 31 de Dezembro'. Esse preço vai, depois, servir de referência (de parâmetro) para a determinação do valor a pagar pelo contribuinte, a título de direito de compensação. Esse montante é igual à diferença entre o preço mínimo de entrada e o preço real de importação (preço CIF, adicionado das despesas de cais, dos direitos aduaneiros e de outras despesas cobradas à entrada).
A Portaria - que, como se referiu, tem, como lei habilitante, o artigo 10º do Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro -, ao fixar o preço mínimo de entrada, intervém já na fase de fixação do montante a pagar pelo contribuinte, e não no da fixação da taxa do direito de compensação devido pela importação de batata de consumo. Tal Portaria não veio, assim, fixar a 'taxa' de qualquer imposto (maxime, do direito de compensação devido pela importação de batata de consumo). Essa taxa - que é igual à diferença entre os dois preços (portanto, uma taxa de 100% dessa diferença) - está definida (fixada) na lei (recte, no artigo 10º do Decreto-Lei n.º 512/85, de 31 de Dezembro). É aí que, de forma genérica e abstracta, se prevê o critério que vai servir de base à determinação do montante a entregar ao Estado, a título de direito de compensação devido pela importação de batata de consumo.
A Portaria n.º 238/97, de 27 de Fevereiro, não padece, pois, de qualquer inconstitucionalidade.
5. Conclusão: Conclui-se, assim, que a norma que se contém no artigo 10º do Decreto-Lei n.º
512/85, de 31 de Dezembro, não padece de qualquer inconstitucionalidade. E o mesmo acontece com a norma constante da Portaria n.º 238/97, de 27 de Fevereiro. O presente recurso merece, pois, provimento.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). conceder provimento ao recurso;
(b). e, em consequência, revogar a sentença recorrida, a fim de ser reformada em conformidade com o aqui decidido sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Beleza Luis Nunes de Almeida
Processo n.º 886/98 Acórdão n.º /9 : DIREITOS ALFANDEGÁRIOS. DIREITO DE COMPENSAÇÃO
[ Importação de batata. Princípio da tipicidade do imposto. Taxa. Diferencial de preços]
- A f) do art. 30º da Lei n.º 2-B/85, de 28/Fev - que autorizou o Governo a
'adaptar a legislação aduaneira às técnicas implementadas na União Aduaneira do Mercado Comum, tendo em vista a próxima adesão à CEE' -, conquanto não seja um modelo de precisão, define o objecto, o sentido e a extensão da autorização legislativa em termos constitucionalmente suficientes. Cumpre, por isso, as exigências feitas pelo nº 2 do artigo 168º da CRP (v. 1982); e, assim, constitui credencial parlamentar para a edição do artigo 10º do DL n.º 512/85, de 31/Dez.
- O art. 10º do DL. n.º 512/85, de 31/Dez, não é, por isso, organicamente inconstitucional. E também o não é pelo facto estabelecer que, sempre que o preço de importação da batata de consumo for inferior ao preço mínimo de entrada, fixado por portaria, se cobra um direito de compensação, cujo montante
é igual à diferença entre esse preço mínimo de entrada (fixado por portaria) e o preço real de importação, que se determina tendo em conta o preço CIF, adicionado das despesas de cais, dos direitos aduaneiros e de outras imposições cobradas à entrada: de facto, ele fixa a taxa do tributo a cobrar (100% do diferencial daqueles preços).
- De facto, a exigência constitucional de a taxa do imposto dever ser determinada por lei não implica que o valor da prestação que cada contribuinte deve pagar por força da aplicação da norma de incidência tenha de resultar directamente do preceito legal. E, por isso, o facto de esse valor (o valor do imposto) se determinar por aplicação de um critério prefixado (a taxa do imposto) referido a um factor variável (base tributável) não importa violação do princípio da tipicidade tributária. O critério a utilizar para a determinação do valor do imposto (por via de regra, um valor percentual: uma taxa) é que tem de estar, genérica e abstractamente, previsto na lei. Os valores das variáveis a que se referem, em concreto, tais critérios, esses já não estão - nem podiam estar, por natureza - sujeitos ao princípio da legalidade (ac.229/97).
- Também a Portaria n.º 238/97, de 27/Fev, que fixa o preço mínimo de entrada da batata de consumo, que há-de servir de parâmetro à determinação do valor do direito de compensação a pagar, não é inconstitucional: na verdade, ela, que tem, como lei habilitante, o artigo 10º do DL. n.º 512/85, de 31/Dez, ao fixar o preço mínimo de entrada, intervém já na fase de fixação do montante a pagar pelo contribuinte, e não no da fixação da taxa do direito de compensação devido pela importação de batata de consumo. Tal taxa está fixada na lei.