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Processo nº 691/99
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1. P. M., com os sinais identificadores dos autos, veio 'interpor Recurso para o Tribunal Constitucional, (art. 70º, nº 1-b), 75º-a), 78º nº 2 da Lei nº 28/82 de 15 de Nov.)', do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (1ª Subsecção da 3ª Secção), de 20 de Outubro de 1999, que, decidindo declarar 'improcedentes o recurso intercalar e o recurso da decisão final', por ele interpostos, manteve as decisões recorridas, ou seja, a decisão da 1ª Vara Criminal de Lisboa que o havia condenado 'como autor material de um crime de peculato, do art. 375 nº 1 do C. Penal revisto, na pena de 1(um) ano e 10 (dez) meses de prisão' (pena suspensa pelo prazo de dois anos), e a decisão que lhe havia indeferido 'as nulidades por si arguidas no requerimento de fls. 442, relativas à omissão de diligências de prova, requeridas em instrução'. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade invoca o recorrente o seguinte:
'1º- O Recurso é interposto ao abrigo do art. 70º, nº 1-b) da Lei nº 28/82 de 15 de Nov., com as alterações introduzidas pela Lei nº 85/89 de 01 de Setembro.
2º- O presente Recurso pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 340º nº 1, 341º-c), 124º e 125º do C.P., as quais, na interpretação implícita do Acórdão da 1ª Vara Criminal de Lisboa e Acórdão S.T.J., são inconstitucionais, por violadoras das normas e princípios constantes dos artigos 32º nº 1 e nº 5 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.). Na verdade, o Arguido ora Recorrente, requereu na sua Contestação que o Assistente B.P.A., viesse aos autos juntar relatório e documentos ali especificados, e que, reputava como essenciais à descoberta da verdade e boa decisão da causa (fls. 690/91); Tal meio de prova, foi ordenada a fls. 693, mas o Assistente/Ofendido nunca cumpriu tal despacho, não obstante o Arguido ter insistido no seu cumprimento, por requerimentos de 04 e 18 de Fev/98, pelo que deverá ser de novo ordenado o seu cumprimento; Foi assim retirada ao Arguido e possibilidade de provar, entre outros, os factos contidos nos artigos 10º, 11º, 18º, 22º, 30º, 39º, 41º e 42º da sua Contestação; Tal conduta, aceite pelo Tribunal, conduziu a que, as normas contidas nos artigos 340º nº 1; 341º -c); 124º e 125º do C.P.P., na interpretação implícita no Acórdão, quer da 1ª instância, quer do S.T.J., sejam inconstitucionais por violarem os princípios constantes dos artigos 32º nº 1, e, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, e, como tal deverão ser declarados inconstitucionais.
3º-A questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, mais precisamente na Motivação do Recurso interposto do Acórdão da 1ª Vara Criminal de Lisboa para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça'.
2. O presente recurso vem fundado na alínea b), do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, transcrevendo a alínea b), do nº 1 do artigo 280º, da Constituição, sendo entre o mais, requisito processual específico dele a suscitação da questão de inconstitucionalidade - e inconstitucionalidade normativa - durante o processo, ou seja, a suscitação de tal questão 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer', como hoje se exige no nº 2 do artigo 72º, da mesma Lei nº 28/82, e na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro
(correspondendo à jurisprudência constantemente reafirmada pelo Tribunal Constitucional). Ora, é esse requisito que não se verifica no presente caso. Com efeito, e desde logo, na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente reporta-se ao acórdão da 1ª Vara Criminal de Lisboa que o condenou pelo crime de peculato, quando diz que ele 'violou as normas contidas nos artigos 340º nº 1, 341º -c), 124º, 125º, e princípios constantes do art. 32 nº 1, nº 2 e nº 5 da Constituição da República Portuguesa'. Isto, porém, não é um modo processualmente adequado para suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa, pois esta tem de reportar-se a normas jurídicas e não à decisão jurisdicional que eventualmente as teria aplicado, aqui, as normas indicadas do Código de Processo Penal (conclusão A) dessa motivação, repetida nas alegações escritas apresentadas no Supremo Tribunal de Justiça). Mas ainda que se queira aproveitar da mesma motivação a alegação de que a conduta do Tribunal de instância 'conduziu a que, as normas contidas nos artigos
340º nº 1; 341º -c); 124º e 125º do C.P.P., na interpretação implícita no Acórdão sob censura, sejam inconstitucionais por violarem os princípios constantes dos artigos 32º nº e, nº 5 da Constituição da República Portuguesa, e, como tal terão de ser declarados inconstitucionais' (conclusão d), repetindo afirmações do texto da motivação), querendo com isso o recorrente significar que lhe foi vedada a possibilidade de provar determinados factos, o certo é que ele não indica em parte alguma o sentido em que, no seu entendimento, aquele Tribunal interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada (e não basta uma referência vaga e genérica a uma 'interpretação implícita no Acórdão sob censura', faltando saber qual ela seja). Tanto assim que, no acórdão recorrido, quando se começa por apreciar a questão da inconstitucionalidade relativamente ao 'recurso da decisão final', constata-se que não está 'em causa qualquer problema de constitucionalidade, mas antes o do correcto cumprimento de tais normas do C.P.P.' seguindo-se a demonstração de que não se mostram 'incumpridas essas normas'. E a explicação dada no acórdão é esta:
'Pretende, em síntese, o recorrente que ela [a questão da inconstitucionalidade] resulta da interpretação implícita pelo Tribunal a quo das normas contidas nos arts 340º, nº 1, 341º, al. c), 124º e 125º do C.P.P., em violação dos princípios constantes do art. 32º, nºs 1 e 5 da C.R.P., ao não repetir a ordem dada ao assistente para, em harmonia com o que o arguido requerera na contestação, com vista a provar, entre outros, os factos contidos nos artigos 10º, 11º, 18º, 22,
30º, 39º, 41º e 42º da sua contestação, juntar determinados documentos
[originais completos das fitas da máquina ATM, registo e relatório completo da assistência prestada a essa máquina e cópia do processo disciplinar (se existente) referente aos factos que o Banco P... diz (a fls. 241-vol.II) terem estado na origem da retirada do Arguido do balcão do S... (e não dos factos ocorridos no balcão da rua C..., que já se encontra junto a fls. 304 e seguintes
– Vol. II), a fim de o arguido provar a sua conduta enquanto funcionário do Banco P...] O douto acórdão recorrido não fez qualquer interpretação, explícita ou implícita, dos citados artigos, que se possa considerar em contradição com o direito de defesa consagrado desde logo a nível constitucional (art. 32º, nºs 2 e 5 da C.R.P). Nada revela, efectivamente, que a invocada omissão tenha sido determinada pelo entendimento de que não devia, caso a descoberta da verdade o justificasse, efectuar-se produção desses meios de prova (cf. art. 340º); ou que não havia que fazê-lo em harmonia com a ordem indicada no art. 341º, ou que era de excluir do objecto da prova factos reconhecidos pelo Tribunal como juridicamente relevantes para a existência do crime (art. 124º); ou que era de afastar a produção desses meios de prova indicados pelo arguido, por se considerarem inadmissíveis, apesar de não proibidos por lei (art. 125º).
É aliás, de notar que o recorrente não explicita, como devia ter feito em obediência ao disposto nos art. 412º, nº 2, al. b), do C.P.P., o sentido em que, no seu entender, o tribunal interpretou cada uma dessas normas e aquele em que estas deviam ter sido interpretadas, ou o sentido com que as aplicou e aquele com que deviam ter sido aplicadas'. Daqui decorre que também neste aspecto a suscitação da questão da inconstitucionalidade não se mostra feita de modo processualmente adequado, por faltar a indicação do sentido de interpretação e de aplicação das normas questionadas do Código de Processo Penal (a tal 'interpretação implícita' a que se refere o recorrente, seja a que teria sido feita na decisão recorrida, seja a que, no seu entendimento, deveria ser perfilhada, para ser constitucionalmente conforme às normas e princípios da Lei Fundamental). Por tudo isto, não se mostrando cumprido o requisito processual em causa, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
3. Termos em que, DECIDINDO, e ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo
78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º, da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, e na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta'.
B. Dela veio o recorrente, 'nos termos do art. 78º-A, nº 3 da Lei nº 28/82 de 15 de Nov. (redacção introduzida pela Lei nº 13-A/98 de 26 de Fev.), reclamar para a conferência', defendendo 'o conhecimento do Recurso interposto para este Tribunal Constitucional' e adiantando a seguinte conclusão:
'a) Quer o STJ, quer este Venerando Tribunal Constitucional, e sempre com o devido respeito, demonstram ter apreendido o sentido inconstitucional que, o Recorrente entendeu que foi perfilhado pelo Tribunal, na interpretação e aplicação implícita das normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada; b) Assim como perceberam o sentido em que, o Recorrente entende que tais normas deviam ter sido interpretadas pelo Tribunal, por forma a que se assegurassem os princípios constitucionais constantes do art. 32º nº 1 e 5 da C.R.P.; c) Se tal foi percebido, é porque, mal ou bem, foi explicitado; d) De qualquer forma, se, quer o STJ, quer o Tribunal Constitucional entendiam haver deficiências na suscitação da inconstitucionalidade, deviam ter convidado o Recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento (art. 265 nº 2 do CPC - por interpretação extensiva - aplicável por força do art. 4º do CPP e art. 75º-A, nº
5 da Lei nº 28/82, na redacção da Lei nº 13-A/98), em defesa da verdade material. e) Ao assim não proceder, violou o Tribunal Constitucional as normas contidas no art. 75º-A, nº 5 da Lei nº 28/82, na redacção da Lei nº 13-A/98' C. Respondeu à reclamação o Ministério Público, sustentando que ela deverá improceder, 'por falta manifesta de um essencial pressuposto do recurso de constitucionalidade interposto', já que 'o reclamante não cumpriu, de forma adequada e tempestiva, o ónus de especificar qual a interpretação normativa que o acórdão recorrido terá realizado das normas a que reportou o recurso de fiscalização concreta interposto, delimitando e definindo claramente o objecto deste' e 'sendo certo que não cabe obviamente no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas sindicar da pertinência ou necessidade de realização de diligências instrutórias requeridas no curso do processo penal' D. Também respondeu o recorrido Banco P.....,SA, assistente nos autos, defendendo que deve ser mantida a decisão reclamada e extraindo da extensa peça processual apresentada as seguintes conclusões:
'1 - O n° 2 do art. 72° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro, no que respeita à legitimidade para recorrer perante o Tribunal Constitucional, é bem claro ao exigir que, sendo o recurso fundado nas alíneas b) ou t) do art. 70° deste mesmo diploma legal - alínea b ), no caso sub iudice -, o recorrente «haja suscitado a questão da inconstitucionalidade (...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
2 - Ora, tendo o recorrente suscitado a questão da inconstitucionalidade apenas em sede de recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, e sendo este recurso restrito à matéria de Direito (art. 434° do Código de Processo Penal), o «modo processualmente adequado» para suscitar tal questão não pode ser outro senão o enunciado no n° 2 do art. 412° do Código Processo Penal, que versa especificamente sobre a interposição de recurso em matéria de Direito.
3 - No entanto o recorrente não explicita, em passo algum das conclusões do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, ou sequer ao longo da motivação, o sentido em que, no seu entender, o Tribunal interpretou cada uma das normas e aquele em que estas deveriam ter sido interpretadas, ou o sentido com que se aplicou e aquele com que deveriam ter sido aplicadas.
4 - Assim, uma vez verificado o incumprimento de tal exigência legal, e salvo melhor entendimento, o Supremo Tribunal de Justiça deveria ter rejeitado o recurso não chegando sequer a conhecer do seu objecto.
5- Não se argumente tão pouco que o Supremo Tribunal de Justiça deveria ainda ter convidado o recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento, por via de uma pretensa interpretação extensiva do art. 265° n° 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 4° do Código de Processo Penal - cfr. ponto 9 da reclamação -, quando o art. 4 12° n° 2 do Código de Processo Penal é bem explícito ao estatuir que o recorrente deve fazer constar das conclusões os referidos sentidos interpretativos «sob pena de rejeição», sendo aliás jurisprudência corrente que o mencionado art. 412° não permite que o recorrente venha, a posteriori, suprir deficiências da motivação do recurso - cfr. Ac. STJ de 21 de Junho de 1995, proc. 47717/38.
6 - No entanto, e independentemente de dever o Supremo Tribunal de Justiça ter rejeitado o recurso que lhe era submetido a apreciação, certo é não ter sido dado cumprimento ao disposto na alínea b) do n° 2 do art. 4 12° do Código de Processo Penal, pelo que necessariamente se tem de concluir que a questão da inconstitucionalidade apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso, não foi suscitada do «modo processualmente adequado».
7 - Indo ao encontro do que se acabou de afirmar , refira-se ainda o facto de o recorrente, a dado passo das conclusões de recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, afirmar: «O douto Acórdão recorrido [Acórdão do Tribunal de Ia Instância], violou as normas contidas nos arts. 340° n° 1, 341° - c), 124°,
125°, e princípios constantes do art. 32° n° I, n° 2 e n° 5 da Constituição da República Portuguesa.», parecendo assim querer submeter o próprio Acórdão recorrido ao controlo da constitucionalidade, quando é certo que no sistema constitucional português apenas estão sujeitos a controlo jurisdicional da constitucionalidade actos, ou omissões, normativos. Ora também este não consubstancia o modo processualmente adequado a suscitar a questão da constitucionalidade.
8 - Assim sendo, não se verificando a condição de que expressamente o n° 2 do art. 72° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n° l3-A/98, de 26 de Fevereiro, faz depender a legitimidade para a interposição de recurso da constitucionalidade fundado na alínea b) do art. 70° deste mesmo diploma, o recorrente carece efectivamente de legitimidade para recorrer para este Tribunal, pelo que, outra decisão não poderia proferir o Meritíssimo Juiz Conselheiro Relator, senão aquela que efectivamente proferiu, ao abrigo do art.
78°-A n° 1 do diploma supra mencionado, não conhecendo do objecto do recurso.
9 - Revela-se ainda destituída de qualquer razão a posição sustentada pelo recorrente no sentido de que o próprio Tribunal Constitucional deveria ter convidado o recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento, por força do art. 75°-A n° 5 da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro, uma vez que o que está em causa no caso sub iudice, não é a falta de indicação, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, de algum dos elementos elencados nos nºs 1 e 2 do referido art.
75°-A, mas sim a falta de legitimidade do recorrente para recorrer para o Tribunal Constitucional, decorrente de não ter suscitado, do modo processualmente adequado - com cumprimento, designadamente, do disposto no n° 2 alínea b) do art. 412° do Código de Processo Penal -, a questão da constitucionalidade perante o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n° 2 do art. 72° da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei n° 13-A/98, de
26 de Fevereiro.
10 - Sempre se diga que, mesmo não ocorrendo qualquer vício de ilegitimidade por parte do recorrente, sempre o presente recurso deveria ser indeferido, nos termos do art. 76° n° 2 da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei n° 13-A/98, de 26 de Fevereiro, na parte em que este se refere às decisões que não admitem recurso para o Tribunal Constitucional, por não se vislumbrar no douto Acórdão recorrido qualquer das situações, enunciadas no n° 1 do art. 70° do referido diploma legal, de que cabe recurso para o Tribunal Constitucional, uma vez que não estamos aqui perante qualquer questão de inconstitucionalidade.
11 - Efectivamente, pretende o recorrente que o Tribunal de 1a Instância, ao não repetir a ordem dada ao assistente para, em conformidade com o que o arguido requerera na Contestação, vir aos autos juntar determinados documentos, estaria a fazer uma interpretação das normas contidas nos arts. 340° n° 1, 341° alínea c), 124° e 125° do Código de Processo Penal contrária aos princípios constitucionais consagrados no art. 32° nos 1 e 5 da Constituição .
12- Contudo, o não ordenamento pelo Tribunal de determinados meios de prova não resulta de um qualquer entendimento interpretativo tido pelo Tribunal, relativamente às referidas normas, mas resulta, sim, somente do normal juízo que o Tribunal deve fazer sobre a necessidade, ou não, para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, da produção dos meios de prova requeridos pelo arguido. Poderá questionar-se da bondade ou não deste juízo, no entanto, certo é não ser esta a sede própria para o fazer'. E. Tudo visto, cumpre decidir.
É facto que o recorrente e ora reclamante, na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, afirma serem inconstitucionais 'as normas contidas nos artigos 340º, nº 1, 341º, c); 124º e 125º do C.P.P. na interpretação implícita no Acórdão sob censura' – e volta a repetir a mesma afirmação no requerimento de interposição do recurso da constitucionalidade -, mas em parte alguma de tais peças indica o sentido da interpretação e da aplicação dessas normas questionadas do Código de Processo Penal (e no acórdão ora recorrido já é feito este reparo quando se diz que 'o recorrente não explicita, como devia ter feito em obediência ao disposto nos art. 412º, nº 2, al. b), do C.P.P., o sentido em que, no seu entender, o tribunal interpretou cada uma dessas normas e aquele em que estas deviam ter sido interpretadas, ou o sentido com que as aplicou e aquele com que deviam ter sido aplicadas', o que deveria até, em bom rigor, conduzir à rejeição do recurso, nos termos do disposto no artigo 420º do citado Código). Essa mera afirmação, com alcance vago e genérico, não serve minimamente para o preenchimento da exigência da suscitação de questão de inconstitucionalidade 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' (nº 2 do artigo
72º, da Lei nº 28/82). Pretende agora o reclamante que 'aquele STJ apreendeu o sentido da interpretação implícita na decisão recorrida, e, o sentido pretendido pelo Recorrente' e se entendeu 'ambos os sentidos é porque eles, bem ou mal, de uma forma mais ou menos expressiva, foram explicitados' ('Se tal foi percebido, é porque, mal ou bem, foi explicitado' - é como conclui o reclamante na alínea c) da conclusão). Só que, não basta que nas instâncias se haja eventualmente 'apreendido o sentido inconstitucional' com que as normas em causa terem sido pretensamente interpretadas e aplicadas, ou que se haja percebido 'o sentido em que, o Recorrente entende que tais normas deveriam ter sido interpretadas pelo Tribunal, por forma a que se assegurem os princípios constitucionais constantes do art. 32º nº 1 e 5 da C.R.P:', talqualmente ele se expressa, pois uma e outra coisa têm de ser avançadas minimamente na peça processual adequada – aqui a motivação que foi presente ao Supremo Tribunal de Justiça –pela parte interessada na arguição da questão de inconstitucionalidade. Pois que só assim o tribunal que proferiu a decisão recorrida está obrigado a conhecer dessa arguição (e, in casu, o acórdão recorrido reconhece que a decisão da primeira instância 'não fez qualquer interpretação, explícita ou implícita, dos citados artigos, que possa considerar em contradição com o direito de defesa consagrado desde logo a nível constitucional (art. 32º, nºs 2 e 3 da C.R.P.) e que 'o recorrente não explicita, como devia ter feito em obediência ao disposto no art.
412º, nº 2, al. b), do C.P.P., o sentido em que, no seu entender, o Tribunal interpretou cada uma dessas normas e aquele em que estas deviam ter sido interpretadas, ou o sentido com que as aplicou e aquele com que deviam ter sido aplicadas'). Com o que não pode proceder a argumentação do reclamante e, por isso, não lhe assiste razão quando pretende demonstrar que a questão de
(in)constitucionalidade em causa foi por ele 'correctamente suscitada'. E, verdadeiramente nem sequer o poderia fazer, porque o que está em causa é sempre a correcção de uma decisão judicial, relativamente à realização de diligências instrutórias para prova de determinados factos ('Tal conduta, aceite pelo Tribunal, conduziu a que, as normas contidas nos artigos 340º nº 1; 341º
-c); 124º e 125º do C.P.P., na interpretação implícita no Acórdão, quer da 1ª instância, quer do S.T.J., sejam inconstitucionais... ' - é mesmo a linguagem do recorrente, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade). Tal como diz o Ministério Público, é certo 'que não cabe obviamente no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade de normas sindicar da pertinência ou necessidade de realização de diligências instrutórias requeridas no curso do processo penal' F. Uma última palavra para rebater a ideia do reclamante de que, 'quer o STJ quer o Tribunal Constitucional (se) entendiam haver deficiências na suscitação da inconstitucionalidade, deviam ter convidado o Recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento (art. 265 nº 2 do CPC – por interpretação extensiva – aplicável por força do art. 4º do CPP e art. 75º-A, nº 5 da Lei nº 28/82, na redacção da Lei nº 13-A/98), em defesa da verdade material' pelo que, ao assim não proceder,
'violou este Tribunal Constitucional as normas contidas no art. 75º-A, nº 5 da Lei nº 28/82, na redacção da Lei nº 13-A/98'. Para o reclamante há 'um autêntico poder/DEVER que lhes está atribuído, por forma a evitar que simples erros processuais desvirtuem a verdade material', mas não é assim. Na verdade, e sem questionar agora se o juiz ou o relator no Tribunal Constitucional estão adstritos a um ónus processual de convidar o requerente, sempre que no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade faltem os elementos a que se refere o artigo 75º-A, o certo é que, neste particular, o reclamante obedeceu a tal exigência: indicou ' a alínea do nº 1 do artigo 70º ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade (...) se pretende que o Tribunal aprecie' (nº 1) e também indicou a 'norma ou princípio constitucional (...) que se considera violado, bem como da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade (...)' (nº 2). Só que não cumpriu o ónus processual – este sim, verdadeiro ónus – da suscitação da questão de inconstitucionalidade 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão', como ficou já dito. Com o que não pode proceder a invocada violação das 'normas contidas no art.
75º-A, nº 5 da Lei nº 28/82, na redacção da Lei nº 13-A/98'.
G. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta. Lisboa, 23 de Fevereiro de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa