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Processo nº 680/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- J..., coronel na situação de reforma antecipada, interpôs, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL), recurso contencioso de anulação do despacho da Direcção dos Serviços de Previdência da Administração da Caixa Geral de Aposentações, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Março de 1993, que fixou a sua pensão definitiva de aposentação.
Negado provimento ao recurso, por sentença de 21 de Abril de 1994, da decisão recorreu o interessado para o Supremo Tribunal Administrativo (STA).
O recurso veio, no entanto, a ser julgado deserto, por falta de alegações - dadas as disposições conjugadas dos artigos 292º, nº 1, e
690º, nº 2, do Código de Processo Civil e artigo 1º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho) - de acordo com o despacho do Juiz do Tribunal a quo, de 11 de Julho de 1994, confirmado em
6 de Fevereiro de 1995, ao ser indeferida a pretensão de revogação do primeiro.
Do indeferimento agravou o interessado, dando lugar ao acórdão do STA de 28 de Maio de 1996, no qual se confirmou a decisão recorrida e se negou provimento ao recurso, após se considerar não ter sido cometida qualquer nulidade na notificação da admissão do recurso e não se haverem por inconstitucionais as normas relativas à notificação postal, no segmento colocado em crise.
Inconformado, interpôs o interessado recurso para o Tribunal Constitucional, o qual viria a ser admitido após esclarecimentos prestados ao abrigo do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Sob a égide da alínea b) do nº 1 do artigo 70º deste diploma legal, pretende-se ver apreciada a constitucionalidade das normas dos artigos 253º e 254º do CPC e as do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro,
'na interpretação constante do douto acórdão recorrido', questão equacionada nas alegações para o STA, violadora, no entender do recorrente, do 'princípio do livre acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, consagrado no artigo 20º da Constituição.'
Alegou oportunamente o recorrente, limitando-se a recorrida a oferecer o merecimento dos autos.
Correram-se os vistos legais.
2.1. - Coloca-se, desde logo, o problema da correcta delimitação do objecto do recurso.
Entende o recorrente que a interpretação feita no acórdão recorrido implica uma dimensão normativa dos artigos 253º e 254º do CPC e do Decreto-Lei nº 121/76 que tem por inconstitucionais, nos termos já consignados.
Ora, as normas desse Código em causa, pertinentes às notificações às partes que constituiram mandatários em processos pendentes, no texto então em vigor, articulavam-se estreitamente com o artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76 - único preceito deste diploma que interessa reter - estabelecendo um complexo normativo que pode, assim, enunciar-se:
a) as notificações às partes em processos pendentes são feitas nas pessoas dos seus mandatários judiciais (nº 1 do artigo 253º);
b) estes são notificados (não o sendo pessoalmente) por registo postal, dirigido ao seu escritório ou ao domicílio escolhido (nº 1 do artigo 254º conjugado com o artigo 1º, nº 1, do Decreto-Lei nº 121/76, então em vigor);
c) a notificação presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a este, quando o não seja (nº 3 do mencionado artigo 1º);
d) a presunção só pode ser ilidida pelo avisado ou notificado quando o facto da recepção do aviso ou notificação ocorra em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis (nº 4 do citado artigo 1º).
Este regime - hoje transposto para o artigo 254º do CPC na sequência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro - tal como interpretado foi pela decisão recorrida, viola o princípio do livre acesso ao direito e aos tribunais consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (CR), como o recorrente pretende?
É esta a questão a resolver.
II
1.- A tese do recorrente subentende, na verdade, uma inevitável articulação entre o que mais não é do que matéria de nulidade, alegadamente cometida no procedimento de notificação do mandatário - situada, como tal, em área estranha à competência deste Tribunal - e um juízo a seu respeito formulado que pode entender-se passar, efectivamente, pelo crivo de uma interpretação normativa em sede de constitucionalidade (objectar-se-á ainda que, porventura, isso não seja inteiramente líquido, que tudo se situa nos parâmetros de um recurso de amparo, mesmo nesse enfoque, o que, a ser assim, obstaria ao seu conhecimento).
Com efeito, tudo radica no meio como o mandatário judicial do recorrente deu a conhecer ao tribunal a mudança do seu escritório, gerando uma falha de notificação que importaria o julgamento de deserção do recurso interposto por falta de alegações.
Em sede ora insindicável, teve o Supremo como assente que a secretaria do tribunal a quo, com o intuito de notificar o mandatário do recorrente da admissão do recurso interposto para esse Supremo, endereçou carta registada para o escritório com a morada constante da procuração junta aos autos, onde a mesma foi recebida por pessoa que não o referido mandatário, iniciando-se, desse modo, a partir de então, o prazo de vinte dias para alegar.
Utilizou-se, assim, o expediente previsto no artigo 254º do CPC, conjugadamente com os nºs.1 e 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76
(aplicável ao contencioso administrativo por força dos artigos 1º e 10º, nº 3, da LPTA - Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho) mercê do qual os mandatários judiciais são notificados por carta registada dirigida para o escritório ou o domicílio escolhido, considerando-se a notificação efectuada ainda que recebida por pessoa diversa.
Perante este procedimento, afirma-se no acórdão recorrido não se verificar qualquer nulidade na notificação do mandatário do recorrente, pois que esta foi efectuada em conformidade com aqueles preceitos,
'ainda que quem recebeu a carta registada no escritório indicado na procuração não possa ser identificável por a sua rubrica aposta no talão do registo ser ilegível'. É que - acrescenta-se - o artigo 254º do CPC assenta no pressuposto de que o mandatário forense 'toma todas as devidas precauções para receber as notificações que hajam de lhe ser feitas, o que não se verificou pelo mandatário ou mandatários do recorrente'.
E, após se considerar como inexigível para a secretaria certificar-se da mudança de escritório só pelo facto da aposição do carimbo onde consta a alteração do domicílio no final do requerimento de interposição do recurso, por não ser esse o meio normal de se comunicar a mudança de escritório a um tribunal, mais se observa no aresto recorrido:
'Aliás, não obstante a mudança de escritório, o certo é que o mandatário do recorrente tomou conhecimento da carta registada dirigida para o anterior escritório, a notificá-lo do despacho que julgou deserto o recurso, o que revela que só quanto à notificação do recurso para este Supremo Tribunal não tomou as devidas precauções. Foi, pois, perfeita a notificação dirigida ao escritório do notificando ainda que o aviso da carta registada não tivesse sido assinado por aquele [...].'
A este propósito, e na abordagem específica da questão de constitucionalidade mais se ponderou:
'Ora, não se vislumbra em que é que as normas dos artigos 253º e 254º do CPC e as normas do DL nº 121/76, violam o acesso ao direito e aos tribunais só por determinarem que produz efeitos de notificação efectiva ao mandatário forense a notificação a si dirigida para o seu escritório que indicou na procuração junta ao processo e contida em carta registada, tendo a mesma sido recebida, ainda que o talão de registo não se mostre assinado por aquele, tanto mais que foi notificado, por diversas vezes, desta forma, e só não terá tomado conhecimento da notificação que lhe admitiu o recurso por culpa sua ao mudar de escritório sem comunicar tal facto ao tribunal e sem ter tomado as precauções necessárias quanto à recepção da correspondência no escritório que indicou na procuração forense junta aos autos.'
2.- Não é este, no entanto, o entendimento do recorrente, como se retira do último núcleo de conclusões das respectivas alegações, que será pertinente transcrever:
'42º- A notificação que deveria ter levado ao conhecimento do mandatário do recorrente o douto despacho que admitia o recurso interposto não foi efectivamente recebida por este.
43º- Este apenas teve conhecimento do douto despacho que julgou deserto o recurso por falta de alegações.
44º- De imediato, o mandatário judicial requereu que fosse ordenada notificação a admitir o recurso para a partir daí se poder dar início à contagem do prazo para apresentar alegações.
45º- A falta de notificação ou uma notificação imperfeita determina nulidade processual.
46º- A parte que se vê impedida de prosseguir no exercício do seu direito de recorrer da decisão com que não se conforma, é prejudicada com a nulidade existente.
47º- A notificação nos termos legais presume-se feita no seu destinatário, admitindo prova em contrário.
48º- A mudança de escritório por parte do mandatário judicial do recorrente ou as 'vissicitudes' do funcionamento do escritório foram e são totalmente irrelevantes para a falta de notificação verificada, até porque como se reconhece o douto despacho recorrido, as várias notificações efectuadas para um ou outro local foram sempre recebidas, à excepção da já referenciada.
49º- Os serviços do Tribunal cumpriram com a expedição postal da notificação, os serviços do correio informam que a carta registada foi recebida por alguém cuja assinatura é ilegível, sendo certo que não se trata de ninguém ligado ao escritório do ora mandatário.
50º- A expedição de notificações pela forma legal, apenas sob registo, é falível como reconhece o douto Acórdão da Relação de Évora de 19/07/1990.
51º- Não deve o recorrente ser privado de um direito que a constituição especialmente garante, somente porque ocorreu um facto cuja responsabilidade, em boa verdade, não pode ser imputada a ninguém.'
3.- Ora, a questão de constitucionalidade equacionada - insiste-se - pressupõe uma interpretação do apontado complexo normativo em termos que o recorrente considera lesiva do direito de acesso ao direito e aos tribunais tal como plasmado se encontra no artigo 20º da Lei Fundamental, independentemente das vicissitudes realmente ocorridas no procedimento notificatório - que, de resto, não foi ajuizado como gerador de nulidade.
A este respeito se dirá que a regulamentação jurídica da notificação dos actos processuais mediante via postal procura articular flexibilidade e simplificação com a garantia da efectiva comunicação: o sistema, como se observa no preâmbulo ao Decreto-Lei nº 329-A/95, em termos aqui inteiramente convocáveis, só operará validamente se e na medida em que o destinatário do acto não alegue nem demonstre que não chegou a ter conhecimento do acto por facto que lhe não seja imputável.
Nesta óptica, a jurisprudência vem entendendo que, ao indicar o seu escritório ou domicílio, o mandatário forense toma as devidas precauções para receber as notificações que hajam de lhe ser dirigidas e que, portanto, as que deixar de receber por culpa sua produzirão os seus efeitos de notificação efectiva (cfr., v.g., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de
15 de Fevereiro de 1977 e de 13 de Maio de 1993, publicados no Boletim do Ministério da Justiça, nº 264, págs. 194 e segs., e na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano I, 1993, tomo II, págs. 102 e segs., respectivamente, e da Relação de Lisboa, de 28 de Maio de
1992, na Colectânea de Jurisprudência, ano XVII, 1992, tomo III, págs. 94 e segs.).
Por outras palavras, se a notificação materialmente expedida por via postal não chegou ao conhecimento do seu destinatário - mandatário forense do recorrente - porque este se absteve de diligenciar no sentido da comunicação da mudança do seu escritório para outro lugar, mantém-se a presunção decorrente do nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76 em conexão com a norma dos artigos 253º e 254º do CPC (hoje prevista no artigo 254º).
É certo que, in casu, o mandatário do recorrente apôs, no requerimento de interposição do recurso, um carimbo onde a morada anteriormente constante dos autos e de outros carimbos análogos foi modificada: onde estava 'Estrada de Benfica, 686, 3º Dto.' passou a estar 'Estrada de Benfica, 684, 4º Esq.'.
O tribunal a quo entendeu, no entanto, não se verificar nulidade alguma em termos que, designadamente, afastam eventual violação do artigo 20º da Constituição.
E, na verdade, na estrita medida de valoração constitucional, se dirá não merecer censura semelhante interpretação, onde é patente a inidoneidade do meio utilizado para se poder considerar ilidida a presunção estabelecida no nº 4 daquele artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76 (cfr., a este propósito, os recentes acórdãos deste Tribunal nºs. 724/95, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Março de 1996, 124/96 e 1059/96, inéditos). Meio que contrasta abertamente com a comunicação feita mais recentemente de nova alteração de morada, expressa autónoma e inequivocamente em ofício dirigido ao Supremo (fls. 174).
Não se argumente, a este propósito, com o sistema do Código de Processo Penal (artigo 113º) onde se pretende estar garantida a efectiva comunicação com o notificado: o regime é, sem dúvida, diferente, mas nem por isso o decorrente da lei processual civil vai bulir com o direito de acesso ao direito, nas suas várias vertentes constitucionalmente acolhidas.
Assim não sucederia se ocorresse uma não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo que impossibilitassem o recorrente de exercer o seu direito de recorrer e apresentar as correspondentes alegações, com evidente e efectivo prejuízo para a sua posição processual.
Não é esta a situação: a mecânica da comunicação funcionou com normalidade - de modo algum afectando a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva - e a respectiva normação foi interpretada em termos não passíveis de censura jurídico-constitucional, ficando o não recebimento da notificação a dever-se a circunstâncias que nada têm a ver com aqueles parâmetros.
É, assim, evidente a improcedência das razões articuladas pelo recorrente. III
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, no que à matéria de constitucionalidade respeita. Lisboa, 12 de Janeiro de 1999- Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Artur Maurício Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa