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Proc. nº 637/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I
1. O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional, como representante do Ministério Público, requereu, ao abrigo do artigo 281º, nº 3, da Constituição, e
82º da Lei do Tribunal Constitucional, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional nº 6/93/M, de 22 de Março, segundo a qual 'é aplicado à cobrança de dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira o disposto no Decreto-Lei nº
194/92, de 8 de Setembro'.
O requerente fundou o pedido na circunstância de a norma ter sido explicitamente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, por violação dos artigos 234º, nº 1, e 229º, nº 1, alínea c), da Constituição, na redacção da Lei de Revisão Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, através dos Acórdãos nºs 305/99, de 18 de Maio, 325/99 e 326/99, ambos de 26 de Maio. O requerente juntou cópias dos Acórdãos mencionados, bem como do Diário da República no qual foi publicado o diploma em questão.
O Secretário Regional do Plano e da Coordenação, no exercício da Presidência, notificado nos termos e para os efeitos dos artigos 54º, 55º, nº 3, e 56º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, respondeu, informando que havia sido objecto de aprovação em Plenário do Conselho do Governo Regional, de 18 de Novembro de 1999, uma proposta de decreto legislativo regional, a enviar com carácter de urgência à Assembleia Legislativa Regional, visando a aplicação ao Serviço Regional de Saúde da Madeira do regime jurídico de cobrança de dívidas regulado pelo Decreto-Lei nº 218/99, de 15 de Junho. E afirmou que a aprovação de tal diploma iria implicar a revogação expressa expressa do Decreto Regulamentar Regional nº 6/93/M. Juntou cópia dessa proposta.
2. O Presidente do Tribunal Constitucional apresentou memorando, nos termos do artigo 63º da Lei do Tribunal Constitucional, propugnando a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional nº 6/93/M, de 22 de Março, orientação que foi acolhida pelo Plenário do Tribunal Constitucional.
II
A A utilidade do conhecimento do pedido
3. No dia 1 de Fevereiro, entrou em vigor o Decreto Legislativo Regional n.º 1/2000/M (do qual o Secretário Regional do Plano e da Coordenação no exercício da Presidência juntou cópia aos autos) que revogou o Decreto Regulamentar Regional nº 6/93/M, de 22 de Março (artigo 2º), determinando a aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho, à cobrança de dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira (artigo 1º). Tal diploma foi publicado no Diário da República n.º 25, I Série-A, de 31 de Janeiro de 2000.
Não obstante a revogação expressa do Decreto Legislativo Regional n.º 6/93/M, de 22 de Março, subsiste, no presente processo, a utilidade do conhecimento do pedido. Com efeito, a norma em apreciação vigorou num largo período de tempo, encontrando-se ainda a correr termos um significativo e relevante número de processos nos quais a mesma é aplicável. A decisão a proferir pelo Tribunal Constitucional (com eficácia ex tunc - artigo 282º da Constituição) repercute-se, assim, na categoria (alargada) de situações em que a norma contida no artigo 1º do Decreto Legislativo Regional n.º 6/93/M, de 22 de Março, ainda tem aplicação.
Nessa medida, o Tribunal Constitucional tomará conhecimento do pedido, em consonância com a sua reiterada jurisprudência, segundo a qual a revogação de uma norma não basta, por si só, para se não conhecer o pedido de fiscalização abstracta sucessiva de constitucionalidade com fundamento na respectiva inutilidade (cf., entre outros, os Acórdãos nºs 17/83, de 3 de Novembro - Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º vol., 1983, p. 93 e ss., e
116/97, de 18 de Fevereiro - idem, 36º vol., 1997, p. 67 e ss.).
B Apreciação do pedido
4. O Procurador-Geral Adjunto, em representação do Ministério Público, submete à apreciação do Tribunal Constitucional a conformidade à Constituição da norma contida no artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional nº
6/93/M, de 22 de Março. O Tribunal Constitucional julgou essa norma inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 234º, nº 1, e 229º, nº 1, alínea c), da Constituição, na versão da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, nos Acórdãos nºs 305/99, 325/99 e 326/99. A estes arestos seguiram-se, no mesmo sentido, os Acórdãos nºs 420/99, 483/99 e 484/99. Todas as decisões foram votadas por unanimidade. A norma em apreciação procede, como se referiu, à aplicação do regime criado pelo Decreto-Lei n.º 194/92, de 8 de Setembro (posteriormente revogado pelo Decreto-Lei n.º 218/99, de 15 de Junho), para a cobrança de dívidas às instituições e serviços públicos integrados no Serviço Nacional de Saúde (tal diploma confere força executiva aos documentos emitidos por esses serviços) à cobrança das dívidas contraídas perante as instituições e serviços públicos pertencentes ao Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira.
5. A matéria regulada na norma em apreço não respeita prevalecentemente ao Processo Civil. Com efeito, e como já entendeu o Tribunal Constitucional nos Acórdãos fundamento, a disposição sobre a forma e a eficácia da cobrança de débitos aos serviços regionais de saúde enquadra-se nos parâmetros do financiamento desses mesmos serviços, na medida em que se trata de matéria relacionada com a cobrança efectiva e em tempo útil das dívidas resultantes dos cuidados de saúde prestados. Desse modo, tal matéria integra-se no poder normativo regional. Contudo, a solução consagrada só pode constar de decreto legislativo regional. Na verdade, nos termos dos artigos 234º, n.º 1, e 229º, n.º 1, alínea c), da Constituição, na redacção da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de Julho, o Governo Regional apenas detém competência para regulamentar a legislação regional. Tratando-se da aplicação na Região do preceituado inovatoriamente num decreto-lei, a forma a adoptar tem de ser a de decreto legislativo regional. Assim, o Governo Regional, ao emitir a norma em questão, nos termos da qual se determina a aplicação na Região do preceituado inovatoriamente em decreto-lei quanto à forma de cobrança de determinadas dívidas, excedeu a competência regulamentar própria e invadiu a competência da Assembleia Legislativa Regional, com violação do disposto nos artigos 234º, nº 1, e 229º, nº 1, alínea c), da Constituição, na versão da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho.
Deste modo, invocando a fundamentação essencial dos Acórdãos nºs
305/99, 325/99 e 326/99, conclui-se pela inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional nº 6/93/M, de 22 de Março.
III
6. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma do artigo 1º do Decreto Regulamentar Regional nº 6/93/M, de 22 de Março, por violação dos artigos 234º, nº 1, e 229º, nº 1, alínea c), da Constituição, na versão da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho. Lisboa, 29 de Fevereiro de 2000 Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto Bravo Serra Messias Bento Guilherme da Fonseca Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa